segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Sede de sentido

Nesses dias festivos, também encontramos muitas pessoas melancólicas e chorosas com a recordação do esposo ou da esposa que já partiram, ou dos filhos que deixaram a casa dos pais. Além disso, com o passar dos anos, muitos dos nossos projetos ficam esquecidos e alguns dos nossos sonhos, que tínhamos por fundamentais para a nossa felicidade, agora se mostram inacessíveis.
Esses dias de final de ano são propícios para fazermos um balanço de nossas vidas, ao mesmo tempo em que formulamos propósitos para o próximo ano. Ao fazê-lo, porém, talvez sejamos surpreendidos por certa dúvida, acompanhada de uma dose de desalento: “será possível sermos felizes até o último dos nossos dias, apesar dos imensos dissabores e frustrações que a vida nos tem reservado?”.
Penso que muito ajudaria as pessoas de nosso tempo a dar um sentido às suas vidas se soubéssemos construir uma sociedade mais humana e fraterna, em que os idosos fossem de verdade acolhidos e amparados e onde as crianças recebessem o carinho e a atenção de seus pais.
No entanto, ainda que as condições externas influenciem, elas nunca são determinantes. O segredo da felicidade e da realização não está no modo de ser dos outros, nem nas condições do mundo que nos cerca, mas em cada um de nós. Se nos indagamos sobre os motivos que nos impedem de sermos felizes, talvez encontremos respostas do tipo: “se a minha esposa fosse mais...”, “se o meu marido se preocupasse com...”, “se os meus filhos...”, “se as pessoas em geral fossem mais...” etc.
Certa vez um amigo me relatou as adversidades por que passou em um só dia. Programou uma pescaria com os filhos, mas amanheceu chovendo. Mudou os planos e resolveram ir ao cinema, mas, no trajeto, o pneu furou. Após muito custo e ensopado pela chuva chegou ao destino, quando não mais havia ingressos disponíveis. E os contratempos não pararam por aí... Quando estava a ponto de explodir de nervos, como que por inspiração, veio-lhe a seguinte consideração: “quem é que deu às condições climáticas, ao pneu de um carro ou a um cinema o poder de definir o meu estado de humor?”. De fato, não está ao nosso alcance mudar o mundo ou as pessoas com quem convivemos, mas nos é bem acessível mudarmos a nós mesmos, as nossas reações diante disso tudo.
Isso não quer dizer que devamos ser indiferente aos demais. Bem ao contrário, muito podemos fazer para tornar-lhes mais amável a vida. O erro em que muitas vezes incorremos é colocar nos outros, em seu modo de ser e de agir, a responsabilidade por nossas próprias frustrações.
Mas essa luta constante por sermos pessoas melhores não basta para encontrarmos a felicidade a que tanto aspiramos. Há ainda algumas indagações existenciais que todo homem e toda mulher precisa responder sob pena de serem absorvidas por um imenso vazio interior: De onde vim? Para onde vou? O que estou fazendo aqui? Para que me foi dado esse dom maravilhoso da vida?
Há uma razão mais profunda que dá sentido a cada momento de nossas vidas. Trata-se da missão que recebemos para desempenhar nesse mundo, ou, para aqueles que têm fé, estamos falando da nossa vocação, do chamado que todos recebemos. Da fidelidade a essa missão ou do nosso sim a esse chamado é que depende, fundamentalmente, a nossa felicidade.
Para um homem e uma mulher casados isso estará muito relacionado com o cuidar do seu cônjuge. Para o pai e para mãe se traduzirá, também, no cuidado com a educação dos filhos. Faz parte dessa missão o trabalho profissional, as relações sociais etc. Mas, se analisarmos bem, de um modo ou de outro tudo isso passa. Pode-se perder o companheiro ou a companheira, os filhos saem de casa e tomam o seu rumo, um dia nos aposentamos de nosso trabalho, mudamos de profissão etc. E então o que fica?

Fica o caminho a seguir e a companhia do Amigo que nos chamou a caminhar. Ele mesmo caminha conosco, inundando-nos de alegria na esperança. Orienta os nossos passos com a luz da fé. E quando nos vem o desalento, faz-nos transbordar de júbilo ao considerar o Amor com que nos criou. E no fim desse caminhar, aguarda-nos com um abraço de um Pai que nos ama incondicionalmente e que precisamente por isso nos criou com um anseio de felicidade eterna que somente Ele pode aplacar.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O Natal em família

Há quem diga, com uma forte dose de nostalgia, que a cada ano que passa os enfeites de Natal são mais escassos e sem vida. Talvez haja uma forte dose de saudosismo nessa afirmação. De qualquer modo, essa festa continua a ser ocasião de imensa alegria para as crianças. E talvez nos indaguemos por quê?
Penso que o principal motivo é que a crianças observam o presépio e veem ali refletido claramente o que se passa em seu interior. Os adultos, porém, não mais se espelham naquele acontecimento que, com o passar dos anos, se tornou incompreensível. Com efeito, a cena reflete simplicidade, solidariedade, paz, anseio de vida, tudo facilmente encontradiço nas crianças. Quase tudo, ao contrário, acaba ofuscado nos homens e mulheres que deixaram de ser como elas.
O nascimento do Menino ocorreu num ambiente de extrema simplicidade. Aquela gruta é magnificamente simples. Falta-lhe tudo, mas, se considerarmos bem, há uma alegria tão intensa que se pode pensar que não falta nada.
Soube de uma criança de família rica que ganhou um presente sofisticado e caro. Dias após, brincando sem muito interesse numa praça, travou logo amizade com outro garotinho, que trazia um caixote de madeira. Com pouco tempo de convívio e sem muita negociação, não hesitaram em trocar em definitivo os presentes. O “negócio desvantajoso” causou verdadeira comoção familiar: “que absurdo, trocar o brinquedo importado por um caixote de madeira!”.  Mas as crianças não pensam assim. São simples e exatamente por isso a simplicidade eloquente do presépio não lhes choca, ao contrário, alegram-se com isso.
Os personagens que contemplamos são solícitos uns com os outros. O esposo ocupa-se da esposa e ela cuida do marido e do menino que nasceu em um estábulo, junto com os animais. E desse desvelo de uns para com os outros brota um ambiente de terna serenidade.
As crianças veem no presépio três personagens extremamente solidários uns com os outros, e se alegram porque isso reflete o que elas são. Os que deixaram de ser crianças, porém, imersos em seu egoísmo, em um afã desordenado de riqueza, de “status”, de fama, de poder, não conseguem enxergar isso.
A cena reflete uma imensa paz. As crianças não se preocupam se haverá peru, se o vinho será suficiente... Nada disso lhes preocupa. Ao contrário, é Natal. Talvez se preocupem um pouco em como quebrar as castanhas, mas não hesitarão em deixar as cascas atrás da porta, agora usada como quebra-nozes.
O Menino que se contempla no presépio nasceu para viver. Elas, as crianças, também. Não se sabe se por uns instantes, ou por cem anos. Não importa, todos vêm com uma missão e querem alcançá-la.
Há pessoas que avançam nos anos e continuam sendo crianças. Há outras, porém, que com muitos ou poucos anos de vida estão velhos, carcomidos pela cultura da morte. Essas, se olhassem para Maria ainda grávida e soubessem que o menino viveria apenas 33 anos e que morreria de forma brutal, talvez a ela sugerissem: “não valerá a pena viver apenas esse tempo para depois ainda morrer numa cruz, vamos interromper de forma humanitária a gravidez e poupar a ambos de todo esse sofrimento”. São os mesmos velhos que agora sustentam que, por estar uma criança destinada a viver alguns minutos ou dias, a gravidez é inviável.
As crianças não pensam assim. Muito mais sábias, elas dão aos minutos sabor de eternidade. Sabem que o que vale é o minuto presente, sem se importarem com o anterior, que já passou, nem com o seguinte, que não sabemos se chegará para qualquer um de nós.

Talvez um bom propósito para sermos felizes neste Natal e sempre seja imitarmos a simplicidade e a alegria das crianças. Mas mais que isso, que nós, pais e mães, saibamos criar um ambiente de paz e serenidade. Que em nossa casa brote muito fortemente a luz e a alegria que inundava aquela gruta de Belém!

