quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Honrar os idosos

Lembro-me de que certa vez estava em companhia de meu avô em um baile de formatura. Num dado momento alguns formandos, embriagados, excediam-se em umas brincadeiras de mau gosto. Ele, apesar de descontraído, apontou-me para aquilo e me aconselhou: “Sabe, filho, um grande homem se faz de pequenos gestos. Não faça nunca o mesmo que esses moços”. Impressionou-me o conselho, sobretudo porque não era ele, nem de longe, nenhum moralista.
Lembro-me disso agora para refletir na situação atual dos idosos. Uma das características mais marcantes da vida moderna é a rapidez com que a coisas mudam e o mundo se transforma. E, de certa forma, quem não consegue acompanhar esse ritmo frenético, é como que deixado para traz. E as maiores vítimas disso são as pessoas de idade avançada, que têm maiores dificuldades em acompanhar essas mudanças.
Em outros tempos da história, a evolução se dava de forma muito mais pausada e não se percebiam grandes transformações de uma geração para a outra. Assim, pais e filhos mantinham estilos de vida muito semelhantes, dispunham dos mesmos conhecimentos e usufruíam as mesmas “inovações tecnológicas”. Era comum, portanto, que o passar dos anos significasse maior experiência e, por conseqüência, tornava os idosos aptos para serem bons conselheiros das novas gerações, tanto que se ouviam os anciãos com respeito que os anos de vida lhes rendiam.
Em nosso tempo, ocorre quase que o inverso. Tomemos o exemplo do que ocorre em um bate-papo entre jovens. Se algum idoso se aventura a dar o seu parecer, a primeira reação é pensar que a opinião não tem valor, afinal, pensa-se, os tempos são outros.
É exemplo que também ilustra essa situação o mercado de trabalho. Também é freqüente que pessoas com menos de trinta anos ocupem cargos de destaque nas empresas e no serviço público. Ao contrário, é cada vez mais difícil encontrar colocação no mercado de trabalho após certa idade.
Aos poucos parece que se está dando conta da situação discriminatória do idoso, e passam-se a se implementar medidas protetivas, como o Estatuto do Idoso. Porém, não basta assegurar transporte gratuito e vagas especiais em estacionamentos.
Tais medidas não representam nenhum tipo de privilégio, ao contrário, e direito que se lhes há de assegurar por medida de justiça. Porém, mais do que isso, as pessoas de idade avançada podem ser muito úteis à sociedade, e a sabedoria deles não pode ser simplesmente desperdiçada. Possuem uma experiência de vida que podem ser muito úteis aos demais. E não são piores do que os jovens somente porque não dominam os recursos da informática com a mesma habilidade.
É bem verdade que há pessoas que contribuem para ficar como que isoladas. São aqueles que vivem num saudosismo pegajoso, a todo tempo se queixando de que o mundo moderno é uma droga e que antigamente sim é que era bom...
Porém, há pessoas de poucos anos que já são velhos, mantêm-se sempre taciturnos, queixosos, sem vontade nem esperança de fazer melhor o mundo que os cercam. Há outros, porém, que apesar dos muitos anos, mantêm todo o frescor da juventude, com uma postura sorridente e descontraída, sedentos de vida e apaixonados por ela. Talvez a marca distintiva entre uns e outros seja a disponibilidade em servir aos demais. Quem anda muito ocupado, e centrado em si mesmo, sente-se cada vez mais insatisfeito e, portanto, triste. Quem, ao contrário, se dedica aos demais, sequer encontra tempo para considerar o que lhe falta, de modo que é comum trazer em si a marca de uma profunda alegria.
Nestes dias de final de ano é comum avivarmos os propósitos para o ano vindouro. Além dos muitos desejos de melhora profissional, de sucesso nos negócios, penso que poderíamos incluir esses que nos garantem uma eterna juventude: o de ser mais prestativos e dedicados aos demais, em especial, para com as pessoas de idade avançada.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

Agitações

É impressionante como as pessoas caem numa intensa agitação no final do ano. No trabalho, parece que tudo tem de estar resolvido até o Natal, como se o mundo fosse acabar poucos dias, como que desejando que o novo ano comece sem problemas, ficando no velho todas as frustrações e projetos não concluídos. Não bastasse isso, a atenção parece estar nas compras, na ceia, na viagem e nos festejos do final do ano com o pessoal de trabalho. Com tudo isso dando voltas na cabeça, corre-se, agita-se, busca-se, e, quando chega a festa, se a graduação alcoólica no sangue não for suficiente para abafar, pensa-se: por que corri tanto até chegar esse dia?
No entanto, penso que o verdadeiro espírito do Natal seja o inverso disso tudo. É tempo de sermos mais solidários com os demais, talvez visitando um asilo ou alguma instituição que cuide de crianças abandonadas. Pode ser o caso de irmos passar alguns minutos com um amigo que está doente, ou, quem sabe, fazer o possível para reatar a amizade com aquele parente, colega de trabalho, ou amigo de longa data, com quem, por algum motivo, quase sempre fútil, se tenha rompido as relações. E que alegria e paz quando se consegue, nesse tempo, fazer alguma dessas obras!
Caímos num intenso ativismo, sobretudo nesse tempo, porque nos falta um sólido e profundo sentido para nossas vidas. O Natal é uma festa cristã, assim, o que se faz nesse tempo perde a razão de ser quando não se vive de verdade o cristianismo. Com efeito, as pessoas trocam presentes, comemoram e se cumprimentam para festejar o nascimento do Salvador há muito tempo esperado. No entanto, quando não se está disposto a viver o que Ele ensinou, há de se perguntar: Por que fazer festa? Por que trocar presentes? Pior, por que se alegrar? E não se encontrará resposta adequada para isso.
Uma atitude que talvez nos seja muito útil para evitarmos o ativismo que nos rouba a paz nesse tempo, é contemplar os personagens que tomaram parte na cena que agora se comemora.
Os Magos, por certo tinham muitos afazeres em seu País, mas deixaram tudo para seguir uma estrela, que nem eles sabiam ao certo onde os levaria. Mas quando viram para onde esse sinal do céu os encaminhou, que alegria!
Os pastores, também tinham uma ocupação, que era cuidar de suas ovelhas. Mas não hesitaram em deixá-las para ir ao lugar em que se lhes haviam anunciado como palco de um grande prodígio. E foram, e, ao contemplar a cena, que deslumbramento!
E José. Por certo tinha teria muito trabalho em Nazaré. Móveis por fazer, encomendas por entregar, mas, para cumprir uma ordem do Imperador, deixou tudo e seguiu a Belém. E eis que lá teve lugar o fato mais transcendente de toda a história da humanidade.

Tal como esses personagens, é preciso admitirmos que não temos total domínio sobre as nossas vidas e sobre os acontecimentos que nos cercam, que há uma ordem superior a que estamos sujeitos. Enfim, é tempo de lembrarmos o que nos disse aquele menino, cujo aniversário em breve celebraremos, de que não devemos nos preocupar muito sobre o que haveremos de comer, beber ou vestir, que cada dia deve contar com as próprias cargas, e que servir aos demais é a maneira mais fantástica de nos aliviamos de todo esse peso que tanto nos aflige.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

Razão e fé


Na sua coluna de sexta-feira dia 1º de dezembro, o Cecílio abriu o seu coração, narrando as vicissitudes da sua fé no decorrer de sua vida. É comum às pessoas se abrirem em confidência em um círculo de amigos após um primeiro se aventurar a fazê-lo. Não estamos em um bate-papo, mas o fato de estarmos ocupando um mesmo espaço no jornal, ao menos para mim, dá uma sensação semelhante, de modo que me animo a fazer o mesmo.
Devia ter cerca de dez anos quando a fé despontou-me muito vibrante. Lembro-me do padre Ladislau, na pacata cidade de Tabapuã, situada no interior do Estado de São Paulo. Como ele era amável com as crianças! E com que simplicidade nos ensinava as verdades de fé com o seu forte sotaque polonês!
Que pena, caro Cecílio, que aquela fé tão inocente também não tenha resistido a mais de três aulas de história do colegial. Em pouco tempo, a Igreja deixou de ser aqueles simples e amáveis ensinamentos do Padre Ladislau e passou a ser apenas a autora da terrível Inquisição, homicida, perversa e dominadora.
Olhando agora a essas duas fases de minha vida, posso contemplar muito claramente a diferença. Nos tempos de fé, reinava a paz, a serenidade, o mundo que me cercava era como que um quebra-cabeça com todas as peças encaixadas. O jovem, ao contrário, confuso e sem rumo, numa vã procura da felicidade perdida por caminhos onde ela não estaria jamais. Pior, estava agora instigado ao ódio, como que obrigado a procurar inimigos, culpados pelo grande vazio da alma.
Por sorte, ou melhor, pelos maravilhosos caminhos que somente a Providência sabe explicar, a fé voltou-me a brilhar, e já se pode vislumbrar o quebra-cabeça se encaixando de novo: que paz! E aqui estou, caro Cecílio, pensativo com seu artigo, um pouco melancólico pela sensação de tempo perdido, mas feliz.
Em dois pontos tratados no artigo, porém, penso que a questão possa ser analisada sob um outro enfoque.
A primeira coisa que me ocorre considerar é que a imensa maioria dos conhecimentos que possuímos, e que chamaríamos de “racionais”, decorrem de uma fé humana. Por exemplo, se perguntássemos a um ateu, quantos habitantes têm o Brasil? “Cerca de cento e oitenta milhões”, responderia ele de plano. Perguntaria então: “você já contou?”. “Não, mas o IBGE contou e, por ser uma instituição confiável, posso acreditar que isso é verdade”. Ora, é um conhecimento que se tem pela fé humana.
Da mesma forma, ninguém viu a Deus para saber como Ele é e o que quer de nós seres humanos. Mas houve um Homem que veio ao mundo num determinado tempo da história e nos disse quem é Deus e o que Ele quer de nós. E para que seus ensinamentos merecessem credibilidade, esse Homem curou doentes, ressuscitou mortos, multiplicou pães, converteu água em vinho etc. Será que não é tanto mais digno de fé que o IBGE?

