segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Propósitos para o Ano Novo

Agora que se aproxima o final do ano, é comum fazermos propósitos para essa nova etapa das nossas vidas. Muitos também fazem uma espécie de balanço dos últimos doze meses: o que conquistamos, os avanços (ou retrocessos) que obtivemos na profissão, nos negócios etc.
Penso que se trata de uma prática saudável. É que precisamos de novas motivações para continuar com perseverança nesse nosso caminhar. Um dos piores males que haveríamos de evitar é o desalento, que nos leva a ficar à beira do caminho, numa triste e lamurienta paralisia, com argumentos do tipo “eu desisto”, “não vale a pena”, ou ainda “eu já tentei tantas vezes e não deu certo...”.
Há pesquisas científicas, realizadas com critério e seriedade, que apontam que as pessoas mais longevas são aquelas que encontraram motivações suficientemente profundas para viver: um trabalho profissional que se exerce com afinco e buscando fins nobres, empreendimentos sociais que visam melhorar a vida de pessoas carentes, os cuidados com a família etc.
Cedo ou tarde, a vida se torna insuportável para aqueles que não encontraram uma missão a seguir. Talvez isso explique a razão de que no mundo moderno, repleto de recursos e facilidades tecnológicas, as pessoas andem tão tristonhas e desorientadas, procurando nas drogas, no álcool, no sexo irresponsável e na busca de prazer desenfreado uma fuga para o imenso vazio que trazem dentro de si.
Nesse cenário, é fundamental que analisemos periodicamente os rumos que estamos dando às nossas vidas e, principalmente, que façamos propósitos. Nesse intento, além de traçarmos as metas profissionais, com maior prioridade haveríamos de procurar melhorar a vida familiar.
Nesse empreendimento – como também nas grandes construções – convém dar especial atenção aos alicerces. Assim como um grande e belo edifício pode ruir se houver falhas nas fundações, também nós fracassaremos se não procurarmos ser homens e mulheres de sólidas virtudes. Com efeito, como conseguiremos nos lançar num trabalho ou em iniciativas que melhorem a vida dos outros se não cuidarmos de ser pessoas generosas?
Dentre os inúmeros propósitos que fazemos para mudar o mundo deveria vir primeiro o de mudarmos a nós próprios, cada dia um pouco, numa luta constante e perseverante em pequenos aspectos concretos. Por exemplo, o desejo de melhorar o relacionamento conjugal pode se traduzir em pequenos gestos como o de se esforçar por dizer coisas amáveis, sobretudo quando o outro está mais cansado. A melhora profissional também com pequenos elogios sinceros aos colegas, ou ainda o saber corrigir com valentia, mas sem perder a delicadeza.
Tudo ou quase tudo que podemos fazer para mudar o mundo em que vivemos é mudar a nós próprios.
É curioso notar que quando analisamos os pequenos e grandes problemas que afligem a humanidade colocamos a responsabilidade nos outros, nos governantes ou “nas estruturas”. Tais conclusões, ainda que não de todo equivocadas, são estéreis e desalentadoras. É que, no mais das vezes, não conseguimos mudar à força os outros ou as estruturas para que sejam honestas, justas etc. No entanto, podemos nos esforçar para sermos, nos ambientes em que nos movemos, ainda mais honrados e justos. E isso não é estéril, nem ineficaz.
Gosto muito de recordar a imagem da pedra atirada no lago tranquilo num fim de tarde. Forma-se um círculo, e depois outro e outro, até que todo o lago seja tomado pelas ondas. De certo modo, algo de semelhante ocorre quando procuramos ser pessoas de virtudes. Nossas boas obras repercutem nos que nos são próximos e deles se propagam a muitos outros. E assim contribuímos eficazmente para construir um mundo melhor.

Ao fazemos os nossos projetos para o novo ano, talvez nos possa servir de lema: Ano novo, luta nova!

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Presente de Natal

Em uma viagem que fiz há poucos anos com a família, após insistentes pedidos de um filho “Pai, posso comprar isso”, “Pai compra aquilo”, já sem paciência, soltei uma bronca: “Você está proibido de conjugar o verbo ‘comprar’ por hoje!”. Passados alguns minutos, talvez percebendo que a cara de irritação do pai havia passado, voltou a insistir: “Pai, posso trocar dinheiro por aquela lembrancinha?”.
Foi inútil o esforço por não rir. E em breve todos caímos numa gargalhada. Alguns dias após, perguntei-lhe por que motivo insistia tanto em comprar aquelas bugigangas. E então ele respondeu: “É que quando estamos passeando, vejo as coisas e penso nos meus amigos, nos meus irmãos, e fico imaginando que pudessem gostar daquele objeto”. Confesso que fiquei desconsertado, principalmente porque já havíamos retornado e não podia mais aceder aos seus pedidos, fortemente marcados pela generosidade daquele coração de criança.
Esse fato me fez recordar outro, que ainda que por via oposta, talvez nos remeta a um mesmo ponto de chegada. Eu dizia a um grande amigo, desses que sempre tem um bom conselho para cada situação, que não gosto de comprar presente, pois tenho uma dificuldade terrível para escolher. Mais ainda, só de pensar que tenho de ir a uma loja para essa finalidade, isso me dá nos nervos. A sua resposta, cheia de sabedoria, merece ser transcrita. Disse ele mais ou menos o seguinte:
“É compreensível que umas pessoas tenham mais facilidade que outras para dar presentes. Que uns se lembrem mais que outros das datas especiais e comemorativas. Que uns se dediquem mais que outros a telefonar para os pais, parentes, amigos e filhos. Que uns visitem mais os doentes e os aflitos que os outros etc. Porém, por detrás de desculpas do tipo ‘não levo jeito para presentear’, ‘não gosto de falar ao telefone’, ‘sou muito distraído ou esquecido’ ou ‘não me apetece fazer visitas’, pode se esconder uma personalidade egoísta que, precisamente por não pensar nos outros e ficar habitualmente pensando somente em si próprio, depara-se com uma terrível dificuldade nesses momentos”.
Estou certo de que tinha toda razão. De fato, por que não nos esquecemos do horário do esporte de que mais gostamos, ou daquela confraternização com os amigos? E, por outro lado, quantas vezes aquilo que a esposa (ou o marido) nos pede, muitas vezes fica para um terceiro ou quarto plano, de modo que o máximo que lhe fazemos é repetir: “Puxa, desculpe-me, esqueci!”.
É costume muito antigo presentearmos aqueles a quem amamos no Natal. E penso ser uma prática muito saudável. Não se trata de estimular um consumismo exagerado, nem de criar aflições quando nos faltam os recursos para isso. Na verdade, uns dos iniciadores desse costume, os pastores que primeiro receberam a grande notícia do nascimento do Menino, na sua pobreza e simplicidade, teriam presenteado com o que possuíam: queijo, manteiga, talvez uma pequena ovelhinha... E esse pequeno gesto externo é o transbordamento de um coração enamorado.
Talvez muitos casais se lembrem com muita ternura dos presentes que trocavam na época de namoro. Por vezes eram objetos muito simples, mas que adquiriam um valor enorme precisamente pelo amor encarnado nesse gesto. Oxalá não se perca, com os anos de vida em comum, costumes como esses, aptos a manter cada vez mais jovial o amor conjugal.
É Natal! Que os presentes que nesta noite trocamos sejam na verdade um ato exterior que aponte para um propósito interior: de fazermos da nossa vida uma doação desinteressada aos demais.
Quando damos algo a alguém, perdemos aquele objeto que o outro recebe. Quando nos doamos a nós próprios, notamos então o grande paradoxo do amor, pois não nos perdemos, mas nos encontramos e recuperamos a nossa verdadeira identidade. E, com ela, também a felicidade, tão intensa e sincera que nada nem ninguém nos poderá arrancá-la.

A todos um Feliz e Santo Natal!

