segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Feliz 2.011!

Há alguns dias minha esposa e um de meus filhos se dedicaram a arrecadar e embrulhar alguns brinquedos que seriam entregues a crianças carentes. A Ana Cecília, nossa filha de 4 anos, observou aquilo e perguntou à mãe: “para quem são esses presentes?”. “É que seu irmão e alguns amigos dele levarão para dar de presente de Natal a algumas crianças pobres”, respondeu a mãe sem interromper a atenção aos brinquedos.
No dia seguinte, ambas, mãe e filha, foram passear no Shopping. Ao avistar o Papai Noel que distribuía balas e pousava para as fotografias com as crianças, a Ana Cecília partiu decidida em direção a ele, dando mostras de que tinha um assunto muito importante a tratar. Após os cumprimentos, com direito a sentar no colo do velhinho, a menina lhe perguntou: “Papai Noel, por que você não leva brinquedos para as crianças pobres?”.
Acostumada a ganhar o presente do “Papai Noel” todos os anos, o senso de justiça da criança lhe trouxe profunda indignação ao notar que as crianças pobres não têm a mesma sorte. Nesses dias de final de ano, em que fazemos um balanço de nossas vidas e propósitos para o ano vindouro, é de grande utilidade nos espelharmos no exemplo de simplicidade, pureza, justiça e amor das crianças.
Também nós, adultos, nesses tempos natalinos, somos invadidos por sentimentos mais fortes de solidariedade. Com efeito, são muitas as iniciativas a que nos lançamos ou com as quais contribuímos e que têm como finalidade proporcionar bens materiais (presentes, roupa, comida) para as pessoas que vivem em situação de pobreza.
Talvez devêssemos aprender com as crianças a ser mais ousados em nossas iniciativas por amor ao próximo. Uma ousadia que nos movesse a trabalhar para remediar as misérias alheias não apenas no dia do Natal, mas durante o ano todo. Nesse intento, convém considerar que melhor que dar presentes, roupas ou cestas básicas, seria promover iniciativas que proporcionem oportunidades para as pessoas conquistarem condições de vida digna: escolas de qualidade, cursos profissionalizantes etc.
Mas mais que atenuar as carências materiais de muitas pessoas, o que não é pouco, podemos e muito contribuir para remediar uma enorme doença da alma que assola o homem e a mulher do nosso tempo: a solidão. Vivemos num mundo em que muito se corre, trabalha e, aparentemente, se diverte. Porém, no mais íntimo do ser humano desse início de milênio, há um enorme vazio existencial. Nesse momento em que fazemos os nossos projetos para o próximo ano, convém que nos indaguemos sobre o que faremos para tornar mais serena e feliz a vida daqueles com quem convivemos na família, no trabalho e em todos os ambientes em que se desenvolve nossas vidas.
Essa carência afetiva e espiritual não tem endereço, nem sexo, nem idade. Atinge pessoas abastadas e também aqueles que possuem menos recursos, jovens e velhos, homens e mulheres. Porém, de certo modo é mais fácil e acessível a todos remediar esse mal. Muitas vezes bastará dizer um bom-dia afetuoso àquele que parece triste no elevador, parar o que está fazendo para ouvir com atenção um desabafo da esposa, aprontar-se para esperar com alegria e bom humor o marido, saber ser compreensivo com os colegas e amigos, mesmo quando eles se mostrem irritados ou maçantes.

Há uma frase lapidar que resume todas essas ações que podemos empreender todos os dias: afogar o mal em abundância de bem. Que a felicidade e a paz no Ano Novo, que tanto desejamos para nós e para aqueles com quem convivemos, sejam construídas, dia a dia, em pequenos gestos de amor, que se traduzam em ações para remediar as carências materiais dos menos favorecidos, mas também e principalmente em proporcionar a todos um sentido mais profundo e verdadeiro para suas vidas. Enfim, que se possa dizer dela enquanto se vive: “é bonita, é bonita e é bonita!”.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O Natal é das crianças

