segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O caso Neymar e o individualismo

O incidente envolvendo o jovem jogador do Santos, Neymar, e o técnico do clube tem ocupado lugar de destaque na mídia. A cena é lamentável: o rapaz quer porque quer cobrar o pênalti e, diante da negativa, revolta-se, protesta, xinga, chegando a voltar-se desrespeitosamente contra o próprio treinador. Mas o que nos parece ainda pior é que ao se propor uma punição exemplar, é a cabeça do próprio técnico que rola.
O que representa, para esse jogador, os outros dez companheiros que vestem a mesma camisa? São amigos de uma mesma equipe, unidos por um objetivo comum? Ou os outros jogadores são apenas personagens necessários – afinal um time tem de ter 11 atletas em campo – para que se possa individualmente brilhar? Em suma, busca-se o bem comum, sabe-se doar aos outros, ou o que importa é apenas eu, eu, eu?...
Quando nos fazemos essas indagações, é possível que uma primeira conclusão a que chegamos, talvez precipitadamente, é que os bastidores do mundo do futebol, regados de milhares de milhões de dólares, são muito corrompidos. Mas será que esse comportamento individualista é exclusivo dos meios futebolísticos? Ou seria apenas como que uma ponta do iceberg de um problema crônico que assola a nossa sociedade?
Voltemo-nos agora para o que ocorre no dia-a-dia de uma empresa. Como são as relações entre as pessoas? São, em geral, marcadas pela confiança, gentileza e camaradagem? Sabe-se ensinar, ajudar e servir aos colegas? Ou, ao contrário, há um constante receio de que o outro pode, a qualquer tempo, puxar o tapete e, se os ensinamos a trabalhar bem, poderá galgar postos mais rápido que nós?
E outras tantas indagações semelhantes poderiam ser feitas quanto às relações entre os funcionários públicos de uma repartição, na política...
Acontece que quando enxergamos naqueles com quem convivemos no trabalho, na família e nas relações sociais não seres humanos, mas degraus a serem escalados, fazemos muito mal a essas pessoas, disseminamos insegurança na sociedade e encontramos apenas frustração e desolação.
Ninguém gosta de ser usado. E se é esse o nosso comportamento habitual em relação aos demais, cedo ou tarde nos encontraremos imersos numa profunda solidão. E o que é mais trágico é que muitas vezes não se enxerga esse isolamento. É que, não raras vezes, se fica rodeado de falsos amigos, também eles movidos exclusivamente por interesses, que fogem ao primeiro sinal de que não mais se poderá tirar proveito daquela relação.
O individualismo causa uma terrível insegurança na sociedade. O egoísta crônico, por pensar que todos também o são, não confia em ninguém. Sempre que alguém se aproxima, logo se põe a elucubrar sobre quais seriam os interesses que os move: será que quer o meu cargo? Quer o meu dinheiro? Com isso, abandona-se a sinceridade e a pureza de coração, tal como as têm as crianças, que são requisitos imprescindíveis para se encontrar, em qualquer ambiente, a paz e a serenidade.
Por isso, o maior mal que o egoísta causa é a si próprio, pois não consegue alcançar a tão sonhada felicidade.
Falando a milhares de estudantes do Reino Unido, o Papa Bento XVI os motiva a pensar sobre como encontrar a felicidade: “Vivemos em uma cultura da celebridade, e os jovens, muitas vezes, são incentivados a ter como modelo figuras do mundo do esporte ou do espetáculo. Desejo fazer-vos esta pergunta: Quais são as qualidades que vedes nos outros e que vós mesmos mais desejaríeis possuir? Qual tipo de pessoa desejaríeis ser de verdade?”.

E depois expõe a eles, com toda clareza, o verdadeiro caminho: “A felicidade é algo que todos desejamos, mas uma das grandes tragédias deste mundo é que muitas pessoas nunca conseguem encontrá-la, porque a procuram nos lugares errados. A solução é muito simples: a verdadeira felicidade é encontrada em Deus. Precisamos ter a coragem de colocar as nossas esperanças mais profundas somente em Deus: não no dinheiro, numa carreira, no sucesso mundano, ou nas nossas relações com os outros, mas em Deus. Somente Ele pode satisfazer as necessidades mais profundas do nosso coração.”