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Como corrigir

“Você deixou seus tênis jogados de novo?!”, “olhe para o seu guarda-roupas, está uma bagunça!”, “eu desisto! Cansei de lhe falar! Parece que você faz isso de propósito, só pra me irritar...”. Será que já ouvimos frases como essas, ditas por pais e mães, cansados de exigir um pouco mais de ordem com os filhos e com as filhas? Será que nós próprios as pronunciamos com frequência?
Quando nos dispomos a considerar as atitudes dos pais que buscam promover melhoras no comportamento dos filhos, uma primeira indagação que nos cabe fazer é acerca da sua eficácia. Esse tom lamuriento e carregado de reclamação – muitas vezes com ares de vítima – será eficaz para suscitar nos filhos a determinação para corrigir os seus defeitos?
Acredito que não. E a razão, de certo modo é óbvia. Ora, se nós próprios nos queixamos de “falarmos mil vezes” a mesma coisa sem resultados positivos, é provável que a técnica educativa esteja errada.
É bem verdade que os filhos são livres por natureza. Assim, por mais que os pais se empenhem em fomentar neles as virtudes, sempre haverá a possibilidade de eles rejeitarem os ensinamentos que lhes são transmitidos. Apesar disso, muitas vezes eles não se dispõem a ouvir o que lhes dizemos porque não sabemos transmitir da maneira mais adequada.
Para isso, um ingrediente fundamental é saber educar positivamente. É que quando lhes falamos as coisas com “tom de bronca”, ou mesmo quando espalhamos pela casa o gosto azedo do nosso mau humor, o máximo que conseguiremos é que eles façam o que nos agrada, na nossa presença e apenas para evitar mais um insuportável sermão...
No entanto, a mudança de atitude, vale dizer, a aquisição de uma virtude, pressupõe sempre uma decisão interior, livre e ponderada. E, para isso, é necessário que lhes ensinemos com uma linguagem acessível, de acordo com a idade e condição, as razões mais profundas de um determinado comportamento.
Por exemplo, quando lhes exigimos que levem o estudo mais a sério, será o caso de lhes mostrar, com uma linguagem que possam entender, quanto sacrifício e quantas pessoas se envolvem para lhes transmitir os ensinamentos. Isso desde o trabalho do pai e da mãe para pagar a mensalidade, se a escola for particular, até o trabalho da faxineira da escola, dos professores que preparam as aulas, dos coordenadores, diretores etc.
Mais ainda, não seria uma ingratidão com os pais, com os professores e com a sociedade que investem nele ou nela tanto esforço para que venha a desempenhar com competência a missão que lhe cabe neste mundo, seja ela qual for? Em suma, desde muito cedo, os pais precisar saber transmitir boas razões para que se decidam a assumir as atitudes que se esperam deles.
Mas mais importante que lhes dar boas razões, é necessário que os pais e as mães se examinem sobre as suas reais intenções. É que muitas vezes queremos que os filhos tenham determinado comportamento para evitar o que nos incomoda. Ou, pior ainda, queremos que sejam bons alunos para que possamos nos vangloriar disso diante dos parentes, amigos etc.
Não deveria haver outro objetivo na educação que não buscar a felicidade dos filhos. Essa, como sabemos, não se obtém num caminho fácil e sempre prazeroso. Exige esforços, renúncias e sacrifício. A busca do bem dos nossos filhos deveria ser a razão mais fundamental das nossas ações educativas.
E quando agimos de verdade com essa retidão de intenção, será mais fácil superar os maus modos e as reclamações com as quais pretendemos – inutilmente – obter deles melhoras significativas.

Certa vez ouvi um bom conselho sobre esse tema: “Quando quiser corrigir um defeito ou fomentar uma virtude, fale com paciência, dando as razões pelas quais se espera determinado comportamento. Mas, sobretudo, tente você mesmo agir da maneira que espera que eles ajam. É que quando empreendemos um caminho que se espera que os outros também empreendam, estaremos mais capacitados para guiar. E, sobretudo, seremos mais compreensivos, pois quando as dificuldades surgirem, nós próprios as teremos experimentado em nosso caminhar”.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Questões econômicas da adoção

Um princípio básico do Estatuto da Criança e do Adolescente, que deve orientar as decisões nesse campo, é preponderância dos interesses da criança ou do adolescente. Mas ao se analisar cada situação, tem alguma relevância o fator econômico? Concretamente, ao se decidir a quem se atribuirá a guarda ou a adoção, é relevante aferir se num determinado lar a criança poderá cursar um colégio particular, ter os equipamentos eletrônicos da moda e fazer uma viagem à Disney por ano?
O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder (artigo 24). Apesar disso, na sociedade de consumo em que vivemos, em que tudo ou quase tudo se pode comprar, não se corre o risco de que as condições econômicas venham a ser um fator preponderante?
Penso que muitas das nossas dúvidas se dissipariam se redescobríssemos o que é, na essência, a maternidade e a paternidade, tanto a natural, como a adotiva. Quando tomamos um bebê no colo, já nos seus primeiros instantes de vida, não assumimos perante ela ou ele um compromisso do tipo: “EU, ..., TE RECEBO ..., COMO MEU (MINHA) FILHO(A) E TE PROMETO (...) POR TODOS OS DIAS DA MINHA VIDA”.
E não o fazemos porque a relação entre pais e filhos, ainda que também fortemente marcada pela afetividade, é substancialmente diferente da relação conjugal. Nessa há um compromisso de amor que dá ensejo a uma comunhão plena de vida, no dizer do artigo 1.511 do nosso Código Civil. Em relação aos filhos, porém, não os teremos para sempre conosco.
Os filhos não devem jamais ser algo que se busca para uma satisfação pessoal. Como se a Ceia de Natal devesse ter castanha, peru e ... crianças. São seres humanos chamados a uma felicidade eterna e que vêm ao mundo com um direito inalienável e intransferível de que os pais lhes mostrem o caminho para ela.
Nesse contexto, ao se analisar em que lar e em que contexto familiar a criança ou o adolescente estarão mais bem cuidados, há de se aferir em qual deles o ambiente é mais propício para lhes proporcionar a formação necessária. Os meios econômicos são, nesse propósito, como o próprio nome revela, meios, nunca fins em si mesmos.
Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes, dispõe muito sabiamente o artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Em princípio, o melhor lugar para que os filhos estejam é com os pais biológicos.
No entanto, sabemos de inúmeros casos de pais e mães que traem as obrigações que têm para com os filhos. E então será mesmo necessário buscar esses casais abnegados e generosos, que não medem esforços para proporcionar a essas crianças a dignidade que a condição humana se lhes assegura. Mas ao exercerem assim a maternidade e a paternidade adotiva, deverão fazê-lo com o afã de formar homens e mulheres fortes e felizes, aptos a seguirem a sua missão nesse mundo.
Aproxima-se o Natal. Nossos olhos se voltam para o Presépio. Já estamos acostumados com o cenário. Porém, se meditarmos mais sobre ele, notaremos que o Menino nasceu num curral! E teve como berço uma manjedoura, ou seja, um local destinado a alimentar animais! Talvez um acontecimento desses em nosso tempo justificasse uma denúncia e uma intervenção do Conselho Tutelar...

 No entanto, teria o Menino em toda a terra um colo mais terno e acolhedor que o daquela Mãe? Haveria um pai – adotivo, aliás – que cuidasse dele e da Mãe com maior amor? Quanto empenho não teria José colocado para que aquele ambiente hostil assumisse cor e sabor de lar... Que brilhe para nós esse Casal como exemplo do que é, na essência, a paternidade e a maternidade. Que nos ensinem que a principal missão dos pais é encaminhar os filhos para a vida, para o amor, para uma felicidade que, de tão intensa, não cabe nos estreitos limites dessa fugaz existência, mas se projeta para toda a eternidade.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Preparação para o Natal

Inicia-se mais um mês de dezembro e, com ele, acendem-se as luzes a nos lembrar de que mais um Natal se aproxima. A ansiedade das crianças em saber quando montaremos a árvore e colocaremos os enfeites natalinos na casa, a decoração nos shoppings e nas ruas são prenúncios desta comemoração.
O Natal é uma festa da alegria. Não dá para celebrá-lo com tristeza. Como então, estar alegre, sobretudo nesse tempo?
Quando se fala em alegria, vem à nossa mente um sentimento prazeroso, que gostaríamos de tê-lo sempre conosco. Porém, pensamos ser  um estado de ânimo, que depende de  fatores externos e internos que não estão ao nosso controle: saúde, dinheiro, paz na família e no ambiente de trabalho etc.
Mas será que a alegria, que nos é tão fundamental na vida, sobretudo no Natal, é um mero sentimento que nada podermos fazer para alimentá-lo?
Penso que a alegria é, sim,  um sentimento. Porém,, mais que isso, é também uma virtude. E, nesse sentido, estar habitualmente alegre depende de uma luta que se trava em nosso interior. No entanto, essa “batalha” não se dá por alcançar como que artificialmente esse estado de ânimo, como aqueles que fingem grandes gargalhadas para disfarçar a amargura que trazem na alma.
No fundo, a luta há de se travar naquilo que nos poderá trazer verdadeiramente a alegria. Vale dizer, há que se saber buscá-la na sua fonte.
Uma delas é o esquecimento próprio que nos leva a nos doarmos aos outros – esposa, marido, filhos, amigos – por amor. É curioso notar como aquelas pessoas que não pensam em si, que dão como sentido às suas vidas na busca por agradar aos demais estão habitualmente alegres. Quando pensamos nelas, talvez pensemos que seriam tristonhas e abatidas. No entanto, na verdade são aquelas que constroem a sua alegria em bases mais sólidas.
Outra fonte inesgotável de alegria é encontrar um sentido profundo e verdadeiro para as nossas vidas. Quem sabe que tem uma missão e preenche os dias da sua vida na busca por segui-la encontra a realização e a paz que não podem ser destruídas pelas adversidades, por maiores que sejam.
Além disso, a forma com que se encara a própria morte é também uma fonte de tristeza ou de alegria. Imaginemos como nos sentiríamos se tomássemos um avião sabendo que, no meio da viagem, ele se chocaria contra um rochedo. De certo modo, é assim que se sentem as pessoas sem fé, que acreditam que ao fim desta vida tudo se acabará, tudo estará aniquilado. Ao contrário, aqueles que creem na vida eterna caminham mais seguros de si, sem medo da vida nem morte, construindo dia a dia uma felicidade que um dia simplesmente atingirá a sua perfeição.
O tempo do Natal é também de reflexão. Assim como uma estrela guiou aqueles magos do oriente até onde estava o Menino, também nós temos algo a nos guiar. E um guia seguro de que estamos no caminho certo é a alegria habitual, assim como a tristeza frequente é o sinal de que seguimos caminhos errados, que não nos conduzem à vida.
Talvez muitos de nós já tenhamos experimentado uma alegria mais profunda e duradoura quando praticamos uma ação verdadeiramente boa para os outros, como visitar um doente, esforçando por lhe dizer coisas amenas, ou quando visitamos alguma instituição que cuida de crianças ou idosos abandonados, ou ainda quando realizamos um simples gesto de ajudar um idoso a atravessar uma rua.

