segunda-feira, 26 de março de 2012

Paternidade

Inicio pedindo ao leitor sinceras desculpas por não podermos compartilhar esses momentos de reflexão na semana que passou. É que tivemos a alegria do nascimento de mais um filho. E o cuidado com os outros filhos, a atenção à esposa na maternidade e os inúmeros afazeres da casa (que falta elas fazem!) não me deixaram um minuto livre. Mas agora que as coisas se acalmaram, penso que é uma oportunidade fantástica para tratarmos precisamente desse tema: a paternidade. O que significa ser pai hoje?
Um belo dia, na maternidade, num misto de ansiedade, medo, preocupação e alegria, aquele pequenino decide entrar com toda a sua força vital em nossas vidas. Já bem antes do seu nascimento começaram os preparativos. Mas agora é um ser de existência concreta, que vem ocupar o seu lugar no bercinho, no colo da mãe, no mundo. Sem pedir licença dá um rotundo adeus às nossas noites de sono, aos passeios que fazíamos, ao tempo que julgávamos ser só nossos.
Os dias passam e então nos damos conta de que aquela pequena criatura já tomou um espaço enorme em nosso coração. No início era só a sua mãozinha agarrando o nosso dedo. Mas logo vem o primeiro sorriso, o primeiro “papai”, a primeira noite que passou fora de casa, a primeira namorada, a primeira suspensão escolar...
Quantos bons e não tão bons momentos nos esperam! Correremos feitos bobos ao lado deles em sua bicicletinha até que... viva! Já sabe andar sem rodinha! Sofreremos ao vê-los machucados, com o rosto cortado, com o braço quebrado, com as brigas de namoro, com as dúvidas sobre o futuro profissional, com as injustiças que sofrerão no convívio com os demais...
Também nos esperam, não nos iludamos, momentos de angústia e desgosto. Já bem cedo se põem a nos testar com teimosia e desobediência. Depois, vem a rebeldia da adolescência... A juventude também traz novos e mais intrincados desafios que abalam nossas forças... Tanto que talvez nos questionemos: vale a pena? Mas basta um sorriso, um olhar, uma recordação do que eles tem sido em nossas vidas para que a dúvida se dissipe por completo.
Também uma boa maneira de esboçar uma resposta a essa pergunta é considerar como nossos próprios pais responderiam a ela. E então veremos que não fosse a generosidade deles em nos trazer ao mundo e em nos educar, não desfrutaríamos neste momento do magnífico dom de existir. E, a propósito, cuidamos deles com dedicação e amor que expressam a nossa gratidão por tudo o que fizeram por nós?
Mas há outro modo de concluir que vale e muito a pena tê-los trazido ao mundo: considerar que a sua vida, como a nossa, têm um sentido e uma razão de ser. Nenhuma das bilhões de vidas que povoam o planeta teve sua existência lançada ao acaso, e tanto menos é indiferente Àquele que lhes concedeu o dom da vida. Cada homem e cada mulher são dotados de uma imensa dignidade, assim como cada uma e cada um nascem com uma missão a cumprir.
Aquele bebezinho que há pouco contemplávamos na maternidade nasce com um irreprimível anseio de felicidade. Mas ao mesmo tempo vem também com algumas dúvidas merecem ser respondidas: quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Qual é o sentido da vida? E todo pai responsável tem a obrigação grave de ajuda-los a encontrar a resposta, a começar por responder a si próprio essas indagações, e depois agindo de maneira coerente com o sentido que encontrou para sua vida.

Não cabe a nós, pais, ordinariamente, descobrir qual é a missão que nossos filhos haverão de desempenhar no mundo. Mas temos o dever de lhes ensinar que ela existe e que descobri-la, aceita-la e segui-la é o único caminho para que encontrem a tão almejada felicidade. Se soubermos encarar com esses olhos a paternidade, ainda que a vida nos reserve muitos dissabores, saberemos dizer, com a paz que emana do dever cumprido: “tudo vale a pena, se a alma não é pequena”.