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Preparando o Natal

Já estamos próximos de comemorar mais um Natal. É impressionante notar como frequentemente nos deixamos dominar por um intenso ativismo nesse tempo. Parece que buscamos freneticamente – e quase sempre em vão – terminar o ano sem nenhum problema por resolver. Mas será que a felicidade verdadeira consiste em viveremos numa situação ideal em que as coisas aconteçam exatamente como havíamos planejado?
Talvez nos ajude a encontrar um sentido mais profundo para as nossas vidas se meditarmos no verdadeiro significado do Natal. E podemos buscá-lo nesse reencontro com cada um daqueles personagens que contemplamos no presépio.
Comecemos por aquele grande homem que vemos muito próximo à Mãe e ao Menino. Reparemos no exemplo magnífico de José: atento, fiel, nobre e generoso. Sua função é cuidar da Esposa e do Filho. Que formosa passagem! Esse é verdadeiro espírito do Natal. José é o verdadeiro exemplo a ser imitado por nós, pais de família. Com que solicitude e carinho tratamos a nossa esposa? Interessamos por seus problemas, anseios e aspirações? Ou nos limitamos a nos derramar na poltrona, como o copo de cerveja ao lado, enquanto ela, aflita, prepara a festa? Dispensamos atenção aos filhos, incutindo neles o mesmo espírito, ou cuidamos que brinquem com os presentes que ganharam e não nos incomodem nesse dia de muita comida e bebida?
Nesse cenário, o nascimento é o acontecimento mais importante. Essa passagem é de todos conhecida, embora nem tanto imitada. “E aconteceu completarem-se os dias em que deveria dar à luz, e deu à luz o seu filho primogênito, e O enfaixou, e O reclinou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2, 6-7).
Reparemos na delicadeza da Mãe. Faltava-lhes tudo. O menino nasceu num curral, com o cheiro característico desse local. Mas, ao mesmo tempo, podemos vislumbrar a criatividade com que se converteu o lugar inóspito em algo acolhedor, com sabor e calor de lar. Maria é um convite perene às mulheres de todos os tempos para que reconheçam o seu papel de primazia na condução dos rumos da sociedade. Ouso repetir para que fique bem claro: muito mais que aos homens, a elas cabe traçar os rumos da humanidade. É que lhes cabe a função de criar nos lares um ambiente de paz, serenidade e alegria que tanto contribui para que os filhos desenvolvam as suas personalidades e, portanto, assim formados, construam um mundo melhor.
Em nosso tempo, observamos um incrível crescimento da participação da mulher nos mais diversos setores da sociedade: são presidentes de nações, magistradas, altas executivas, operárias etc. Desempenham papéis de relevo também fora do lar, onde já contribuem de maneira fantástica para o desenvolvimento social. Mas o local em que ocupam o cargo de diretora-presidente, com caráter vitalício e inamovível é no lar. E desempenhando trabalho externo, não podem nunca esquecer que somente ela pode dar à casa o doce sabor de lar, cuidando dos pequenos detalhes que tornam agradável o convívio familiar. E a nós, homens, nessa empresa, além de operários, encarregados de serviços diversos, o maior cargo que podemos almejar é o de consultor geral da diretora-presidente ou, para os muito ambiciosos, ministros da economia.

E eis que aparecem uns visitantes inesperados: os Magos. Esses sábios viajaram muitos dias para contemplar esse fato extraordinário. E levaram presentes muito caros para a época. Mas o maior presente que deram foi a si próprios. Sim, dar-se ao Menino e, por Ele, aos demais. Natal é tempo de reflexão e, por conseqüência, de propósitos. Qual foi nossa disposição e ação em benefício do próximo neste ano que se finda? Que faremos concretamente no vindouro? Que o afã das muitas ocupações diárias não ofusque o brilho da estrela que guiou esses sábios. E se ela por momentos se apagar, tal como fizeram eles, tenhamos persistência, vale a pena.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O alerta do IBGE

Os dados do último censo do IBGE revelam que a taxa de fecundidade no Brasil desabou de 2,38 filhos por mulher, em 2.000, para 1,86 em 2.010, ficando abaixo do índice de reposição populacional, que é de 2,1 filhos por mulher. Os nossos números são inferiores aos de países como EUA e França! Outro dado digno de nota é a taxa geral de divórcio, que atingiu em 2010 o seu maior valor desde o início da série histórica das Estatísticas do Registro Civil, em 1984, o que representa um acréscimo de 36,8% no número de divórcios em relação a 2009.
Confesso que não gosto de analisar o ser humano pelo estreito ângulo de uma pesquisa estatística. É que cada homem e cada mulher são tão incrivelmente únicos e irrepetíveis que é impossível colocá-los em gráficos ou reduzi-los a números. Feita essa ressalva, porém, os resultados apontam para problemas evidentes que nossa sociedade enfrentará em breve.
Com a queda na taxa de fertilidade da mulher é evidente que teremos um enorme contingente de filhos únicos. Não pretendemos tecer críticas aos casais que fazem livremente essa opção. No entanto, sabemos que a ausência de irmãos impõe para os pais um trabalho muito maior de socialização dos filhos, na medida em que essa situação propicia o surgimento de pessoas mais egocêntricas, pois não tiveram em suas famílias outras pessoas com quem compartilhar o tempo, os bens, a atenção dos pais etc. Assim, um primeiro questionamento que devemos nos fazer é: estamos preparados para formarmos essas crianças para o convívio social? Como poderemos incutir nelas noções de generosidade e abertura aos outros?
Por outro lado, os economistas já preveem um verdadeiro colapso na previdência pública. Trata-se de um conceito elementar de qualquer regime previdenciário que as contribuições da população economicamente ativa sustentam as aposentadorias, auxílio-doença, auxílio-acidente etc. Num cenário em que a expectativa de vida aumenta e a natalidade diminui, qual será o valor que cada cidadão deverá contribuir para manter um sistema equilibrado?
Além disso, se juntarmos os dois ingredientes, quais sejam, redução da natalidade e formação de pessoas mais centradas em si, como serão atendidos os nossos idosos? É intuitivo que muitos não poderão ser cuidados pelos filhos, que terão as suas muitas ocupações e, muitas vezes, nenhum irmão com quem compartilhar essa tarefa. Para os que veem nos números oportunidades de negócio talvez já estejam prevendo que as “casas de repouso” serão um rentável empreendimento.
E nesse quadro já sombrio temos de carregar ainda mais com o crescente número de lares desfeitos. Não se trata de um dado irrelevante, uma simples característica do mundo moderno. O divórcio está para a família como a falência está para a empresa. Quando um empreendimento vem a quebrar, busca-se então a melhor forma de vender o acervo patrimonial que era empregado a alguma atividade produtiva para, com isso, pagar as dívidas contraídas, muitas vezes decorrentes de uma má gestão do empreendimento. Acontece que na família o “capital” investido somos nós mesmos, as nossas próprias vidas, do qual muitas vezes nos renderam “dividendos” de valor inestimável, que são os filhos. Não se trata, portanto, de simplesmente liquidar um patrimônio para saldar os débitos, mas de destruir um empreendimento no qual investimos a nós próprios e no qual os nossos filhos vieram ao mundo.
Ainda que alarmantes, que não devemos nos preocupar excessivamente com os números, mas com o que estamos construindo em nossa volta, em especial na nossa família. Há pouco tempo tive a satisfação de estar com um casal que ficou famoso na Espanha e na Europa por terem dezesseis filhos. Na verdade tiveram dezoito e perderam dois. Numa entrevista, alguém perguntou à esposa e mãe o motivo por terem uma família tão numerosa. Ela simplesmente deu um afetuoso beijo no rosto do marido e respondeu: “Porque eu amo esse homem. É uma alegria imensa trazer filhos ao mundo e educa-los com responsabilidade, pois sabemos que eles serão frutos desse amor que temos um pelo outro”. Assim, fiquemos tranquilos e serenos. Afinal, nem tudo se mede com os números.


segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O mundo precisa de maturidade

Um fenômeno marcante do nosso tempo é a falta de maturidade. É frequente encontramos quarentões, cinquentões ou sessentões que ainda mantêm comportamentos típicos de adolescentes. É o caso, por exemplo, de homens e mulheres que já ultrapassaram as quatro décadas de vida e ainda se lançam a disputas no trânsito, colocando em risco a vida de outras pessoas, como se fossem ainda garotos de dezesseis ou dezoito anos. Não que tal comportamento seja tolerável entre os mais jovens. O ideal é que ao se obter a habilitação para conduzir veículo já se tenha desenvolvido o suficiente respeito por si próprio e pelos outros. Mas, além disso, é de se esperar que, com o passar dos anos, se verifique um amadurecimento que se traduza numa nova postura, mais respeitosa e zelosa pela vida dos demais.
Mas a falta de maturidade não se manifesta apenas em situações aberrantes. Se observarmos bem encontraremos governantes, parlamentares, magistrados, empresários, dirigentes de entidades e instituições, ou seja, que ocupam cargos importantes, esbanjando descontrole emocional ou mesmo atitudes verdadeiramente infantilizadas. É o que se manifesta, por exemplo, em frases do tipo: “Sabe com quem está falando?”. Agem como se o poder que possuem fosse uma espécie de narcótico para o próprio ego, e não mero instrumento para zelar pelo bem comum, pela justiça e pela paz no meio em que foram constituídos como autoridade.
Nesse contexto, cabe a nós indagarmos as razões mais profundas desse fenômeno. E penso que uma das causas desses comportamentos imaturos é a falta da virtude da prudência.
Frequentemente construímos uma noção distorcida dessa virtude. Pensamos que prudente é a pessoa extremamente indecisa, que dá mil voltas ao mesmo assunto antes de tomar uma decisão e que, quase sempre, deixa de agir com medo de errar. Trata-se de uma noção errônea. Na verdade, a pessoa prudente é a que, ao decidir, sabe encontrar em cada situação de sua vida o verdadeiro bem para si e para os demais, assim como escolher os meios adequados para buscar esse fim. Apenas para ilustrar, a pessoa que se lança do último andar de um edifício em chamas em uma cama elástica aberta no solo age com a mais pura prudência. Por outro lado, o pai que deixa de corrigir o filho, energicamente se necessário, por medo de magoá-lo ou de perder a amizade é, no mais das vezes, um terrível imprudente.
Os anos vividos são importantes. Mas o tempo, por si só, não basta. Com efeito, podemos encontrar pessoas de pouca idade capazes de tomar decisões acertadas. Ao contrário, encontramos homens e mulheres de idade avançada com comportamentos ainda imaturos. É que as experiências vividas somente contribuem para o nosso amadurecimento se meditamos sobre elas, tirando lições que nos movam a sermos melhores como pessoas. É certo que sempre erraremos em nossas decisões. Mas o crescimento se forja no meditar nesses erros e acertos, bem como nos propósitos que deles extraímos.
Outro sintoma da imaturidade é a incapacidade de tomar decisões que comprometam, talvez por toda a vida e, sobretudo, na falta de determinação para cumprir com valentia os compromissos assumidos. Esse é o motivo de encontramos muitas mulheres e homens feitos que ainda se lançam a relacionamentos passageiros, sem qualquer comprometimento, numa busca desenfreada por prazeres efêmeros e inconstantes. No entanto, com esse viver buscando interesses egoístas e passageiros, cedo ou tarde notarão que não construíram nada de verdade. Não edificaram aquelas obras que deixam a certeza de que foram feitas para a eternidade. Dentre essas podemos mencionar, muito especialmente, a dedicação à esposa e aos filhos, da qual se forja uma família cujos frutos se prolongam para muito além dessa breve existência terrena.