Ouvi certa vez que o Natal é um acontecimento alegre para as crianças. Para os adultos, porém, somente aumenta a tristeza por fazê-los lembrar dos tempos felizes da infância.
Indagando o motivo disso, vem-me à memória a célebre frase de Caetano Veloso, em sua composição Sampa: “É que Narciso acha feio o que não é espelho”. Talvez seja isso o que acontece. As crianças observam o presépio e vêem ali refletido claramente o que se passa em seu interior. Os adultos, porém, não mais se espelham naquele acontecimento que, com o passar dos anos, a eles se tornou incompreensível. Com efeito, a cena reflete simplicidade, solidariedade, paz, anseio de vida, tudo facilmente encontradiço nas crianças. Quase tudo, ao contrário, acaba ofuscado nos homens e mulheres que deixaram de ser como as crianças.
Simplicidade. Aquela gruta é magnificamente simples. Falta-lhe tudo, mas, se considerarmos bem, há uma alegria tão intensa que se pode pensar que não falta nada.
Soube de uma criança de família rica que ganhou um presente sofisticado e caro. Dias após, brincando sem muito interesse numa praça, travou logo amizade com outro garotinho, que trazia um caixote de madeira. Com pouco tempo de convívio e sem muita negociação, não hesitaram em trocar em definitivo os presentes. O “negócio desvantajoso” causou verdadeira comoção familiar: “que absurdo, trocar o brinquedo importado por um caixote de madeira!”.  Mas as crianças não pensam assim. São simples e exatamente por isso a simplicidade eloqüente do presépio não lhes choca, ao contrário, alegram-se com isso.
Solidariedade. Os personagens que contemplamos são solícitos uns com os outros. O esposo ocupa-se da esposa e ela, dele e do menino que nasceu em um estábulo, junto com os animais. E desse desvelo de uns para com os outros brota um ambiente de terna serenidade.
Conta-se que a madre Tereza de Calcutá, uma eterna criança, uma vez foi observada por uma pessoa (um adulto, por certo), que contemplou o beijo e afago que fazia em um doente de aspecto repugnante. Diante disso, esse homem comentou que “nem por todo dinheiro do mundo faria isso”. E a bondosa religiosa respondeu: “nem eu”. Por dinheiro, tampouco ela o faria.
As crianças vêem no presépio três personagens extremamente solidários uns com os outros, e se alegram porque isso reflete o que elas são. Os que deixaram de ser crianças, porém, imersos em seu egoísmo, em um afã desordenado de riqueza, de “status”, de fama, de poder, não conseguem enxergar isso.
Paz. As crianças não se preocupam se haverá peru, se o vinho será suficiente, se a cunhada chegará direto para a ceia e não ajudará na preparação... Nada disso lhes preocupa. Ao contrário, é Natal. Talvez se preocupem um pouco em como quebrar as castanhas, mas não hesitarão em deixar as cascas atrás da porta, agora usada como quebra-nozes.
Anseio de vida. O Menino que se contempla no presépio nasceu para viver. Elas, as crianças, também. Não se sabe se por uns instantes, ou por cem anos. Não importa, todos vêm com uma missão e querem alcançá-la.
Há pessoas que avançam nos anos e continuam sendo crianças. Há outras, porém, que com muitos ou poucos anos de vida estão velhos, carcomidos pela cultura da morte. Essas, se olhassem para Maria ainda grávida e soubessem que o menino viveria apenas 33 anos e que morreria de forma brutal, talvez a ela sugerissem: “não valerá a pena viver apenas esse tempo para depois ainda morrer numa cruz, vamos interromper de forma humanitária a gravidez e poupar a ambos de todo esse sofrimento”. São os mesmos velhos que agora sustentam que, por estar uma criança destinada a viver alguns minutos ou dias, a gravidez é inviável.
As crianças não pensam assim. Muito mais sábias, elas dão aos minutos sabor de eternidade. Sabem que o que vale é o minuto presente, sem se importarem com o anterior, que já passou, nem com o seguinte, que não sabemos se chegará para qualquer um de nós.
A todos aqueles que descobriram a maravilha de ser uma eterna criança, um Feliz Natal!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A Alegria do Natal