E então ficamos como que perplexos, sem saber de onde brotou essa alegria. No entanto, ela surge porque entrou no nosso coração. E esse tem uma porta que somente abre para fora. Quando tentamos abri-la para dentro, para o nosso egoísmo, para os nossos interesses mesquinhos, mais a fechamos. No entanto, quando abrimo-la para fora, com um amor desinteressado, então por ela entra uma brisa suave de alegria, paz e serenidade que o mundo nem ninguém nos poderão roubá-la.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Avós “pais”

Um fenômeno comum em nosso tempo é que a paternidade vem sendo assumida cada vez mais pelos avós. Há muitas causas para isso: são, por exemplo, os pais ou mães separados que voltam a residir na casa paterna; decorre, também, da gravidez na adolescência, cujas consequências são assumidas, de fato, pelos avós; é o caso, ainda, dos pais e mães que, embora casados e com um lar constituído, dedicam a maior parte do tempo a um trabalho intenso, “terceirizando” aos avós o cuidado e a educação dos filhos.
Mas será que esse fenômeno é natural, uma mera característica do mundo moderno? Ou terá consequências indesejáveis nas relações familiares e no próprio futuro da nossa sociedade?
Indagações dessa natureza não comportam solução única. Evidentemente, há que se verificar cada situação para se decidir, dentre as opções possíveis, a melhor. Há, por exemplo, casos de falecimento dos pais ou mesmo situações de doença, alcoolismo ou dependência química, cuja solução é mesmo deixar aos os cuidados dos avós, que então de maneira heroica, saberão encontrar forças para levar a cabo com muito amor essa sublime missão.
No entanto, essas situações devem ser tratadas como excepcionais. É que a obrigação de cuidar, educar e formar os filhos compete, por princípio de direito natural, aos pais. A paternidade e a maternidade não se exaurem no ato de gerar. Bem ao contrário, trazem em si o grave dever de zelar pela formação da prole. E essa missão não pode ser pura e simplesmente delegada a ninguém.
Muitas vezes, porém, são os próprios avós que contribuem para essa situação. Seja em decorrência de uma personalidade possessiva e dominadora, seja por um protecionismo exagerado, acabam por impor os próprios critérios na educação dos netos. Além disso, quando os pais não possuem recursos econômicos para prover às necessidades dos filhos, ou esses são muito escassos e insuficientes, criando uma dependência dos avós, é frequente que a figura de provedor acabe por implicar uma submissão dos filhos.
Nesse caso, é preciso deixar claro que os avós não detêm a mesma autoridade que os filhos em relação aos netos. E mesmo quando contribuem economicamente para a sua educação, isso não lhes permite “comprar” o direito de impor os próprios critérios. Será então necessário ter a valentia e a humildade para ajudar sem exigir nada em troca, assegurando aos pais o protagonismo na educação.
Então qual seria, nesse contexto, o verdadeiro papel dos avós?
É necessário ressaltar que podem desempenhar uma missão importantíssima e muitas vezes insubstituível. Dizem os especialistas que o avô e a avó estão num mesmo tempo biológico que os netos. É por isso que frequentemente têm muito mais paciência para estar com eles, sem pressa, numa convivência saudável e propícia para a construção de bons valores.
Dizem que os avós têm o direito de “estragar os netos”. Se bem entendida a frase, é necessário admitir que tem uma boa dose de sabedoria. Não se trata, evidentemente, de destruir tudo o que os pais porventura tenham edificado na formação dos filhos. No entanto, permitir vez por outra um doce antes da refeição ou comer a pizza com a mão, contrariando alguns caprichos dos pais, não faz mal a ninguém. Com efeito, os avós existem também e muito especialmente para temperar alguns rigorismos na educação dos pais.

Lembro-me das “aulas” de condução de veículo que tive com meu avô e das inúmeras travessuras que então ele fazia. Por vezes, agia como uma criança. No entanto, como era palpável e verdadeiro o amor que tinha por mim! Só de recordar aquela convivência maravilhosa me invade uma saudade que dilacera o peito. E aquele seu jeito brincalhão não significa que não tenha contribuído para a minha educação. Guardo bem gravada na memória um conselho que me deu num baile de formatura: “Filho, é dos pequenos gestos que se faz um grande homem”. Quantas vezes esse sábio conselho orientou minhas ações e decisões ...

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Ociosidade juvenil

Muito se trabalhou pela erradicação do trabalho infantil em nosso País. De fato, há tristes páginas da nossa história que registram a situação de crianças e adolescentes prematuramente privadas de uma infância saudável ou mesmo da oportunidade de estudar para se dedicarem, muitas horas por dia, a trabalhos incompatíveis com sua idade e condição.
Precisamente por isso se buscaram inovações legislativas tendentes a coibir, com rigor, a exploração do trabalho infanto-juvenil. No entanto, vivenciamos hoje uma situação inversa, que bem pode ter consequências piores que aquelas que se pretendeu evitar.
Muitos jovens do nosso tempo, independentemente da classe social, perdem inúmeras horas do dia numa ociosidade que tende a minar valores imprescindíveis para a formação de uma personalidade equilibrada e saudável. E acredito que há dois ingredientes que agravam sobremaneira essa situação: a grade escolar adotada entre nós e a falsa crença de que as crianças e adolescentes não devem desempenhar nenhum tipo de trabalho.
Ao contrário de uma tendência quase que universal, que tem implementado o período integral de ensino, nosso País ainda insiste num sistema de “meio período”, tanto na rede pública como privada. E a consequência é que muitos pais veem-se diante da enorme dificuldade de manter ocupados os filhos por longas horas do dia.
E há uns ingredientes que agravam a triste saga dos pais. O primeiro é a ideia falsa, mas ao mesmo tempo muito difundida, de que os filhos não pode desempenhar nenhum tipo de trabalho. Com isso, poupam-nos de atividades que bem poderiam desempenhar.
Mas não é só. Muitos pais, atemorizados com a violência – real ou supervalorizada pela mídia –, poupam os filhos do mínimo esforço em tomar transportes públicos, por exemplo. E então vemos as mães aflitas e atribuladas, muitas horas por dia, levando na aula de inglês, na academia etc.
Agrava esse cenário a infindáveis horas em que permanecem com os amigos em conversas vazias e ociosas, bem como na INTERNET, na TV e nos jogos eletrônicos.
Penso que a gravidade do problema está a exigir ações corajosas e urgentes.
A primeira é repensar o papel da escola, bem como a jornada escolar. É impensável que, num futuro próximo, nos nossos filhos dediquem tão poucas horas por dia aos estudos. Há que se implementar a grade curricular incluindo atividades esportivas e culturais (literatura, pinturas, artes em geral) que não apenas preencham o tempo, mas que propiciem momentos capazes a contribuir para a formação saudável das suas personalidades.
Além disso, o próprio ambiente escolar pode e deve propiciar e fomentar o surgimento de iniciativas de voluntariado, que os movam a se abrir às necessidades dos outros e se lançarem a isso com toda a força de um coração juvenil.
E, também, os pais devem estimular a que os filhos auxiliem ativamente nas tarefas da casa. Desafio o leitor a encontrar onde está escrito no Estatuto da Criança e do Adolescente que eles não podem arrumar camas, guardar roupas, brinquedos e demais pertences etc. Onde está dito que não podem ter encargos em casa, como lavar louça, aparar a grama, ajudar os pais em pequenos consertos?
O trabalho enobrece e dignifica o homem. Canta poeticamente o Gonzaguinha:
E sem o seu trabalho
O homem não tem honra
E sem a sua honra
Se morre, se mata...
Não dá prá ser feliz
Não dá prá ser feliz...
De fato, sem um trabalho não dá para ser feliz. Como então, preparamos nossos filhos e alunos para algo que lhes é tão fundamental para a sua felicidade? Dizem que a nadar se aprende nadando. Ora, com igual ou maior razão, trabalhar se aprende trabalhando, desde cedo, com atividades apropriadas a cada idade.