Os versos de Drummond, em Memória, talvez nos ajudem a concluir: “As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão...”. De fato, os bens pelos quais lutamos, os prazeres que veneramos rapidamente nos causam enfado, deixando na boca um amargo sabor. Mas um sorriso, um abraço, o sacrifício alegre e desinteressado que fazemos por aqueles que amamos, enfim, as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Dedicar tempo à família

Há alguns anos atrás minha filha me fez a seguinte pergunta: “Pai, quando você vai se aposentar?”. “Só posso me aposentar quando fizer sessenta anos”, respondi-lhe imediatamente. Sem se dar conta do tempo que ainda falta, ela prosseguiu animada com a ideia: “quando você se aposentar, você poderá ir ao cinema comigo?”. “Quando eu me aposentar provavelmente ela estará casada, com filhos, ou ao menos será já suficientemente adulta para não precisar (ou não querer) do pai para ir ao cinema”, pensei comigo mesmo, sem lhe desanimar com essa observação. Esse breve diálogo me fez pensar no quanto adiamos as coisas boas que podemos fazer por aqueles que amamos, em especial os nossos filhos.
A propósito, vale a pena recordar a conversa entre um pai e o seu filho pequeno. Era já quinta-feira e a criança não o via desde domingo, apesar de viverem na mesma casa. É que saía pela manhã bem cedo, quando o filho ainda dormia, e retornava tarde da noite, quando já se deitara. Nesse dia, aconteceu que o garoto acordou mais cedo e surpreendeu o pai saindo afobado: “Papai, aonde vai?”. “Vou trabalhar, filho, e já estou atrasado”, respondeu já abrindo a porta da casa. “Nós quase não ficamos juntos nesses dias”, disse o menino querendo um pouco de atenção. “Filho, o que importa não é a quantidade, mas a qualidade”, argumentou o pai. “Papai, para onde você vai agora?”. “Tenho uma reunião muito demorada e, depois, terei de trabalhar até tarde para terminar o serviço pendente”. “Papai, mas você não disse que o que importa é a qualidade e não a quantidade, então por que não vem mais cedo hoje?”. Sem resposta, o pai saiu remoendo aquela pergunta.
A vida moderna impõe muitos desafios na educação, e talvez o maior deles seja encontrar tempo para estar com os filhos. Não há regras fixas nem muito menos soluções mágicas. Cada pai e cada mãe devem, com um pouco de criatividade e com esforço heroico, se necessário, encontrar o tempo para isso. E mais que estar juntos, cuidar de que sejam momentos verdadeiramente felizes, permeados daquela alegria que inunda o ambiente quando se dispõe a esquecer de si próprio para fazer a vida mais agradável aos outros.
Quantas vezes não dedicamos sequer alguns poucos minutos por dia para estar com os nossos filhos porque passamos por temporadas em que o trabalho profissional exige uma dedicação maior. Com isso, pensamos conosco mesmos que “quando as coisas melhorarem”, “quando tivermos uma situação econômica mais folgada”, então sim poderemos dedicar mais tempo aos filhos. Acontece que o tempo é implacável. Os dias rapidamente se transformam em meses e esses anos e, quando menos esperamos, eles terão crescido. E então ficará a gozosa saudade dos bons momentos passados juntos, ou o triste arrependimento das oportunidades desperdiçadas.
E tanto mais importante ainda é cuidar do tempo que se dedica à esposa e ela ao marido. Há de se cuidar para que o convívio seja bem aproveitado para estreitar os laços de amor e de carinho. Afinal, tal como um tecido feito à mão se constrói ponto por ponto, a felicidade no casamento se edifica minuto a minuto. E assim como a beleza e a solidez do tecido dependem do capricho que se coloca em cada movimento, também o casamento depende de cada sorriso, de cada abraço, de cada gesto de dedicação e acolhida cuidadosamente praticados dia a dia, minuto a minuto.

O tempo presente é um grande tesouro que possuímos. O dia de ontem já passou e o amanhã não sabemos se chegará para nós. Assim, é uma enorme demonstração de sabedoria aproveitar esses minutos que nos cabem agora para fazer neles o que verdadeiramente importa. E o que de verdade é importante é cultivar a alegria no coração dos demais. O agricultor lança para longe de si a semente, que cai na terra, germina, cresce, floresce e depois produz os frutos abundantes, que são a causa de sua alegria. O mesmo pode ser feito com o nosso tempo. Parece que o jogamos fora quando nos esforçarmos por fazer um trabalho bem feito, por estar com a esposa, com os filhos ou com os amigos. Mas depois ele frutifica e se multiplica, trazendo consigo uma paz e uma alegria tão intensos que não há mau tempo que as possa apagar.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Cuidar dos doentes

Quando observamos os avanços da medicina, muitas vezes ficamos maravilhados ao ver como a tecnologia tem contribuído para os tratamentos. E isso não apenas para alcançar a cura de doenças outrora incuráveis, como para atenuar o sofrimento dos pacientes em situações que antes se mostravam extremamente dolorosas. No entanto, em um aspecto talvez tenhamos regredido. É que voltamos nossas atenções excessivamente para as técnicas a serem empregadas e, por vezes, nos esquecemos que o fim último disso tudo é um ser humano em concreto, que necessita das medidas terapêuticas, mas, mais que isso, deseja um alento, uma companhia solícita, pessoas serenas e, se possível alegres, que saibam conforta-los nesses momentos de dor e angústia. 

Os doentes podem encontrar um sentido para os difíceis momentos por que passam, ainda que se trate de uma enfermidade incurável. Há um filme muito bom, Antes de Partir, que talvez ajude encarar melhor esse terrível momento em que alguém se depara com o anúncio de uma doença grave. Os dois personagens, Carter Chambers (Morgan Freeman) e Edward Cole (Jack Nicholson), acabam por ficar num mesmo quarto de um hospital, e descobrem que lhes restam poucos meses de vida. Por acaso decidem escrever a "lista da bota", que consiste em enumerar o que gostariam de fazer antes de partir. É interessante notar como as diferentes opções de vida de cada um acabam por influir nesse momento terrível. Mas talvez a melhor mensagem consista em descobrir como aproveitar bem o tempo, sobretudo para reatar as relações com as pessoas queridas e para construir algo de positivo para os demais.

E também os parentes e amigos do doente podem crescer muito com essa experiência. Trata-se de uma oportunidade imperdível de viver a caridade. Cuidar desinteressadamente de um doente, esforçando-se por contar-lhe coisas alegres, por fazer com que passe bons momentos nessa difícil situação, é, antes de mais nada, algo que inunda de muita paz e alegria a quem presta esse valioso serviço.

Além disso, com muito respeito e delicadeza, talvez será o momento de mostrar ao doente o verdadeiro sentido da vida. Quer se acredite ou não em outra vida após a morte, é inegável que estamos aqui de passagem. Aliás, uma passagem muito breve. Assim, sem forçar a nada e com profundo respeito pela liberdade das consciências, muitos desses doentes serão eternamente gratos a uma atenção espiritual que lhes forem prestadas nesses momentos.

Não se trata de criar escrúpulos nem de impor convicções religiosas nesse momento. Mas os doentes têm direito de que lhes falemos de amor, e o amor transcende aos credos e às convicções religiosas. Como diz o Papa Bento XVI, em sua primeira encíclica (Deus é Amor), “a caridade não deve ser um meio em função daquilo que hoje é indicado como proselitismo”. E mais adiante acrescenta: “O cristão sabe quando é tempo de falar de Deus e quando é justo não o fazer, deixando falar somente o amor”. Esse carinho e esse afeto desinteressados não podemos jamais negá-los a esse imenso tesouro que são os nossos doentes.

Há poucos dias tive a imensa alegria de visitar uma grande amiga, que há dois meses se encontrava internada num hospital. Encontrei a D. Marina muito fraca e debilitada pela doença, mas com a paz e a serenidade que sempre marcaram a sua face. Não foram poucos os dissabores que a vida lhe reservou, mas a todos eles soube superar com a sua fé inabalável. Mesmo naquela situação debilitada, quando ela soube que um casal de amigos passava por uma dificuldade, arrancou forças de onde não tinha e disse: “eu vou ficar boa, vou sair daqui e então vou ajudá-los nisso de que estão precisando”. Não foi possível que ela realizasse esse desejo. Na última sexta-feira Deus a chamou à Sua casa. Mas ainda que aparentemente ela não tenha ajudado os amigos, muito mais que uma ajuda material, nesses últimos instantes da sua existência terrena nos deixou um magnífico exemplo: devemos encontrar no serviço desinteressado aos demais a razão de ser para a nossa própria vida!

