quarta-feira, 23 de novembro de 2005

A autoridade dos pais


Como exercer a autoridade com os filhos na medida certa? Talvez seja essa uma das maiores dúvidas e causa de divergências dos pais de nosso tempo.

Antes, porém, de achar a dose certa, é preciso entender o que é autoridade. Sem pretender formular um conceito científico, gosto da definição de autoridade como sendo um tipo de influência exercida pelo que manda para o bem do que obedece. Há uma relação de poder e de sujeição no exercício da autoridade, mas essa somente é legítima se exercida em benefício de quem a ela está sujeito.

No entanto, é conhecida a afirmação de que “ninguém pode dar o que não tem”. Assim, para exercer a autoridade, os pais têm de adquiri-la antes. E ela não será verdadeiramente exercida se faltar o prestígio dos pais. E o prestígio se obtém na luta por adquirir virtudes, tais como serenidade, naturalidade, bom humor, dedicação, saber escutar, compreender, desculpar, exigir, coerência, constância, fortaleza, dentre outras. Por exemplo, os pais que se esforçam por ser leais aos compromissos assumidos e que também se esforçam por estar presentes nas reuniões escolares de seus filhos adquirem um grande prestígio com eles.

Também é muito importante que haja sintonia entre o pai e a mãe. Nada enfraquece mais a autoridade do que discutirem na frente dos filhos. É natural que haja divergências na hora de decidir, por exemplo, se é conveniente ou não ir à excursão da escola. Nesse caso, ambos devem decidir a sós e, tomada a decisão, seja ela qual for, diante do filho ou da filha a decisão deve ser dos dois, sem mais discussões e, certa ou errada, ambos assumem a responsabilidade.

O mau exercício da autoridade traz graves conseqüências para os filhos, inclusive em sua fase adulta. Um desses desvios de autoridade é o paternalismo, que consiste na figura do “super-pai” ou da “super-mãe”, que são aqueles que fazem tudo para os filhos, por exemplo, têm eles já oito anos e ainda sequer colocam o uniforme da escola sozinhos. Nesse caso, na fase adulta, costumam ser muito indecisos e inseguros. 

Outro desvio é o autoritarismo, que é o pai ou a mãe extremamente severo, que incute no filho forte temor de modo que se obedece exclusivamente por medo. Nesse caso, costuma-se surgir dois tipos de conseqüências. Uma delas é que surjam filhos hipócritas, ou seja, como estão acostumados a obedecer apenas por medo, pensam que podem fazer qualquer coisa errada, conquanto que não o descubram. Outra conseqüência desse mau uso da autoridade é que os filhos sejam submissos, dependentes dos pais, mesmo na fase adulta e já com família constituída.

Um terceiro mau uso da autoridade é o permissivismo, que consiste em permitir tudo, pois dizer muito “não” vai traumatizar, pensam. Nesse caso, na verdade, os filhos não se sentem amados, pois a mensagem que se passa é que não gostam deles, por isso que tudo permitem. A conseqüência dessa educação desleixada é que os filhos cresçam sem valores perenes, com sérias dificuldades de assumirem compromissos duradouros, tanto na vida familiar, como na profissional.

Soube da história de um garoto que, durante uma viagem com os colegas de escola para um acampamento, queixava-se com o professor de que seus pais não lhe davam liberdade, que dependia da autorização deles para quase tudo. Esse bom professor deu ao aluno uma brilhante lição, que merece ser contada:

“Seus pais não permitem que você faça tudo o que quer porque o amam. Veja esse pequeno riacho, em sua nascente, uma margem é bem próxima da outra. É o que ocorre com uma criança pequena, de tudo dependem dos pais. O riacho, conforme vai avançando, as suas margens vão ficando cada vez mais distantes, até que deságüe no mar, onde não há mais margens. Assim deveriam os pais fazer com os filhos. A autoridade dos pais é a margem dos rios que permite que cheguem ao destino. Quanto maior o rio, mais distantes as margens, quanto maior e mais responsável o filho, maior pode ser a sua autonomia. E veja, que bom que é a margem, imagine o que seria do rio sem ela? Veja aquela parte do rio em que a margem é menos resistente, parte da água caiu para fora e apodrece à beira do rio, não chegará no mar. Assim acontece com os filhos que possuem pais fracos, que não desempenham a obrigação de exercer a autoridade: deixam seus filhos perdidos nas ribanceiras do mundo, não chegam ao mar".

quarta-feira, 16 de novembro de 2005

Educação: responsabilidade da família ou da escola?