Outro ponto que você me fez refletir, caro Cecílio, é quando diz que é humano demais para ser um bom católico. Bem, sempre considerei o contrário, ou seja, que para ser um bom cristão é preciso ser muito humano, como Cristo o foi. É tão patente a humanidade de Jesus que o contemplamos, por vezes, sedento, implorando um pouco de água à mulher que foi ao poço retirá-la, e também quando tinha tanto sono que dormia profundamente na barca que, agitada pelas ondas, quase afundava. Tão humano foi a ponto de ter cansaço, fome, sede, dor, chorou diante do túmulo de Lázaro! Ser cristão é imitar a Cristo, e esse O contemplamos muitíssimo humano. Unir o divino e o humano é a tarefa que nos cabe nesta nossa vida. Difícil... mas possível, pois temos os meios para isso, entre outros, a própria fé, a nossa razão e o nosso coração.

terça-feira, 28 de novembro de 2006

Luta contra as drogas

O Correio Popular deste domingo relata o alarmante crescimento do  consumo de extasy entre os jovens em Campinas. Sabemos que o combate à dependência de substâncias entorpecentes, que assola e destrói muitas famílias, somente é eficaz quando há um trabalho preventivo de formação das crianças e adolescentes.
Conscientes disso, quase todos os pais conversam com os filhos, desde a infância, sobre as drogas. É muito comum que façam verdadeiro terrorismo na cabeça deles com frases do tipo: “a droga mata”. Isso não é errado, afinal, é verdade o que se diz e é bom temer essa mal terrível, pois assim será mais fácil fugir das situações em que lhes sugiram o consumo. O problema é que é só isso que fazem pais para ajudar os filhos a não caírem nesse flagelo. Porém, essa guerra exige estratégias muito mais bem elaboradas e implementadas desde a primeira infância.
É necessário educar a vontade desde a infância. Por educar a vontade, entenda-se, é ensinar a contrariar os gostos, quando fazer algo de bom exija esforços. Por exemplo, exigir que as refeições sejam feitas no horário certo e na mesa, e não que fiquem comendo o que querem, na hora em que querem, deitados diante da TV; que sentem com uma postura correta para fazer lição, e não que o façam como que “esparramados” na cadeira ou no sofá.
Não se trata de transformar a casa num quartel, mas é necessário que se ensinem os filhos, desde cedo, a serem fortes, para fazer as coisas que são boas, ainda que lhes custe. Do contrário, como terão fortaleza para dizer com valentia NÃO ao traficante ou ao amigo que lhe sugere esse “prazer irresistível”? Afinal, se sempre fizeram apenas o que é gostoso, aprazível, o natural será que suas vidas sejam uma exclusiva busca do prazer sensível, e ninguém duvida de que a droga proporciona, ainda que por breves instantes, essa sensação prazerosa.
Além de educar a vontade, é necessário que os pais saibam transmitir, mais com o exemplo do que com palavras, que a vida vale a pena. A droga nada mais é que uma fuga. E não precisa fugir quem está muito bem e feliz onde está. É muito pouco provável que vá enveredar pelos caminhos da droga o filho que vê o pai constantemente alegre, apesar dos muitos problemas que enfrenta, que chega em casa ao final de um dia de trabalho exausto, mas contente, aberto para ouvir os filhos e ajudar a esposa. É também pouquíssimo provável que a filha, que vê na mãe uma mulher, que se desdobra para atender os filhos e solícita e carinhosa com o marido, e que exatamente por não pensar em si é feliz e realizada, vá se perder no mundo das drogas.
Não basta incutir temor nos jovens sobre o problema das drogas. Na adolescência, os pais deixam de ser heróis infalíveis e passam a ser pessoas que, em geral, não têm razão no que dizem, ou quando menos sabem menos do que eles sobre o mundo. Assim, o medo que cuidadosamente incutiram pode ceder à curiosidade de experimentar o que o amigo já experimentou e afirma que é muito bom. Além da curiosidade, há nos jovens uma natural rebeldia. E se os filhos não têm nos pais bons exemplos a serem seguidos, uma boa forma de se rebelarem contra eles é exatamente fazendo o oposto do que sempre aconselharam.

Não é fácil ser pai e ser mãe no mundo de hoje. A dificuldade está em que se perdeu o sentido da vida, e por tê-lo perdido, não se pode transmiti-lo aos filhos. Porém, é apenas isso o que eles esperam de nós: que saibamos mostrar-lhes que não precisam fugir para lugar algum para encontrar a felicidade a que tanto almejam, pois ela está bem próxima, na simplicidade de cada momento, cada qual encarado como uma oportunidade única de fazer o bem aos outros, com isso comprando gratuitamente centenas de “extasys” que nunca se consomem nem acabam.

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

O deus-corpo

Chocou o País a morte da jovem modelo, vítima de uma espécie de compulsão por se atingir um padrão de beleza imposto por certos segmentos da sociedade. Penso que a tragédia pode nos motivar a refletir sobre o que é, na essência, o ser humano, e qual é o papel que exerce o corpo de cada um nesse contexto.
Os materialistas que me desculpem, mas creio com total convicção que a pessoa humana é um ser ao mesmo tempo corpóreo e espiritual, e que nele o espírito e a matéria formam uma única natureza.
Distorções como aquela de que foi vítima a pobre modelo, e muitas outras, nascem, no mais das vezes, por se desconhecer, ou de não se dar a devida importância, a essa realidade, de tal forma que ou se considera no homem e na mulher apenas o seu componente físico, ora se chega ao outro extremo, também distorcido, de supervalorizar apenas o espiritual, chegando ao desprezo do próprio corpo.
Por exemplo, quando se esquece essa unidade, e o ser humano é tratado apenas como um conjunto de células, que formam tecidos, órgãos etc., a perfeição do funcionamento disso passa a ser uma obsessão. Assim, para a modelo, o ideal de beleza que lhe foi imposto deve ser atingido a qualquer custo. O mesmo ocorre com o jovem que perde horas do dia se exercitando, e depois ainda ingere hormônios até atingir um porte físico “perfeito”. Também é reflexo disso a preocupação desordenada com a saúde, como ocorre naquelas pessoas que, ao menor sintoma de alguma doença se desespera, imagina o pior, e gasta tempo e dinheiro investigando, e remédios, e tratamentos, e sessões disso e daquilo. Com tais atitudes, enfim, revelam o que pensam, ainda que não admitam: como tudo o que se tem é o corpo, e nada mais, há que se cuidá-lo, mais que isso, amoldá-lo ao ideal de perfeição que se construiu a seu respeito.
Mas penso que seja também uma distorção a postura de desprezo ao corpo, como se o aspecto espiritual fosse o único que importa. Ora, basta meditarmos um pouco e com uma pequena dose de boa-fé para concluirmos que o que temos de mais nosso, que é a nossa própria existência, não a temos por mérito algum, ambos, corpo e alma, nos foram dados gratuitamente. Assim, se isso não nos permite uma atitude de soberba ou de vaidade, por outro lado, é natural que se assuma uma postura de gratidão para com quem, ou melhor, para com Aquele que, por pura bondade, nos concedeu isso tudo: corpo, alma e todo o universo que nos cerca.
O desprezo do corpo seria, portanto, de certa forma, uma ingratidão. Não se pode, a pretexto de cuidar do que “interessa”, descuidar-se da saúde. É bom que se tenha uma alimentação saudável, que se façam exercícios adequados, que se procure pelo médico com certa regularidade, pois com isso, está se cuidando de algo muito precioso que nos foi confiado.
Mas é preciso se cuidar também da saúde espiritual. E dela se cuida, essencialmente, colocando-se a serviço do próximo. Aliás, as obras que generosamente se praticam em favor da esposa, do marido, dos filhos, dos amigos, colegas de trabalho, enfim, de todos os que nos cercam, talvez seja o exercício mais saudável e a dieta mais equilibrada que se pode praticar, na medida em que se põe o corpo sob o comando do espírito para cumprir exatamente aquilo para o que, ambos, em sua unidade, foram concebidos e criados.

Por fim, uma mostra de grandeza de espírito é aceitar o que somos e temos, com nossos defeitos e limitações. É evidente que o ser humano pode melhorar no curso de suas vidas, mais que isso, uma vida bem vivida é aquela que se traduz numa luta constante por melhoras. Mas sempre teremos defeitos e limitações. E Aquele que nos criou com eles, sabe que seremos felizes também com eles, ou melhor, lutando para superá-los.