Dentro de poucos dias celebraremos mais um Natal. Para mantermos o verdadeiro espírito dessa festa, penso que seria interessante nos determos em quatro passagens que circundam esse grande acontecimento.
A Viagem a Belém.
Como se sabe, o nascimento ocorreu em Belém, apesar de não ser ali a residência de José e de Maria porque, naquele tempo, o imperador Augusto ordenou que se fizesse um censo de todo o Império. O recenseamento deveria ser feito na região dos antepassados e em Belém havia nascido o rei David, de quem José era descendente.
Reparemos no exemplo magnífico de José. Ele leva Maria com o menino no seu ventre, protegendo-os. Segue atento, fiel, nobre e generoso. Sua missão é cuidar da esposa e do menino por nascer. Que formosa passagem! Esse é verdadeiro espírito do Natal. Iluminados pelo exemplo de José podemos nos indagar: Com que solicitude e carinho tratamos nossas esposas? Interessamos por seus problemas, anseios e aspirações? Participamos ativamente da educação dos filhos? Assumimos o nosso papel também nos trabalhos da casa? Ou nos limitamos a nos derramar na poltrona, como o copo de cerveja ao lado, enquanto ela, aflita, cuida dos trabalhos domésticos? Dispensamos atenção aos filhos, incutindo neles o mesmo espírito, ou cuidamos que brinquem com os presentes e não nos incomodem?
O Nascimento.
Essa passagem é de todos conhecida, embora nem tanto imitada. “E aconteceu completarem-se os dias em que deveria dar à luz, e deu à luz o seu filho primogênito, e O enfaixou, e O reclinou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2, 6-7).
Reparemos na delicadeza da Mãe. Faltava-lhes tudo. O menino nasceu num curral, com o cheiro característico desse local. Mas, ao mesmo tempo, podemos vislumbrar a criatividade com que se converteu o lugar inóspito em algo acolhedor, com sabor e calor de lar. Maria é um convite perene às mulheres de todos os tempos para que reconheçam o seu papel de primazia na condução dos rumos da sociedade. É que lhes cabe a função de criar nos lares um ambiente de paz, serenidade e alegria que tanto contribui para que os filhos desenvolvam as suas personalidades e, portanto, assim formados, construam um mundo melhor.
Em nosso tempo, observamos um incrível crescimento da participação da mulher nos mais diversos setores da sociedade: são políticas, magistradas, altas executivas, operárias. Desempenham, enfim, papel de relevo também fora de casa. E isso é muito bom. Porém, mesmo desempenhando trabalho externo, a mulher não pode nunca se esquecer que somente ela pode dar à casa o doce sabor de lar, cuidando dos pequenos detalhes que tornam agradável o convívio familiar.
A Adoração dos Magos.
Esses sábios viajaram muitos dias para contemplar esse fato extraordinário. E levaram presentes muito caros para a época. Mas o maior presente que deram foi a si próprios. Sim, dar-se ao Menino e, por Ele, aos demais. Natal é tempo de reflexão e, por consequência, de propósitos. Qual foi nossa disposição e ação em benefício do próximo neste ano que se finda? Que faremos concretamente no vindouro? Que o afã das muitas ocupações diárias não ofusquem o brilho da estrela que guiou esses sábios. E se ela por momentos se apagar, tal como o fez a eles, tenhamos persistência, vale a pena essa busca.
A Fuga ao Egito.
Mas a cena de paz e serenidade será interrompida pelo prenúncio indesejável: querem matar o Menino. Tal sucede também com nossos planos. Nos inflamamos de desejos nobres para o próximo ano, tais como o de nos dedicarmos mais aos filhos, ao esposo, à esposa e eis que... vêm as dificuldades. Desesperemo-nos? Não, jamais. Que nos importam as dificuldades, se elas se esvanecem, uma a uma, se, no fim e ao cabo, não é a nós que procuramos, mas o bem dos outros? E ademais, se pensarmos bem, as nossas dificuldades, comparadas as desses adoráveis personagens, que tiveram de viajar centenas de quilômetros, a pé, pelo deserto, muito pouco temos de padecer. A felicidade que nos aguarda, porém, já no tempo presente, é a mesma. É a paz e a serenidade de quem caminha para a vida, com a perene alegria do Natal.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Brigas: como ficam os filhos?