segunda-feira, 19 de março de 2012

O aborto na proposta de alteração do Código Penal

Está em discussão uma proposta de alteração do Código Penal brasileiro que prevê, no capítulo dos crimes contra a vida, modificações que merecem profunda reflexão.
Dentre elas, propõe-se a modificação do artigo 128 do Código Penal, que trata do aborto. Se aprovada, algumas condutas deixarão de ser crime, e não mera exclusão da punibilidade, como prevê o texto atual. Além disso, ampliam-se as situações de descriminalização. E o inciso IV desse artigo consagra que não constitui crime o aborto praticado “por vontade da gestante até a 12ª semana da gestação, quando o médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade”.
Muito se tem dito que o aborto não pode ser tratado como uma questão jurídica e nem ética, mas que é, sobretudo, uma “questão de saúde pública”. Em prol desse argumento, sustenta-se que o Estado tem sido omisso, pois da ausência de regulamentação acarreta a realização de procedimentos em clínicas clandestinas, resultando em alta taxa de morbidade materna.
Com profundo respeito aos que pensam diferente, tenho que o argumento é uma tentativa de desviar a questão do foco principal. O questionamento fundamental é: há ou não direito à vida desde a concepção? O embrião é ou não um ser humano? É que a partir da resposta a esses questionamentos poderemos enfrentar os inúmeros aspectos do problema.
Se temos um ser humano desde o momento da fecundação, então poderemos enfrentar com justiça o problema das mães que perdem a vida em clínicas clandestinas ou em condições precárias. E o faremos implementando políticas públicas de combate implacável a essas entidades criminosas. Mas isso não basta. É necessário, também, fomentar as instituições que promovam a maternidade, acolhendo, orientando e apoiando as mães para o exercício da missão mais sublime que lhe cabe.
Da forma em que redigida a lei, penso que chega a ser degradante para a própria mulher. Isso porque ao se atestar que uma grávida não “tem condições psicológicas de exercer a maternidade” é uma maneira eufemística de dizer que não é uma mulher, no pleno sentido da palavra.
Além de falacioso, o argumento em prol do chamado “aborto seguro” é perigoso. Se há de liberar o aborto porque algumas mães morrem praticando-o em condições precárias, deveríamos liberar também o roubo, pois muitos assaltantes também perdem a vida tentando se apropriar do patrimônio alheio. Ou deveríamos descriminalizar essa conduta apenas quando um médico atestasse que determinada pessoa “não tem condições psicológicas de exercer outro trabalho”?
Ainda que não concorde com a alteração legislativa proposta, pois representa um retrocesso legislativo na tutela do direito à vida, há de se reconhecer que ao menos se busca a via adequada: o Poder Legislativo. É que, lamentavelmente, não poucas têm sido as iniciativas que procuram que Judiciário legisle nessa matéria. E como a batalha semântica travada pela cultura da morte é muito bem articulada, por vezes nós, juízes, acabamos cedendo às pressões do “politicamente correto”. E então vamos repetindo em nossas decisões chavões do tipo “o aborto é questão de saúde pública”, “a mãe ao invés de preparar um enxoval compra um caixãozinho” e outras muitas do mesmo jaez. Com isso, deixa-se de ponderar a fundo a questão, ou, pior ainda, acabamos por trair a própria consciência no ato de julgar!
Conta a biografia de Thomas More que enquanto caminhava pelo Tower Hill, prestes a ser decapitado, uma mulher o recriminou porque, quando Juiz, proferiu uma decisão que lhe era desfavorável. Mas aquele grande homem respondeu serenamente: “Lembro-me bem do seu caso. Se tivesse que dar a sentença de novo, seria exatamente a mesma”.

Thomas More preferiu a morte a contrariar a sua consciência. Que seu exemplo brilhe a todos nós, juízes, para jamais nos deixarmos levar pelo receio do que pensarão ou dirão de nós. Que saibamos utilizar no ato de decidir apenas os instrumentos essenciais: a Lei e a nossa consciência. E que os nossos parlamentares façam o mesmo ao editarem as leis, especialmente aquelas relacionadas com o direito mais elementar previsto na nossa Constituição: a vida.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Esposa ou cachorro?

