Agora que se encerrou o prazo para que os partidos e
coligações registrassem suas candidaturas para as eleições municipais de 2008, a imprensa tem
noticiado os limites máximos de gastos que os candidatos informaram à Justiça
Eleitoral. E as matérias publicadas seguem mais ou menos uma mesma linha:
relatam números (milhões) que, em si, causam perplexidade no cidadão comum e,
em seguida, dizem nas entrelinhas, ou mesmo abertamente, que esses números são
apenas os informados, mas que, na verdade, os gastos reais serão bem superiores
aos declarados.
E entre os cidadãos que se deparam com tais notícias
ocorre algo semelhante. Ao se depararem com o assunto, é corriqueiro o seguinte
comentário: “Mas isso é só o que eles afirmaram que vão gastar, mas na verdade
os gastos serão muito maiores”. Penso que essa postura é muito preocupante.
Isso porque ou os meios de comunicação exageram, sugerindo que todos os
candidatos mentem à Justiça Eleitoral, e nesse caso a imprensa, ao invés de
informar, deforma, ou de fato os políticos, em regra, mentem ao prestar tão
relevante informação. Seja como for, falta-se com a verdade e isso é tido pelas
pessoas como algo tão corriqueiro que se aceita como sendo normal.
A mentira é sempre um mal. Trata-se de um ato
reprovável que aos poucos vai abalando todas as estruturas sociais. É que a
vida em sociedade deve ser pautada pela confiança nos demais. E quando falta
essa confiança a vida se torna insuportável. Imaginemos como seria a nossa vida
se tivéssemos de desconfiar de tudo e de todos. Por exemplo, se o médico nos
receita um medicamento, é razoável supor que é o mais indicado para a nossa
doença. E os exemplos poderiam se multiplicar. Mas é intuitivo que quanto mais
pudermos confiar nas pessoas, tanto mais pacífica e harmoniosa será a vida em
sociedade.
Ao contrário, quanto menos sejam as pessoas dignas de
confiança, tanto mais complicada se tornará a vida. E todos nós sentimos isso
de forma muito clara. Que bom seria se, ao fazermos um cadastro, pudéssemos
dizer o nosso nome e demais dados sem apresentar nenhum comprovante. E se nos
perguntassem se temos algum débito, diríamos que não e nossa palavra bastasse.
Seria tudo mais simples. No entanto, como é complicado a todo tempo apresentar
cópia disso e daquilo, com firma reconhecida na presença do tabelião etc.
Qual é a razão disso? É que alguns, ou muitos, faltam
com a verdade, de modo que todos são prejudicados, posto que não se sabe, de
antemão, quem é e quem não é mentiroso. Disso podemos concluir que a mentira é
um verdadeiro câncer que corrói as relações sociais. E se é assim, não pode
jamais ser considerada como algo normal e sem importância.
O mentiroso sempre tem uma desculpa. Dentre os
políticos que informam um valor e mantêm um “caixa 2” , no fundo de suas
consciências, inventam-se muitas justificativas: “é que tal empresa se dispõe a
doar, mas não quer que lhe emita recibo e não quer aparecer”, ou “todo mundo
recebe dinheiro por baixo do pano e, se eu não fizer, vou sair prejudicado”. Outros,
mais argutos, esboçam justificativas mais bem elaboradas: “faço caixa 2 porque
todos fazem, mas é necessário que seja eleito ainda que dessa forma, para
trabalhar por esse povo sofrido...”. Se fosse isso verdade, poderíamos dizer
sem medo de errar: pobre povo, que precisa de mentiras para escolher “bons”
governantes.
Confesso ao leitor que muito me inspiram os
ensinamentos de um grande santo que viveu no século passado. Uma de suas frases
mais célebres é exatamente sobre a verdade: “Não tenhas medo à verdade, ainda
que a verdade te acarrete a morte”.
Se nem a morte devemos temer por dizer sempre a
verdade, também não se deverá temer a derrota numa eleição. Ademais, se o que
se pretende, como vereador ou prefeito, é servir aos demais, não seria uma terrível
incoerência mentir ao eleitor para conseguir um cargo público, com o qual se busca
exatamente servir àqueles a quem se mentiu para chegar ao cargo?
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