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Folhas caídas

O último dia 2 de novembro caiu numa quinta-feira. Uma pausa que para muitos foi quatro dias, um feriadão, que espero tenha sido muito bem aproveitado por todos.
Mas, nesse único dia do ano dedicado à memória das pessoas falecidas, em que talvez se tenha feito uma visita a um cemitério, ou simplesmente por relembrarmos de algum parente ou amigo que já não esteja entre nós, é quase que inevitável pensar na morte.  E diante desse pensamento, as reações podem variar, mas é muitíssimo comum que se tenha verdadeiro pavor em pensar na própria morte.
Quase tudo que acontece de aparentemente ruim em nossa vida, porém, pode ser ocasião de se tirar bons frutos. E isso ocorre muito especialmente ao se aceitar a realidade da própria morte. Independentemente da fé que se tenha, considerar que se está de breve passagem por esta vida pode ajudar a se viver mais sabiamente.
Quem tem consciência de estar de passagem aproveita muito melhor o tempo, sabe utilizá-lo para construir algo de belo, especialmente em favor dos outros. Sabe que isso é o que verdadeiramente vale a pena e que, de certa forma, o imortalizará. Quem sabe estar de passagem, procura se reconciliar o quanto antes, acaso tenha havido alguma desavença, e faz o que está ao seu alcance para estar bem com todos, tratar bem a todos. Quem sabe estar de passagem é muito propenso a relevar os pequenos incidentes de cada dia, a não dar excessiva importância quando lhe ofendem, quando não lhe compreendem, ou quando não lhe dão o valor que acredita merecer. Afinal, pensa o sábio, a vida é muito curta para se perder tempo com essas ninharias.
Mas se esses dias nos movem a pensar na própria morte, é provável que nossas atenções se voltem também para aqueles amigos, parentes e conhecidos que, por motivo de doença ou idade, as circunstâncias apontam para que os dias estejam mesmo chegando ao fim. Penso que deveríamos nos esmerar em atender muito afetuosamente essas pessoas. Mais ainda, deveríamos pensar que o tempo que se dedica a eles não se perde, ao contrário, muito se ganha em generosidade e alegria que brota sempre de toda conduta benfazeja e desinteressada.
Muito se fala hoje em dia em humanizar a morte. Com essa expressão se quer dizer, porém, reduzir a dor do paciente em suas horas derradeiras. De fato, ministrar medicamentos que atenuem o sofrimento do moribundo é um ato de caridade valiosíssimo que deve ser muito prestigiado. Porém, não é raro que a maior dor nesses momentos seja a solidão, talvez porque os filhos, esposo, esposa, parentes, amigos, estejam tão ocupados que não encontrem tempo para fazer companhia, para levar um alento.
E uma manifestação de caridade muito especial que se pode dar ao doente é não privá-lo da assistência religiosa nesses duros momentos. Há que se fazer com um profundo respeito à liberdade, com muita delicadeza e naturalidade, mas com empenho por não privá-lo desse auxílio valioso por covardia, ou medo do que irá pensar.
E também os hospitais devem estar estruturados para proporcionar o direito à assistência religiosa aos seus pacientes, ainda que sejam mantidos por entidades não confessionais. É que tal direito está assegurado no inciso VII do artigo 5º da Constituição Federal, de modo que a instituição que obsta o acesso do sacerdote, pastor ou ministro evangélico, quando ele é chamado pelo doente ou seus familiares, comete grave violação de um direito constitucional.
Penso ser bem a propósito o pensamento de São Josemaría Escrivá sobre o assunto, exposto num dos pontos de sua obra, Caminho: “Já viste, numa tarde triste de outono, caírem as folhas mortas? Assim caem todos os dias as almas na eternidade. Um dia, a folha caída serás tu”.

Não ouso acrescentar nada, caríssimo leitor. Que cada um se aventure a terminar este artigo nas páginas de suas vidas.

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

A democracia para os vencidos

Nesses dias que sucedem à escolha do novo Presidente, observam-se reações muito diferentes entre os eleitores. Os que votaram no vencedor, salvo poucas exceções, caem numa apatia, como que sem esperança de que a vitória possa representar alguma mudança em suas vidas. Dentre os que votaram no vencido, ao contrário, não é raro encontrar uma expectativa do tipo “quanto pior melhor”, uma postura agoureira, esperando que tudo dê errado apenas para poder dizer: “Não falei? Ainda bem que não votei nele!”.
Tais reações são muito comuns em todas as decisões colegiadas. Quem vive em condomínio conhece as grandes divisões que surgem nas intermináveis assembléias. O grupo da situação espera temeroso que a decisão seja acertada, o da oposição aguarda ansioso o malogro para provar que estava com a razão. Mesmo em família se observa problemas semelhantes. Há situações em que o pai é da opinião de proibir que o filho faça algo (ir a uma festa, por exemplo), e a mãe pensa em consentir. Por fim, um acaba cedendo. Mas se algo der errado, coitado daquele cuja opinião prevaleceu, vai ter de ouvir daquele que cedeu, com ares de dono (ou dona) da razão: “Não te disse? Não deveria ter deixado”.
Quem participa de decisão tomada por maioria precisa ter a grandeza de espírito para saber se comprometer com o que se decidiu. Mais que isso, deve lutar de verdade para que dê certo, mesmo quando não concorda. Do contrário, a família, o condomínio, a empresa, enfim, qualquer instituição, irá caminhar, mas arrastando o peso morto dos vencidos. É como se fosse um trem com duas locomotivas, cada uma puxando os vagões em sentidos opostos, de tal sorte que a mais forte arrasta no seu sentido, mas a custa de terrível esforço, com tremenda lentidão e prestes a romper, botando tudo a perder a qualquer momento.
A mesma observação se aplica para a escolha dos governantes numa democracia. Proclamado o resultado das eleições, goste-se ou não, confie-se ou não, tenha-se votado no eleito ou não, é preciso reconhecer que é a autoridade legitimamente constituída, que merece respeito e também submissão às decisões que essa autoridade, no exercício da função que lhe cabe, vier a tomar.
Em um passado não muito distante, um partido que perdeu as eleições presidenciais em nosso País, veio com a idéia de fundar um “governo paralelo”. Ora, nada mais ridículo e antidemocrático que isso. Tratou-se de uma iniciativa de desmoralizar o governante eleito, cuidando de que desse errado para colher frutos políticos dos fracassos do vencedor.
É tempo de vencedores e vencidos aprender a empurrar o trem na mesma direção: no sentido da ética, no sentido do trabalho honrado, sério e competente, no sentido da educação, com especial enfoque na formação dos valores, no sentido de proporcionar saúde, e saúde não apenas num atendimento tecnicamente competente nos hospitais e postos de atendimento, mas também na atenção que se presta ao doente, com aquele interesse que nem sempre cura o corpo, mas conforta a alma.
Mas o governante eleito tem também uma parcela enorme de responsabilidade nesse propósito de unir a nação. Primeiro, há de ser ele próprio exemplo de ética e transparência na condução da coisa pública. E depois, deve ter programas sólidos e consistentes, que aglutine eficazmente esforços na persecução do bem comum. Enfim, deve ser aquele que une, e não o que semeia divisões.

Esse querido Brasil, que se orgulha de ser a maior nação cristã do planeta, tem direito a que seu governante, exatamente por ser o primeiro, seja o que serve a todos. E ao mesmo tempo em que se exige isso do Presidente, há de se estar decididamente disposto a não cair na nefasta tentação do “quanto pior, melhor”.

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

O povo quer Justiça

A população brasileira tem observado, com perplexidade e indignação, casos de crimes em que os seus autores, apesar de haver provas muito claras, ou mesmo depois de julgados e condenados, desfrutarem do benefício de aguardar o desfecho final dos processos em liberdade.
Ao abordar esse tema, ressalto que não me refiro a nenhum caso específico, e nem poderia fazê-lo, por estar impedido pela Lei Orgânica da Magistratura, mas abordar a questão sob um prisma mais amplo e geral.
Sob o aspecto jurídico, as decisões judiciais que colocam os autores desses crimes em liberdade, no mais das vezes, são corretas. O inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal dispõe que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Assim, até que não caiba mais recurso contra a decisão que condena os autores de crimes, eles não podem ser considerados tecnicamente culpados, nem iniciar o cumprimento da pena.
Isso não quer dizer que, enquanto não forem definitivamente condenados, não podem ser presos. Porém, essa prisão que ocorre antes da decisão definitiva, é uma prisão que se pode chamar de cautelar, ou seja, é apenas imposta como cautela, não é ainda cumprimento de pena. E para que isso ocorra, não basta que haja provas, ainda que muito fortes, de que ocorreu o crime e de quem seja o seu autor. Além disso, a lei exige para se impor essa modalidade de prisão que, acaso acusado permaneça em liberdade, isso represente um risco à sociedade (que vá cometer outros crimes, por exemplo), que haja indícios que pode fugir, ou de que vá atrapalhar o andamento do processo (ameaçando testemunhas, por exemplo).
Assim, muitos desses casos em que nos indignamos por ver o acusado aguardar em liberdade, são de pessoas que nunca cometeram crimes antes, de modo que não se pode presumir que a liberdade represente um crime para a sociedade, têm vínculos (casa, família, emprego) no lugar em que residem, o que reduz a possibilidade de fuga, ou mesmo que se apresentaram espontaneamente à autoridade, do que se denota que não vão atrapalhar o andamento do processo.
O problema é que os processos costumam demorar. E, estando o acusado em liberdade, não é raro usar e abusar dos recursos e demais meios processuais existentes para protelar o fim do processo, sem o que o acusado não pode iniciar o cumprimento da pena.
Para o cidadão comum do povo, contudo, nada afeito às complicadas expressões jurídicas, argumentos do tipo presunção de não culpabilidade, princípio da ampla defesa, contraditório, trânsito em julgado, coisa julgada, blá, blá, blá!, nada interessa. Interessa que alguém cometeu um crime, muitas vezes bárbaro, e precisar pagar por isso.
E nós, profissionais do direito, certos de estar com a razão, muito facilmente respondemos à indignação do povo com a seguinte observação: “eles não entendem que apenas aplicamos a Lei e a Constituição”. Mas será correto esse raciocínio, quando menos simplista?
Povo quer Justiça e não se contenta com argumentos que apenas reforçam a ineficácia do sistema.
Não se quer dizer que se deva atirar fora todas as garantias constitucionais duramente conquistadas. Sabemos a história da conquista desses direitos em face de um Estado autoritário. Porém, não podem agora servir de escudo para a impunidade.