Uma mãe contou-me, certa vez, que se reuniu com o marido, já tarde da noite, para tratar de um problema com o filho: o garoto não obedece. Depois de uns minutos de conversa e, sem nenhuma conclusão, o pai disse: “mas não há muito que se preocupar, faltam apenas dez dias de férias. Com a volta às aulas, quem sabe a escola dá um jeito nele...”.
O problema proposto e a forma com que se buscou a solução nos permitem fazer uma indagação: a quem cabe a responsabilidade pela educação dos filhos, aos pais ou à escola?
O Estatuto da Criança e do Adolescente, muito sabiamente, consagra em seu artigo 19 que toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família. E digo que é sábia essa norma porque penso que os pais são os principais educadores de seus filhos. E isso é assim porque existe uma relação natural entre paternidade e educação. A paternidade consiste em transmitir a vida a um novo ser. A educação é ajudar a cada filho a crescer como pessoa, o que implica em proporcionar-lhes meios para adquirir e desenvolver as virtudes, tais como a sinceridade, a generosidade, a obediência, dentre muitas outras.
Os filhos nascem e se educam em uma família concreta. A família é uma atmosfera que a pessoa necessita para respirar. Entre seus membros costuma haver laços de afeto incondicionais que fazem um ambiente propício para que a educação se desenvolva. Nesse sentido, é ela essencial para a formação da pessoa. Os valores que se cultuam no lar irão marcar de forma indelével o homem e a mulher da amanhã.
Muito bem, mas se a função primordial na educação cabe aos pais, o que compete à escola? Ou, mais ainda, como essa pode ajudar os pais na educação dos filhos?
É natural que os pais deleguem algumas funções educativas à escola, como  por exemplo, o ensino das várias disciplinas apropriadas a cada faixa etária, mas daí não se pode concluir que possam abandonar essas funções delegadas. Aliás, somente se delega aquilo que é próprio. E em sendo delegada tal atribuição, cabe aos pais acompanhar como está sendo desempenhada.
Um ponto essencial nessa relação entre os pais e a escola é cuidar para que haja coerência entre a educação que se desenvolve no colégio e o que os pais ensinam em casa.
Essa consideração de que os pais ocupam lugar de primazia na educação dos filhos não coloca a escola num segundo plano na função educativa. Pelo contrário, as instituições que reconhecem o papel da família, sem o que a formação que proporcionam não terá eficácia, cuidam de desenvolver também uma educação voltada para os pais. As imensas dificuldades que eles enfrentam em educar os filhos no mundo moderno devem despertar as escolas para que passem a ajudá-los, dando-lhes conhecimentos acerca de como devem atuar na formação dos filhos.
Não há dúvida de que ser pai e mãe hoje implica em ser profissional da educação. Isso significa que têm de se adiantarem aos problemas naturais de cada idade dos filhos. Por exemplo, é muito comum que enfrentem dificuldades em fazer com que as crianças durmam sozinhas nos primeiros anos de vida, assim como são muito freqüentes as crises de rebeldia na adolescência. Diante disso, a escola, como colaboradora da família, deve estar preparada para dar formação aos pais, auxiliando-os com conhecimentos técnicos e com um acompanhamento personalizado nessa difícil tarefa de educar.

Em vários países há instituições de ensino que têm adotado um programa que consiste em manter contatos periódicos entre os pais e os professores. E isso ocorre não apenas quando o filho quebra a vidraça do colégio, mas mesmo que não haja nenhum problema aparente. Trata-se de reconhecer o que há de bom em cada aluno e, a partir disso, traçar um plano pessoal de melhora, com atuações concretas a serem implementadas em casa e na escola. Os resultados têm sido bem interessantes. Para isso é necessário, porém, que se admita a importância dos pais na educação, e que a escola, colaboradora desses, os ensinem a educar, atuando ambos coerentemente em uma mesma direção.