Um amigo me contou que enquanto conversava descontraidamente com sua filha de 4 anos, ela lhe disse em tom divertido: “Pai, já pensou um pai brigando com a mãe?”. “Como assim, filha?”, perguntou ele. “Ora, pai, já imaginou um pai brigando, discutindo com a mãe!”, retrucou ela. “Por que, pai e mãe não brigam?”, insistiu ele. “É claro que não”, respondeu ela, e depois conclui: “pai e mãe não brigam”. Aquele bom homem se sentia orgulhoso do que disse a filha. Com efeito, após muito esforço dele e da esposa, conseguiram que as discussões, que inevitavelmente aconteciam, ocorressem em momentos que não tinham os filhos por perto. Mas depois me fez um desabafo: “com os meus filhos mais velhos não consegui essa proeza, de modo que presenciaram grandes discussões nossas. Porém, após anos de convivência, os cursos que fizemos e o empenho que colocamos, por amor a nossos filhos, resolvemos nossos desentendimentos a sós. E que diferença isso faz na educação deles!”. Será essa vitória alcançada por esse casal algo irrealizável em nossos dias?
Evitar a todo custo as brigas e discussões diante dos filhos é algo difícil de se conseguir. Porém, os benefícios que isso traz para os filhos, para a família e para o próprio relacionamento do casal são imensos, de modo que vale a pena o esforço.
Quando pai e mãe brigam diante dos filhos, é comum que eles tomem partido de um ou de outro. No mais das vezes, porém, eles não têm critérios suficientes para saber qual dos dois tem razão, de modo que optam por ficar do lado daquele com quem tem maior empatia, ou simplesmente porque a postura de um foi menos destemperada que a do outro durante o entrevero. Aliás, numa discussão é muito raro que alguém esteja cem por cento certo e o outro totalmente errado. Assim, quando as crianças se põem do lado da mãe contra o pai ou vice-versa, a briga somente contribuiu para a desunião familiar.
Outra grave consequência é o enfraquecimento dos valores, contribuindo para arraigar cada vez mais o relativismo na consciência dos filhos. Eles buscam no pai e na mãe modelos de valores a serem seguidos para guiar as suas vidas. Contudo, se falta coerência entre os dois, dá-se lugar a uma terrível confusão. Imaginemos como nos sentiríamos se, em meio a um longo voo, quando a aeronave sobrevoa um imenso oceano, piloto e copiloto se pusessem a discutir acaloradamente sobre que rota seguir e como conduzir o avião. Por certo que os passageiros ficariam desnorteados, perdidos e extremamente amedrontados. “Que será de nós se essas pessoas que devem conduzir nossas vidas nesse momento não se entendem?”, poderiam pensar. Ora, é assim que se sentem os filhos cujos pais vivem às turras diante deles.
Mas talvez o maior mal que os desentendimentos dos pais causam nos filhos é a sensação de que não os amam de verdade. Atribui-se a São Bernardo a frase: “quem me ama, ama também o meu cão”. Em suma, mostramos o nosso apreço por alguém, no mínimo respeitando aqueles a quem eles amam. Pai e mãe são as pessoas mais importantes da vida das crianças. Porém, se o pai falta ao respeito com a mãe, ou a mãe com o pai, no fundo não demonstram um amor sincero pelo filho. Afinal, agridem aquele ou com aquela que eles muito amam neste mundo.