É momento de nós, operadores do direito, refletirmos muito seriamente nas causas do imenso abismo que há entre as decisões judiciais e a sede por justiça que se mantém insatisfeita em nossa sociedade, e começarmos a trabalhar duro para eliminá-lo. Do contrário, não duvidemos, não tardará em surgir vozes a bradar: para que serve essa instituição? Refiro-me, meus amigos, com profunda dor na alma, ao Poder Judiciário.

Parabéns, doutor!

Hoje é dia do médico. Já escrevemos nesta coluna um artigo intitulado “Que médicos queremos?”. Agora, como homenagem, retomemos o tema.
Tem-se notado o aumento de demandas fundadas no chamado “erro médico”. Penso que uma das causas disso seja o materialismo e o hedonismo que marcam o nosso tempo. Muitos vivem exclusivamente em busca do prazer, de “curtir a vida” ao máximo. E para isso é necessário ter boa saúde e vida longa. O médico passa a ser encarado, nesse contexto, como o responsável por eliminar a dor e proporcionar essa longevidade.
É com esses olhos que muitas vezes se encara o médico: como vendedor de saúde e de uma vida longa. No entanto, por mais que a medicina tenha evoluído, é evidente que homem não tem nem nunca terá domínio completo sobre a vida, de modo que sempre existirão doenças incuráveis. A realidade da dor e da morte acompanhará inexoravelmente a sorte do homem.
Mas há aqueles que insanamente se revoltam contra essa realidade, de modo que, quando se deparam com ela, andam atrás de um culpado, e não é de se estranhar que se revoltem contra o médico que não lhes garantiu (e nem teria como garantir) a ausência de dor nessa curta passagem por essa vida. Eis aí uma situação propícia para suscitar um processo de indenização por danos morais, afinal, o dinheiro é um paliativo à dor e morte que não se evitou, mas é também algo extremamente necessário nessa concepção de felicidade que se forjou.
Mas não é essa, certamente, a única causa para o aumento dos litígios nesse campo. Também o médico tem a sua parcela de responsabilidade. No entanto, a sua parcela de culpa não reside principalmente na falta de conhecimento técnico em si, nem de competência profissional, mas em uma certa “desumanização” que tem atingido as pessoas em geral, e o médico em particular.
O fator determinante que leva a acionar o Judiciário contra o médico, no mais das vezes, não é o erro em si, mas a insatisfação gerada por um atendimento frio e indiferente dispensado ao paciente ou aos seus familiares. Isso porque o médico, frequentemente angustiado com as muitas atividades que tem de desempenhar, muitas vezes não encontra tempo para ouvir o paciente com atenção, para falar olhando-lhe nos olhos.
Acredito que muitos pacientes, e também seus familiares, estariam até dispostos a relevar eventuais equívocos praticados pelos médicos, desde que não sejam grosseiros, se tivessem sido tratados com atenção, com respeito, com tempo, sem afobações nem ares de despacho.
Certa vez ouvi um jurista sustentar a conveniência de se fazer seguro para se resguardar do risco de indenização por erro médico. Penso, porém, que essa solução não é satisfatória nem para o médico nem muito menos para o paciente. Não resolve o problema do médico porque, ainda que o seguro o livre do risco de pagar uma indenização, não o livra do processo, e dos dissabores desse (audiência, contratação de advogado etc.), que já são uma punição em si. E o paciente não quer médicos temerosos ou precavidos, mas profissionais competentes e que se interessem de verdade por ele.

A solução é, portanto, “re-humanizar” as relações entre médicos e pacientes. Há que se resgatar a dignidade da profissão a partir de uma nova postura, que saiba enxergar para além de um corpo enfermo que se tem diante de si, um ser humano, que mais do que um aglomerado de células e tecidos, possui uma alma, muitas vezes mais doente, sedenta apenas de um minuto de delicada atenção. Afinal, a maior doença do nosso tempo é a solidão que gela os corações das pessoas, que correm loucamente em busca de anseios vãos e se esquecem que a felicidade está, muitas vezes, num simples sorrir e escutar quem está bem ao lado.

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

Dia do professor

No próximo domingo, dia 15 de outubro, celebra-se do dia do professor. É justo que se preste uma homenagem aos educadores, mas o façamos de uma maneira exigente, animando-os a pensar na importância e novos desafios da profissão que elegeram.
Os principais educadores devem ser os pais. Assim como participam diretamente no ato de dar a vida a um novo ser, incumbe-lhes, em primeiro lugar, a obrigação de educar, de formar os filhos. E por formação há de se entender não apenas a transmissão do conhecimento, mas, sobretudo, a construção de valores que os permitirá serem pessoas e que encontrem a sua realização, vale dizer, que sejam responsáveis e felizes.
Essa primazia que detêm os pais na educação não diminui, porém, a importância do professor. De fato, a escola exerce (ou deveria exercer) a sua função em cooperação com a família, agindo como colaboradora dessa na formação dos alunos. E a dignidade do mestre está exatamente nisso: cooperar com os pais para que os filhos se transformem em pessoas, não apenas portadoras de conhecimentos técnicos, que são imprescindíveis, mas dotadas de valores sólidos, que os permitam ser cidadãos que influam positivamente na sociedade em que estão inseridos.
Mas uma vez ressaltada a importância dos pais na educação, surge a dúvida: o que fazer quando os pais são omissos na educação dos filhos? Ou ainda, o que fazer quando a família quer delegar para a escola essa obrigação?
Penso que a escola não pode, não consegue e não deve assumir na educação o papel que cabe aos pais com exclusividade. Por exemplo, não adianta nada o professor ensinar que é importante ser sincero e honesto se, em casa, a criança flagra o pai inventando uma doença para não ir trabalhar, ou a mãe que responde ao telefone que não pode ir a um compromisso assumido, inventando que está com “dor de cabeça”. Não há técnica pedagógica que resista ao mau exemplo na família.
Além disso, deve haver muita sintonia entre o que se ensina na escola e o que se faz e se prega em casa, pois somente assim se constrói uma educação com bases sólidas. Soube de um colégio que realizou um trabalho para formar uma consciência ecológica. Feito isso, um aluno perguntou aos pais por que motivo não separavam o lixo reciclável em casa. Responderam-lhe que não havia coleta seletiva no bairro. “Mas há vários locais em que podemos levar os metais, plástico e papel que jogamos no lixo. Basta alguns minutos por semana para fazermos isso”, insistiu o garoto, empolgado com a causa do meio ambiente. “Ah! Isso dá muito trabalho...”, disse a mãe, pondo fim à conversa.
Com essa postura, estraga-se todo o trabalho feito pelo professor. Pior, transmite a mensagem que o bem é algo a ser feito quando não se custa, destruindo as iniciativas nobres por ideais elevados porque esses exigem esforços.
Diante da omissão dos pais, porém, não pode o professor desanimar, pensando que nada se pode fazer. É que muitos dos pais de nosso tempo são omissos não tanto por preguiça, mas por não saberem o que fazer. Questões sobre se é certo deixar os filhos pequenos dormir na cama entre os pais, o que fazer para que durmam cedo, como ajudar-lhes na lição de casa, ou mesmo como enfrentar as crises da adolescência, ainda permanecem sem reposta para eles. Assim, o professor, e a escola em geral, devem obter respostas adequadas às dificuldades que os pais enfrentam na educação dos filhos, e auxiliá-los nisso.

Caro professor, esse é grande desafio do novo milênio na educação: não basta mais educar e bem os alunos, antes disso, há de se ensinar os pais a serem verdadeiramente pai e mãe. Em suma, mais que professores, há de ser mestre de mestres.

quarta-feira, 4 de outubro de 2006

Os filhos e a separação dos pais

Certa vez, ouvi de um filho cujos pais estavam na iminência de se separarem, o seguinte desabafo: “sinto como se eu estivesse sendo rasgado ao meio, ou melhor, talvez se isso me ocorresse, penso que isso doeria menos que a separação deles”. A separação é algo muito comum hoje em dia, porém, não se pode esquecer dos sofrimentos e traumas que causa nos filhos.
Seria muito bom que os casais, em especial os que têm filhos, decidissem de verdade a levar mais a sério o compromisso que assumiram. A instituição do divórcio pela legislação não quer dizer que o casamento passou a ser uma espécie de contrato por prazo determinado, algo semelhante a uma locação em que se fixa, de antemão, um período de trinta meses. Também não pode ser tido como uma aventura totalmente incerta, na qual cada um se reserva ao direito de “pular fora do barco” logo que vier o primeiro ventinho contrário.
O Código Civil brasileiro, muito sabiamente, consagra em seu artigo 1.511 que o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. Ora não é possível se estabelecer tal união de vida em plenitude se cada um assume uma postura de cair fora quando vier a primeira dificuldade.
Mas há situações em que a separação, por motivos que não cabe aqui elencar, torna-se uma realidade irreversível. Exemplo disso é a situação do homem ou da mulher cuja esposa ou marido abandona o lar e se nega a tentar qualquer reconciliação. Nesse caso, o primeiro passo é não deixar que as próprias frustrações, ou mesmo um certo complexo de culpa atrapalhe a educação dos filhos. É comum nesses casos que se acabem sendo fracos na educação, não impondo limites pensando em algo do tipo “coitadinho, já sofreu demais com a separação”. Fazendo isso, porém, acaba-se por desrespeitar outro direito dos filhos, que é a educação, e não há educação sem limites.
Mas um dos aspectos mais importantes é a postura que se assume diante do filho em relação ao ex-marido ou ex-esposa. Há estudos que apontam que a morte de um dos pais é evidentemente mais dolorosa que a separação, mas costuma fazer menos mal para a educação. E o motivo provável é que, após a morte, é freqüente que o cônjuge sobrevivente fale bem do outro, e que nutra recordações saudáveis, de modo que os filhos, ainda que sofram muito, mantêm a segurança de que seus pais se amavam, mas algo inevitável os separou.
Entre casais separados, porém, é muitíssimo comum cada qual fazer comentários negativos sobre o outro diante dos filhos. E não há atitude mais insana e nefasta para os filhos do que isso. Na verdade, o pai ou a mãe que critica o outro diante do filho, no fundo denota uma postura egoísta, que não sabe amar o filho de verdade. É que, salvo raras exceções, o filho mantém vínculos afetivos muito fortes com o pai e com a mãe. Assim, quando se critica o outro, quem sofre é o filho, que apesar de tudo ama a ambos.