Independentemente da religião de cada um, é um dado histórico inquestionável que Jesus passou trinta anos da sua vida trabalhando, exercendo uma atividade comum. E mesmo nos anos da sua vida pública, dedicou-se a um incansável trabalho de pregar, de ensinar, de servir... Não seria o caso de imitarmos tão esplêndido exemplo na educação dos nossos filhos e alunos?

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Tirando a máscara em casa

Certa vez um grande homem, ou melhor, um santo, andava irritado pela rua e teve uma feliz ideia: entrou numa dessas cabines de fotografia e tirou um retrato da sua cara mal humorada para que, contemplando depois o quão ridículo era o seu semblante naquela situação, se esforçasse por difundir ao seu redor alegria e bom humor.
A partir desse incidente pitoresco, talvez pudéssemos ser um pouco mais ousados: filmar alguns minutos das nossas vidas no ambiente de trabalho ou nas relações sociais e, depois, contrastar com um filme que reproduz como nos comportamos em casa.
Se assistirmos a esses filmes com atenção, talvez nos surpreendamos ao ver como representamos no ambiente de trabalho e nas conversas com os amigos, talvez fingindo ser quem não somos de verdade. Por outro lado, porém, também notaremos nesses ambientes um esforço, muitas vezes heroico, para nos mostrarmos amáveis, solícitos e sorridentes.
O filme que reproduz a nossa vida em família, porém, talvez nos mostre tal como somos. É o pai que chega cansado ao final do dia e se julga no direito de entrar se arrastando em casa com ares de “tenham pena de mim, que estou cansado”. É, também, a mãe aflita com os muitos afazeres da casa que, somados às suas obrigações profissionais, a põem com os nervos à flor da pele, esbravejando uma lista de lamentações: “é que ninguém me ajuda...”, “eu me mato o dia todo para manter essa casa em ordem e vocês não fazem outra coisa que não bagunçar tudo...”.
Penso que esse contraste tem pontos positivos e negativos. Primeiro, a autenticidade e a naturalidade com que nos apresentamos em casa é fundamental para nós mesmos, para o nosso cônjuge e para os nossos filhos. Com efeito, se há um ambiente em que temos o direito e o dever de sermos nós mesmos é no nosso lar.
Porém, naturalidade e simplicidade não se confundem com preguiça, egoísmo ou comodismo. É muito bom estarmos à vontade em casa. Mas é essencial que no seio da nossa família tenhamos um empenho redobrado por manter a alegria e o bom humor. E isso não nos faz representar ou simular ser quem não somos. Um atleta que treina com tenacidade e perseverança, um dia após outro, para superar os seus limites e vencer na próxima disputa, não perde a autenticidade. Continua a ser ele mesmo, porém, cada dia melhor. Obtém um aprimoramento constante que é fruto do esforço pessoal sempre renovado.
Penso que muito maior empenho haveríamos de colocar para estarmos solícitos e alegres ao chegarmos a casa no final de um dia de trabalho.
Conheço um bom pai de família que sempre se esforça por surpreender a esposa. Com frequência traz para ela um buque de flores ou um presente, mesmo quando não é uma data especial, simplesmente para que ela sinta o quanto é importante para ele. O desejo de agir assim não é algo sempre espontâneo. Muitas vezes custa algum esforço. Mas é precisamente na capacidade de se sacrificar que se prova a intensidade e autenticidade do amor.
Sei também de uma mãe e esposa maravilhosa que se esforça para estar bem arrumada em casa, para o marido e os filhos, e não simplesmente quando vai sair ou tem algum compromisso social ou profissional. Mais ainda, muitas vezes tira forças de onde não tem para manter um ar de cordialidade e acolhida no lar. Isso também lhe custa esforço. Mas ela o faz de bom grado, por amor.

No lar não devemos representar. Aliás, em todos os ambientes em que nos movemos deveríamos nos apresentar com simplicidade, sendo autenticamente nós mesmos. Porém, sem deixar de sermos quem somos, cada dia podemos nos esforçar por dar o máximo que pudermos para tornar mais agradável o convívio aos demais. Isso não é vestirmos uma espécie de máscara que oculta nossa verdadeira identidade. Ao contrário, seremos nós mesmos de coração sincero tentando ser melhores para difundir ao nosso redor paz e alegria.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Maconha faz mal

Recente reportagem publicada na Revista VEJA, da autoria de Adriana Dias Lopes, traz dados muito interessantes para quebrarmos de vez o mito que se tenta construir de que a maconha seria uma droga inofensiva, ou menos danosa à saúde do que o tabaco e o álcool. A matéria merece ser lida e ponderada. Transcrevo aqui alguns pontos que bem merecem uma reflexão:
“(...) A razão básica pela qual a maconha agride com agudeza o cérebro tem raízes na evolução da espécie humana. Nem o álcool, nem a nicotina do tabaco; nem a cocaína, a heroína ou o crack; nenhuma outra droga encontra tantos receptores prontos para interagir com ela no cérebro como a cannabis. Ela imita a ação de compostos naturalmente fabricados pelo organismo, os endocanabinoides. Essas substâncias são imprescindíveis na comunicação entre os neurônios, as sinapses. A maconha interfere caoticamente nas sinapses, levando ao comprometimento das funções cerebrais. O mais assustador, dada a fama de inofensiva da maconha, é o fato de que, interrompido seu uso, o dano às sinapses permanece muito mais tempo — em muitos casos, para sempre, sobretudo quando o consumo crônico começa na adolescência. Em contraste, os efeitos diretos do álcool e da cocaína sobre o cérebro se dissipam poucos dias depois de interrompido o consumo.
Diante dessa constatação científica, que ademais não é nenhuma novidade, como os pais e professores podem tratar do assunto com os filhos e alunos?
Cada vez mais os educadores precisam estar atentos para as engenhosas técnicas de manipulação que modernamente se nos apresentam a todo instante. Uma delas é a que sustenta ser a maconha uma droga inofensiva.
A manipulação se dá de uma forma bem sutil e até se vale de um raciocínio silogístico: (1) Premissa maior: o tabaco e o álcool fazem mal à saúde, mas são considerados lícitos; (2) Premissa menor: a maconha faz menos mal à saúde, mas é considerada ilícita; (3) CONCLUSÃO: a maconha também deveria ser considerada lícita.
As evidências científicas que mencionamos acima apontam o sofisma desse raciocínio, na medida em que a maconha não é menos ofensiva que as outras drogas. Mas, de qualquer sorte, penso que não é nesses termos que as coisas deveriam ser apresentadas.
Ao orientamos os nossos filhos e alunos, deveríamos motivá-los a pensar não apenas sob a ótica do que é mais ou menos ofensivo à saúde. Mais que isso, convém motivá-los a ponderar sobre os comportamentos que os fazem crescer enquanto pessoas de modo a atingirem a plena realização. E, por outro lado, saber rejeitar tudo aquilo que os priva da tão sonhada felicidade ou dificulta sua busca.
Penso que um grande desafio do educador de nosso tempo é saber elaborar muitos porquês: “Por que consumir maconha?”, “Quanto dura a sensação prazerosa que ela proporciona?”, “Como se sente após o consumo, no dia seguinte, talvez?”, “Os ‘amigos’ que se faz nesse meio são verdadeiros, sinceros e leais, ou são interesseiros e nos abandonam tão rapidamente quanto duram os efeitos da substância?”.

Mas há um desafio ainda maior que cabe muito especialmente aos pais e professores. Trata-se de mostrar a esses jovens, não tanto com palavras, mas com o exemplo das suas vidas, que há uma “substância entorpecente” que causa muita alegria, não tem efeito colateral e aumenta gradativamente com o tempo e com a intensidade do consumo. Seus componentes são muitos e variados, mas podem ser resumidos em: generosidade, espírito de serviço e amor ao próximo. Proporciona aos seus usuários: alegria, paz, serenidade e realização. E, o que é melhor, não têm contraindicações. No entanto, esse produto não possui embalagem, nem propaganda. Assim nossos jovens somente se interessarão de verdade por adquiri-lo se vierem estampados na nossa face tudo aquilo que proporciona.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

É possível amar o mundo?

