segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Cada um é único

Vi recentemente uma charge muito criativa sobre a prova do ENEM. O desenho continha um macaco, um elefante, um cachorro e mais alguns animais diante de um examinador, que lhes dizia: “Vou ser justo na avaliação: vence a prova aquele que subir primeiro naquela árvore”. E o artista desenhou o macaco com um sorriso bem malandro, com ar de vitória.
Não pretendemos analisar a questão em si da prova do ENEM. No entanto, a partir das críticas que têm sido feitas, quais sejam, de que são tratadas de maneira igual pessoas desiguais, o que consagra uma injustiça, podemos nos questionar se não fazemos algo de semelhante com os nossos filhos em casa ou com os alunos em sala de aula.
Muitos de nós talvez já tenhamos dito ou ouvido frases do tipo: “Veja as suas notas da sua irmã. Vocês tiveram as mesmas oportunidades, nós tratamos os dois igualmente, por que você não tem o mesmo desempenho que ela?”. Ou, mais cruel ainda: “Por que você não é igual ao seu irmão?”.
As comparações são frequentemente injustas e desestimulantes. “Não sou igual ao meu irmão porque sou um ser humano único e irrepetível em todo o universo”, poderia responder esse filho. Além disso, tratar de maneira absolutamente igual os filhos, no mais das vezes, consagra uma injustiça. É que se há de tratar de forma diferente aqueles que são naturalmente diferentes.
Nossos filhos e filhas não são iguais entre si e tampouco haverá em todo o universo outro ser que seja absolutamente iguais a ele ou a ela. A ciência tem mostrado que é possível formar grupos de pessoas a partir de algumas características inatas que marcam o caráter. Porém, mesmo que seja possível identificar semelhanças que permitam agrupar, para fins de estudos ou pedagógicos, as pessoas em determinados padrões, cada um tem aspectos particularíssimos, sobre os quais influíram o ambiente, as experiências etc., de modo que se desenha, em cada ser humano, uma individualidade digna de ser apreciada e respeitada.
Vivemos num mundo em que frequentemente se valorizam as pessoas quase que exclusivamente pelo desempenho. Assim, um bom funcionário é aquele que se adapta aos padrões da empresa ou da instituição e que atinge as metas propostas. É certo que se há de premiar os resultados e valorizar o esforço que se faz para atingi-los. No entanto, nesse cenário extremamente competitivo é comum se esquecer a infinita dignidade de que é titular toda pessoa humana. E quando essa é valorizada apenas pela capacidade de produzir, os mais débeis, como os idosos, os portadores de deficiências ou os embriões corem o risco de serem tratados como descartáveis.
Mas talvez o mais grave é que em casa já fomentamos essa cultura. É o que fazemos quando demonstramos apreço, carinho e admiração pelos nossos filhos exclusivamente em função do desempenho escolar, ou, pior ainda, pelo fato de nos trazerem problemas ou não. Ora, pai e mãe que não querem ter problemas na educação dos filhos ainda não adquiriram suficiente maturidade para o exercício da paternidade e da maternidade.
Nossos filhos e alunos são diferentes entre si. Uns terão maiores habilidades para trabalhos manuais, outros para os intelectuais; uns serão mais loquazes, outros mais calados. É claro que as suas potencialidades podem ser desenvolvidas e aprimoradas. Porém, é requisito essencial para o desenvolvimento que se respeitem as suas naturais diferenças.
Os filhos têm direito ao apreço e ao amor dos pais independentemente das suas naturais habilidades. Se ponderássemos que cada filho ou cada aluno nasceu com uma missão específica. Mais ainda, se considerássemos que, apesar das suas debilidades, defeitos e limitações, ninguém poderá trilhar por eles os caminhos a que foram chamados, então nos lançaríamos a cultivar neles com mais afinco as virtudes necessárias para exercer o papel que lhes cabe nesse mundo.