quarta-feira, 9 de novembro de 2005

Ética na família

Recentemente participei de um debate sobre o tema “Família: aspectos éticos e jurídicos”. É impressionante como a questão ética desperta cada vez mais o interesse nas pessoas. Talvez se esteja percebendo que, por mais que o progresso tecnológico traga benefícios, é impossível que proporcione a tão almejada qualidade de vida se não vier acompanhado de igual evolução nas relações humanas.
Quando foi aprovado, em 2002, o novo Código Civil brasileiro, muito se noticiou que, no âmbito do direito de família, teria ocorrido grande evolução, com a quebra de “tabus”, e outras coisas semelhantes. Não sei o que se entende, no caso, por evolução, mas se com isso se afirma que houve desvalorização do casamento ou  enfraquecimento dos laços entre pais e filhos, a assertiva não é verdadeira. É que a nossa lei contém preceitos que, se fossem aplicados, ensejaria um verdadeiro resgate da ética na família.
O primeiro artigo do livro que trata do Direito de Família consagra que o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. Nisso está destacado o caráter perene do matrimônio. E nesse propósito de se resgatar a ética na família, há que se investigar em que medida se têm consciência disso quando se dão em casamento. Certa vez soube de um pai que, todo choroso, dizia à filha, poucos dias antes da cerimônia: “Filha, deixarei seu quarto tal como está, se não der certo, pode voltar quando quiser”. Certo orientador familiar, comentando o caso, concluiu: “Se não der certo? Já não deu! Encarar as agruras do início de uma vida conjugal com um pé dentro outro fora, é naufrágio certo!”.
Conta-se que Hernán Contes, o conquistador espanhol, ao desembarcar no México, afunda os seus barcos a fim de evitar deserções e penetra no continente. Para se estabelecer uma comunhão plena de vida, penso que o casal deva encarar dessa forma o casamento: afundando os barcos que os pudessem conduzir à vida de antes. Essa opção exige verdadeira batalha, no mais das vezes contra os próprios defeitos, mas vale a pena.
O nosso moderno Código Civil não pára aí. Em seu artigo 1.566, estabelece que são deveres de ambos os cônjuges a fidelidade recíproca. Quando se fala de fidelidade gosto muito de lembrar de um sábio que construía um trocadilho: “felicidade, fidelidade, fidelidade, felicidade...”. E o fazia propositadamente, dada a estreita vinculação que uma tem com outra, além das semelhanças fonéticas.
A felicidade depende da fidelidade aos compromissos assumidos, e isso em todos os âmbitos das relações humanas. Muitas pessoas, em certa fase da vida, sentem-se frustrados profissionalmente porque não foram fiéis aos compromissos assumidos. E isso se dá em maior intensidade nas relações conjugais. Aquela promessa de que seria na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, deve se traduzir em atos concretos coerentes com o compromisso todos os dias. Isso implica em interromper um pouco o trabalho, se isso for possível, para falar com o outro, em saber se está tudo bem, em esforçar-se por fazer boa cara à noite quando a família se reúne, por mais estressante que se tenha sido o dia, enfim, esquecer-se de si e ocupar-se do outro.
E o Código Civil continua com o rol de deveres: vida em comum no domicílio conjugal. Um amigo meu, comentando essa norma, certa vez conclui, meio brincando meio a sério: “é ilegal que as pessoas de uma família jantem diante da TV e ali fiquem até a hora de dormir, sem ter ao menos alguns minutos de conversa livres dessa intrusa que afoga o relacionamento entre as pessoas”.
E mais: mútua assistência; respeito e consideração mútuos. Mútua assistência não é apenas ir visitar no hospital quando o outro estiver doente. É ouvir, conhecer os problemas, anseios, frustrações e encará-los como próprios, pois somente assim a ajuda pode ser sincera e eficaz. Respeito e consideração que se traduzam em trato afável, sobretudo diante dos filhos.