Penso que seja possível manter uma educação saudável, apesar da separação. Mas isso depende de que o pai e a mãe se esforcem por lembrar das qualidades do outro e ressaltem isso diante dos filhos. Afinal, duvido que seja possível encontrar alguém que somente tenha virtudes e outra que só tenha defeitos. Qualquer pessoa, por pior que seja, tem sempre qualidades que podem ser reconhecidas. E essas podem ser elogiadas e ressaltadas diante dos filhos, que com isso sentirão a segurança de que tanto precisam. Terão então olhos para enxergar que os pais, apesar de tudo, os amam de verdade. E, repita-se, não demonstra que ama de verdade o filho o pai ou a mãe que não respeita o outro, seja qual for o motivo da separação.

sábado, 30 de setembro de 2006

Jovens “dessensibilizados”

Uma característica essencial do ser humano é a necessidade de se relacionar com os demais, tanto que já se disse que o homem é um animal social. Na era da informática, porém, tem-se notado certo empobrecimento das relações humanas, sobretudo entre os mais jovens, que facilmente substituem o convívio com os amigos e familiares pelo computador.
É comum as crianças e os adolescentes terem no videogame e nos jogos de computador a quase que única diversão. O problema disse é que se diverte, se frustra e se vence sozinho, sem precisar de ninguém. Para um jogo de futebol, basquete, vôlei e outros esportes, ao contrário, são necessárias duas ou mais pessoas. E para que ocorra a partida, cada jogador deve estar motivado, querendo participar, e então se discute, se luta, se vence, enfim, relacionam-se. E isso é importante para ir amoldando a personalidade. A máquina, ao contrário, é incansavelmente submissa ao jogador que a controla. E isso acaba por criar pessoas centradas em si, com dificuldades de relacionamento, em uma palavra, tremendos egoístas, incapazes de pensar nos demais.
E as conseqüências são piores ainda se os jogos forem de violência. É que então a morte passa a ser apenas um “game over”, algo que se apaga e se supera apenas acionando o “start” novamente. E, dependendo do tempo em que se dedica a participar desses jogos, é tristemente corriqueiro nessas pessoas uma total indiferença à sorte dos demais. Afinal, quem ou o que passa a ser o outro? Nada, ninguém, algo semelhante aos CD´s que se inserem no equipamento para mudar de jogo quando do anterior não mais se tira nenhuma satisfação.
E penso que mesmo os bons recursos criados para se facilitar a comunicação, como o MSN, podem vir a servir para deteriorar as relações humanas. É que, se por um lado encurtam distâncias, permitem conversas mais demoradas e freqüentes entre pessoas que estão longe entre si, por outro, quando se busca falar com os amigos apenas dessa forma, quando é possível o diálogo na presença um do outro, tira-se a cor e o sabor de uma conversa em que se olha no olho, se sente o calor de um abraço, o peso de uma confidência, o sabor de um sorriso.
Tempos atrás, era comum se fabricar o próprio brinquedo, como uma pipa, por exemplo, em que se havia de adquirir o material, cortar, colar, ajustar até que ficasse pronto. E depois, colocá-la e mantê-la no ar exigia técnica, paciência, perspicácia. E nessa empreitada, não era comum lançar-se só, mas com outros amigos. Tudo isso implicava em relacionar-se, em vencer, em frustrar-se, pois, se calhava de enroscar em uma árvore, todo o trabalho se perdia, e então havia de se começar tudo de novo, como acontece na vida real de cada um.
Penso que não se trata de sustentar um saudosismo tristonho que afirma que as coisas modernas e, dentre elas a informática, são ruins. Não, há coisas muito boas e que muito facilitam a vida das pessoas. Não se pode permitir, porém, que isso que deveria ser um auxílio, transforme-se em algo que escraviza o ser humano, que o impede de manter um sadio relacionamento com os demais.

Conheço uma família em que, após o jantar, pais e filhos costumam se reunir por alguns minutos, no que chamam de tertúlia. E esses encontros nunca um é igual ao outro. Por vezes, cada qual conta como foi o dia. Noutros, seguem contando piadas e outros assuntos alegres. Em outros ainda, improvisa-se uma peça de teatro ou uma apresentação de mágica. O importante é passar bons momentos juntos e, com isso, constrói-se a alegria do ambiente familiar, em que cada um se sente bem e feliz simplesmente por estar em casa.

quarta-feira, 20 de setembro de 2006

O que elas esperam de nós?

Uma amiga pediu-me que escrevesse sobre como o marido deveria se comportar com a esposa. Como sei que ela é cristã, penso que não precisaria dizer muita coisa, basta reproduzir-lhe parte da carta do apóstolo Paulo aos Efésios: “os maridos devem amar as suas mulheres como ao seu próprio corpo. Aquele que ama a sua mulher, ama-se a si mesmo. Com efeito, ninguém aborreceu jamais a sua própria carne, mas nutre-a e cuida dela”.
Uma primeira reação, porém, sempre que se depara com mensagem da Sagrada Escritura, é pensar que esteja superada, como que dirigida ao homem da antiguidade, ou, quando menos, que hoje em dia as coisas não são bem assim. Não concordo, porém, cara amiga, com essa forma de pensar, especialmente nesse assunto.
Pensar nela, antes que em si próprio, curiosamente, é condição essencial para a própria felicidade. O problema é que nós, homens, por vezes complicamos ou teorizamos muito, mas a mensagem é para ser vivida em detalhes bem pequenos do dia a dia. Por exemplo, pode-se parar uns breves minutos durante o trabalho para telefonar para ela apenas para perguntar como está, ou, se quisermos trazer a mensagem bem para o estilo do mundo moderno, podemos enviar um torpedo simplesmente para dizer aquilo que ela já ouviu (ou não?!) mais de mil vezes: eu te amo!
É fundamental a delicadeza no trato. Certa vez participei de uma celebração de bodas de ouro. Ao final, foi perguntado ao marido qual é o segredo de uma vida longa juntos. Esperava-se uma resposta bem elaborada, ainda que de pouco conteúdo, do tipo “o importante é o amor”, ou algo semelhante. Mas com o ar sereno de sempre, ele respondeu: “o importante é ter educação”. E depois explicou que com isso queria dizer que se deve cuidar para que não entre asperezas nem um tom amargo no trato, ao contrário, com o passar do tempo, o diálogo deve ir tomando feições mais cordiais e respeitosas.
Outro ponto que há de ser muito bem cuidado pelos maridos são as relações sexuais. Uma vez fui a um aniversário de criança. O garoto, não sei se por ser filho único, ou se pela má educação que lhe deram, havia se tornado um terrível egoísta. Após cantarem os parabéns, a mãe pediu a ele que cortasse o bolo e que desse o primeiro pedaço a alguém de quem gostasse muito. Diante do convite da mãe, não teve dúvida, disse que não cortaria o bolo, pois iria comê-lo inteiro sozinho, e imediatamente saiu correndo com o bolo nas mãos. O caso não tem a menor graça, mas o mais triste é que é exatamente assim que alguns maridos se portam com a esposa, egoisticamente,
especialmente nas relações sexuais. Ou seja, busca ele exclusivamente o
prazer próprio e, quanto a ela, trata-se de um meio necessário para que
se alcance esse prazer.
Amar a esposa é saber valorizá-la diante dos outros, em especial com os filhos. Conheci um grande homem, agora já falecido, que tinha o hábito de, sempre que estava com os filhos, e a esposa não estivesse com eles, tecer elogios a ela. Com freqüência os fazia ver, por exemplo, como ela se dedicava a eles, como se esforçava por estar alegre e acolhedora quando o marido chegava em casa.

Em suma, cara amiga, com São Paulo ou sem ele, o grande desafio no casamento é manter o amor sempre jovem. E termino transcrevendo o que costuma dizer um amigo: “É relativamente fácil conquistar novas mulheres. Nos primeiros encontros, escondem-se os defeitos, apresenta-se como simpático e atraente, enfim, faz-se ela se enamorar por alguém que esconde o que é de verdade; o difícil é conquistar sempre a mesma, que já conhece todos os defeitos, o mau gênio, enfim, tudo aquilo que a faz sofrer. Mas é isso o que vale a pena, afinal, contentar-se com o fácil é coisa dos medíocres”.