Recebi um e-mail de um grande amigo com a seguinte pergunta: “Por que alguns homens têm cachorro ao invés de esposa?”. E, em tom de brincadeira, ele me desafiou a publicar as respostas nesta coluna:
1.  Quanto mais atrasado você chega, mais feliz seu cachorro fica quanto te vê.
2. Cachorro não liga se você o chama pelo nome de outro cachorro.
3. Cachorro gosta que você deixe coisas espalhadas pelo chão.
4. A mãe do cachorro nunca te visita.
5. Cachorro aceita que você aumente a voz pra argumentar.
6. Você nunca precisa esperar por um cachorro; ele está pronto pra sair 24 horas por dia.
 7. Cachorro acha engraçado quando você está bêbado.
 8. Cachorro gosta de sair pra pescar e ficar ao seu lado enquanto você assiste o futebol.
 9. Um cachorro nunca vai te acordar de madrugada pra perguntar: "Se eu morrer, você vai ter outro cachorro?"
 10. Se o cachorro tem filhos, você pode anunciar no jornal e doá-los pra outros.
 11. O cachorro vai deixar você colocar uma coleira nele.
 12. Se o cachorro sente o cheiro de outro cachorro em você, ele não faz drama nem escândalo.
 13. Cachorro gosta de passear no banco de trás do carro.
 E por último, mas certamente não menos importante:
 14. Se um cachorro vai embora, ele não leva a metade das suas coisas.
Para confirmar que tudo o que foi dito acima é verdade faça o seguinte teste: Tranque sua mulher e o seu cachorro no porta-malas do carro. Meia hora depois abra o porta-malas e veja quem está feliz em te ver...
Brincadeiras a parte, penso que a partir desses argumentos podemos fazer interessantes considerações sobre o casamento em nosso tempo.
A atitude do cão em relação ao dono é bem essa. Está sempre disponível a fazer-lhe companhia como ele quiser e, principalmente, quando quiser. Acontece que, por vezes, queremos que os nossos relacionamentos humanos ocorram de maneira semelhante: que os amigos estejam disponíveis para os programas que desejamos, que a esposa esteja sempre receptiva para satisfazer às nossas necessidades afetivas, sentimentais etc. Em contrapartida, falta-nos, muitas vezes, a disponibilidade para nos sacrificarmos pelo outro.
O relacionamento genuinamente humano é mesmo muito diferente. É que somente o homem e a mulher são capazes de amar. E o amor verdadeiro implica doação, renúncia e sacrifício. No entanto, essa postura não nos faz pessoas infelizes. Ao contrário do que pode parecer, quando se vive desse modo, experimenta-se uma paz e uma alegria tão profundas que não se quer perde-las por nada.
Começamos com piadas segundo um modo “masculino” de pensar. Mudando o foco, se perguntássemos a elas o que esperam de nós, creio que muitas manifestariam – a sério – algumas dessas expectativas: “Que que ele se interesse por mim, pelo que fiz, pelo que me preocupa, pelo que estou sentido; que ele se mostre carinhoso sempre e não apenas segundos antes de pretender ter relação íntima; que ele olhe para mim, que observe quando mudei o penteado ou visto uma roupa nova; que ele saiba me surpreender, trazendo presentes que demonstrem que pensou em mim; que ele se interesse pelos estudos e problemas dos filhos, que tome a iniciativa e não simplesmente faça algo quando eu lhe imploro pedindo ajuda; que ele me escute com atenção e que não queira simplesmente dar soluções para os meus problemas, pois não quero que ele os resolva, mas que me entenda; enfim, que ele saiba que somos diferentes e não quero ser simplesmente desejada, mas acima de tudo amada, incondicionalmente”.