O Código fala ainda em sustento, guarda e educação dos filhos. Quanto a isso,  podemos voltar a falar em outra oportunidade. Porém, se os filhos crescerem num ambiente em que os pais se portam de acordo com os demais deveres, por certo que estarão muito bem amparados e educados.

quarta-feira, 2 de novembro de 2005

Campinas diz “sim” à vida

Na edição de domingo passado, dia 30 de outubro de 2005, o Correio Popular divulgou o resultado de uma pesquisa feita pelo Instituto ProPesquisa, cujo resultado, neste dia em que se comemoram os fiéis falecidos, tem o sabor de uma esmagadora vitória da vida.
É impressionante como o cidadão campineiro se mostra resistente à cultura da morte que se tenta introduzir a todo custo em nosso meio. Basta considerar que em poucos lugares do mundo o problema da violência é tão grave quanto aqui. A população campineira está acuada, aterrorizada pelos bandidos que, cada vez mais audazes, invadem as casas, torturam, matam e, na maior parte dos casos, ficam impunes. Apesar disso tudo, 50,5% das pessoas assumem uma postura tão radical em favor da vida, que são contra a morte até mesmo desses que os flagelam e amedrontam.
Indagados se são a favor de permitir que a pessoa em estado de saúde irremediável morra, apenas 32,3% se mostram a favor. 53,5% dos campineiros são contrários à eutanásia em qualquer situação.
Na questão do aborto, a vitória da vida é mais impressionante ainda: 77,3%. Há de se supor que os 5,6% dos indecisos acerca desse ponto, ou mesmo os 17,1% que defendem a morte do embrião como solução para gravidez indesejada, que muitos deles não tenham assistido ao filme intitulado “O grito silencioso”, onde se mostra a agonia de uma criança indefesa que se debate lutando em vão para não ser assassinada.
Fiquemos, porém, nos 77,3% que são contrários a essa forma de assassinato. Se a voz do povo é a voz de Deus, não seria um importante recado ao Congresso Nacional, onde tramita na surdina um projeto de lei que visa descriminalizar o aborto? Mais que isso, não seria o momento de nossos deputados federais, ao menos os que têm aqui a sua base eleitoral, manifestar claramente sua posição, em respeito aos mais de três quartos da população campineira que brada a favor da vida?
Mas há algo de sombrio por detrás desses números. Tramita no Supremo Tribunal Federal uma ação que pretende legalizar o aborto no caso de anencefalia. Pior, a decisão virá de um órgão que não tem a função de legislar, que não tem os seus membros eleitos pelo povo. Poderíamos, portanto, pensar que os ministros de nossa Corte Suprema seriam insensíveis aos apelos em favor da vida. Devemos lembrar, porém, que todo poder emana do povo (artigo 1º, parágrafo único da Constituição Federal), de modo que o Poder Judiciário não pode ficar insensível a esse reclamo.
Poder-se-ia sustentar que o Supremo Tribunal Federal deve zelar pela aplicação da Constituição Federal, não se importando com a opinião pública. Não seria de todo equivocada tal afirmação. Contudo, se o que se espera daquela corte é o cumprimento da Lei Maior, na questão do aborto, esqueçamos então dos reclamos dos 77,3% dos campineiros e voltemos ao artigo 5º da nossa Constituição Federal: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida. A propósito, não passa despercebido que 90,5% da população são a favor da reforma do Poder Judiciário, quiçá para que ele fique mais sensível aos reclamos e anseios do povo.
A pesquisa enfrentou também a questão da clonagem de células humanas, na qual 61,1% se mostraram contra. Nesse ponto, a reportagem traz a opinião de um especialista que atribui o resultado da pesquisa, dentre outros fatores, ao desconhecimento sobre o assunto. Com todo o respeito que devemos ter ao renomado professor, há dele de se discordar. Os 29,5% que são a favor da clonagem humana  precisariam estar mais bem informados. Por exemplo, será que sabem eles que as pesquisas feitas com células-tronco adultas têm apresentado interessantes resultados terapêuticos, em muitos casos, muito melhores que os que se poderiam esperar das células embrionárias?

O povo de Campinas deixa patente um anseio claro de toda a nação brasileira: que a vida há que falar mais forte que a cultura da morte. Com essas palavras termina o hino municipal de Campinas: “Progresso! Progresso! Seja a nossa conquista: Porvir! Progresso!”. Por certo que o grande Carlos Gomes não ignorava o rumo desse progresso nem os meios com que construiríamos esse porvir. O faríamos com a luta de um povo que mais uma vez diz sim à vida.