É inevitável que haja desentendimento entre o casal. Aliás, ouso dizer que é bom que aconteçam as brigas, até para que se saboreie o gosto da reconciliação. Porém, há que se evitar que ocorra diante dos filhos. Mas, se acontecer, devemos procurar compensar o mal causado com um exceder-se no carinho e nas demonstrações de afeto. Muitas vezes os filhos presenciam o desentendimento, mas não que fizeram as pazes. Para isso, um buquê de rosas de surpresa num dia em que não haja nada de especial pode apagar muitas mágoas. Igualmente, aquele jantar bem preparado, com amor e atenção nos detalhes é capaz de afogar, em abundância de bem, muitos males do passado. Vale a pena, vale a pena!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O Papa e o preservativo

As declarações do Papa Bento XVI ao jornalista Peter Seewald, publicadas no livro Luz do Mundo, têm causado um verdadeiro rebuliço na mídia. Chega-se a “profetizar”, a partir das palavras do Pontífice, ou das distorções que se fazem delas, que seria um primeiro passo rumo a uma nova visão da Igreja sobre a sexualidade. Será esse pronunciamento o início de uma mudança da moral católica acerca desse tema?
Não é possível entender a posição da Igreja Católica sobre o preservativo sem compreender a sua mensagem sobre o amor conjugal. Em sua primeira encíclica, “Deus é amor”, o Papa Bento XVI, buscando esclarecer a natureza do amor de Deus pelo ser humano, vai buscar como fonte para que possamos entender como Deus nos ama exatamente o amor conjugal entre o homem e a mulher.
Os laços que se estabelecem entre o homem e a mulher que se uniram em matrimônio são da mesma natureza daquele que nos unem a Deus. E é nesse contexto que se insere a sexualidade. Não é ela algo vergonhoso. São Josermaria Escrivá chegou à ousadia de comparar o leito conjugal com um altar. Portanto, uma realidade em que Deus se faz presente e abençoa.
No entanto, sendo expressão do amor do homem e da mulher, não há como dissociar a relação sexual dos fins do matrimônio, que são bem dos cônjuges, traduzido na ajuda mútua, e a criação e educação dos filhos.
Desse segundo fim natural do matrimônio é que advém todo o ensinamento da Igreja em relação à contracepção. Ou seja, esse amor entre o homem e a mulher, expressão do amor de Deus pelo ser humano, há de estar aberto à vida. Isso não quer dizer que somente se deva buscar o ato sexual com a intenção de gerar filhos. O prazer sexual em si é algo bom para os cônjuges. Também a gravidez, havendo justas razões, pode ser evitada pelos métodos naturais de contracepção. Contudo, um casal cristão que se dispõe a seguir os ensinamentos da Igreja em todos os aspectos, menos nesse, seja usando preservativo, seja se valendo da esterilização, no fundo está como que dizendo a Deus: “o Senhor pode estar presente em todos os aspectos da minha vida, no trabalho, na família etc., menos nesse. Aqui queremos que o Senhor não se intrometa”. Com isso, porém, perde-se o aspecto mais sublime do amor humano, que é exatamente a sua natureza divina.
Mas como explicar o pronunciamento do Papa no sentido de que “em alguns casos, quando a intenção é reduzir o risco de contaminação, (o uso do preservativo) pode ser um primeiro passo para abrir o caminho a uma sexualidade mais humana, vivida de outro modo”.
O contexto em que o Papa propõe que seja vivida a sexualidade de modo a promover a dignidade humana é no matrimônio. Quando, porém, se rompem as regras da moral, surge a questão do mal menor. Por exemplo, trata-se de norma de direito natural o respeito ao patrimônio alheio. No entanto, são possíveis vários níveis de violação a essa norma, de modo que o furto, que é cometido sem violência ou grave ameaça é menos grave que o roubo, e esse é menos grave que o latrocínio, em que o ladrão mata para roubar.
O mesmo se diga com relação ao relacionamento sexual. Em que pese todo o ensinamento da Igreja acima mencionado, há os que não aceitam essa visão e defendem o “sexo livre”, totalmente dissociado da abertura aos filhos e como um mero ato de satisfação de uma necessidade fisiológica. Nesse contexto, o uso do preservativo com propósito de respeitar a vida do parceiro é um mal menor que o risco de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis.