Não nos cabe, como educadores, descobrir qual é a missão que estão chamados a seguir. Tampouco nos cabe a decisão de segui-la ou não. Mas é fundamental que forjemos neles o desejo de descobri-la e a fortaleza para segui-la. E para isso a formação que lhes damos nunca pode ser padronizada. Há de ser personalizada, posto que cada um dos nossos filhos é único, assim como único é o caminho que lhe cabe trilhar.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Vida em comum

Em outras oportunidades tratamos, nesta coluna, de alguns aspectos que se deve considerar para superar das crises conjugais. O primeiro está relacionado com uma mudança de foco, ou seja, deixar de ver apenas os defeitos e limitações do outro para olharmos para nós mesmos e meditarmos em que medida temos de lutar para mudarmos. O segundo se refere à recuperação do apreço pelo cônjuge, frequentemente perdido com o desgaste do relacionamento conjugal. Hoje gostaria de acrescentar um ingrediente: a importância da vida em comum.
O artigo 1.511 do Código Civil brasileiro consagra que o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. E, mais adiante, no ser artigo 1.566, proclama que são deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos.
O casamento gera uma comunhão plena de vida. Isso não quer dizer que cada qual não mantenha a sua individualidade, mas haverá, necessariamente, uma interpenetração de suas vidas. Isso exige compartilhar muitos aspectos de suas existências.
Se pudéssemos imaginar graficamente o homem e a mulher como dois círculos, poderíamos traçar a situação ideal do casamento como duas circunferências que se interpenetram. Não seria correto que não houvesse nenhum ponto em comum, nem que todos os aspectos fossem comuns, ou, pior ainda, que um absorvesse por completo o outro.
O fenômeno das vidas paralelas, ou seja, com pouco ou quase nada em comum, faz definhar o amor conjugal. É que o casamento é uma doação, uma entrega que fazemos da nossa própria pessoa ao outro. Quando nos vamos distanciando do nosso cônjuge, é como se fôssemos retomando-nos para nós próprios de novo. É o que acontece quando o marido passa a ter as suas atividades completamente dissociadas da esposa, a tal ponto que sequer acredita ser necessário consultá-la antes de fazer uma viagem sozinho ou com amigos num final de semana, por exemplo. E também ela pode desenvolver uma atividade profissional e círculo de amizades nos quais o marido é completamente alheio e desconhecido.
A uma primeira vista pode parecer que esse distanciamento nos faz mais livres e, talvez, mais felizes. Contudo, o que ocorre é precisamente o oposto. É sinal supremo de liberdade o saber doar-se livremente a uma pessoa e por toda uma vida. Ao contrário, quando queremos buscar apenas os nossos próprios gostos e satisfações egoístas, vivemos um simulacro de liberdade, pois na verdade nos fazemos escravos dos próprios caprichos.
Assim, se por infelicidade notamos que vivemos vidas paralelas, é necessário reconstruir a unidade do matrimônio. Pode ser longo esse caminho. No entanto, que não seja isso motivo de desânimo. Afinal, quanto antes se começar a caminhar, mais rápido e melhor se chega ao destino.
Em caso de crises conjugais mais intensas, em que o próprio diálogo está por demais comprometido, talvez será o caso de se iniciar por atividades em que a comunicação não seja muito exigida, como saírem para ir ao cinema, por exemplo. Porém, pouco a pouco, há de se restabelecer o diálogo e reconstruir a própria vida em comum.

É um importante fator de união do casal saber sonhar juntos, vale dizer, ter planos em comum. “Dos nossos planos é que eu tenho mais saudade, quando olhávamos juntos na mesma direção” canta melancolicamente o saudoso Renato Russo. De fato, o relacionamento conjugal nasce recheado de projetos nos quais desenhamos a própria felicidade. No entanto, muitas vezes nos esquecemos de que é fundamental pensar também na felicidade do outro. Que não tenhamos a desventura de termos de nos lamentar um dia: “Já que você não está aqui, o que posso fazer é cuidar de mim”. Não! Digamos – talvez menos poeticamente – mas com muito mais otimismo: “já que quero ser feliz, o que posso fazer é cuidar de ti”.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Um homem bom