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O preço da corrupção

Um estudo realizado pelo Departamento de Competitividade e Tecnologia (Decomtec) da Fiesp revelou os prejuízos econômicos e sociais que a corrupção causa ao País. Segundo dados de 2008, a pesquisa aponta que o custo médio anual da corrupção no Brasil representa de 1,38% a 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, gira em torno de R$ R$ 41,5 bilhões a R$ 69,1 bilhões. Ao nos depararmos com esses dados, talvez fique no cidadão comum uma sensação de impotência. Com efeito, o que poderemos fazer para reverter essa situação?
Há várias formas e meios para se combater a corrupção, que vão desde o combate à impunidade até mudanças estruturais nas instituições. Mas penso que a ação mais eficaz e, além disso, ao alcance de todos, é a formação das virtudes, especialmente nos nossos filhos e alunos.
Uma delas, que podemos forjar nas crianças desde muito cedo é a justiça. Podemos fazê-los ver que antes de ser algo a ser implementado no seio da sociedade, a justiça é algo que deve brotar no interior de cada ser humano. Pode ser definida, nesse sentido, como uma vontade firme e constante de dar a cada um o que lhe é devido.
Quando o funcionário de um departamento de compras de uma empresa exige uma “gorjetazinha” para adquirir os produtos desse ou daquele fornecedor – e é necessário ressaltar que a corrupção não é um fenômeno exclusivo do setor público – está, acima de tudo, faltando com a fidelidade a um compromisso assumido. E isso, além de prejudicar a instituição para a qual trabalha, causa um mal a si próprio, na medida em que viola a lei ética que todos temos gravada em nossos corações, ainda que muitas pessoas se empenhem em apagá-la de suas mentes.
Para viver a justiça nas inúmeras incidências de nossa vida cotidiana exige-se  uma fortaleza que, por vezes, aproxima-se do heroísmo. Com efeito, não é muito difícil dar a cada um o que é seu nas situações corriqueiras, como avisar uma pessoa que nos devolve um troco maior do que teríamos direito, ou mesmo quando simplesmente pagamos as nossas contas em dia. Mas é questão de justiça, também, honrar até o fim os compromissos que livremente escolhemos, como, por exemplo, aquele juramento de fidelidade e doação que fizemos por toda a vida para a nossa esposa ou marido.
Esse empenho por renovar a sociedade, renovando primeiro as pessoas por dentro, implica também saber ir contra a corrente de consumismo e busca do prazer desenfreado e a qualquer custo. Isso é uma causa direta de corrupção, começando pelos valores. Com efeito, se o modelo de felicidade que estamos construindo exige uma casa luxuosa, carro do ano e viagens caríssimas, em breve se concluirá que isso tem um custo econômico, cuja fonte deve ser suprida por meios lícitos ou... ilícitos. Cabe-nos, portanto, saber ensinar os nossos filhos a viver com sobriedade. Ainda que possuam brinquedos e muitos bens, precisamos fazê-los ver que a sua realização não está só nisso.
É um grande desafio fazer com que nossos filhos saibam encontrar em todas as circunstâncias o seu verdadeiro bem e a escolher os justos meios para o atingir. Que aprendam, desde muito cedo, que os fins não justificam os meios, de modo que para fins bons, devem escolher meios justos, corretos, pautados pela ética.