Penso que o Papa nos dá um exemplo de carinho e compreensão que devemos ter para com todos, em especial com os que não têm a mesma fé ou as mesmas convicções que as nossas. Se perguntarem a nós cristãos o que pensamos a respeito do assunto, diremos com toda a sinceridade que relacionamento sexual é um ato de amor entre um homem e uma mulher unidos em matrimônio. Mas isso não nos autoriza qualquer atitude de menosprezo ou falta de respeito com quem pensa ou aja de forma diferente. Tanto nos interessa a vida e a saúde deles que se aconselha o uso de preservativo como forma de proteger a vida alheia. Mas nós, cristãos, temos também o direito de dizer a quem queira ouvir que isso não é amor humano verdadeiro, nem relacionamento sexual saudável, nem tampouco que serão felizes os que perambulam por esses caminhos.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Casamento: até quando?

Recentes alterações legislativas facilitaram enormemente o divórcio. Desde 2007 a separação e o divórcio consensual em que o casal não possua filhos menores já podem ser feitos diretamente em cartório, sem a necessidade de qualquer decisão judicial. E, desde julho deste ano, quando entrou em vigor a Emenda Constitucional n. 66/2.010, o divórcio pode ser realizado a qualquer tempo, ou seja, não mais se exige um tempo mínimo de casamento, nem tampouco a prévia separação judicial ou de fato. Diante desse novo cenário jurídico, podemos nos indagar se as mudanças serão benéficas para o casal, para a família e para a sociedade em geral.
Penso que numa visão mais imediatista e superficial as alterações podem ser justificadas. Há uma forte tendência em se facilitar o acesso do cidadão aos serviços públicos, bem como que esses sejam prestados da maneira cada vez mais célere e eficiente. Nessa linha, não convém exigir que as partes procurem o Poder Judiciário para se divorciar, com as demoras, custos e entraves que isso implica, se podem fazê-lo diretamente em cartório. De igual modo, exigir um tempo mínimo de casamento, no mais das vezes, representava apenas um entrave burocrático imposto pelo Estado, pois em muitos casos a união conjugal já estava mesmo desfeita e apenas se aguardava para regularizar a situação.
Porém, se por um lado a alteração legislativa é coerente com uma visão pragmática, por outro, é ela o ponto culminante de um fenômeno social no mínimo preocupante, qual seja, a banalização do casamento. A possibilidade de se divorciar no mesmo dia em que se casou, se assim o quiserem, retrata uma postura pouco responsável perante o próprio matrimônio.
Um dos mais importantes ingredientes para o sucesso na vida conjugal é a maneira como o homem e mulher tomam essa decisão. Conta-se que Hernán Cortés, o conquistador espanhol, ao desembarcar no México, afunda os seus barcos a fim de evitar deserções e penetra no continente. Penso que essa deva ser a postura correta para quem busca o casamento: afundar os barcos que os pudessem conduzir à vida de antes. É que quando se encara como um caminho sem retorno, então não se medem os esforços para que haja sucesso. E vale a pena, pois desse empenho diário por honrar o compromisso assumido depende, em grande medida, a felicidade do casal, a formação dos filhos e a própria sobrevivência da sociedade.
Certa vez soube de um pai que, ao se despedir da filha que saia em lua-de-mel, resolveu dizer-lhe: “olha filha, vou deixar o seu quarto montado do jeito que está. Se não der certo...”. Péssimo conselho! Se não der certo? Ora, se for com essa visão que ela se entrega ao marido o casamento já faliu antes mesmo de começar.
Igual efeito deletério poderão ter as recentes inovações legislativas. A banalização do casamento é agora oficial. Com isso, as inúmeras facilidades para se obter o divórcio podem ter o efeito de estimular as pessoas a buscarem o casamento de maneira irresponsável.

Não são com entraves burocráticos que conseguiremos manter a estabilidade e a felicidade nas famílias. Porém, agora com a chancela do Estado estimulando cada vez mais o divórcio será um grande desafio formar em nossos jovens a convicção sobre a responsabilidade que devem ter ao se decidirem pelo casamento. Na edição da última terça-feira, o Correio Popular trouxe a emocionante história de vida do Sr. João Bicudo e da sua esposa, Luzia. Em dezembro eles completarão 60 anos de casados! E ela dá um conselho que bem pode servir de conclusão a tudo o que falamos: “É preciso muita fé, amor, paciência e diálogo. Casar é uma decisão séria. É um compromisso que não pode ser assumido num ato impulsivo”.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Motivação no trabalho