No dia 17 de outubro de 2011 despediu-se do Tribunal de Justiça de São Paulo o Dr. José Geraldo Barreto Fonseca, que se aposentou do cargo de Desembargador, após servir a Justiça de São Paulo por mais de 44 anos. Penso que é dever de justiça prestar homenagem a esse grande homem fez da sua vida um abnegado serviço à Magistratura Paulista.
Mas como prestar uma justa homenagem em tão curso espaço sem que ela soe como algo redutivo, que ressalta apenas um detalhe, talvez até acidental, num homem cuja grandiosidade a história se encarregará de enaltecer cada vez mais? Ouso, porém, correr esse risco, quando menos para afirmar que o Dr. Barreto foi, em toda a sua vida, um verdadeiro semeador de paz e de alegria.
Há dezoito anos tive o enorme privilégio de trabalhar como Dr. Barreto por poucos meses, mas que foram suficientes para dar um novo rumo à minha vida. Eu era então um estudante de direito que sonhava ingressar na Magistratura. Aprovado num concurso público de escrevente, vim a ser designado para trabalhar em seu Gabinete. Naquela situação, era natural fazer uma imagem enaltecida de um Desembargador, afinal era o posto mais elevado da carreira que eu sonhava ingressar. Supunha, então, encontrar um homem sério, formal e enérgico. Mas a pessoa que encontrei foi precisamente o contrário: amável, sorridente, demonstrava um sincero afeto e interesse por todos aqueles com quem convivia.
O Dr. Barreto nunca foi um homem de discursos ou de longos conselhos. O seu exemplo de vida inspirava com tamanha eloquência que se podia dispensar as palavras. Chamava a todos pelo nome. Era frequente também perguntar pela esposa e filhos dos que conviviam com ele. Esforço de memorização? Penso que não. É um homem que não pensa em si. É uma vida dedicada aos demais.
Certo dia, veio visitá-lo em seu gabinete o Presidente do Tribunal. No mesmo instante, porém, chegara a faxineira que lhe pediu autorização para limpar a vidraça. Com o habitual sorriso, levantou-se e cumprimentou-a pelo nome. Apresentou-a ao Presidente e a conversa seguiu amena e com toda naturalidade. É assim o Dr. Barreto. Eu nunca o vi fazer considerações teóricas sobre a dignidade da pessoa humana. Seus gestos, porém, delatam que sabe enxergar em cada homem e em cada mulher um tesouro de um valor infinito.
Não tardou em nos convidar a ir a sua casa: um lar verdadeiramente luminoso e alegre. O amor profundo e sincero pela sua esposa, a adorável D. Estella, incitava a imitá-los quem sonhasse em edificar uma família. O apartamento vivia repleto de pessoas. Não bastasse a movimentação natural de seus onze filhos, cada qual trazia dois ou três amigos a desfrutar daquele convívio maravilhoso.
E como era o seu trabalho? Inicialmente, causou-me certa perplexidade a concisão das decisões. Raramente ultrapassavam duas ou três laudas. No entanto, não era isso sinal de descuido ou superficialidade na apreciação de cada caso. Bem ao contrário, estudava a fundo e lia com invejável atenção todos os detalhes do processo. É um homem de uma inteligência aguçada e profundo conhecedor do direito. Apesar disso, não era essa a nota que mais aflorava em suas decisões. Sabia enxergar por detrás daquela imensidão de papéis homens e mulheres que clamavam por justiça. Escrevia pouco porque cada decisão era feita sob medida: servia apenas para aquele caso. Os outros teriam as suas peculiaridades a merecer igualmente a sua atenção.
Nesse momento importante da sua vida, animo-me a dizer que o Dr. Barreto deu um novo rumo à minha vida. A juventude é uma fase importantíssima. Nesse momento tomamos decisões que muitas vezes trazem consequências irreversíveis. Penso que não por acaso o encontrei no momento certo. Com efeito, o seu exemplo magnífico serviu para dissipar muitas dúvidas e me trouxe muitas luzes.

O Poder Judiciário sofre agora uma perda incomensurável. Porém, o Barretinho, como é carinhosamente chamado por seus colegas, segue a sua vida benfazeja. Não haverá os processos para decidir. De fato, o papel deixará de registrar decisões sábias e prudentes que emanaram abundantemente da pena da sua caneta. Mas a sua esposa, os seus filhos, os seus netos e os seus amigos continuarão a desfrutar do seu amável convívio. Se tivesse de resumir numa frase quem é o Dr. Barreto eu a extrairia do Livro que tem inspirado toda a sua vida: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Recuperando o apreço