Se alguém nos perguntasse se é possível amar esse mundo em que vivemos, qual seria a resposta? A pergunta é um tanto vaga, de modo que poderíamos respondê-la de modos diferentes. Além disso, é comum que cada indivíduo se fixe num determinado aspecto: a natureza, o local em que se vive, as relações de amizade, a política e os governantes a que está sujeito etc. Além disso, influirá a tendência mais otimista ou pessimista de cada um.
Apesar dessas variantes, se nos voltarmos para a nossa realidade social, é provável que se levantem muitos obstáculos que impedem ou dificultam amar de verdade o mundo em que vivemos: violência, corrupção, drogas, desagregação da família e dos valores familiares, jovens desnorteados e desesperançados etc.
Nesse cenário, e diante daquela pergunta provocativa, talvez alguns já digam de plano: “Não. Não é possível amar esse mundo, a menos que as pessoas e as relações humanas mudem significativamente”. Outros, talvez no afã de construir uma resposta mais assertiva, se lancem a pensar que aqueles problemas não existem, ou que se exagera. Outros ainda, talvez se ponham a pensar que não tem nada que ver com aqueles problemas, de modo que lhes cabe levar a sua vida no seu canto e do seu jeito.
Contudo, penso que deveríamos aprofundar mais na questão. Afinal, vivemos nesse mundo e, queiramos ou não, dele fazemos parte e nele estabelecemos as nossas relações familiares, profissionais e sociais. Enfim, é aqui que construiremos (ou não) a nossa felicidade. E questionamento dessa envergadura exige reflexão mais profunda. Assim, antes de respondermos se é possível amar esse mundo em que vivemos, temos de nos questionar sobre a razão da nossa existência. Em suma: o que estamos fazendo aqui?
É muito motivador pensar que a nossa vida é muito importante, mesmo que considerada no contexto da humanidade inteira em toda a sua história. Tendemos a pensar que há algumas pessoas notáveis (chefes de grandes e poderosas nações, astros da música, do cinema ou do esporte, líderes religiosos etc.), ao passo que todos os demais, meros mortais, estariam relegados a um segundo plano, a levar uma vida insignificante. No entanto, deveríamos repelir com energia essa ideia falsa. Cada um dos seis bilhões de seres humanos que povoam o planeta é dotado de uma imensa dignidade. Precisamente por isso, cada um é insubstituível e nasce com uma missão a desempenhar.
Sendo assim, a família, os amigos, a sociedade em que está inserido e toda a humanidade fica “desfalcada” quando alguém não descobre sua missão ou se recusa segui-la.
Essa maneira de encarar a existência não é um simples recurso de motivação. Não é um tópico extraído de um livro de autoajuda. É a realidade mais palpável e concreta de cada ser humano. E assim colocadas as coisas, então nos é factível amar o mundo. Com efeito, apesar dos muitos problemas, temos uma missão de amor e paz a desempenhar pela família, no trabalho, com os amigos e com todas as pessoas com quem convivemos.
Porém, essa maneira de pensar na nossa existência não pode ser uma ideia vaga e abstrata, uma espécie de narcótico para momentos de depressão. Ao contrário, há de se traduzir em ações bem concretas. Trata-se, por exemplo, de nos esforçarmos cada dia por fazer um trabalho bem feito, com perfeição, cuidando dos detalhes, ainda que ninguém o aprecie ou que não recebamos um justo reconhecimento. Aliás, o reconhecimento que buscamos é com a nossa consciência, por estarmos agindo coerentes com a nossa missão.

Talvez já tenhamos observado uma brincadeira de criança e que várias se mantêm imóveis, até que uma delas vai correndo tocando nas outras. Essas, ao serem tocadas, uma a uma, começam a correr, até que todas se põem em movimento, alegres e sorridentes. Algo de semelhante ocorre conosco. Ainda que a missão de cada um seja única, todas têm em comum esse atributo de comunicar vida e alegria, que contagiam. E assim se ama o mundo amando as pessoas que o povoam, num afã sempre renovado de ser feliz, ao mesmo tempo em que se ocupa de fazer os outros felizes.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Projeto familiar

Quanto se fala em construir um projeto de vida, é comum pensar na escolha da profissão, sonhar com a ascensão na carreira escolhida, ganhar dinheiro, comprar uma casa, carros, viajar. Em suma, almeja-se um sucesso profissional. Essas coisas são importantes para a realização pessoal. Mas e a família? Não deve ela também ocupar um lugar de destaque nos nossos sonhos e projetos?
Deixamo-la de lado, ao menos quando elaboramos os nossos projetos, muitas vezes por pensarmos que não há muito que planejar ou o  fazer para buscar o sucesso também na vida familiar. Quanto ao sucesso profissional, sabemos bem o caminho a percorrer: cursar uma universidade, ingressar numa boa empresa, ser aprovado num concurso público, montar o próprio negócio etc. Em cada profissão escolhida há um itinerário para atingir a excelência.
Quanto à vida familiar, em especial o casamento e a educação dos filhos, tendemos a considerar que se trata de um campo em que o que entra em jogo é apenas o sentimento. E, sendo assim, não há muito que se possa fazer para assegurar o sucesso também nessa área.
De fato, as relações familiares são fortemente marcadas pela afetividade. Deve mesmo haver afeto entre marido e mulher, como ademais esse há de ser nutrido entre pais e filhos. No entanto, equivoca-se quem pensa que esses relacionamentos sejam mantidos exclusivamente pelo sentimento. Também podem e devem ser norteados por compromissos livremente assumidos e pelos quais se luta por honrar, tendo sempre como fim e como causa o amor que não pode faltar numa família. E o amor é sentimento, mas está também na vontade de querer amar cada vez mais a esposa, o marido e os filhos.
Essa maneira de encarar as relações familiares é importante para nortear as escolhas e decisões que tomamos no curso das nossas vidas. Isso porque se colocamos intenso empenho na busca do sucesso profissional, trabalhando muitas horas por dia e buscando sempre aprimorar mais os conhecimentos, maior esforço ainda merece ser dedicado à esposa, ao marido e aos filhos.
E isso não pode ficar em meras considerações teóricas, mas há de se traduzir em propósitos e ações bem concretas no nosso dia-a-dia. Trata-se, por exemplo, de o marido se esforçar por se lembrar das datas importantes para a esposa, anotando na agenda, se necessário. É o caso de a esposa também procurar fazer aquilo que agrada ao marido, esmerando-se para estar bem vestida e amável também em casa, e não apenas quando se tem algum compromisso social. E que o marido saiba reconhecer e valorizar esse esforço dela...
A educação dos filhos bem merece um capítulo a parte. Mas o essencial é encarar o assunto como prioridade em nossas vidas. Soube de um pai que foi convidado a comparecer a uma reunião na escola do filho. Chegando lá, esse indagou surpreso: “Pai?! Você não tinha um compromisso importante hoje?”. “Sim. O Diretor Presidente da empresa estará visitando a nossa unidade hoje e haverá um almoço com ele. Porém, neste momento, não há nada mais importante a fazer do que cuidar da sua educação”, respondeu o pai com ar de ternura e acolhida.

Pesquisas mostram que um dos maiores traumas sofrido pelas pessoas é aquele decorrente da ruptura de um relacionamento conjugal. De igual modo, conhecemos bem a frustração e amargura que causa ver nossas filhas e filhos perdidos e desorientados, infelizes por não encontrar um sentido para as suas vidas. Assim, a felicidade e a realização pessoal dependem fortemente do empenho que fazemos para amar cada dia mais a esposa, o marido, os filhos e os pais. Afinal, já se disse com muita propriedade: “Não há sucesso profissional que compense o fracasso no lar”.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Valores ou virtudes?