quarta-feira, 13 de setembro de 2006

PT promete legalizar o aborto

A Associação Paulista de Magistrados e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) lançaram, no dia 30 de agosto de 2.006, a campanha “Operação Eleições Limpas”. Trata-se de um projeto de esclarecimento à população, com objetivo de coibir fraudes e campanhas ilegais para que as eleições deste ano sejam mais éticas e transparentes. A idéia é difundir para a sociedade o abuso do poder econômico, a compra de votos, entre outras fraudes eleitorais.
Dando impulso a esse movimento dos magistrados brasileiros, gostaria de tratar hoje com o leitor de um aspecto muito relacionado com a transparência no processo eleitoral.
No 13º Encontro Nacional do PT, que ocorreu entre os dias 28 e 30 de abril, em São Paulo, foi aprovado um documento denominado “Diretrizes para a Elaboração do Programa de Governo”. O texto aprovado, que pode ser encontrado na íntegra no site http://www.pt.org.br/site/noticias/noticias_int.asp?cod=43228, em seu item 35, contempla textualmente que: “O Governo Federal se empenhará na agenda legislativa que contemple as demandas desses segmentos da sociedade, como o Estatuto da Igualdade Racial, a descriminalização do aborto e a criminalização da homofobia”.
Salvo grave equívoco de nossa parte, vivemos em uma democracia, onde, conceitualmente, todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal). Assim, num primeiro momento, deve ser elogiada a postura do Partido dos Trabalhadores de colocar para a população em geral o seu programa de governo, até para que todos saibam não apenas em quem, mas em que estão votando, pois, em última instância, numa democracia representativa, vota-se não apenas num candidato, mas, mais que isso, num programa de governo.
Ocorre que, se por um lado é elogiável a postura do partido político de disponibilizar em um site da Internet o seu programa de governo, por outro, em nenhum momento ouvi do Sr. Presidente, em seus inúmeros pronunciamentos públicos, admitir que irá colocar todo o empenho, acaso seja reeleito, em promover a legalização do aborto. E penso que isso seja altamente reprovável. É que as pessoas devem conhecer claramente o que pensa o seu candidato em todos os aspectos, pois, se o assunto permanece na surdina, corre-se o risco de se votar num candidato sem saber quais são suas reais convicções. Pior, votar em programas que não se concorda.
Nesse contexto, resta-nos uma dúvida ainda por ser respondida: O Sr. Presidente não tem pronunciado sobre o assunto porque não considera isso importante, ou intencionalmente omite para não perder a popularidade?
Os reais motivos disso permanecerão ocultos, afinal, quem pode afirmar o que se passa no interior de um ser humano? Mas indícios exteriores podem denunciar os reais motivos. Menciono apenas um: a população brasileira é maciçamente contrária ao aborto. Basta recordar que em 30 de outubro de 2005, o Correio Popular divulgou o resultado de uma pesquisa feita pelo Instituto ProPesquisa, cujo resultado aponta que 77,3% dos campineiros são contrários ao aborto.

Concluo ressaltando um elogio à Associação Brasileira de Magistrados: é mesmo hora de mais transparência no processo eleitoral, afinal, é chegado o momento de os brasileiros saberem em que e em quem estão votando!

quarta-feira, 6 de setembro de 2006

Política e religião

Aproximam-se as eleições e, com ela, a caça aos votos dos eleitores. Muito se tem falado em ética na política, e isso é de fato um dos maiores anseios de nossa sociedade. Por outro lado, são freqüentes na mídia as alusões do tipo “a bancada evangélica do congresso” ou “os deputados católicos dizem isso ou aquilo”, ou seja, fala-se da religião dos políticos como se suas convicções religiosas fossem um meio de eles galgarem ao poder e, ao mesmo tempo, como se suas respectivas igrejas também estivessem interessadas apenas em aumentar a sua influência na política nacional.
Não pretendo embrenhar-me em constatar se isso é mesmo assim ou não. Ou seja, se os políticos que muito ressaltam suas convicções religiosas o fazem com uma intenção deturpada de angariar votos ou não, nem mesmo se as respectivas igrejas buscam vantagens com a eleição de seus membros, até porque isso implicaria em uma análise geral, distanciada de cada situação concreta, onde essas intenções pouco retas podem faltar ou não. Mas a questão que se coloca é qual é o limite ético disso? Ou melhor, até que ponto se podem mesclar religião e política sem que, cada qual não invada terreno que não lhe é próprio?
A religião, em especial o cristianismo, sejam católicos ou evangélicos, cuja fé representa a grande maioria dos eleitores nacional, tem como finalidade aproximar o homem de Deus. Em suma, anuncia a pessoa de Jesus Cristo, pregando-O como modelo a ser seguido, e que, seguindo-O, encontrem a felicidade já nesta vida e na outra que se acredita que há de vir.
Há de se notar, portanto, que os fins buscados pela religião não é puramente temporal, vale dizer, não está voltado exclusivamente para este mundo. Ao mesmo tempo, está eminentemente voltada para o interior do homem, pois é nele que se trava a sua relação com Deus. É bem verdade que a religião, nessa busca de aproximar o homem de Deus e, com isso, proporcionar-lhe a felicidade, apresenta preceitos a serem seguidas por seus membros.
Tomemos de novo como exemplo os cristãos. Para esses, os dez mandamentos são normas a serem seguidas nesse propósito que sua religião lhes apresenta. E isso irá influir em todos os aspectos da vida da pessoa, que procurará ser coerente com isso. Assim, ao votar uma lei no parlamento, ao escolher um candidato, ao tomar uma deliberação em uma assembléia de condôminos, o cristão age inexoravelmente influenciado por suas convicções religiosas. Até porque a fé não é algo que se pode dependurar no saguão de entrada, como antigamente se dependuravam os chapéus. Ou seja, ela influi em todo o agir do crente.
Mas a igreja a que ele pertence, porém, não pode jamais, sob pena de se desvirtuar de sua função, ter vínculo com partidos, selar conchavos com grupos políticos, nem muito menos impor aos seus fiéis votar nesse ou naquele candidato. E isso porque não é função dela imiscuir-se em questões temporais. A sua função é voltada exclusivamente ao interior de seus membros, vale reiterar, em mostrar-lhes o caminho que se acredita proporcionar-lhe um encontro com Deus. E nas questões de política, cada um de seus membros decide com a total liberdade em quem votar, ainda que, subjetivamente, procure candidatos que não tenham convicções contrárias às suas, mas sem qualquer coação, seja de que tipo for, por parte do líder da instituição religiosa a que aderiu.
Tão radicalmente penso ser assim, que ouso confessar que sou católico, mas se um sacerdote, um bispo de minha diocese, ou ainda que fosse o Papa, pedisse para que votasse algum candidato, ouso dizer que lhe responderia um rotundo NÃO. Votarei em quem a minha libérrima convicção me disser que devo fazê-lo. É que se quaisquer desses líderes fizessem tal sugestão estariam abusando do poder que possuem, que é exclusivamente de ser guias de almas. Aliás, são claríssimas as palavras de Cristo a Pilatos antes de ser condenado à morte: “o meu reino não é deste muito”. E ainda em outra passagem, vendo que os seus discípulos queriam conduzi-lo para fazê-lo rei, fugiu para outro local.

Por fim, também abusa da sua condição de membro de uma igreja o candidato que se apresenta como tal, seja em uma paróquia, seja em uma assembléia de evangélicos, apenas para angariar votos daqueles que professam a mesma fé. É que têm os fiéis em comum a fé, vale dizer, acreditam que devam seguir os mesmos caminhos para esse almejado encontro com Deus. Em tudo o mais, cada um pensa como quer, vive como quer e, em especial, vota como quer, com toda a liberdade que o próprio Criador lhes concedeu.

quarta-feira, 30 de agosto de 2006

O valor da amizade

Estava dando voltas pensando no que falar com o leitor nesta semana, quando tocou a campainha. Era o Sr. João. Que bom é vê-lo! É um homem que, com mil problemas e amarguras na vida, sobe superar tudo com valentia, o que o faz agora mais fortemente alegre. E, sem querer descer do carro, vi de longe a grande fonte de sua fortaleza, a sua esposa, D. Marina. Ela é dessas mulheres fortes que os revezes da vida outra coisa não fizeram que forjar uma paz e serenidade inabaláveis. Passaram apenas para deixar umas jabuticabas para as crianças. Dessa vez a “inspiração” vem pelos fatos: falaremos da amizade, mais concretamente, dessas atitudes totalmente desinteressadas que movem as pessoas a pensar nos demais sem esperar nada em troca que não agradar, fazer um bem ao amigo.
Como é bom ter amigos! Infelizmente, porém, vivemos num mundo que não mais valoriza nem é propício para se manter a verdadeira amizade. Com efeito, em nossa triste sociedade de consumo, as relações humanas são, em grande parte,  marcadas pelo utilitarismo. Assim, pensa-se, por exemplo: “devo me aproximar mais agora de Fulano, pois acaba de ser promovido para gerente...”, ou, “Ciclano tem muitos contatos, de modo que é bom ser ‘amigo’ dele”.
Lembro-me de uma história que meu avô gostava muito de repetir. Morava ele em uma pequena cidade do interior e, certa vez, um de seus filhos contraiu tétano, temível doença naquela época. E não havia remédio que não esperar a morte da criança. Porém, a única esperança seria um medicamento a ser buscado em São Paulo. Um amigo dele, sabendo disso, insistia com o piloto e dono de um pequeno avião que havia na localidade para fazer a viagem. Esses ponderavam que o tempo não era nada adequado para o vôo e que isso seria por demais arriscado. Depois de muita insistência o piloto decolou. Foram vários percalços, mas voltaram com o remédio e, com isso, meu tio recuperou a saúde.  É impressionante notar como meu avô, anos após, manifestava uma incalculável gratidão com o amigo.
Décadas após, presenciei uma cena que me fez sentir a maravilha que é ter um amigo de verdade. Já se havia diagnosticado que minha avó contava com apenas umas horas a mais de vida. Esse amigo de meu avô foi visitá-lo. De chegada, fitaram-se uns instantes nos olhos, e o amigo deu-lhe um terno e demorado abraço. Nenhuma palavra. E nem precisava dela, o abraço dizia tudo. E ficaram ali, lado a lado. Parece que os amigos de verdade desenvolvem uma sensibilidade fina, de modo que sabem quando é hora de falar, e sabem quando, calado, muito mais se diz.
Penso que o melhor elogio que se pode imaginar para colocar sobre a efígie de um homem quando deixa essa vida seja essa: “homem de bons e muitos amigos”. Esse é, de fato, um dos melhores legados que se pode deixar. Dizem que da vida se leva a vida que se leva. A frase é sábia, pois, de fato, saber ter sólidas e frutíferas amizades constrói parte dessa ‘imortalidade’ a que tanto se almeja.
Mas a amizade precisa ser cultivada. O coração humano tem uma porta que se abre para fora. Se a tentamos abrir para dentro, quanto mais a forçamos, mais a fechamos, e, em conseqüência, mais nos isolamos. A verdadeira amizade é desinteressada. Busca-se o bem do outro por si só, sem nada esperar em troca.
A verdadeira amizade não é interesseira. Há quem busque fazer amigos para que façam parte de uma espécie de panelinha. A assim se corteja o amigo para que faça parte de um partido, para que passe a freqüentar a sua igreja, para que tome parte de uma associação, de uma entidade de ajuda mútua etc. Ocorre que a verdadeira amizade não impõe condições, ou seja, é amigo porque é, e nada mais.
É claro que a amizade, quando é verdadeira, leva a se preocupar com o amigo, a dar bons conselhos, ainda que custe. Conheço uma pessoa que tinha um amigo com quem era muito leal. E o amigo veio confidenciar-lhe que estava pensando em se separar da esposa. Após ouvir o amigo atentamente, não hesitou em dizer-lhe: “nesse assunto, você está sendo egoísta, é melhor pensar um pouco mais”. A frase pareceu dura, porém, anos após, o amigo se lembraria com gratidão do bom conselho.
Por fim, caro leitor, como estava sem inspiração para começar, também estou para encerrar, de modo que deixo isso a cargo do grande Milton Nascimento:
Amigo é coisa pra se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração

Assim falava a canção...

quarta-feira, 23 de agosto de 2006

As virtudes de Paulinho

Hoje quero compartilhar com o leitor um fato que aconteceu com um conhecido meu, o Paulinho. Tomando um chope com amigos, uma pessoa quis fazer-lhe um elogio, então disse-lhe: “Doutor” – ele é médico – “o Senhor é uma pessoa de grandes virtudes humanas”. Com o elogio, o Paulinho ficou enfurecido. “Chamem-me do que quiserem” – pensou ele, - “mas virtudes não. Essa palavra me lembra aulas de catequese que eu ia sem gosto, Igreja Católica e outras coisas ranças”.
E mal saiu o adulador, o Paulinho comentou com os amigos: “o que esse cara está pensando? Não havia palavra pior para me elogiar! Detesto as virtudes!” Mas logo a conversa voltou para as amenidades, filosofia etc.
No dia seguinte, tocou o relógio às 7 horas e, como sempre, ficou ele na dúvida se levantaria ou não. Após poucos segundos, lembrou que o primeiro paciente do dia precisava muito dele e, sem maiores delongas, levantou-se. Chegou ao consultório, como quase sempre, alguns minutos antes da primeira consulta. Chegando a sala de seu consultório, notou que o paciente, que já o aguardava, comentou com a secretária: “Ele, como sempre, é muito pontual”. O Paulinho, que outrora ficaria contente com o elogio, pôs-se a pensar: “será que a pontualidade é uma virtude? Acho que não” – concluiu – “é só um bom hábito. Droga! Essa palavra me atormentando de novo...”.
Durante a consulta, também como sempre, era todo ouvidos. Quem conversava com ele ficava com a impressão de que não teria outra coisa a fazer. E mais, seus olhos tinham algo de pai, de irmão, de amigo. É indescritível. No fundo, ele se interessava de verdade pelo paciente. Como conseqüência, o paciente saía do consultório radiante de alegria, afinal, hoje em dia não é comum ser tratado assim. “Tudo bem, Sr. Jorge” – perguntou a secretária ao notá-lo muito mais contente que antes. “Tudo ótimo, respondeu ele. O Dr. Paulo é muito atencioso e afável. Faz-me um bem imenso vir aqui”. “É, ele é um homem de muitas virtudes mesmo”, respondeu a secretária. O Paulinho, que saía para chamar pelo próximo paciente, ao ouvir isso, pensou em partir para cima da secretária, mas se conteve, afinal, desde a juventude não se lembra de nenhuma agressão física que tivesse cometido.
Ao final do dia, o Paulinho não havia tido mais que meia hora para tomar um lanche de almoço. Foram doze massacrantes consultas, mas ele permanecia lá, tratando a todos com a mesma cordialidade. Desculpe-me, Paulinho, agora sou eu que estou inventando uma nova virtude (a cordialidade). Vamos mudar a frase: seguia ele até ao final dando muita atenção a todos, pois era de fato muito atencioso e, além disso, laborioso (droga, para consertar inventei mais duas virtudes!). Bem, seja lá o que for, mesmo depois de horas de trabalho, ele não reduzia a qualidade do atendimento. E a última paciente, após a consulta, saiu quieta, mas serena. “Tudo bem, Vera?” – perguntou a secretária. “Tudo bem, respondeu a paciente. Para ser bem sincera, eu estou envergonhada. É que tenho bem menos trabalho que o Dr. Paulo e me irrito muito facilmente, mas ele é sempre tão paciente e cortês, e olha que já deve ter tido muitos aborrecimentos hoje!”.
Às oito e meia da noite, voltou para casa. Arrebentado, começava o terceiro tempo de seu dia. Logo de entrada, encontrou com a filha. A presença dela dissipa-lhe, entretanto, qualquer dissabor e sua frase foi um vibrante: “boa noite, filhota! Como foi seu dia, meu amor?”. Ele é também muitíssimo brincalhão e o beijo e o abraço na esposa não foram menos efusivos que o da filha. E o ambiente familiar, com a sua presença, inundou-se de serenidade e alegria.
Desculpe, Paulinho, ao descrever a sua chegada em casa, apontei-lhe mais duas virtudes: a serenidade e a alegria. Mas veja, Paulinho, você pode me desculpar. É que gosto tanto da virtude da alegria, que penso que ela é o sal que dá sabor às demais, afinal, um homem que se diz virtuoso e não é alegre, na verdade não o é. Virtude triste é uma contradição nos próprios termos.

E mais, o amor que você, Paulinho, tem pela esposa, pela filha, pela Vera, pelo Sr. Jorge (aqueles pacientes, lembra?), é tão intenso, que ao exercitá-lo, faz de você uma pessoa muitíssimo virtuosa. Aceite de coração o elogio, vai! Não se irrite comigo, por favor!

quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Educar nas virtudes

Muito se fala hoje em dia no meio empresarial em qualidade total, em busca da excelência em tudo o que se propõe a fazer. E o tema é tratado como questão de sobrevivência para qualquer empresa que pretenda permanecer no mercado. Penso que esse afã por melhorar continuamente que tem invadido as instituições e pessoas que as compõem são, em geral, boas, e, se bem utilizados, podem de fato contribuir para o progresso da humanidade. Mas há algo que também deveria ser alvo de grandes “investimentos” para um contínuo aprimoramento e que tem caído no esquecimento de muitos: a pessoa humana enquanto tal.
São freqüentes os cursos sobre de técnicas de vendas e de convencimento ou de aprimoramento profissional, muitos deles abarrotados de pessoas, ainda que se pague um custo elevado por isso. Por outro lado, são não poucas as iniciativas que buscam aprimorar as qualidades humanas das pessoas, cuja procura é demasiado pequena, se comparada com os benefícios que trariam, ainda que muito pouco ou nada se cobre por isso. E o motivo não é difícil de se encontrar: as pessoas acreditam e querem melhorar o mundo, mas se esquecem de que, para isso, é preciso antes melhorar a si próprias, e melhorar exatamente enquanto ser humano, nos seus atributos mais essenciais.
Pode-se conceituar a virtude como um hábito bom, como uma certa disposição interna e duradoura da pessoa para atuar bem em determinadas situações ou aspectos de sua vida. Não se tratam de atos isolados, mas de uma certa tendência, que se adquire através de um esforço reiterado em atuar de determinada maneira. Tomemos por exemplo a sinceridade. Pode ocorrer desde a infância uma certa propensão a mentir, por vários motivos (livrar-se de um apuro, encontrar uma desculpa para não fazer o que não se gosta etc), de modo que, em certas situações, é custoso dizer a verdade. Porém, se a pessoa vence uma barreira inicial e diz a verdade, ainda que isso aparentemente o prejudica, e o faz uma vez e outra, e reiteradamente pratica o ato bom, chegará um tempo em que lhe será muito custoso mentir e, ao contrário, fácil dizer a verdade em qualquer situação. Pode-se dizer, assim, que adquiriu a virtude da sinceridade.
E isso ocorre com as outras virtudes, como a generosidade. Quanto a essa, é comum a criança, até certa idade, ser um pouco egoísta, não querer compartilhar suas coisas com os demais. Assim, se ela é ajudada oportunamente, custará vencer-se num primeiro momento a emprestar um brinquedo, por exemplo. Mas na reiteração de atos em que se vencem as resistências naturais, cria-se o hábito e, com ele a virtude.
O que muitos de nós ignoramos, porém, é que há fases de nossas vidas em que se é mais fácil adquirir determinadas virtudes. Por exemplo, a obediência, que mais tarde se transforma no respeito às normas existentes numa sociedade, pode e deve ser trabalhada já na primeira infância, pois a criança está muito mais receptiva a isso que o adulto. A laboriosidade, a lealdade, o companheirismo, enfim, todas as demais têm suas idades ideais e, em geral, são muito mais fáceis de serem arraigadas na pessoa se trabalhadas desde a infância.
Para se ter uma idéia da importância de se educar a virtude na hora certa, podemos fazer uma comparação com o estudo de línguas. Um adulto que se dispõe a aprender um idioma, com esforço e dedicação, o conseguirá. Porém, levará um tempo razoável e dificilmente eliminará por completo o sotaque que terá na nova língua. À criança, ao contrário, podem ser ensinadas várias línguas, e elas as apreenderá com muito mais facilidade e não terá sotaques em nenhuma delas.
Atendo a isso, os pais e a escola têm grave obrigação de ajudar os filhos e alunos a adquirir as virtudes desde pequenos, pois, do contrário, os anos passam e tudo fica mais difícil, ainda que, nesse terreno, nunca é tarde para começar, mas também nunca é cedo para justificar nada fazer.
É importante e é urgente que pais e escola, com grande sintonia, tracem um plano inclinado para os filhos e alunos, ponderando cada virtude pode e deve ser melhor trabalhada em cada fase de suas vidas.
E o mais interessante e positivo nisso é que as virtudes nunca estão isoladas. Assim, é estimulante notar que, quando ajudamos uma criança a ser generosa, ao mesmo tempo cresce nela a responsabilidade; quando ela cresce em laboriosidade, cresce também em sinceridade.