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Usando bem o dinheiro

As pesquisas revelam que o brasileiro enfrenta o maior nível de endividamento da história. Não bastasse esse fenômeno, é frequente que as famílias experimentem o peso de um revés econômico, seja pela perda de um emprego, seja por um gasto extraordinário que se teve de fazer, seja mesmo por desordem de se gastar mais que se ganha. Nessas situações, muitos pais se vêem diante de um verdadeiro drama: como reduzir o padrão de vida? Devemos relatar essas dificuldades aos filhos? Como eles reagirão?
A educação é dinâmica como a vida é dinâmica. Todos os acontecimentos são oportunidades educativas imperdíveis. É um grande erro esconder a realidade dos filhos para poupar-lhes o sofrimento. É certo que as coisas devem ser ditas com prudência e de acordo com a capacidade de entendimento de cada idade. Soube de uma família que, diante de uma dificuldade, resolveu contar aos filhos que teriam de vender o carro e não mais seria possível ir semanalmente ao Mac Donald’s. Tomavam juntos o transporte público pela manhã e, aos finais de semana, a mãe preparava um delicioso piquenique com os parcos recursos de que dispunham. Passado o aperto, os filhos se recordam com saudade aqueles lanches que tomavam sentados na grama de um parque público.
Nesses momentos, é fundamental que os pais tenham a fortaleza de realizarem as ações necessárias. Há pouco um colega me contava o que lhe ocorreu numa audiência. Tratava-se de uma ação de cobrança de mensalidades escolares. Em meio às tentativas de um acordo, o pai admitiu que matriculou os filhos em determinada instituição particular sabendo que não conseguiria honrar os pagamentos, pois a sua empresa ia de mal a pior. E, indagado o motivo pelo qual fez isso, respondeu: “é que meus filhos estão tão acostumados com essa escola que não tive coragem de tirá-los...”. É inegável que se trata de uma decisão dolorosa. No entanto, a saída mais honrosa, ainda que custe muito e cause sofrimento aos filhos, são oportunidades que lhes proporcionamos para eles próprios adquirirem virtudes que lhes serão fundamentais, em especial para alcançarem a tão sonhada felicidade.
Um grande sábio costumava dar três conselhos preciosos quanto ao uso do dinheiro e dos bens materiais: não ter nada de supérfluo; não ter nada como próprio; não se queixar quando falta o necessário. E isso serve tanto para os que têm muito como para os que têm pouco.
Se ponderarmos bem, veremos como esses conselhos poderiam nos ajudar a descomplicar a vida. Quanta bugiganga “made in China” adquirimos para usarmos uma única vez e depois entulharmos em uma “gaveta da bagunça”! Talvez nos ajude fazermos a seguinte indagação antes de comprar qualquer coisa, de pequeno ou grande valor: será que isso é mesmo necessário? E, por vezes, saber aguardar um dia ou dois para avaliar melhor a real necessidade.
Não estamos nesta vida por acaso. Temos uma missão a desempenhar. Nesse sentido, os bens são simples meios – ainda que imprescindíveis – para atingirmos esse fim que nos cabe. Não são, portanto, algo a serviço do nosso capricho, mas instrumentos para levarmos a cabo a nossa missão, da qual dependem a felicidade própria e dos que nos cercam.
E o terceiro conselho é ainda mais sábio. Muitas pessoas parecem adiar os seus planos de vida e a própria felicidade para um futuro muito distante: “quando eu tiver uma casa...”, “quando eu for promovido...”, “quando ganhar um milhão de dólares, então...”. E enquanto não atingem tais metas, queixam-se dia e noite de que não se tem isso ou aquilo. Talvez se esqueçam, porém, que a felicidade pode ser encontrada em coisas bem mais simples e que não custam nada, como um passeio com uma criança no parque, ou passando meia hora a divertir um idoso ou um doente.

Conta-se que a madre Tereza de Calcutá uma vez foi observada por uma pessoa, que contemplou o beijo e afago que fazia em um doente de aspecto repugnante. Diante disso, esse homem comentou: “nem por todo dinheiro do mundo eu faria isso”. E a bondosa religiosa respondeu: “nem eu”. Por dinheiro, tampouco ela o faria.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Cada um é único

Vi recentemente uma charge muito criativa sobre a prova do ENEM. O desenho continha um macaco, um elefante, um cachorro e mais alguns animais diante de um examinador, que lhes dizia: “Vou ser justo na avaliação: vence a prova aquele que subir primeiro naquela árvore”. E o artista desenhou o macaco com um sorriso bem malandro, com ar de vitória.
Não pretendemos analisar a questão em si da prova do ENEM. No entanto, a partir das críticas que têm sido feitas, quais sejam, de que são tratadas de maneira igual pessoas desiguais, o que consagra uma injustiça, podemos nos questionar se não fazemos algo de semelhante com os nossos filhos em casa ou com os alunos em sala de aula.
Muitos de nós talvez já tenhamos dito ou ouvido frases do tipo: “Veja as suas notas da sua irmã. Vocês tiveram as mesmas oportunidades, nós tratamos os dois igualmente, por que você não tem o mesmo desempenho que ela?”. Ou, mais cruel ainda: “Por que você não é igual ao seu irmão?”.
As comparações são frequentemente injustas e desestimulantes. “Não sou igual ao meu irmão porque sou um ser humano único e irrepetível em todo o universo”, poderia responder esse filho. Além disso, tratar de maneira absolutamente igual os filhos, no mais das vezes, consagra uma injustiça. É que se há de tratar de forma diferente aqueles que são naturalmente diferentes.
Nossos filhos e filhas não são iguais entre si e tampouco haverá em todo o universo outro ser que seja absolutamente iguais a ele ou a ela. A ciência tem mostrado que é possível formar grupos de pessoas a partir de algumas características inatas que marcam o caráter. Porém, mesmo que seja possível identificar semelhanças que permitam agrupar, para fins de estudos ou pedagógicos, as pessoas em determinados padrões, cada um tem aspectos particularíssimos, sobre os quais influíram o ambiente, as experiências etc., de modo que se desenha, em cada ser humano, uma individualidade digna de ser apreciada e respeitada.
Vivemos num mundo em que frequentemente se valorizam as pessoas quase que exclusivamente pelo desempenho. Assim, um bom funcionário é aquele que se adapta aos padrões da empresa ou da instituição e que atinge as metas propostas. É certo que se há de premiar os resultados e valorizar o esforço que se faz para atingi-los. No entanto, nesse cenário extremamente competitivo é comum se esquecer a infinita dignidade de que é titular toda pessoa humana. E quando essa é valorizada apenas pela capacidade de produzir, os mais débeis, como os idosos, os portadores de deficiências ou os embriões corem o risco de serem tratados como descartáveis.
Mas talvez o mais grave é que em casa já fomentamos essa cultura. É o que fazemos quando demonstramos apreço, carinho e admiração pelos nossos filhos exclusivamente em função do desempenho escolar, ou, pior ainda, pelo fato de nos trazerem problemas ou não. Ora, pai e mãe que não querem ter problemas na educação dos filhos ainda não adquiriram suficiente maturidade para o exercício da paternidade e da maternidade.
Nossos filhos e alunos são diferentes entre si. Uns terão maiores habilidades para trabalhos manuais, outros para os intelectuais; uns serão mais loquazes, outros mais calados. É claro que as suas potencialidades podem ser desenvolvidas e aprimoradas. Porém, é requisito essencial para o desenvolvimento que se respeitem as suas naturais diferenças.
Os filhos têm direito ao apreço e ao amor dos pais independentemente das suas naturais habilidades. Se ponderássemos que cada filho ou cada aluno nasceu com uma missão específica. Mais ainda, se considerássemos que, apesar das suas debilidades, defeitos e limitações, ninguém poderá trilhar por eles os caminhos a que foram chamados, então nos lançaríamos a cultivar neles com mais afinco as virtudes necessárias para exercer o papel que lhes cabe nesse mundo.

Não nos cabe, como educadores, descobrir qual é a missão que estão chamados a seguir. Tampouco nos cabe a decisão de segui-la ou não. Mas é fundamental que forjemos neles o desejo de descobri-la e a fortaleza para segui-la. E para isso a formação que lhes damos nunca pode ser padronizada. Há de ser personalizada, posto que cada um dos nossos filhos é único, assim como único é o caminho que lhe cabe trilhar.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Vida em comum

Em outras oportunidades tratamos, nesta coluna, de alguns aspectos que se deve considerar para superar das crises conjugais. O primeiro está relacionado com uma mudança de foco, ou seja, deixar de ver apenas os defeitos e limitações do outro para olharmos para nós mesmos e meditarmos em que medida temos de lutar para mudarmos. O segundo se refere à recuperação do apreço pelo cônjuge, frequentemente perdido com o desgaste do relacionamento conjugal. Hoje gostaria de acrescentar um ingrediente: a importância da vida em comum.
O artigo 1.511 do Código Civil brasileiro consagra que o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. E, mais adiante, no ser artigo 1.566, proclama que são deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos.
O casamento gera uma comunhão plena de vida. Isso não quer dizer que cada qual não mantenha a sua individualidade, mas haverá, necessariamente, uma interpenetração de suas vidas. Isso exige compartilhar muitos aspectos de suas existências.
Se pudéssemos imaginar graficamente o homem e a mulher como dois círculos, poderíamos traçar a situação ideal do casamento como duas circunferências que se interpenetram. Não seria correto que não houvesse nenhum ponto em comum, nem que todos os aspectos fossem comuns, ou, pior ainda, que um absorvesse por completo o outro.
O fenômeno das vidas paralelas, ou seja, com pouco ou quase nada em comum, faz definhar o amor conjugal. É que o casamento é uma doação, uma entrega que fazemos da nossa própria pessoa ao outro. Quando nos vamos distanciando do nosso cônjuge, é como se fôssemos retomando-nos para nós próprios de novo. É o que acontece quando o marido passa a ter as suas atividades completamente dissociadas da esposa, a tal ponto que sequer acredita ser necessário consultá-la antes de fazer uma viagem sozinho ou com amigos num final de semana, por exemplo. E também ela pode desenvolver uma atividade profissional e círculo de amizades nos quais o marido é completamente alheio e desconhecido.
A uma primeira vista pode parecer que esse distanciamento nos faz mais livres e, talvez, mais felizes. Contudo, o que ocorre é precisamente o oposto. É sinal supremo de liberdade o saber doar-se livremente a uma pessoa e por toda uma vida. Ao contrário, quando queremos buscar apenas os nossos próprios gostos e satisfações egoístas, vivemos um simulacro de liberdade, pois na verdade nos fazemos escravos dos próprios caprichos.
Assim, se por infelicidade notamos que vivemos vidas paralelas, é necessário reconstruir a unidade do matrimônio. Pode ser longo esse caminho. No entanto, que não seja isso motivo de desânimo. Afinal, quanto antes se começar a caminhar, mais rápido e melhor se chega ao destino.
Em caso de crises conjugais mais intensas, em que o próprio diálogo está por demais comprometido, talvez será o caso de se iniciar por atividades em que a comunicação não seja muito exigida, como saírem para ir ao cinema, por exemplo. Porém, pouco a pouco, há de se restabelecer o diálogo e reconstruir a própria vida em comum.