Há um consenso, ao menos em teoria, sobre a necessidade de se cultivar os bons valores na família, na escola, nas empresas, no serviço público e na sociedade em geral. No entanto, há uma forte resistência em se sustentar a necessidade de se formar as pessoas nas virtudes. É como se essa palavra trouxesse um ranço de religiosidade que deva ser evitada.
Nesse cenário, fala-se em valores como uma espécie de eufemismo para as virtudes. Muitas vezes, porém, se evita pura e simplesmente falar nessa última pelo comprometimento ou esforço que ela exige. Mas será que as expressões têm o mesmo sentido? Mais ainda, a mulher e o homem moderno poderão simplesmente abandonar a luta para adquirir virtude, quiçá por não mais ser necessária no mundo em que vivemos?
Penso que os valores sempre foram e sempre serão fundamentais em qualquer organismo social. Eles expressam aquilo em que se acredita e dá sustentação às instituições. Tomemos como exemplo o respeito numa família ou numa escola. Uma vez definido como um bem, ele passa a orientar as decisões e a própria convivência.
Porém, ainda que os valores sejam de especial relevância, eles são externos aos indivíduos e não asseguram, por si sós, que as pessoas ajam de maneira coerente com o que se prega. Tomemos como exemplo uma escola ou uma família em que se cultiva a solidariedade. Poderá, nesse caso, promover eventos que estimulem as ações solidárias. Poderá, também, expor aos alunos ou aos filhos a importância disso na convivência. No entanto, por muito que se fale e pregue, praticar ações práticas e concretas pelo bem do outro sempre custará esforço, sendo necessário, muitas vezes, superarmos a nossa tendência ao egoísmo e ao comodismo.
Assim, é perfeitamente possível proferirmos belas palavras ou discursos sobre a solidariedade e, no entanto, diante de uma necessidade concreta de um irmão ou de um colega, tratá-lo com indiferença ou sequer notarmos que passa por uma dificuldade que o faz triste ou abatido, necessitado de um pouco de atenção e carinho.
Diante disso, é fundamental adquirirmos virtudes. Elas são necessariamente interiores e pessoais. A sua aquisição pressupõe um esforço reiterado e constante. No nosso exemplo acima, se os membros da família ou da escola se dedicarem a praticar a solidariedade em ações bem concretas, como realizar pequenas tarefas que façam mais agradável a vida dos demais, ceder o melhor lugar ao outro, cuidar dos doentes etc., essa reiteração permitirá que se formem hábitos bons. Esses, por sua vez, predispõem as pessoas a atuarem daquele modo. Vale dizer, forjam-se as virtudes. E então elas estarão no coração das pessoas e não apenas na sua boca, no papel ou no regimento escolar.
Lembro-me de uma discussão que presenciei entre dois colegas na Universidade, que talvez ilustre o que estamos a sustentar. Caminhavam nas imediações do Largo de São Francisco, em São Paulo, quando um pedinte se aproximou. Um deles parou, escutou o que o outro pedia, fitando-lhe com respeito nos olhos e ouvindo atentamente. O estudante, apesar dos parcos recursos, foi a um restaurante e comprou um prato feito, entregando-o ao mendigo. O outro, então com fortes convicções marxistas, protestou: “Você está estimulando o capitalismo selvagem! O problema está nas instituições. Enquanto a classe proletária não se levantar contra a concentração da renda e contra essa burguesia que explora o trabalhador, não resolveremos o problema desse homem!”.
Com muito senso de humor, mas também com valentia, respondeu o primeiro: “Camarada, mas enquanto a revolução não chega, a classe proletária precisa comer!”. E, depois, de uma descontraída risada, prosseguiu: “Vamos tomar uma cerveja!”.

Os valores e as ideologias, por si sós, não mudam as pessoas por dentro. E se elas não se transformam, tampouco irão renovar a sociedade, que é formada por seres humanos. Por isso, é fundamental que haja bons valores na escola, na sociedade e em qualquer grupo social. Mas são as virtudes, arraigadas nos seus membros, que os sustentam e fazem com que se traduzam em ações concretas, aptas a fazer esse mundo mais humano.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Ano da Fé

O Papa Bento XVI proclamou recentemente um Ano da Fé, que terá início na próxima quinta-feira, dia 11 de Outubro de 2012, terminando em 24 de Novembro de 2013. E, como preparação e proclamação, redigiu uma carta apostólica intitulada Porta Fidei ­(Porta da Fé).
O documento merece ser lido e meditado. Mas não é nosso propósito comentá-lo. Desejo apenas ater-me a um aspecto que nos parece relevante na educação dos filhos e alunos. Refiro-me ao ponto em que o Papa conclama a todos para intensificar “a reflexão sobre a fé” e a confessá-la, dentre outros ambientes, “nas nossas casas e no meio das nossas famílias”.
Com profundo respeito aos que pensam diferente, acredito que os pais têm o dever de educar os filhos na fé. Essa criatura que vem ao mundo nasce com o direito de que seus genitores, ao mesmo tempo em que lhe transmitem a vida, saibam também dar um sentido profundo e eterno à sua existência. E isso não é relativo nem depende do ponto de vista, ainda que alguns, mais por conveniência do que por convicção, insistam em negar.
Outro dia eu andava a meditar sobre como argumentar com os relativistas sobre as verdades eternas. A minha filha, então com nove anos, percebendo que o pai parecia um pouco distante, me perguntou: “Pai, você está preocupado com alguma coisa?”. Então disse a ela: “Há pessoas que acreditam em Deus e há outras que não. E como dizer às que não acreditam que elas não têm razão?”. Ela pensou um pouco e depois concluiu: “Bem, diga a elas que Deus não deixará de existir somente porque elas não acreditam”.
Transmitir a fé aos filhos não lhes tolhe a liberdade se nos ocupamos de lhes expor não apenas no que cremos, mas, principalmente, por que cremos. A fé não é contrária à razão. Como bem expõe o Santo Padre: “não é possível haver qualquer conflito entre fé e ciência autêntica, porque ambas, embora por caminhos diferentes, tendem para a verdade”.
Além disso, ao transmitirmos a fé aos filhos, temos de fazê-lo com profundo respeito à liberdade das suas consciências. Assim, não é possível impor nada, mas simplesmente propor. Aliás, como bem expõe o Santo Padre no final da sua carta, a fé nos move para o amor. E ninguém pode ser forçado a amar. Com efeito, ou se ama livremente ou não se ama. Nesse sentido, a catequese que se há de levar a cabo no seio das famílias é aquela que promove a transmissão dos conhecimentos acerca de Deus e da natureza humana. Mas esse conhecimento não será jamais um fim em si. Bem ao contrário, há de mover nossos filhos a amá-Lo e a amar aqueles que Ele ama.
Certa vez uma mãe entrou numa igreja para fazer uns minutos de oração. A filha de cinco anos estava com ela. Então a mãe disse: “Filha, aqui você pode conversar com Deus. Você pode pedir a Ele o que quiser”. A criança se ajoelhou e ficou uns instantes em silêncio. Depois saíram. No caminho, pegaram o irmão mais velho, que se encontrava noutro local. Então menina disse a ele: “Pedro, eu fui rezar com a mamãe”. “Ah é?! E o que você pediu pra Ele?”, indagou o irmão. Nesse momento a mãe estava certa de que ela havia pedido para ganhar uma nova boneca. Porém, para surpresa de todos, ela respondeu: “Eu pedi para ganhar um irmãozinho”. A mãe ficou perplexa. E mais surpresos ainda ficaram quando, onze meses após, ela já posava para uma fotografia na maternidade com o irmãozinho no colo...

Penso que é nesse ambiente que o Papa nos convida a viver a fé em nossas casas e no seio das nossas famílias. Com naturalidade, respeito e, sobretudo, comunicando o amor de quem acredita na vida.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Obediência e autoridade dos pais

No último sábado, dia 22 de setembro, tive a grata satisfação de dar uma palestra no Colégio Nautas, em Campinas, que teve como tema a Obediência dos filhos e a autoridade dos pais. Como o assunto está muito relacionado com o que costumamos abordar nesta coluna, gostaria de compartilhá-lo também com o leitor.
Não é possível falar em obediência sem uma indagação inicial sobre o sentido da vida: O que cada um de nós está fazendo nesse breve tempo que temos do nosso nascimento até a partida deste mundo? Mais ainda, há um sentido para a existência, ou ela é uma simples sucessão de fatos no tempo, sem um ponto de partida nem de chegada?
Acredito sinceramente que nenhum dos seis bilhões de seres humanos que povoam atualmente o planeta foi lançado à existência por acaso e à própria sorte. Todas as mulheres e todos os homens que vieram, que estão e que virão a esse mundo têm uma missão a desempenhar e a sua realização e a sua felicidade estão precisamente em encontra-la e segui-la.
Essas considerações nos remetem para um bem superior e eterno que há de mover a nossa inteligência e a nossa vontade. Assim, a busca do bem próprio e alheio é o que dá sentido a nossas vidas e há de pautar o nosso caminhar.
Mas o que é esse bem? E como encontrá-lo e buscá-lo em cada circunstância das nossas vidas? Como saberemos escolher o melhor caminho em cada momento? Penso que o primeiro passo é querer. Mas isso não basta, pois muitas vezes não sabemos onde está a direção correta. Bem por isso que sempre será necessário que haja autoridade e obediência.
Essa consideração nos revela a enorme responsabilidade que implica o fato de se ter autoridade sobre alguém. E isso nos vários âmbitos da sociedade. O Administrador Público, o Legislador e o Magistrado somente possuem uma autoridade legítima se a usam para o bem daqueles que lhes estão sujeitos. Nesse sentido, tanto age mal o que possui o poder e não o exerce para o bem, como o que deixa de exercê-lo, permitindo que da sua preguiçosa omissão impere o mal nas relações humanas.
Mas há uma autoridade que possui especial transcendência, que é aquela que se exerce em relação aos seres humanos ainda em fase de formação. Refiro-me particularmente aos pais e professores. É que as omissões e os desvios de autoridade nessa fase podem trazer consequências muito graves, difíceis de serem revertidas.
Mas além de se exercer autoridade, é necessário querer obedecer. Não soa muito simpático falar em obediência atualmente. Pensa-se que quando obedecemos não somos livres. No entanto, isso não é verdade. Alguém ousaria dizer que um guia que nos orienta numa escalada, dizendo “vá por aqui”, “não pise ali”, “cuidado com aquela pedra” nos tolhe a liberdade? Ora, são precisamente as suas instruções que nos mantém vivos e seguros, de modo que as obedecemos com gosto e prontidão.
Lembro-me de um acontecimento da minha infância. Estava com meu pai numa cidade grande. Era dezembro e fazíamos as compras para o Natal. Num dado momento, soltei as mãos dele e me distraí, contemplando um brinquedo. E eis que logo me senti perdido. Talvez o leitor se lembre do que sentiu em situação semelhante: a angústia de se haver perdido o que nos dá segurança e então andamos de um lado a outro, numa ansiosa procura que parece interminável...