Na semana passada falamos sobre como superar as crises conjugais. E o fizemos propondo uma nova perspectiva para o relacionamento. Ou seja, é necessário mudar o foco, deixar de ver apenas os defeitos e limitações do outro para olharmos para nós mesmos e meditarmos em que medida temos de lutar para mudarmos e, a partir dessas mudanças, edificarmos o casamento sobre bases mais sólidas. E concluímos que o segredo da felicidade no matrimônio é buscar fazer o outro feliz. Hoje, podemos acrescentar um ingrediente: como recuperar o apreço pelo cônjuge?
É certo que o compromisso assumido voluntariamente pelos cônjuges, no chamado pacto conjugal, é o que dá sustentação ao matrimônio. Ao dizerem sim reciprocamente um ao outro ambos assumiram o compromisso de querer quererem cada vez mais o outro. Ou seja, não se comprometem a manter incólume o sentimento, mas a buscar alimentar, dia após dia, o amor que os uniu.
No entanto, esse compromisso assumido num determinado momento não terá a devida força se não se traduzir em atos e decisões concretas em suas vidas, todos os dias. Daí surge a importância das pequenas coisas na vida do casal. É uma delicadeza que o marido faça ao chegar a casa, trazendo umas flores, por exemplo, ainda que não haja um motivo especial para isso. É, também, o empenho da mulher em estar atraente e bem-humorada para receber o marido. Assim, o que verdadeiramente dá sustentação ao casamento é a qualidade dos momentos que o marido e a mulher passaram juntos.
É importante notar que a qualidade do tempo compartilhado não depende essencialmente de serem eles em si tristes, alegres ou indiferentes, mas da maneira edificante ou destrutiva com que foram vividos. Assim, por exemplo, uma tragédia familiar em que o marido esteve do lado da esposa, apoiando-o, compreendendo-a e amparando-a poderá vir a reforçar os laços entre eles. E, por outro lado, uma viagem de férias em que cada qual esteja com o pensamento centrado em si, nos próprios gostos e caprichos e se esqueça por completo do outro, poderá vir a ser ocasião de afastar ainda mais o casal.
Numa crise conjugal é provável que cada qual olhe para a vida passada e veja apenas maus momentos, ou ao menos que os veja mais acentuadamente nos últimos anos, talvez trazendo saudades de outros tempos em que se vivia em harmonia. Além disso, com os anos vem o peso das expectativas frustradas: “Em pensava que, com os anos, ele...”; ou: “eu não esperava que ela se tornasse uma...”. Nesse contexto, é comum que se perca o apreço pelo outro, que vejamos nele apenas os defeitos, ou, pior ainda, como o responsável pela própria infelicidade.
É fundamental, portanto, que haja um esforço por recuperar o apreço pelo nosso cônjuge. Não se trata de encobrir os defeitos, quiçá patentes e inegáveis dele ou dela. Contudo, é muito comum que coloquemos uma lente potentíssima de aumento os seus defeitos e, por outro lado, desenvolvamos uma terrível miopia para enxergar as suas qualidades. E, nesses momentos, o nosso esforço deve ser na direção contrária, ou seja, procurar ver e valorizar o que há de bom no nosso marido ou na nossa esposa.
É bem verdade que muito contribuirá para recuperarmos o apreço quando notarmos uma sincera vontade de melhora no outro. Contudo, mesmo sem isso, toda pessoa possui virtudes a serem admiradas e valorizadas. Basta que se tenha bons olhos para enxergar.
Nesse intento, convém travar uma verdadeira batalha contra os pensamentos distorcidos, que muitas vezes aparecem numa espécie de murmuração interior que nos leva a formar juízos críticos e negativos, no mais das vezes irreais e injustos. Por exemplo, ao notar um objeto fora do lugar, talvez nos surpreendamos em elucubrações mentais do tipo: “é um desordeiro mesmo, já deixou isso jogado de novo”. E os exemplos disso são inúmeros.

É conhecida a diferente forma de enxergar uma mesma realidade entre um pessimista e um otimista. O primeiro, vendo um copo com água até a metade, dirá: “está quase vazio”, ao passo que o otimista dirá que “está quase cheio”. Ao analisarmos o nosso cônjuge é fundamental essa visão otimista, que saiba colocar uma lente de aumento em suas virtudes, ao mesmo tempo em que lembra dos defeitos apenas para ajuda-lo no momento oportuno e da maneira adequada, ou seja, por amor. 