Muito se prega e debate hoje em dia sobre a necessidade de motivar os funcionários a trabalharem com afinco para atingir as metas propostas. Felizmente, cada vez mais as instituições estão se conscientizando de que o seu maior bem são as pessoas e que essas, para desempenharem um trabalho de modo eficiente e eficaz, precisam estar vibrantes. Mais ainda, hão de estar dispostas a dar o máximo de si em busca de algo que, para elas, valha a pena lutar.
Em busca da tão necessária motivação, muito se tem feito e estudado. Surgem, então, inúmeras teorias. Ora se prega a premiação com aumentos de salários ou concessões de gratificações, ora se diz que o importante é atrelar as promoções aos méritos apurados, ora se afirma que é necessário reconhecer o esforço. Ainda nesse intento de manter os trabalhadores motivados, a psicologia estuda a caracterologia das pessoas de modo a encontrar, em cada uma, a forma mais adequada estimular a vontade.
Essas iniciativas são válidas e podem até proporcionar algo de bom aos trabalhadores. Afinal, motivação, vibração e realização profissional são conceitos próximos, ainda que não necessariamente atrelados. Mas talvez alguns especialistas no assunto estejam se equivocando ao tentar encontrar em cada pessoa um meio de motivá-las segundo as suas personalidades, esquecendo-se de que, de certo modo, se poderia também ensiná-las a buscar essa motivação em algo que não haviam pensado antes.
Dizem que “onde está o nosso tesouro aí estará o nosso coração”. Com isso, num grupo de pessoas em que o dinheiro é a única coisa que importa, a motivação somente viria com a promessa de vantagens econômicas. Noutro que gosta da fama, a solução seria publicar no jornal da instituição a foto dos “profissionais do mês” e assim sucessivamente. É fácil de se constatar, porém, que essas premiações possuem um efeito muito passageiro. O dinheiro se torna rapidamente insuficiente, e então se quer mais e mais... e é difícil encontrar uma empresa que consiga aplacar essa ânsia monetária por muito tempo. O mesmo se aplica aos expedientes que simplesmente aguçam a vaidade. É bom e é justo que se premie economicamente o esforço e que esse seja reconhecido publicamente, mas há que se buscar algo mais duradouro a sustentar as pessoas nas suas instituições.
Não há motivação duradoura se estiver embasada exclusivamente na busca de satisfações egoístas. Nesse sentido, o maior desafio é fazer enxergar em cada atividade, por mais simples e sem importância que pareça, o bem para o próximo que um trabalho bem feito proporciona. O que é mais importante, a sentença do juiz ou o trabalho da faxineira que, pela manhã, limpa a sala de audiência? É mais importante aquele que é feito com mais amor. Com efeito, pode-se limpar de qualquer jeito, ou fazê-lo com esmero, pensando no bem que um ambiente limpo pode causar os que passarão por ali. Do mesmo modo, a decisão do magistrado pode ser tomada de forma a lhe causar menos incômodo ou com o propósito firme de fazer justiça, ainda que muito lhe custe.

Penso que deveríamos não apenas motivar os nossos funcionários, mas estimulá-los a buscar essa motivação em coisas mais duradouras. Quando escrevo essas palavras, intuitivamente me vem à mente a Karla, o Antônio, a Tereza, o Marcel, a Andreia, o Roberto, o Rubin, o Rodrigo, a Márcia, o Luiz Carlos, o Toninho, a Isadora, o Wilson, o Paulo, a Penha, a Roberta e o José Pereira, cada um dando o máximo de si em seu trabalho. Sinto-me como se pesasse nas costas a responsabilidade de lhes dar um sentido mais profundo e duradouro para as suas difíceis tarefas. São pessoas maravilhosas e formam a minha equipe! E então convido o leitor a desfilar em suas mentes, um a um, os seus companheiros de trabalho, e a se sentir igualmente responsável pela realização profissional de cada um deles. E, acredite, quem mais lucra com essa forma de enxergar os nossos colegas somos nós próprios. Talvez nos sirva como lema a frase lapidar do saudoso Raul Seixas: "O meu egoísmo é tão egoísta que o auge do meu egoísmo é querer ajudar".

