segunda-feira, 29 de outubro de 2018

E agora, José?


As eleições já se foram. Mas restam ainda, na memória e nos recônditos arquivos da internet, os insultos ao irmão, a piadinha pelas costas da cunhada, as asperezas no grupo do Whatsapp, os desaforos no Facebook, as intolerâncias espalhadas aos quatro cantos, com tanta paixão, que de tanto se apaixonar se perde a razão. Para quê? Parafraseando o grande Drummond de Andrade poderíamos cantar melancólicos: “E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?”.
Talvez um ponto estivesse tristemente a unir os dois lados: a insensatez de pensar que um governante pode mudar, sozinho e num passe de mágica, as nossas vidas. Não! Os anos de vida – poucos ou muitos – que marcam a nossa existência estão a nos gritar a cada instante, por mais que insistamos em não ouvir, que o nosso futuro, o mundo que nos cerca e principalmente o nosso próprio modo de ser dependem em grande medida nas nossas escolhas e decisões. Com efeito, aspectos relevantíssimos para cada um de nós, como a felicidade, a realização, a paz de espírito não dependem, nunca dependeram nem nunca dependerão de quem está no poder num dado momento da história.
Mas se a última disputa eleitoral nos deixa marcas e feridas, esperamos que nos deixe também uma lição: há muitos valores na nossa vida pessoal e na vida da sociedade da qual participamos que estão muito acima das ideologias. A vida, o respeito, a compreensão, a compaixão, o amor e a fraternidade estão – ou deveriam estar – num patamar mais sublime do que o que pensamos em matéria de economia, política, tamanho e atribuições do Estado etc.
Nosso tempo é marcado pela tolerância dos discursos politicamente corretos e de uma atroz intolerância manifestada em circunstâncias bem concretas da vida real. Na prática há muitos que pensam e agem com uma visão mesquinha da liberdade que os move a uma postura do tipo: “respeito a sua opinião, conquanto que seja igual à minha”. Devemos ponderar, porém, que os grandes ideais não raras vezes são alcançados com sangue, suor e lágrimas. E a sobrevivência da democracia carece de mártires dispostos a dar a vida pelo direito do outro pensar diferente de nós.
A consciência é um reduto inviolável de cada ser humano. Ali, na esfera mais íntima da pessoa, a mulher e o homem têm o direito de estar a sós consigo e com Deus. Não se pode, portanto, jamais julgar uma pessoa em função da sua posição política e ideológica, nem pela sua adesão ou repulsa a determinado candidato, partido ou ideologia.
A maturidade da democracia se atinge no debate racional e sereno de propostas, planos e programas. E sinal inequívoco do seu envilecimento são as decisões tomadas ao sabor das paixões, muitas vezes inflamadas por fake news, calúnias e maledicências, habilmente disseminadas por quem busca apenas vencer, sem explicar, convencer, sem raciocinar.
Mas há também o que comemorar ao final desse grande embate. Não com uma melancólica constatação de que “aos vencedores, as batatas”, mas com a reluzente esperança de que a nossa democracia, ainda imatura, segue evoluindo. Resta ainda, porém, o grande desafio de reconstruir o que se quebrou, de se recompor o que se partiu. E isso também não cai do Céu, nem de Brasília. É missão de todos nós.