É um importante fator de união do casal saber sonhar juntos, vale dizer, ter planos em comum. “Dos nossos planos é que eu tenho mais saudade, quando olhávamos juntos na mesma direção” canta melancolicamente o saudoso Renato Russo. De fato, o relacionamento conjugal nasce recheado de projetos nos quais desenhamos a própria felicidade. No entanto, muitas vezes nos esquecemos de que é fundamental pensar também na felicidade do outro. Que não tenhamos a desventura de termos de nos lamentar um dia: “Já que você não está aqui, o que posso fazer é cuidar de mim”. Não! Digamos – talvez menos poeticamente – mas com muito mais otimismo: “já que quero ser feliz, o que posso fazer é cuidar de ti”.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Um homem bom

No dia 17 de outubro de 2011 despediu-se do Tribunal de Justiça de São Paulo o Dr. José Geraldo Barreto Fonseca, que se aposentou do cargo de Desembargador, após servir a Justiça de São Paulo por mais de 44 anos. Penso que é dever de justiça prestar homenagem a esse grande homem fez da sua vida um abnegado serviço à Magistratura Paulista.
Mas como prestar uma justa homenagem em tão curso espaço sem que ela soe como algo redutivo, que ressalta apenas um detalhe, talvez até acidental, num homem cuja grandiosidade a história se encarregará de enaltecer cada vez mais? Ouso, porém, correr esse risco, quando menos para afirmar que o Dr. Barreto foi, em toda a sua vida, um verdadeiro semeador de paz e de alegria.
Há dezoito anos tive o enorme privilégio de trabalhar como Dr. Barreto por poucos meses, mas que foram suficientes para dar um novo rumo à minha vida. Eu era então um estudante de direito que sonhava ingressar na Magistratura. Aprovado num concurso público de escrevente, vim a ser designado para trabalhar em seu Gabinete. Naquela situação, era natural fazer uma imagem enaltecida de um Desembargador, afinal era o posto mais elevado da carreira que eu sonhava ingressar. Supunha, então, encontrar um homem sério, formal e enérgico. Mas a pessoa que encontrei foi precisamente o contrário: amável, sorridente, demonstrava um sincero afeto e interesse por todos aqueles com quem convivia.
O Dr. Barreto nunca foi um homem de discursos ou de longos conselhos. O seu exemplo de vida inspirava com tamanha eloquência que se podia dispensar as palavras. Chamava a todos pelo nome. Era frequente também perguntar pela esposa e filhos dos que conviviam com ele. Esforço de memorização? Penso que não. É um homem que não pensa em si. É uma vida dedicada aos demais.
Certo dia, veio visitá-lo em seu gabinete o Presidente do Tribunal. No mesmo instante, porém, chegara a faxineira que lhe pediu autorização para limpar a vidraça. Com o habitual sorriso, levantou-se e cumprimentou-a pelo nome. Apresentou-a ao Presidente e a conversa seguiu amena e com toda naturalidade. É assim o Dr. Barreto. Eu nunca o vi fazer considerações teóricas sobre a dignidade da pessoa humana. Seus gestos, porém, delatam que sabe enxergar em cada homem e em cada mulher um tesouro de um valor infinito.
Não tardou em nos convidar a ir a sua casa: um lar verdadeiramente luminoso e alegre. O amor profundo e sincero pela sua esposa, a adorável D. Estella, incitava a imitá-los quem sonhasse em edificar uma família. O apartamento vivia repleto de pessoas. Não bastasse a movimentação natural de seus onze filhos, cada qual trazia dois ou três amigos a desfrutar daquele convívio maravilhoso.
E como era o seu trabalho? Inicialmente, causou-me certa perplexidade a concisão das decisões. Raramente ultrapassavam duas ou três laudas. No entanto, não era isso sinal de descuido ou superficialidade na apreciação de cada caso. Bem ao contrário, estudava a fundo e lia com invejável atenção todos os detalhes do processo. É um homem de uma inteligência aguçada e profundo conhecedor do direito. Apesar disso, não era essa a nota que mais aflorava em suas decisões. Sabia enxergar por detrás daquela imensidão de papéis homens e mulheres que clamavam por justiça. Escrevia pouco porque cada decisão era feita sob medida: servia apenas para aquele caso. Os outros teriam as suas peculiaridades a merecer igualmente a sua atenção.
Nesse momento importante da sua vida, animo-me a dizer que o Dr. Barreto deu um novo rumo à minha vida. A juventude é uma fase importantíssima. Nesse momento tomamos decisões que muitas vezes trazem consequências irreversíveis. Penso que não por acaso o encontrei no momento certo. Com efeito, o seu exemplo magnífico serviu para dissipar muitas dúvidas e me trouxe muitas luzes.

O Poder Judiciário sofre agora uma perda incomensurável. Porém, o Barretinho, como é carinhosamente chamado por seus colegas, segue a sua vida benfazeja. Não haverá os processos para decidir. De fato, o papel deixará de registrar decisões sábias e prudentes que emanaram abundantemente da pena da sua caneta. Mas a sua esposa, os seus filhos, os seus netos e os seus amigos continuarão a desfrutar do seu amável convívio. Se tivesse de resumir numa frase quem é o Dr. Barreto eu a extrairia do Livro que tem inspirado toda a sua vida: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Recuperando o apreço

Na semana passada falamos sobre como superar as crises conjugais. E o fizemos propondo uma nova perspectiva para o relacionamento. Ou seja, é necessário mudar o foco, deixar de ver apenas os defeitos e limitações do outro para olharmos para nós mesmos e meditarmos em que medida temos de lutar para mudarmos e, a partir dessas mudanças, edificarmos o casamento sobre bases mais sólidas. E concluímos que o segredo da felicidade no matrimônio é buscar fazer o outro feliz. Hoje, podemos acrescentar um ingrediente: como recuperar o apreço pelo cônjuge?
É certo que o compromisso assumido voluntariamente pelos cônjuges, no chamado pacto conjugal, é o que dá sustentação ao matrimônio. Ao dizerem sim reciprocamente um ao outro ambos assumiram o compromisso de querer quererem cada vez mais o outro. Ou seja, não se comprometem a manter incólume o sentimento, mas a buscar alimentar, dia após dia, o amor que os uniu.
No entanto, esse compromisso assumido num determinado momento não terá a devida força se não se traduzir em atos e decisões concretas em suas vidas, todos os dias. Daí surge a importância das pequenas coisas na vida do casal. É uma delicadeza que o marido faça ao chegar a casa, trazendo umas flores, por exemplo, ainda que não haja um motivo especial para isso. É, também, o empenho da mulher em estar atraente e bem-humorada para receber o marido. Assim, o que verdadeiramente dá sustentação ao casamento é a qualidade dos momentos que o marido e a mulher passaram juntos.
É importante notar que a qualidade do tempo compartilhado não depende essencialmente de serem eles em si tristes, alegres ou indiferentes, mas da maneira edificante ou destrutiva com que foram vividos. Assim, por exemplo, uma tragédia familiar em que o marido esteve do lado da esposa, apoiando-o, compreendendo-a e amparando-a poderá vir a reforçar os laços entre eles. E, por outro lado, uma viagem de férias em que cada qual esteja com o pensamento centrado em si, nos próprios gostos e caprichos e se esqueça por completo do outro, poderá vir a ser ocasião de afastar ainda mais o casal.
Numa crise conjugal é provável que cada qual olhe para a vida passada e veja apenas maus momentos, ou ao menos que os veja mais acentuadamente nos últimos anos, talvez trazendo saudades de outros tempos em que se vivia em harmonia. Além disso, com os anos vem o peso das expectativas frustradas: “Em pensava que, com os anos, ele...”; ou: “eu não esperava que ela se tornasse uma...”. Nesse contexto, é comum que se perca o apreço pelo outro, que vejamos nele apenas os defeitos, ou, pior ainda, como o responsável pela própria infelicidade.
É fundamental, portanto, que haja um esforço por recuperar o apreço pelo nosso cônjuge. Não se trata de encobrir os defeitos, quiçá patentes e inegáveis dele ou dela. Contudo, é muito comum que coloquemos uma lente potentíssima de aumento os seus defeitos e, por outro lado, desenvolvamos uma terrível miopia para enxergar as suas qualidades. E, nesses momentos, o nosso esforço deve ser na direção contrária, ou seja, procurar ver e valorizar o que há de bom no nosso marido ou na nossa esposa.
É bem verdade que muito contribuirá para recuperarmos o apreço quando notarmos uma sincera vontade de melhora no outro. Contudo, mesmo sem isso, toda pessoa possui virtudes a serem admiradas e valorizadas. Basta que se tenha bons olhos para enxergar.
Nesse intento, convém travar uma verdadeira batalha contra os pensamentos distorcidos, que muitas vezes aparecem numa espécie de murmuração interior que nos leva a formar juízos críticos e negativos, no mais das vezes irreais e injustos. Por exemplo, ao notar um objeto fora do lugar, talvez nos surpreendamos em elucubrações mentais do tipo: “é um desordeiro mesmo, já deixou isso jogado de novo”. E os exemplos disso são inúmeros.