A corrupção é um tema complexo e não comporta análise simplista. Mas antes de se tornar um fenômeno social, está ela nas ações humanas livremente tomadas diante de situações concretas. Por isso, a nossa maior missão é formar homens e mulheres de verdade, fortes o bastante para refutarem quaisquer propostas de obterem, por meios ilícitos, o dinheiro fácil, e também ser suficientemente valentes para, em cada situação, dar a cada um o que lhe é devido. Mais ainda, que deem não apenas o que por obrigação legal devem fazer, mas que saibam se exceder na justiça a ponto de se doarem aos demais. É bem verdade que essa opção generosa não seria detectável numa pesquisa de campo. Mas isso não importa. Afinal, tampouco cabem nos gráficos a alegria de servir ou a paz que repousa sobre o sono dos justos.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Família e colégio: um diálogo necessário

Aproxima-se o final do ano. Nesse tempo, muitas famílias se vêem diante do tormentoso problema de escolher o melhor colégio a quem confiar a educação dos filhos. Que critérios devemos traçar para tomar a decisão correta?
Os pais devem procurar por colégios que primem pela qualidade técnica do ensino. Nossos filhos precisam estar muito bem preparados para enfrentar um mercado de trabalho cada vez mais competitivo. Mas isso não basta. É que não queremos apenas que tenham profundos conhecimentos em matemática, língua portuguesa, biologia, física, química etc. No fundo, gostaríamos que fossem homens e mulheres responsáveis e felizes, sem deixar de dominar os conhecimentos científicos necessários para desempenhar com competência o papel que lhes cabe na sociedade.
Cabe ao colégio, quase com exclusividade, transmitir os conhecimentos científicos necessários para o ingresso numa Universidade e, também, para o exercício de uma profissão. Na formação humana, porém, os principais responsáveis sempre foram e serão os pais.
Apesar disso, o colégio exerce um papel fundamental na formação dos valores. É que os alunos passam várias horas por dia recebendo ensinamentos dentro de uma sala de aula e é natural a enorme influência exercida pelo professor. Por isso, os pais devem procurar por instituições que cultuem valores semelhantes aos vividos na família. Mas isso nem sempre se consegue facilmente.
Pode se pensar, por exemplo, que uma instituição confessional, por seguir a linha de uma determinada religião, será suficiente para se alcançar a almejada coerência com os valores familiares. No entanto, nem sempre isso ocorre. É que muitas vezes os professores são contratados exclusivamente por critérios técnicos e sem a devida formação naquilo que a instituição explicitamente afirma seguir. Por outro lado, em escolas não confessionais, em que os pais poderiam legitimamente esperar certa neutralidade em matéria de fé, mas um profundo respeito a todas as religiões, pode ocorrer que determinado professor venha a ridicularizar ou simplesmente tratar como mitos convicções preciosamente defendidas na família.
Mas encontrar um colégio no qual se cultuem valores semelhantes aos vividos na família ainda é pouco. Além disso, é necessário que haja canais de comunicação muito bem definidos, como ocorre em qualquer parceria que pretenda ser de sucesso. Não basta que os pais sejam chamados prontamente quando os filhos mereçam uma advertência, nem que estejam cientes dos maus resultados escolares. Deve haver um diálogo freqüente entre professores/coordenadores e os pais, de modo a se reconhecer os pontos positivos do filho ou da filha e, a partir deles, traçar um projeto de melhora pessoal.
Ao se estabelecer critérios tão exigentes na escolha do colégio, muitos pais pensarão que não sabem sequer como cultivar na família esses valores fundamentais, de modo que tanto menos saberão procurar um colégio que os auxilie nisso. Esse fato, inegável, nos remete para um dos maiores desafios da escola para o futuro: formar os pais.
Se os pais não sabem exatamente como educar os filhos, ao invés de procurar substituí-los – e nisso eles são insubstituíveis – a escola pode ensiná-los a ser pais, que cumpram com responsabilidade o seu papel. Para isso, porém, a instituição de ensino deve ter a coragem de admitir uma concepção muito clara sobre o que é o homem e a mulher, qual é o seu papel na sociedade e quais são os caminhos que possam trilhar para alcançar a tão sonhada felicidade. Do contrário, ouviremos cada vez mais aquela odiosa frase: “até aqui vai a escola, daqui para frente cabe à família”.