A bem da verdade, caro leitor, somente aceitei o desafio desse meu grande amigo porque sou testemunha do quanto ele ama a sua esposa. A vida não lhes reservou poucos dissabores. Mas esse grande homem soube doar-se a ela incondicionalmente. Ao contemplá-lo cuidando dela doente tenho um exemplo bem vivo de como honrar com valentia e heroísmo aquele compromisso um dia assumido: EU, ..., TE RECEBO ..., COMO MINHA ESPOSA, E TE PROMETO SER FIEL, NA ALEGRIA E NA TRISTEZA, NA SAÚDE E NA DOENÇA, AMANDO-TE E TE RESPEITANDO POR TODOS OS DIAS DA MINHA VIDA...

segunda-feira, 5 de março de 2012

Educar Participando

Recentemente nos chegaram notícias de acidentes lamentáveis que causam perplexidade e uma justa indignação em muitas pessoas. Ora é uma criança que é atingida brutalmente por um jet ski na praia, ora são inúmeras pessoas que perdem as vidas em acidentes automobilísticos causados muitas vezes por imprudência. Nesse cenário, talvez nos perguntemos: são fatalidades inevitáveis, ou, ao contrário, haveria ações que poderíamos ser tomadas de modo a evitar ou ao menos diminuir esses infortúnios?
Uma característica muito acentuada dos jovens e adolescentes do nosso tempo é a busca incessante e quase que exclusiva da diversão. São os inúmeros entretenimentos eletrônicos, são os esportes ditos radicais, são, ainda, as horas diante de programas de televisão. Em muitas dessas atividades não há relacionamento humano nenhum (joga-se contra a máquina), ou, quando há, o outro aparece muitas vezes apenas como um elemento necessário para fazer possível a própria diversão.
As outras atividades que se devem desempenhar, como o estudo, convívio familiar, ou mesmo o relacionamento com os amigos, são consideradas como uma espécie de “mal necessário”, momentos que se há de suportar à espera daqueles em que verdadeiramente se “vive”: a diversão.
Essa cultura egocêntrica, no entanto, talvez seja a grande causa não apenas das catástrofes que mencionamos, como também do empobrecimento das relações genuinamente humanas. Com efeito, antes de o jet ski atingir uma criança que brincava na praia, alguém fez uso desse equipamento para sua própria diversão, sem seguir as regras de segurança e, o que é pior, sem se preocupar com a vida dos demais. E exemplos de atitudes semelhantes poderiam ser multiplicadas. Quantas vezes não vemos pessoas no trânsito se portando como potenciais homicidas. E isso uma vez e outra até que – a estatística explica – os acidentes acontecem. Muitas vezes, por detrás desses infortúnios, há reiteradas ações centradas em si próprios, em total desrespeito à vida e à pessoa do próximo.
Para reverter esse quadro é fundamental e é urgente que sejam tomadas ações educativas concretas e eficientes. Não é hora de saudosismo do tipo “antigamente os filhos começavam a trabalhar mais cedo e com isso adquiriam responsabilidade”. Podem ser verdadeiras essas afirmações, mas os nossos jovens e adolescentes nasceram e estão inseridos no mundo atual, com todas as suas qualidades e defeitos, e é precisamente nesse contexto que devemos educá-los para que sejam homens e mulheres responsáveis e felizes.
Os pais não conseguirão desempenhar sozinhos essa tarefa. É fundamental uma parceria com a escola, de modo a que essa seja, de certo modo, um prolongamento da educação que é dada em casa. Também se mostra necessário especial atenção para a indústria do entretenimento. Os pais e as instituições de ensino devem promover atividades que facilitem o convívio saudável e o diálogo, fomentando desde cedo o sentido de solidariedade que os mova a se sacrificar pelo demais.
Conheço pessoas e instituições que estimulam jovens a visitar regularmente famílias carentes de bairros pobres da cidade. Nessas visitas, costuma-se levar bons presentes, talvez algo que em outras ocasiões aquelas pessoas jamais poderiam obter. Mas, mais que levar algo, dão-se a si próprios, permanecendo um tempo com eles e oferecendo a sua amizade. Ações como essa e muitas outras, que somente um amor inventivo saberá descobrir, servem para retirar da vista essa crosta formada por nossos egoísmos, que nos impede de ter um olhar atento às necessidades do outro.

Para quem se interessa por esses e outros desafios da educação em nosso tempo, convido a participar do II Seminário Educar Participando, que acontecerá no Auditório - Centro de Convenções da UNICAMP, no próximo sábado, dia 10 de março, às 9:00 horas. Maiores informações e inscrições podem ser obtidas no site http://www.educarparticipando.com.br.