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Superando a crise conjugal

Quando se vive uma crise conjugal, uma das maiores dificuldades que encontra o casal, mesmo quando se esteja decidido a manter o casamento, é mudar o foco, o ângulo de visão. É frequente que cada um julgue que a raiz do problema está no outro, nos pais dele (ou dela) ou em qualquer outro fator externo. E se cada um é convidado a ponderar em que medida os próprios defeitos, pensamentos e atitudes têm contribuído para a crise, é comum obter respostas do tipo: “bem, eu reconheço que tenho os meus defeitos, porém, ela(e), os pais dela(e) sempre ...”.
Acontece que tudo ou quase tudo o que podemos fazer para mudar uma situação é mudarmos a nós mesmos, as nossas atitudes, os nossos modos de pensar e de agir diante de determinada situação. Assim, reconhecer os nossos defeitos e limitações é um primeiro passo fundamental para se enfrentar uma situação de crise conjugal.
O marido ou a mulher que esteja verdadeiramente decidido a dar os primeiros passos para sair de uma crise conjugal deveria procurar saber, com coragem e valentia, o que agrada e o que desagrada o cônjuge. Para isso, talvez não seja necessário grande esforço de memória. Basta relembrar algumas discussões ou mesmo as inúmeras vezes em que ele (ou ela) nos tenha ponderado sobre aspectos da nossa vida que não lhe parece estar bem.
Nesse intento, talvez a nossa maior dificuldade não esteja em saber o que em nós desagrada o nosso cônjuge, mas aceitar que pode haver um pouco (ou muito) de verdade nisso e, principalmente, que estejamos dispostos a nos esforçar por melhorar. Em suma, reconhecer os próprios erros, defeitos e limitações é um primeiro passo fundamental para vencer a crise.
Ao tomarmos essa decisão, talvez nos ocorra pensar: “Mas e se ele(a) não se dispuser a fazer o mesmo?”. Ou, mais especificamente: “Eu aqui tentando melhorar para salvar o casamento e ele(a) só colhendo os frutos do meu esforço!”. Penso que há, contudo, inúmeros motivos para afastar esse tipo de pensamento.
Primeiro porque quando lutamos por sermos pessoas melhores, que combatem os defeitos e que se esforçam por agradar aos demais, em especial o nosso cônjuge, quem ganha com isso somos nós próprios, pois nos tornamos melhores como pessoas e, portanto, mais livres, na medida em que aprendemos a dominar a nós próprios.
Além disso, como dissemos, o que está verdadeiramente ao nosso alcance para mudar uma situação é mudarmos a nós mesmos. Não conseguiremos, por mais que nos esforcemos, em mudar os demais se eles não cooperarem livremente para isso.
E um terceiro motivo é que o amor é doação desinteressada. De fato, quem ama necessita também ser amado. Assim, se demonstramos o nosso amor ao nosso cônjuge, queremos legitimamente que esse amor seja correspondido. Contudo, a manifestação do nosso amor, para ser autêntica, deve ser gratuita, sem exigir nada em troca. Eis o maravilhoso paradoxo do amor: por nossa natureza necessitamos ser amados, ao mesmo tempo que temos um irreprimível anseio de amar. No entanto, a nós cabe apenas amar e não exigir que nos amem, ainda que aceitemos, mais que isso, precisamos que os outros também nos comuniquem o seu amor.
Isso não exclui a ajuda mútua entre os cônjuges para que cada qual estimule o outro a vencer os próprios defeitos e superar as suas limitações. No entanto, a eficácia dessa ajuda depende muito do modo com que é prestada. Assim, se a mulher diz ao marido em meio a uma discussão: “você sempre chega atrasado a casa”. Ou, ainda, se o marido diz à esposa: “você nunca se importa comigo”, é provável que tais afirmações apenas contribuam para afastar ainda mais o casal e não são eficazes para que o outro se sinta estimulado a lutar por melhorar.
Se, porém, num momento em que os ânimos estão serenos, se busca o diálogo proativo, iniciando por reconhecer as virtudes e o esforço do outro por ser melhor e, em seguida, se expõe algum ponto em que o outro possa melhorar, é muito mais provável que se tenha eficácia. Mas mesmo que não se note o propósito de melhora no outro, ainda assim se deve manter o firme propósito de lutarmos contra o que não está bom em nosso modo de pensar e agir para construir um bom relacionamento conjugal.

Tudo ficaria muito mais fácil e melhor se os cônjuges descobrissem, o quanto antes, que o segredo da felicidade no matrimônio é buscar fazer o outro feliz.