Assim como o coração e a mente de nossos filhos estão integrados numa existência única, de tal forma que não subsistem um sem a outra, não é possível separá-los no processo educativo. Exatamente por isso pais e professores devem se sentir co-responsáveis num empreendimento comum. E essa missão é tão radicalmente importante para ambos que do seu sucesso dependerá a felicidade de um ser humano, a sobrevivência de toda a sociedade e da nação. Mais ainda: os rumos da humanidade inteira.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Educar na sinceridade

Durante uma viagem, fui parado por um policial rodoviário que, em inspeção de rotina, solicitou-me os documentos. Minha filha, então com 6 anos, perguntou: “Pai, por que o guarda quer ver os documentos?”. “Para verificar se está tudo em ordem”, respondi enquanto vasculhava na bagunça do porta-luvas. “E está?”, insistiu ela. “Sim, está, filha, mas estou começando a ficar com receio de ter esquecido o documento do veículo”, disse-lhe já começando a ficar apreensivo com a situação. “Bem, então diga a ele que está tudo certo e vamos embora”. Por um instante pensei ordenar que se calasse, mas o fato é que a sua simplicidade arrancou um sorriso do policial. Achei os documentos, que estavam em ordem e, após, analisá-los, o gentil policial nos permitiu prosseguir a viagem.
Passado algum tempo, aquele incidente voltou a me intrigar. Será absurdo o raciocínio da criança? Ou melhor, seria possível viver numa sociedade em que basta a palavra dada, sem a necessidade de prova disso, certificado daquilo, reconhecimento de firma por autenticidade etc.?
Um fator essencial para a vida em sociedade é a confiança que o indivíduo pode depositar nos demais. Se estou no trânsito e encontro um sinal verde, tenho de confiar que os que trafegam pela via transversal irão a minha preferência de passagem. A mulher que obteve do marido a promessa solene de fidelidade, respeito e amor deve estar certa de que o esposo se portará tal como prometeu, assim como ele pode alimentar a mesma expectativa em relação a ela. A criança que é atirada ao alto pelo pai confia que ele não vai deixá-la se arrebentar no chão. Em todas essas situações, e em muitíssimas outras de nossas vidas, sabemos o quão dolorosas são as consequências que advêm de não termos cumprido os compromissos assumidos.
A desconfiança torna a vida extremamente difícil e complicada. Ouso dizer que é ela uma das maiores causas da burocracia na Administração Pública e também em muitas instituições privadas. Exige-se prova disso, certificado daquilo, comprovante de residência, de vacinação, de matrícula etc.
Os pais e os educadores em geral devem aprender a formar pessoas fortemente comprometidas em dizer a verdade e em honrar os compromissos assumidos. Conheço uma família que tem como regra que qualquer erro do filho, por mais grave que seja, é muito atenuado com o pronto reconhecimento. Ao contrário, a mentira para tentar acobertar uma má ação é considerada uma falta gravíssima, muito pior que o mal que se pretende ocultar. Penso que esse critério educativo é muito digno de ser imitado.
Mas para se educar a dizer a verdade, é necessário demonstrar confiança. A desconfiança estimula e mentir. “Por que dizer a verdade se quando a digo não confiam em mim?”, queixou-se certa vez um adolescente. Ao contrário, é um peso enorme para um filho ou um aluno quando ouvem essa palavra: “se você está dizendo, eu acredito, pois confio de verdade em você”. Assim agindo é possível que, por vezes, sejamos enganados. Mas o mal que isso causa é infinitamente menor que o produzido pela desconfiança. E se em alguma vez os surpreendermos em uma mentira evidente, então será o caso de agirmos com rigor, fazendo-os ver que a sinceridade é essencial na família, na sociedade e em qualquer outro ambiente em que se desenvolvem as relações humanas.

A confiança estimula a sinceridade e essa alimenta aquela, num fantástico círculo virtuoso. É hora de começarmos a implantá-no em nossas famílias, em nossas escolas e em nosso local de trabalho. Com isso vai se armando uma verdadeira corrente em que podemos estabelecer expectativas em relação aos demais, ao mesmo tempo em que cada um também se esforça por corresponder às legítimas aspirações que os outros fazem a nosso respeito. Talvez com isso se chegue um tempo em que bastará a palavra para que o policial acredite que está tudo em ordem. E mesmo que esse dia tarde em chegar, vivemos muito melhor agindo assim, simples e fortemente comprometidos com a verdade.