quarta-feira, 20 de março de 2019

A mídia e o compromisso com a verdade


Proliferou-se na mídia e nas redes sociais a notícia de que uma Juíza de Campinas, numa sentença criminal, teria se valido de expressões preconceituosas. Trata-se de um processo em que o réu foi acusado de latrocínio. A defesa alegou nulidade do reconhecimento do réu feito pelas testemunhas. É que a Lei exige que a pessoa a ser reconhecida deve ser colocada ao lado de outras que com ela tiverem alguma semelhança. E isso não foi feito.
Enfrentando a questão, dentre outros argumentos para a condenação, a Magistrada disse: “Vale anotar que o réu não possui o estereótipo padrão de bandido, possui pele, olhos e cabelos claros, não estando sujeito a ser facilmente confundido”.
Analisada a expressão no contexto em que foi utilizada, não há nada de preconceituosa. Trata-se de um crime grave em que uma pessoa foi morta numa tentativa de roubo. A defesa buscou a absolvição com ênfase na nulidade do processo, por não se colocar ao lado do réu outras pessoas parecidas com ele no ato de reconhecimento. Assim, o argumento foi lançado na sentença de modo a reforçar o valor probatório do depoimento das testemunhas, que apontaram o réu como o autor dos disparos que culminou na morte da vítima.
Vejamos, porém, como os fatos foram noticiados. Revista Veja: “Juíza escreve na sentença que homem não parecia bandido por ser branco”. Na Globo News, em matéria levada ao ar recentemente, uma jornalista convidada a comentar o caso, disse textualmente: “Como eu tenho esse cabelo claro e tenho olho azul, eu posso matar todo mundo, ou posso fazer qualquer coisa, sair roubando as pessoas porque eu não tenho estereótipo aí de assassino, né?!”. E, mais adiante, afirma ela: “se a pessoa é clarinha, de olhinho claro, quem sabe ela tem até uma pena mais camarada, né?”.
Acontece que o réu do processo foi condenado a 30 anos de reclusão! E o argumento foi utilizado apenas para reforçar o valor probatório dos testemunhos, que apontavam o réu como autor dos disparos.
Talvez seja ainda uma triste realidade que em nosso País predomina o “PPP” entre os acusados e condenados. Bem por isso que é notório que os traços físicos do réu em questão destoam da imensa maioria da população carcerária brasileira. No entanto, em momento algum a juíza manifestou qualquer juízo de valor acerca dessa questão.
É célebre o adágio de que “o texto fora do contexto vira pretexto”. Se trouxermos o mesmo para ação de certos segmentos da nossa imprensa, é possível afirmar que o texto fora do contexto, vira pretexto para a injúria, para a difamação e para a maledicência. Com o devido respeito aos profissionais que agiram assim, é precisamente isso que se fez no caso em questão. Pinçaram uma frase da sentença, passando a denegrir injustamente a imagem da magistrada. Tanto que em muitas das matérias publicadas, dava-se a impressão que o argumento foi utilizado para absolver o réu!
Vivemos num momento em que tudo o que possa representar um descrédito ao Poder Judiciário ganha força na mídia com uma virulência nunca vista. Penso que deveríamos refletir com coragem sobre o motivo disso. Reportagens como aquelas acima mencionadas têm como origem apenas uma análise superficial do fato noticiado?
É curioso notar que tal campanha surge precisamente quando o avanço de operações policiais, às quais se seguem denúncias pelo Ministério Público e condenações pelo Poder Judiciário, têm desvendado organizações criminosas e levado ao cárcere muitos réus de pele, olhos e cabelos claros e, além disso, ricos e poderosos. Seriam tais ataques neste momento simples e mera coincidência?

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