De certo modo é assim que perambulam por esta vida aqueles que ainda não sabem, com toda segurança, de onde vieram e para onde caminham. Estão perdidos e em busca de algo que lhes dê um sentido para viver. Mas só o amor verdadeiro pode aplacar todas as ânsias de felicidade e de eternidade do coração humano. Para encontra-lo, é preciso que aqueles que detêm autoridade saibam orientar, mas é fundamental que todos nós saibamos obedecer, livremente e por amor.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Fortes do bem

“Meu filho é bom, o problema dele são as más companhias...”. Muitos de nós talvez já tenhamos ouvido esse desabafo de pais e mães cujos filhos começam a enveredar por maus caminhos: drogas, alcoolismo, delinquência juvenil etc.
Durante a adolescência as amizades exercem uma influência muito importante. Nessa idade elas e eles se predispõem a fazer o que for necessário para ser aceitos e estimados pelos demais. Assim, se há bons amigos, que cultuam os mesmos valores da família, não haverá grandes problemas na educação. Porém, se o grupo tende para desvios de comportamento, os pais enfrentarão sérias dificuldades na formação dos filhos.
Apesar das amizades serem muito importantes para um saudável desenvolvimento dos filhos, os pais normalmente se sentem impotentes nesse assunto. Isso porque não está ao seu alcance escolher as amigas e os amigos. Sendo assim, como podem agir nesse assunto tão importante?
Na educação um grande desafio é chegar antes, ou melhor, agir preventivamente. Assim, muito antes de se chegar à adolescência, os pais devem se ocupar de formar nas virtudes. Essas podem ser definidas como hábitos bons já arraigados na pessoa, que se através de um esforço reiterado por se praticar atos bons.
Assim, se nos empenhamos para que nossas filhas e filhos adquiram as virtudes adequadas para cada idade, isso os ajudará no momento de escolher suas amizades. Por exemplo, se os treinamos na fortaleza e na sobriedade será muito mais fácil resistir a um ambiente que pressiona para o consumo de álcool, de droga ou ainda para a prática de relações sexuais precocemente e de maneira irresponsável.
Mas isso não basta. Chegada a adolescência, se não se cultivar bons amigos, todo o esforço educativo empreendido até então pelos pais pode se perder em pouco tempo. Por isso, convém estar atentos.
Uma boa iniciativa é manter a casa sempre aberta aos amigos. Deve se fazer um esforço para que as filhas e os filhos tragam as amigas e amigos para casa. E para isso não é necessário que os pais relaxem e os deixem fazer o que bem entendem. O que é preciso é manter um ambiente alegre e acolhedor. É claro que isso dá trabalho, mas é muito eficaz, pois então se poderá orientar, com delicadeza e respeito sobre os bons e maus amigos.
Outro aspecto importante é conhecer os pais das amigas e dos amigos. Se possível, fomentando um convívio de amizade também com eles. Uma vez um jovem que se enveredou para o mundo das drogas fazia exatamente essa crítica aos seus pais. Dizia ele que era muito unido com os “amigos” do vício, ao passo que os pais sequer se falavam entre si. E, diante desse cenário, lançava a seguinte crítica: “porque fostes fracos no bem é que fomos fortes no mal”.
Penso que essa frase deixa uma grande dica para os pais. Não se trata de formar uma espécie de “liga de pais” para os vigiar. Até porque um grande dom que as nossas filhas e os nossos filhos têm é a liberdade, de modo que somente poderão ser mulheres e homens responsáveis e felizes se o quiserem sê-lo livremente.
No entanto, é necessário que elas e eles se sintam inseridos num contexto de cuidado, de modo que percebam que são verdadeiramente importantes. Assim, se há sintonia entre família e colégio, bem como se os pais se unem por laços fraternos que os movam a lutar juntos por seus filhos, é muito pouco provável que ainda assim se enveredem por maus caminhos.

Vivemos num mundo em que as relações humanas empobreceram bastante. A visita aos amigos e parentes foi substituída pelos relacionamentos virtuais. No entanto, isso não é um fenômeno irreversível. Ainda podemos criar e fomentar boas amizades. E, nesse sentido, um grande desafio será ser amigos dos nossos filhos, amigos dos amigos dos nossos filhos e amigos dos pais dos amigos dos nossos filhos. Com isso, além de darmos um tom muito mais humano às nossas próprias vidas, agiremos de maneira muito mais eficaz na sua educação.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O Juiz e a Opinião Pública

As atenções estão voltadas ao Supremo Tribunal Federal, todos ansiosos por conhecer o resultado do “caso do Mensalão”. E, conforme vão sendo conhecidos os resultados, com alguns réus já condenados, tem-se visto efusivos elogios na mídia, o que até pouco tempo era incomum em relação ao nosso Poder Judiciário. Nesse contexto, penso que seria oportuna a seguinte indagação: a magistrada ou o magistrado, no ato de julgar, deve estar atento à opinião pública?
Um primeiro aspecto importante da questão é considerar que o juiz não é um ser neutro. A imparcialidade, que é um requisito fundamental para bem julgar, é muito diferente de neutralidade. Antes de ser uma magistrada ou um magistrado, são mulheres e homens, que nasceram num certo momento histórico, que foram educados num determinado contexto familiar e social, que tiveram uma específica formação humana e acadêmica, que têm uma concepção filosófica e cultural, que professam (ou não) uma fé religiosa, enfim, que possuem uma concepção de vida etc.
Além disso, há alguns caracteres inatos que também influem na formação da sua personalidade. E tudo isso reflete no ato de julgar. Não é possível que se faça uma abstração no momento de proferir uma decisão. É evidente que no ato de decidir, a juíza ou o juiz deve analisar os fatos com o máximo de imparcialidade que lhe for possível, considerando os argumentos de ambas as partes, e aplicar a Lei do País que ela ou ele jurou cumprir ao ser empossado no cargo. Mas são olhos humanos que se debruçam sobre os fatos e analisam a norma a ser aplicada. E é inevitável que ambos (Lei e fatos) passem pelo intelecto (e por que não dizer também pelo coração) de um ser humano incumbido de proferir a decisão.
Nesse sentido, a juíza e o juiz, como cidadãos que vivem em sociedade, também são sensíveis ao clamor popular que brada contra a impunidade. Com profundo respeito aos juristas que pensam diferente, acredito que os gritos de um povo que pede justiça está a exigir das magistradas e dos magistrados do nosso País uma postura mais ativa na busca das provas. Também, quando a situação assim o exigir, um maior rigor da aplicação da pena. Qual o fundamento da cultura da pena mínima nas sentenças criminais? Não seria certa desídia na fundamentação de uma reprimenda mais severa?
Mas há um ponto em que não se haveria de ceder jamais, ainda que diante de clamores contra a impunidade. Refiro-me a uma criteriosa e serena análise da prova. Nada justifica o risco de se condenar um inocente. Nesse ponto, lembro-me sempre do exemplo dado em aula pelo saudoso professor de Direito Processual Penal, Sérgio Pitombo: “Num recipiente há cem biscoitos, mas apenas um deles contém um veneno mortal. Alguém em sã consciência se atreveria provar?”.
Mas ainda não tocamos no cerne da questão a que nos propomos. A indagação que formulamos foi no sentido de se a magistrada ou o magistrado deve ouvir a opinião pública no ato de julgar um caso específico. Ou seja, deve deixar que o clamor popular influa na condenação ou na absolvição? Sempre que me faço essa indagação, vem-me à mente um dos julgamentos mais famosos da história da humanidade. Refiro-me àquele em que um juiz fraco, cuja consciência apontava para absolver o acusado, temendo a reação de uma multidão que bradava “crucifica-O, crucifica-O”, colocou o desejo de se manter no cargo ou de ser popular acima dos ditames da sua consciência. Com isso, acabou por cometer uma terrível injustiça.