É conhecida a diferente forma de enxergar uma mesma realidade entre um pessimista e um otimista. O primeiro, vendo um copo com água até a metade, dirá: “está quase vazio”, ao passo que o otimista dirá que “está quase cheio”. Ao analisarmos o nosso cônjuge é fundamental essa visão otimista, que saiba colocar uma lente de aumento em suas virtudes, ao mesmo tempo em que lembra dos defeitos apenas para ajuda-lo no momento oportuno e da maneira adequada, ou seja, por amor. 

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Superando a crise conjugal

Quando se vive uma crise conjugal, uma das maiores dificuldades que encontra o casal, mesmo quando se esteja decidido a manter o casamento, é mudar o foco, o ângulo de visão. É frequente que cada um julgue que a raiz do problema está no outro, nos pais dele (ou dela) ou em qualquer outro fator externo. E se cada um é convidado a ponderar em que medida os próprios defeitos, pensamentos e atitudes têm contribuído para a crise, é comum obter respostas do tipo: “bem, eu reconheço que tenho os meus defeitos, porém, ela(e), os pais dela(e) sempre ...”.
Acontece que tudo ou quase tudo o que podemos fazer para mudar uma situação é mudarmos a nós mesmos, as nossas atitudes, os nossos modos de pensar e de agir diante de determinada situação. Assim, reconhecer os nossos defeitos e limitações é um primeiro passo fundamental para se enfrentar uma situação de crise conjugal.
O marido ou a mulher que esteja verdadeiramente decidido a dar os primeiros passos para sair de uma crise conjugal deveria procurar saber, com coragem e valentia, o que agrada e o que desagrada o cônjuge. Para isso, talvez não seja necessário grande esforço de memória. Basta relembrar algumas discussões ou mesmo as inúmeras vezes em que ele (ou ela) nos tenha ponderado sobre aspectos da nossa vida que não lhe parece estar bem.
Nesse intento, talvez a nossa maior dificuldade não esteja em saber o que em nós desagrada o nosso cônjuge, mas aceitar que pode haver um pouco (ou muito) de verdade nisso e, principalmente, que estejamos dispostos a nos esforçar por melhorar. Em suma, reconhecer os próprios erros, defeitos e limitações é um primeiro passo fundamental para vencer a crise.
Ao tomarmos essa decisão, talvez nos ocorra pensar: “Mas e se ele(a) não se dispuser a fazer o mesmo?”. Ou, mais especificamente: “Eu aqui tentando melhorar para salvar o casamento e ele(a) só colhendo os frutos do meu esforço!”. Penso que há, contudo, inúmeros motivos para afastar esse tipo de pensamento.
Primeiro porque quando lutamos por sermos pessoas melhores, que combatem os defeitos e que se esforçam por agradar aos demais, em especial o nosso cônjuge, quem ganha com isso somos nós próprios, pois nos tornamos melhores como pessoas e, portanto, mais livres, na medida em que aprendemos a dominar a nós próprios.
Além disso, como dissemos, o que está verdadeiramente ao nosso alcance para mudar uma situação é mudarmos a nós mesmos. Não conseguiremos, por mais que nos esforcemos, em mudar os demais se eles não cooperarem livremente para isso.
E um terceiro motivo é que o amor é doação desinteressada. De fato, quem ama necessita também ser amado. Assim, se demonstramos o nosso amor ao nosso cônjuge, queremos legitimamente que esse amor seja correspondido. Contudo, a manifestação do nosso amor, para ser autêntica, deve ser gratuita, sem exigir nada em troca. Eis o maravilhoso paradoxo do amor: por nossa natureza necessitamos ser amados, ao mesmo tempo que temos um irreprimível anseio de amar. No entanto, a nós cabe apenas amar e não exigir que nos amem, ainda que aceitemos, mais que isso, precisamos que os outros também nos comuniquem o seu amor.
Isso não exclui a ajuda mútua entre os cônjuges para que cada qual estimule o outro a vencer os próprios defeitos e superar as suas limitações. No entanto, a eficácia dessa ajuda depende muito do modo com que é prestada. Assim, se a mulher diz ao marido em meio a uma discussão: “você sempre chega atrasado a casa”. Ou, ainda, se o marido diz à esposa: “você nunca se importa comigo”, é provável que tais afirmações apenas contribuam para afastar ainda mais o casal e não são eficazes para que o outro se sinta estimulado a lutar por melhorar.
Se, porém, num momento em que os ânimos estão serenos, se busca o diálogo proativo, iniciando por reconhecer as virtudes e o esforço do outro por ser melhor e, em seguida, se expõe algum ponto em que o outro possa melhorar, é muito mais provável que se tenha eficácia. Mas mesmo que não se note o propósito de melhora no outro, ainda assim se deve manter o firme propósito de lutarmos contra o que não está bom em nosso modo de pensar e agir para construir um bom relacionamento conjugal.

Tudo ficaria muito mais fácil e melhor se os cônjuges descobrissem, o quanto antes, que o segredo da felicidade no matrimônio é buscar fazer o outro feliz.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Álcool na Adolescência


Uma matéria publicada no Correio Popular, na edição do dia 19 de setembro deste ano, aponta que “o álcool é um ingrediente cada vez mais comum na rotina de jovens e adolescentes com idades entre 12 e 17 anos”. Isso me fez lembrar um comentário sobre os hábitos dos jovens da década de 60 de uma pacata cidade do interior paulista: “Eles bebiam feitos uns loucos e, como é de se supor, aprontavam as mais inusitadas estripulias. No dia seguinte, passada a fogueira, reuniam-se na praça para conversar e se divertiam relembrando as peripécias da véspera”.
O problema não é recente. O hábito de se embriagar aos finais de semana ou em determinadas ocasiões é socialmente aceitável há longa data entre nós. Por certo que os saudosistas dirão: “Sim, mas antigamente não havia a proliferação das drogas e outras coisas terríveis que vemos na juventude de hoje”. E talvez tenham razão. Mas, por outro lado, será a embriaguez, ainda que esporádica, tão inocente assim?
A mesma matéria que mencionamos acima traz o relato de profissionais da área de saúde que “afirmam que a bebida pode ter reflexos nocivos ao organismo de um ser humano, principalmente em idade de crescimento. Além disso, “as bebidas alcoólicas são a porta de entrada mais fácil para as drogas ilícitas, como maconha, crack e cocaína”. Sendo assim, como combater tão grave problema?
Como toda questão complexa, temos de ir à raiz, sem o que ficaremos apenas com meros paliativos. Como exemplo disso temos o aumento da punição para os proprietários de bares e restaurantes que vendam bebida alcoólica para menores, ou permitam o consumo por eles em seus estabelecimentos. A medida é elogiável, mas não resolve.
Uma vez ouvi o seguinte comentário de um adolescente sobre o seu colega de classe: “Puxa, ele nem precisa beber para ser tão divertido assim! Consegue conversar, ser simpático e atraente com as meninas...”. Esse mesmo jovem se intitulava como tímido, de modo que via na bebida um meio para se libertar da timidez.
Convém que não se encare a timidez como algo irreversível ou uma característica imutável da pessoa. Trata-se de uma defesa desenvolvida por quem talvez tenha uma baixa auto-estima e receia se expor para que os outros não criem um mau conceito de si próprio. Cabe aos pais e professores fomentar uma saudável auto-estima – e para isso não é necessário criar um falso conceito sobre si próprio – que anime os filhos e alunos a se portarem com naturalidade em qualquer ambiente. O objetivo não será expor desnecessariamente a intimidade, mas agir com segurança. E isso somente se consegue com êxito quando se toma consciência da imensa dignidade que é inata a cada ser humano.
Talvez outra causa seja o desejo de grandes aventuras que marca os jovens e adolescentes. Temos de ajudá-los a ver que não precisam do álcool para isso. A vida toda pode ser uma grande aventura, conquanto que estejamos abertos a lutar por grandes ideais que valham a pena. Além disso, com um pouco de sacrifício podemos proporcionar-lhes passeios verdadeiramente estimulantes, como acampamentos, escaladas a montanhas, viagens de bicicleta etc. São atividades que exigem esforços e, ainda que tenham um certo risco, proporcionam momentos inesquecíveis, que valem ser a pena ser recordados no dia seguinte, numa roda de amigos, e por toda a vida.
Há tempos estive numa fazenda de tratamento de dependentes químicos. Era um dia festivo, pois se comemorava a recuperação de um rapaz, que voltaria ao convívio social. Enquanto almoçávamos, o responsável pelo trabalho, que também era um ex-dependente, fez uma brincadeira: “ontem eu bebi todas! Guaraná, coca-cola, suco de laranja e depois cheguei a casa chapado de amor a Deus”. Os jovens que o rodeavam na mesa, acostumados com esse linguajar e nutridos de esperança, soltavam grandes gargalhadas. No brilho de seus olhos ecoava de novo a alegria. “Como é boa a felicidade que se alimenta numa vida simples e sóbria!”, talvez pensassem. De fato, somente quem é senhor de si mesmo pode-se doar livremente aos outros. E a mensagem estampada na parede do local bem nos serve de conclusão: “Felicidade e sobriedade: aprecie sem moderação”.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Filhos fortes

