Um ilustre leitor me
enviou uma mensagem que merece ser lida e meditada:
Havia, na pequena cidade da
minha infância (Lençóis Paulista), um fazendeiro dinamarquês chamado Ingvar
Aagesen. A pronúncia do seu nome era muito difícil para nós, por isso todos o
chamavam “Osma”, o que ele admitia elegantemente. Era um homem sério, muito
culto, e sua fazenda era, para a época, de um refinamento nunca visto.
Chiqueiros de azulejo, porcos tomando banho diário, cavalos de raça, música
erudita, capela, escola, quadras de esportes, belos jardins. Enfim, tínhamos um
grande respeito pelo “seu Osma”. Todos os anos ele viajava para a Dinamarca, a
negócios ou distração. Numa dessas viagens, ele decidiu levar junto um capataz,
ao qual desejava oferecer uma espécie de prêmio. Terminados os seus afazeres,
estavam de volta, a caminho do aeroporto, de carro alugado, quando, em certo
ponto da viagem, um guarda rodoviário mandou que encostassem. Havia uma fila
imensa no acostamento, e o capataz, muito preocupado e nervoso, sugeriu que
eles poderiam perder a hora do embarque. Consultando o relógio, “seu Osma”
chamou o guarda, falou com ele em dinamarquês e, imediatamente, o guarda os
escoltou até à ponta da fila, e eles chegaram a tempo para seu compromisso.
Muito espantado com aquilo, o capataz disse:
“-Puxa! Você deve ser muito
importante aqui no seu país”.
“-Não sou”, respondeu Osma,
“pois eu nem moro aqui, ninguém me conhece”.
“-Então”, disse o capataz, “o
que foi que você disse ao guarda, que nos tirou logo de lá?” Ao que ele
respondeu: “-Eu lhe disse que nós estamos com pressa”. O capataz arregalou os
olhos e perguntou: “-E por que os outros também não fazem isso?”. Respondeu o
Osma: “-Ora, porque eles não estão com
pressa”.
Desde que ouvi contar esse
fato, alimentei sempre um desejo secreto de morar na Dinamarca.
Trinta anos mais tarde, fui a
um estabelecimento de ensino, em Washington, buscar um documento escolar. Um
funcionário me atendeu gentilmente, e pediu que tomasse meu lugar na fila, que
não era muito grande. Mas, acostumado à morosidade habitual dos nossos serviços
públicos, perguntei:
“-Vai demorar muito?”.
Sempre cuidadoso, ele
respondeu:
“- Por que? O senhor está com
pressa? Posso chamar outra pessoa para atende-lo”.
Nesse momento eu me lembrei do
Osma, e disse:
“-Não; isso não é necessário,
eu posso esperar”. (João
Serralvo, aposentado, Contador, Professor, Administrador, Valinhos, SP).
Essa história do João Serralvo me fez lembrar
um incidente recente que se passou comigo. Fazia pouco tempo que havia ficado
sócio de um clube e estava com umas autorizações provisórias, que permitiam o
acesso. Estando a caminho, notei que havia esquecido os documentos e lamentei:
“droga, não conseguiremos entrar no clube, pois esqueci as carteirinhas”. A
minha filha, então com quatro anos, perguntou: “Pai, mas para que precisa
dessas carteirinhas?”. Respondi o que me parecia muito óbvio: “É para que o
porteiro saiba que somos sócios e nos deixe entrar”. “Ora, pai, diga a ele que
já somos sócios e pronto”. Confesso que não tive coragem de argumentar com ela
que o porteiro não acreditaria, ou que a minha palavra não teria valor para ele.
Lembro-me ainda de um
incidente que me ocorreu quando era criança. Participava de um campeonato de
futebol. O jogo era tenso, acho que era a final. Em um lance mais duro,
levantou-se uma discussão, pois os adversários diziam que a bola havia tocado
na minha mão, o que os meus companheiros negavam com veemência. Eu, muito
inocente, sem hesitar nem um pouco disse: “a bola pegou em minha mão sim”. Por
pouco que não me expulsaram do time...
Apesar disso, caríssimo
João, penso que não seja necessário mudarmos para a Dinamarca. Basta que
ensinemos nossas crianças que vale a pena dizer a verdade sempre, ainda que
custe.