Num momento em que a TV Justiça passa a transmitir ao vivo as decisões do nosso Supremo Tribunal Federal, bem como que os julgamentos estão cada vez mais sob os holofotes da imprensa, penso que as nossas juízas e os nossos juízes deveriam meditar mais profundamente sobre o assunto. Com efeito, ainda que milhões de olhares aguardem pelo que sairá da pena da nossa caneta, ou das teclas do nosso computador, naquele sublime momento deveríamos ter em mente (e no coração) apenas a Lei e a nossa consciência.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Um sonho

Tudo parecia muito estranho e confuso. O pai saiu desnorteado rumo à escola do filho. O curioso é que o garoto não o acompanhava no banco ao lado do carro. Chegando ao colégio, viu uma grande corrente humana. Era formada por pais e professores que, de mãos dadas, formavam um enorme círculo que dava uma volta abraçando todo o prédio. Seus rostos eram apreensivos e, cabisbaixos, pareciam cada um fazer uma prece com insistente súplica.
E eis que de repente se fez ouvir vozes de jovens entoando uma canção, cujo volume crescente denunciava que se aproximavam. Após alguns segundos já se podia entender:
Somos os filhos da revolução
Somos burgueses sem religião
Somos o futuro da nação
Geração Coca-Cola...
Seus passos decididos, os brados fortes com que cantavam e os olhos fixos no porvir denunciavam que estavam muito resolutos a protestar com veemência contra algo, que talvez eles mesmos não soubessem o que fosse. Porém, ao ver seus pais e professores naquela postura o canto cessou e os seus passos se tornaram lentos e vacilantes.
Após uns minutos de silêncio o filho e o aluno passaram por sob os braços dos pais e professores, dirigiram-se ao pé do mastro da bandeira nacional e, em voz alta, começaram a falar em alta voz:
- Até que enfim resolveram se unir! Espero que não seja tarde! Bem se pode notar que precisam de ajuda... Sabe o que mais nos irrita? É vê-los tão medrosos! Por que têm medo de nós? Podemos sentir suas mãos trêmulas com a nossa aproximação, como se fôssemos umas feras que vocês não conseguem domar...
Depois de um breve olhar ao redor, como que querendo conhecer os ouvintes, prosseguiram:
- Sabem o motivo da nossa rebeldia? É que queríamos testar a profundidade e a consistência das suas convicções. Não queríamos que cedessem aos nossos caprichos. Pior, não queríamos tão vacilantes, tão adolescentes... Vocês não precisam imitar nossos trajes, nossa linguagem, nossa gíria para se aproximarem de nós. Queremos pais que sejam pais e professores que sejam professores. Só queríamos vê-los alegres e realizados. Como podem nos inspirar com caras feias, olhar cabisbaixo e ares de derrotados?!
Agora num tom mais sereno e penetrante, prosseguem:
- Em nome de um suposto respeito vocês querem nos ensinar que não há uma só verdade absoluta, que tudo depende do ponto de vista. “Tudo é tão relativo!”, discursam com frequência... Se tudo é relativo que razões absolutas nos mostram para sermos bons? E esse pudor que sentem ao falar de Deus! Também Deus é relativo e tem a cor e a forma que cada um queira Lhe dar? Por que não nos falam de sentido da vida, de amor, de vida eterna?!
Dito isso, entraram na escola. Os demais os acompanharam e tomaram seus lugares na sala de aula. Os professores nunca tiveram uma turma tão atenta. Aguardavam ansiosamente o que lhes diria. Após um suspiro, começou o mestre:
- Lembram-se de quando decidimos retirar o crucifixo aqui da sala? Vejam que suas marcas na pintura ainda permanecem na parede... As gerações que nos antecederam conviveram com os símbolos religiosos, porém, muitas vezes cederam à hipocrisia no relacionamento com Deus. Usavam o crucifixo, participavam de celebrações, deixavam a Bíblia exposta em locais visíveis, mas não viviam de maneira coerente com a sua fé. Nós, porém, em vez de combatermos a hipocrisia, tiramos Deus das suas vidas...
Todos olhavam com tristeza a parede vazia sobre a cabeça do mestre. É como se aquele vazio fosse reflexo do enorme vazio que cada um trazia em seu coração. Mas eis que uma luz se acendeu onde estava o Crucificado. E os que queriam, com um aceno, uma parte daquela luz se desprendia da parede e vinha brilhar o próprio peito. E, com ela, uma alegria inundava as pessoas e o ambiente.
Também os pais foram convidados a participar desse momento de júbilo. Entraram e viram o que havia perdido e que agora foi encontrado. Então selaram um pacto com os professores de não deixar apagar aquela luz, por amor a seus filhos, por respeito a seus alunos.

De repente soou o alarme. São 6:00 horas da manhã. Acordei confuso. E enquanto caminhava para o banheiro balbuciei: “Foi só um sonho!”.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Conselhos de uma criança

Há algumas semanas participei de uma entrevista na TV Século 21. O programa esteve voltado para uma homenagem ao dia dos pais. Chegaram ­e-mails de muitos lugares. Um deles, porém, merece uma análise mais profunda. Transcrevo a mensagem:
“Ser pai é saber educar, é não ter medo de errar, é achar que a sua esposa e seus filhos são o seu maior presente. Que até daria a vida pelo filho. Sabe o que faz e faz porque ama. Ele é exemplo. Um pai de verdade é isso: ama e não desiste da sua mulher e filho para sempre. O pai tem um papel tão importante quando o da mãe” (Maria Clara, Campinas-SP, 10 anos).
Apesar de ter apenas com dez anos, a autora da mensagem já sabe que o fundamental na paternidade, como na maternidade, é saber educar. E educar não é só contratar bons colégios, ainda que esses possam prestar uma ajuda inestimável. Também não é delegar para outras pessoas (babás, empregadas etc.) a atribuição de formar os filhos. É uma missão que cabe primordialmente aos pais, ainda que possam contar com bons colaboradores.
Ser pai “é não ter medo de errar”. De fato, pai e mãe querem acertar, porém, nem sempre conseguem. Apesar disso, devem saber ousar. A paternidade e a maternidade, hoje como sempre, é uma enorme ousadia. Com efeito, trazemos homens e mulheres livres ao mundo. Bem por isso a felicidade a quem tanto anseiam somente poderá ser encontrada por eles próprios, trilhando livremente os caminhos que lhes estão reservados.
Ser pai “é achar que a sua esposa e seus filhos são o seu maior presente”. Soube, há certo tempo, que um pai bem sucedido mandou imprimir cartões de visita com a fotografia da sua família, recheada de filhos e netos. E, quando lhe perguntavam o porquê disso, respondia todo satisfeito: “É que esse é o único negócio que deu certo para mim”. Aquele bom homem passou por inúmeros reveses econômicos, mas soube formar uma família feliz, que agora lhe dá muito consolo, ainda que não poucas tenham sido, também, as dificuldades por que passou para educa-los.
Um pai “até daria a vida pelo filho”. O amor do pai traz em si a disposição ao sacrifício. Mas será que estamos dispostos a sacrificar, também, ao menos de vez em quando, o futebol, a cervejinha com os amigos, as horas e horas diante do computador ou mesmo o excesso de trabalho que rouba o tempo do convívio familiar? Com efeito, para dar a vida é necessário estar disposto a, antes disso, dar o nosso tempo. Além disso, somente é capaz de grandes façanhas quem sabe se doar nas pequenas coisas de cada dia, por amor.
“Sabe o que faz e faz porque ama”. O pai não pode improvisar. Para educar é preciso conhecer, é preciso estudar para saber o que faz. O ambiente em que os nossos filhos estão inseridos no mundo de hoje exige grandes desafios que o simples bom senso, muitas vezes, não é suficiente. E a razão mais importante para se dedicar a fazer cursos e a buscar orientação sobre como educar os filhos, como bem disse a Maria Clara, é o amor.
“Ele é exemplo”. Mais que dar sermões ou broncas, que são de pouco valor e de nenhuma eficácia pedagógica, pai e mãe deveriam cuidar muito especialmente do exemplo de integridade, respeito e coerência de vida.
“Um pai de verdade é isso: ama e não desiste da sua mulher e filho para sempre”. O êxito nunca é certo na educação. Quantos exemplos encontramos de pais dedicados, com famílias bem constituídas e que, apesar disso, um filho ou uma filha se enveredam por caminhos tortuosos (drogas, alcoolismo etc.). Nesses casos, penso que a maior virtude dos pais é a perseverança que os leva a não desistir jamais.
“O pai tem um papel tão importante quando o da mãe”. Fantástico! De fato, onde está dito que é apenas a mãe que deve se ocupar de educar, de cuidar da lição de casa, de que tenham bons hábitos etc.? Assim como ambos atuam na sublime missão de dar a vida, ambos hão de se engajar, com sintonia e dedicação, nessa fantástica aventura.

Contemplando essa mensagem, confesso ao leitor que fiz um propósito: ouvir mais atentamente às crianças. É que na simplicidade das suas palavras podemos encontrar grandes verdades, muitas vezes já esquecidas por nós, adultos.