É interessante notar como cada vez mais as pessoas se preocupam com a saúde e, por consequência, tomam iniciativas destinadas a proporcionar uma tão propalada melhor qualidade de vida. Para isso enchem-se as academias de ginástica, as pistas de corrida e as clínicas de beleza. Essas ações, para que sejam eficazes, exigem esforço e perseverança. De certo modo, é bom notar esse empenho em se buscar uma vida mais saudável. No entanto, o mesmo esforço não se nota em levar adiante os grandes empreendimentos dos quais depende essencialmente a nossa felicidade, tais como a família, os amigos e o próprio projeto profissional. Com efeito, vemos os laços familiares serem rompidos e reconstruídos ao sabor de cada momento, as amizades formadas com base no interesse e o trabalho voltado apenas para ganhar dinheiro e para a disputa pelo poder, sem uma preocupação em edificar algo em benefício dos demais. Mas qual seria a razão disso?
Tal indagação não é fácil de se responder. São muitos os fatores que influem nesse modo de agir. No entanto, não seria demasiado simplista apontar como causa desse fenômeno uma concepção da vida e do mundo marcada pelo hedonismo e pelo individualismo. Essa conclusão, contudo, nos remete a outro questionamento: como reverter esse quadro? Ou melhor, como ajudar as pessoas a construírem o seu projeto de vida sobre bases mais sólidas?
Penso que a sociedade e o mundo atual precisam de pessoas suficientemente fortes para enfrentar com a firmeza as dificuldades e agirem com constância na procura do bem para si e para os outros. Que estejam dispostas a se sacrificar pelos grandes ideais que, no fundo, dão sentido às nossas vidas. Precisamos, em suma, de cultivar a virtude da fortaleza.
E para isso o trabalho há de começar bem cedo na educação de nossos filhos e alunos. Outro dia alguém me fez a seguinte observação: “Repare como as mães e pais carregam a mochila escolar dos filhos. Se pudessem levariam-na até a classe. E, ao buscá-los ao final da aula, já vão logo pegando aquele objeto pesado, poupando-os daquele incômodo”. É verdade. Como muitos pais se empenham em poupar os filhos do menor esforço! Mas qual será o resultado disso?
Certa vez uma mãe fez registrar a seguinte reclamação no livro de ocorrências do condomínio: “a filha do morador do apartamento tal beliscou a minha filha enquanto brincavam no parque”. Será que tamanha intervenção é educativa? Estamos, com isso, ensinando nossos filhos a resolver por conta própria os seus problemas? Há quem sustente, com uma certa dose de razão, que o Judiciário está abarrotado de processos porque as pessoas não são educadas, desde pequenas, a resolver por si sós os próprios conflitos, recorrendo à intervenção de um terceiro diante do mais insignificante incidente. Educar filhos e alunos fortes exige que sejam treinados a suportar com valentia as incomodidades e a resolver sozinhos, quando for possível, os próprios conflitos.
Mas para educar filhos fortes é necessário, acima de tudo, o bom exemplo dos pais. Para isso, talvez devêssemos nos questionar como são os nossos finais de semana, ou mesmo as nossas noites em casa. Será que ficamos o tempo todo esparramados no sofá diante da TV? Deveríamos considerar que outras atividades, como os jogos educativos e o esporte apresentam oportunidades fantásticas de formarmos os nossos filhos. Dentre outras coisas podemos estimulá-los a perseverarem diante das dificuldades, aceitar as derrotas, vendo nelas oportunidades de luta e superação.

A cultura hedonista e individualista que marca a nossa sociedade não nos impõe a fuga do esforço e do sacrifício em si, mas apenas daquele que é feito pelos outros e desinteressadamente. Nesse contexto, se nos empenharmos em ser melhores pais, mães, esposos, esposas, trabalhadores, que saibam se doar aos demais, enfrentando com valentia e sem ares de vítima as adversidades da vida, estaremos construindo um mundo melhor a nossa volta, ao mesmo tempo em que construímos a nossa própria felicidade sobre bases mais sólidas e duradouras.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Ciúmes ou indiferença?

O casamento é, queiramos ou não, uma entrega e uma doação que fazemos de nós mesmos ao outro. Diante dessa radicalidade que marca a união conjugal é comum que os cônjuges receiem não ser correspondidos, ou ao menos que essa correspondência do outro não se dê conforme as próprias expectativas.
Quando se diz que o amor é doação não se está a dizer que quem se doa não deseja também receber. A auto-suficiência do marido ou da esposa, que tolhe qualquer possibilidade de receber demonstrações de carinho, priva o outro do direito de manifestar o seu sentimento. Por exemplo, há homens ou mulheres que não permitem que se lhes prestem pequenos serviços, como trazer um remédio quando está doente. “Não precisa, deixa que eu mesmo faço isso”, dirá em seu tom altivo e independente. Acontece que sem o intercâmbio dessas demonstrações de afeto, ainda que se tenha muita força de vontade de levar o relacionamento adiante, ele tende a perder o sabor que brota da afetividade. Assim, quem ama de verdade deve também estar disposto a receber amor, como e quando o outro o queira manifestar.
Marido e mulher trazem muitas expectativas para a vida matrimonial. Em geral a mulher gostaria que ele se importasse com ela tal como nos tempos de namoro; que se mantivesse atencioso e carinhoso; enfim, que apreciasse estar com ela. O marido também espera que ela se esforce por estar atraente para ele e não apenas quando se arruma para o trabalho ou compromissos sociais; que o compreenda e valorize o seu esforço por buscar melhores condições para a família. Mas é inevitável que muitas dessas expectativas se frustrem. Porque são pessoas diferentes, porque o outro sequer conhece de verdade as expectativas do cônjuge e porque muitas delas são mesmo irreais, fruto da imaturidade e da imaginação. Diante dessa frustração, costumam surgir duas posturas diametralmente opostas, mas ambas incompatíveis com o verdadeiro amor: o ciúme e a indiferença.
No afã de ver correspondida a entrega que se faz ao outro, há quem desenvolva uma atitude possessiva, que faz exigir do outro manifestações de afeto do seu próprio modo. A lógica do marido ou da mulher ciumento(a) é mais ou menos essa: “já que faço isso e aquilo por você, quero ser o centro de todas as suas atenções”. E então se vale da chantagem emocional para exigir a atenção e para fazer que o outro demonstre o seu afeto do nosso próprio jeito.
A atitude oposta é a indiferença. Quando alguém se depara com as frustrações, o sofrimento é iminente. Com efeito, quanto mais radical for a entrega, maior é a possibilidade do sofrimento quando notamos que a correspondência do outro não se dá como havíamos idealizado. Assim, talvez inconscientemente, muitos cuidam de reduzir o sentimento, pois assim se “sofre menos”.
 No entanto, ainda que o amor não se limite ao coração, mas se manifeste também na vontade de querer amar o outro, não se pode amar sem o sentimento. E a indiferença é um distanciamento, por medo de sofrer, que acaba por dar veneno ao verdadeiro amor conjugal.

Dizem que a virtude está no meio. De nada adianta o ciúme possessivo ou a chantagem emocional, pois não há verdadeiro amor sem liberdade, sobretudo a liberdade interior para querer amar. Tampouco a indiferença é o resultado do bom uso da liberdade, mas uma atitude covarde de não se querer dar por medo de sofrer. Nesse grande dilema do amor conjugal o melhor é a doação desinteressada, que se traduz em pequenos gestos todos os dias. Não se fica sempre a exigir do outro uma “contraprestação”, mas se aceita de bom grado e se regozija nas demonstrações de afeto do outro.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Ontem, hoje e sempre.

O relacionamento conjugal e a educação dos filhos no mundo moderno apresentam desafios que precisam ser enfrentados com sentido profissional, ao menos com a mesma seriedade e dedicação que empregamos no nosso trabalho. Durante séculos a maneira de se desempenhar os papéis de pai, mãe, marido, esposa e filho foi ditada pelo senso comum. Com isso, os modelos aprendidos na infância e adolescência eram mais ou menos imitados, até porque a própria sociedade os impunha também com uma certa rigidez, de modo que não havia muito o que estudar e aprender para se viver as relações familiares.
Atualmente não pode ser assim. As circunstâncias que marcam as vidas dos nossos filhos são substancialmente diferentes daquelas que nós vivemos quando tínhamos a idade deles, bem como provavelmente os seus filhos viverão num mundo também muito diferente. E isso é um fenômeno relativamente recente na história da humanidade. Em outras épocas as mudanças não eram tão acentuadamente constatadas entre uma geração e outra, de modo que os modelos dos pais impunham-se por si sós. Agora não. Diante dessa realidade inegável, sobre que bases podemos construir um relacionamento conjugal feliz? E como educar os filhos para que se realizem enquanto pessoas num mundo que permanece em contínuas e profundas mudanças todos os dias?
Penso que a solução é focar no que é essencial e imutável no ser humano em qualquer tempo e lugar. Mas essa indagação nos remete a uma outra, talvez de mais difícil solução: o que está na essência da pessoa e que merece ser cuidado ainda que mudem os fatores externos como o ambiente, os costumes etc.?
A razão mais fundamental da existência do homem e da mulher é o amor. Cada ser humano nasce com a necessidade de ser e de se sentir amado, ao mesmo tempo que anseia por amar e manifestar esse amor aos que o cercam. Mas essa resposta, por demais genérica, não resolve o problema de como lidar com cada uma das situações por que passam os relacionamentos conjugais e a educação dos filhos. Com efeito, é certo tais relações devem ser pautadas por um amor desinteressado que busca o bem do outro acima dos interesses pessoais, mas ainda assim vivenciamos a cada momento grandes dúvidas sobre como agir corretamente em cada situação.
Bem por isso que os pais têm a necessidade cada vez mais premente de buscarem uma formação continuada. Essa formação visa buscar soluções adequadas para enfrentar os problemas conjugais e os relacionados com a educação dos filhos precisamente nesse contexto em que se desenvolvem suas vidas. E cada vez mais terá um papel relevante o trabalho de orientação familiar. Realizada com sentido profissional e com o propósito de ajudar as famílias a desempenharem o seu paper transformador, essa atividade deve resgatar nos casais e nos filhos a esperança de que é possível construir um lar feliz, apesar dos imensos desafios que o mundo moderno nos apresenta.
O grande mal está em pensar que tudo é relativo. Como as coisas mudam diariamente num ritmo frenético corremos o risco de pensar que não há verdades imutáveis. Tanto hoje como há um século ou há um milênio a mulher gosta de ser reconhecida e valorizada pelo esposo, quer que ele a escute com atenção e que seja carinhoso em qualquer momento e não apenas quando deseja uma relação íntima. E também o marido sempre gostou que a esposa lhe seja dócil (o que não é o mesmo que submissão) e que também se esforce por ser agradável e atraente. E isso é possível mesmo com o passar dos anos, afinal cada idade tem o seu sabor e a sua beleza.