E imaginemos como não será a nossa sociedade no futuro com um trabalho sério e perseverante com nossas crianças nesse sentido. Vale a pena – como diria o poeta – se a alma não é pequena.

segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Lavagem cerebral

Tem sido freqüentes, sobretudo após o lançamento do livro e do filme O Código da Vinci, reportagens negativas sobre a Igreja Católica e, em especial, de uma instituição dela que o Opus Dei.
Assistindo a um programa de auditório em que a tônica era o sensacionalismo, uma das acusações lançadas é que o Opus Dei faz em seus membros uma verdadeira “lavagem cerebral”, motivo pelo qual eles seriam tão fanáticos. Tenho de admitir que a afirmação me deixou intrigado. Há tempos que participo dos meios de formação dessa instituição, de modo que me pus a pensar: “será que esse pessoal está fazendo ‘lavagem cerebral’ comigo e nem percebi?”.
Nem foi preciso pensar muito para concluir que de fato fazem lavagem cerebral mesmo. Numa das primeiras palestras que assisti, falava-se do matrimônio. E a pessoa dizia que o homem deve se esforçar por amar cada vez mais a sua esposa, que deve se esmerar em tratá-la com delicadeza, ajudando nos afazeres da casa. E depois disse ainda que o Fundador do Opus Dei costumava dizer aos maridos: “a tua esposa é a tua porta de entrada no céu”. E explicou que com isso se queria dizer que, para o homem casado, a felicidade consiste em doar-se cada vez mais à esposa. E essa pessoa que dava essa palestra contou também que São Josemaría, depois se dirigia às mulheres e dizia o mesmo: “o teu marido é a tua porta de entrada no céu”.
Acontece que esse mesmo tema (amar cada vez mais a esposa) se repete nos meios de formação, com algumas variações, mas com a mesma mensagem de fundo. Deve ser lavagem cerebral mesmo!
Outras vezes, ouvi dizerem sobre a educação dos filhos. E diziam que eles são uma grande dádiva que Deus nos concede, mas, ao mesmo tempo, nos confia a que lhes eduquemos com responsabilidade. Dizem que assim como Deus conta conosco para dar a vida, também conta para que os formemos para que sejam um dia responsáveis e felizes. E, para que isso fique bem gravado nesse processo de ‘lavagem cerebral’, periodicamente o mesmo tema é tratado de novo, com outras palavras, mas com a mesma idéia central.
E quanto ao trabalho. Aqui eles pegam mais pesado na ‘lavagem cerebral’. Toda vez se fala que o trabalho, seja ele qual for, deve ser bem feito, bem acabado, por amor ao próximo, que dele depende, mas por amor a Deus, a quem se deve servir. E falam também que nenhum trabalho é, em si, mais ou menos digno que outros, que o que torna mais digna qualquer atividade é o amor com que se a faz. E depois repetem, repetem, até que, com o tempo, a gente passa a achar que isso é assim mesmo, ou seja, que se deve trabalhar bem, com amor, mesmo nos trabalhos que, humanamente, pareçam mais insignificantes.
E vejo agora que eles são tão perspicazes nesse processo de lavagem cerebral que, com o tempo, a pessoa vai ficando como que ludibriada, pois, a vida em família cresce muito em qualidade. Com relação aos filhos, ainda que muito se sofra, são palpáveis os progressos que se vêem de nossa dedicação a eles. E no trabalho profissional então, passa o tempo e a gente começa a achar que de fato os trabalhos mais sem importância, aqueles que ninguém vai notar, também devem ser bem feitos, e já não se consegue fazer trabalhos marretados sem que a consciência nos acuse.
Depois de algum tempo escrevendo nesta coluna, caro leitor, percebi que uma coisa é essencial em quem se aventura a escrever ao público: a lealdade, que nos faz escrever somente aquilo que se pensa, e não exatamente o que seria gostaria de ler. E com essa total franqueza é que afirmo que é essa “lavagem cerebral” que tenho notado nos meios de formação do Opus Dei nestes anos todos.
Ah! Ia me esquecendo. Tem outra coisa que eles ficam martelando sempre também: que é importante termos bons e muitos amigos; que temos de nos dedicar com zelo aos nossos amigos; que se há de ter um radical e inviolável respeito pela liberdade de cada um, sobretudo em matéria de fé e que Deus conta conosco para sermos, nos ambientes em que vivemos, semeadores de paz e alegria.

Naquele programa de auditório, foi dito também que o Opus Dei é uma instituição secreta. Quanto a isso, se eu souber de mais alguma coisa, prometo que vos contarei em breve.

quarta-feira, 9 de agosto de 2006

Dia dos pais


O próximo domingo é dia dos pais. Como homenagem a todos os que se aventuram a viver a fantástica aventura da paternidade nos dias de hoje, convido-os a meditar um pouco sobre a responsabilidade do empreendimento a que se lançaram.
Soube de um pai que foi indagado por um filho sobre quem teria razão no conflito no oriente médio. O pai respondeu: “Filho, eu conheço um judeu, professor universitário, extremamente competente em seu trabalho, bom pai de família, uma pessoa que só tem bondade no seu coração. Ele é meu amigo e gosto muito de falar com ele, especialmente quando ele fala de seu pai, o Babbo, como o chama carinhosamente, pois viveram na Itália e tem fortes raízes nesse país. E conheço também um libanês, de quem também me considero muito amigo. Trata-se de um grande juiz, grande fisicamente também, mas, apesar de seu porte avantajado, é de se admirar que caiba em seu peito um coração tão grande, em seus olhos puros não se vê falsidade, mas transborda uma bondade terna e sincera”. E depois concluiu o pai a sua lição: “Sabe, filho, quando vejo pessoas morrendo nessa guerra sangrenta, não consigo pensar em judeus e libaneses, mas em pessoas, seres humanos, com carne e osso e, mais que isso, com uma alma imortal destinada a viver feliz na casa do Pai, como O chama um desses meus amigos, ou na casa do Eterno, como o trata o outro”.
O filho, que já entrava na adolescência, fez ares de insatisfeito e lançou uma incisiva acusação: “Pai, você não me respondeu à pergunta”. “Você têm razão, filho, não respondi mesmo”, admitiu o pai. Mas em seguida prosseguiu a lição: “É que não tenho a resposta. São sei o que se passa na cabeça de uma pessoa em concreto que lançou uma primeira bomba, nem da outra que ordenou a retaliação, nem da outra que manda destruir pontes, edifício e gentes inocentes no afã de pegar o inimigo, não sei o que se passou na vida de cada um desses. Para ser sincero, filho, eu detesto generalizações e não sei analisar os fatos com frases do tipo ‘Israel fez isso’ e o ‘Líbano fez aquilo’, para mim, qualquer ação é sempre individual, praticada por uma pessoa, com nome, sobrenome e filiação, ainda que cada qual aja em conjunto e de acordo com outras, com quem se associa para construir ou para destruir. Por esse motivo, sinceramente não sei quem tem razão”.
O filho estava por sair ainda insatisfeito, quando o pai o chamou: “Filho, não estou fugindo da resposta, apenas estou fazendo ver que é muito triste causar divisões. O Eterno, ou o Pai, quer que vejamos a ele em cada pessoa com quem nos relacionamos em cada dia. Quer que O vejamos em cada ser humano que há sobre a face da terra, seja ele judeu, libanês, árabe, africano, cristão, islamita, ateu o que for. É que pode não concordar com nada, ou quase nada do que essa pessoa faz ou pensa, mas, quer queira quer não, todos, absolutamente todos, têm igual dignidade que você. Até o ateu, que mesmo não crendo em Deus não deixa de ser filho desse Pai em que não acredita”.
Confesso que participar dessa conversa me fez um bem imenso, mas ao mesmo tempo fica a indagação de se nos dispomos a aproveitar todos os momentos de nossas vidas para formar nossos filhos. Como são os nossos diálogos com eles? Ficam no superficial, no corriqueiro? Ou, pior ainda, limito-me a reclamar do que ele ou ela faz e que nos desagrada? Há diálogo?
Nossos filhos não precisam de que lhes falemos dos estragos de PCC e da Guerra no Líbano. Eles estão vendo isso, posto estão no mundo. Precisam, porém, e muito, que lhes digamos, com palavras, mas, sobretudo com exemplos de serenidade e alegria nos tempos em que se passam juntos, que a vida vale a pena, apesar dos pesares, que há um mundo fantasticamente belo por detrás das bombas e atentados, mas que esse mundo só pode ser visto com olhos de criança. É que as crianças, em sua visão concreta, não conseguem enxergar instituições, países, raças, nada disso, mas apenas pessoas, e essas, de carne e osso como elas, que, também como elas, mantêm um irreprimível anseio de felicidade, ainda que insistam em procurá-la por caminhos onde não a poderão encontrar.

A todos, um feliz dia dos pais!