Os modos pelos quais se exprimem verdades eternas podem variar e de fato variam muito com o tampo. As longas cartas redigidas com uma pena embebida no tinteiro foram substituídas pelo sms ou pelo e-mail, mas em todos sempre coube dizer com muitas ou poucas palavras: “eu te amo”. Também o carinho e a dedicação aos filhos possuem hoje contornos muito diferentes de outras épocas. Mas em todas elas o pai e a mãe seguem com a enorme responsabilidade de inspirar outras vidas que buscam neles modelos que possam dar um sentido às suas próprias existências. E isso ontem, hoje e sempre. 

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Filhos “bonzinhos”

“Filha, quando você faz essas coisas eu não gosto mais de você”, dizia uma mãe em tom de repreensão à filha que acabava de fazer uma travessura. Na mesma linha, mas em outro sentido, ouvi certa vez o elogio de um pai: “Filho, eu gosto muito de você, pois é estudioso, obediente e carinhoso comigo e com sua mãe”. Agindo com o afã de fazer com que nossos filhos se comportem bem, por vezes corremos o risco de lhes transmitir a mensagem de que o nosso amor por eles é uma espécie de recompensa por se comportarem de acordo com as nossas expectativas.
No romance Vá aonde o teu coração mandar, de Susanna Tamaro, a personagem relata o relacionamento desastroso com sua mãe, que merece ser meditado:
“Eu era muito diferente dela e já ao sete anos comecei a não a suportar. Sofri muito por sua causa. Ela andava agitada o tempo todo, e sempre era unicamente por motivos externos. A sua presumível perfeição fazia-me sentir que eu era má e que a solidão era o preço da minha maldade. A princípio, cheguei até a fazer tentativas de ser como ela, mas eram tentativas desajeitadas que sempre fracassavam. Quanto mais me esforçava, mais me despedaçava. Renunciar a si mesmo leva ao desprezo. Do desprezo à raiva, o passo é curto. Quando compreendi que o amor da minha mãe era um assunto que se prendia com a mera aparência, com o que eu devia ser e não com o que eu era, no segredo do meu quarto e no coração comecei a odiá-la”.
É impressionante notar como muitos pais e mães buscam moldar os filhos aos seus próprios gostos. No entanto, se amamos os nossos filhos de verdade, uma das melhores ajudas que podemos prestar-lhes e ensiná-los a serem eles mesmos. Cada ser humano é único e irrepetível e um dos maiores dons que receberam é a liberdade.
É evidente que os nossos filhos, como também nós, temos muitos defeitos e limitações. E a vida é uma oportunidade para vencer esses defeitos e também superar, na medida do possível, os próprios limites. Cada minuto de nossas vidas nos traz oportunidades de adquirirmos virtudes, que por sua vez nos faz pessoas melhores, mais realizadas e felizes. Assim, os pais podem e devem ajudar os filhos nessa caminhada, educando-os e orientando-os nessa luta cotidiana. Contudo, devemos agir com retidão de intenção, ou seja, buscando apenas o bem dos filhos, e não para que possamos nos orgulhar deles diante dos amigos, familiares ou quem quer que seja.
Certa vez participei de uma palestra de um renomado educador ministrada para pais e professores. Nela se falou da importância de os pais conhecerem a fundo o caráter dos filhos para poder ajudá-los, falou-se também da idade certa para se trabalhar cada virtude etc. E depois de deixar todos meio atônitos sobre o quão exigente há de ser a educação em nosso tempo, ele lançou à platéia a seguinte indagação: “Mas e se depois de fizermos tudo isso por nossos filhos nada der certo? Vou ser bastante trágico: e se algum deles se perder e acabar na prisão, o que fazer?”. A frase era de fato chocante, afinal nenhum dos pais de crianças e adolescentes que ali se encontravam sequer contava com essa possibilidade. E depois prosseguiu:
“Se isso acontecer, nos domingos vamos com toda a boa vontade visitá-los. E se possível levaremos uns doces para os companheiros de cela que não recebem visitas”. E depois concluiu: “Nossos filhos são livres. Não se educa um homem e uma mulher como se programa um robô. A única forma de serem verdadeiramente bons é exercendo bem a sua liberdade. E estou absolutamente convencido de que o amor só é verdadeiro se for incondicional. Não os amamos porque são ‘bonzinhos’, porque correspondem às nossas expectativas ou porque nos agradam, mas porque são nossos filhos e são do jeito que são, não como gostaríamos que fossem. E além disso não é possível  amar de verdade algo ideal, que somente existe em nossa cabeça, mas somente seres humanos em concreto, com suas virtudes e com os seus defeitos. É precisamente desse modo que nossos filhos querem e têm direito de ser amados por nós”.

Nada a acrescentar.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Jornada Mundial da Juventude 2

Encerrou-se ontem a XXVI Jornada Mundial da Juventude. Durante uma semana, milhões de jovens do mundo todo encheram as ruas e praças de Madri com a sua alegria, com o seu amor e com a sua fé. Agora que a festa chegou ao fim, quando todos arrumam suas mochilas para retornarem às suas casas, convém que nos lancemos uma indagação fundamental: o que essa jornada representou e representará para a humanidade?
Esses jovens, durante esses dias, exerceram um direito inalienável de todo ser humano: o de manifestar publicamente a sua fé. Estado laico não é sinônimo de ateísmo oficial. Tampouco a laicidade do Estado impõe que a fé seja relegada a um âmbito estritamente privado. Com efeito, se todos podem reunir-se para fins pacíficos em locais abertos ao público, independentemente de autorização, por certo que o podem fazer para celebrar a manifestar a fé.
Vivemos num mundo conturbado. Ao mesmo tempo que de Madri nos sopram ares de uma juventude alegre e pacífica, da Inglaterra nos chegam imagens de baderna e destruição. É inegável que vemos hoje uma Europa depauperada e decadente, mas é preciso reconhecer que a crise maior por que passa não é econômica, mas de valores. Presas do hedonismo, do consumismo, do materialismo e do relativismo, vemos pessoas que correm de um lado a outro sem um sentido profundo para as suas vidas. E o vazio interior decorre precisamente de se esquecerem do caráter transcendente que marca a natureza humana e que nos move a abrirmo-nos aos demais, projetando as nossas vidas para muito além dessa fugaz e passageira realidade.
Muito se fala e se prega sobre a paz e nosso tempo. No entanto, temos de reconhecer que somente haverá paz no mundo se soubermos fazer com que ela reine primeiro nos corações de cada homem e de cada mulher. Com efeito, a paz dos tratados e acordos internacionais, no mais das vezes construída sobre ajustes de interesses em conflito, ainda que importante, é frágil e não dura muito se não for acompanhada de uma mudança interior das pessoas que hão de zelar por ela.
A Jornada Mundial da Juventude se realizou sob duras críticas: “Onde já se viu gastar milhões de euros num evento desses, em meio a uma dura crise econômica que assola a Espanha e a Europa!”, questionam seus opositores. Tais críticos não enxergam, ou não querem enxergar, que os recursos vieram em grande parte dos próprios participantes, que muitas vezes com sacrifício pessoal deixaram de gastar em roupas, festas etc. para estar ali. Além disso, num país em que o turismo representa parte considerável da receita, tal evento implica uma importante fonte de recursos a mitigar os efeitos da recessão econômica.
Aliás, quanto a essa crítica, permita-me o leitor abrir um parêntesis para deixar uma mensagem aos cristãos: esse argumento é velho. Lembram-se de quando uma mulher quebrou um vaso de nardo puro e de grande preço e ungiu os pés do Mestre? O traidor, cheio de inveja, disse: “Por que não se vendeu este bálsamo por trezentos denários e não se deu aos pobres?”. Mas ele não dizia isso porque se preocupava com os pobres, mas “porque era ladrão e, tendo a bolsa, furtava o que nela se lançavam”. Caros jovens, não se preocupem, fiquem tranquilos e em paz, pois fizeram uma grande coisa por Ele.

Em Madri reluziu ontem uma chama. Esses milhões de jovens que abarrotavam o aeródromo Quatro Ventos retornarão aos quatro cantos do mundo e ali em seus colégios, em suas Universidades e em suas famílias serão sal e luz, iluminando com a sua fé os caminhos de muitos que perambulam numa existência vazia e sem sentido. E darão sabor às realidades terrenas onde intervirão. Nelas ressurgirá a esperança de um mundo melhor. Brilharão como um sinal de que Deus existe e está em nosso meio. E então com a força do amor saberão reconstruir o que estava perdido, a começar pela alegria em nossos corações.