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Educação personalizada

“Eu sempre eduquei todos os meus filhos de forma igual, por que motivo com esse deu certo e aquele?...”. Alguém já ouviu um pai ou uma mãe fazer esse desabafo? Ou mesmo na escola, sempre se observam diferenças de aproveitamento nos alunos. Alguns aprendem com maior facilidade, outros com menos, outros ainda, apresentam níveis de rendimento escolar baixíssimos. Os pais, os professores e os educadores em geral costumam colocar a culpa exclusivamente nos filhos, ou nos alunos. Com efeito – pensam – se a educação é proporcionada de maneira igual para todos, quando uns aprendem e outros não a culpa somente pode estar em quem não aprende. Mas estará correto esse raciocínio?
Esteve recentemente em Campinas o Dr. Jose Maria Barnils, Presidente da Associação Europeia de Educação Diferenciada (European Association for Single Sex Education EASSE) que veio ao Brasil para dar uma palestra no Seminário de Educação Personalizada e Diferenciada que aconteceu no dia 23 de outubro, no Rio de Janeiro. Trata-se de uma pessoa serena, com visão ampla e profunda do ser humano.
Com uma voz tranquila e demonstrando muita competência no que faz, o Dr. Barnils esclareceu a importância da educação personalizada. Para ele, a educação tem como premissa fundamental manter o foco na unidade da pessoa, consciente de que cada ser humano é único e irrepetível. Nesse sentido, personalizar a educação significa tratar de forma distinta cada filho, cada aluno, exatamente porque eles são diferentes entre si.
Quando o pai ou a mãe se questionam onde estaria o erro, pois educaram do mesmo modo todos os filhos, é de se considerar que talvez o equívoco esteja exatamente aí, ou seja, em tratarem da mesma forma pessoas que são diferentes. É necessário que conheçam os filhos de verdade. Cada um nasce com determinadas características e, a partir delas, vão interagindo com o mundo, nisso formando a sua personalidade. São, portanto, inúmeros os fatores que determinam o nosso modo de ser, inclusive a nossa própria vontade, quando atingimos a idade da razão. E os pais devem buscar compreender, tanto quanto lhes for possível, como é cada filho. Esse conhecimento se obtém estudando os fatores que intervêm na formação da personalidade, mas sobretudo, observando-os atentamente durante o seu desenvolvimento.
Com esse estudo e essa observação é que a mãe conseguirá descobrir, por exemplo, que a melhor oportunidade de dar um conselho para uma filha pode surgir enquanto lavam a louça juntas e, para o filho adolescente, por outro lado, será uma conversa, olho no olho, com o pai em uma lanchonete.
Algo de semelhante deve ocorrer na escola. Diz-se que no novo milênio o que há de maior valor é o conhecimento. Nesse contexto, o professor não pode se limitar a preparar brilhantes apresentações de powerpoint e exibi-las magnificamente diante dos alunos. É muito bom que as aulas sejam bem preparadas e que seja dinâmica a exposição. Muito mais que isso, porém, deve se esperar deles. Há de conhecer cada aluno, suas peculiaridades, personalidade, contexto familiar etc.
É bem verdade que, dependendo do número de alunos, em especial a partir do chamado ensino fundamental II, o professor de cada disciplina não conseguirá desenvolver, durante um ano letivo, esse nível de afinidade com todos os alunos. Exatamente por isso é chegado o momento de as escolas desenvolverem um trabalho de tutoria. Cada tutor, que não é necessariamente professor de turma, tem a missão de acompanhar a formação integral de determinado número de alunos. Para tanto, realiza um elo de ligação entre família e colégio. Isso é especialmente importante nos dias de hoje, em que a influência dos pais na formação dos filhos tem sido cada vez menor.

Nossos filhos e nossos alunos têm o direito de serem tratados como pessoas únicas, e não como um simples tijolos a mais no muro da sociedade. Do contrário, poderiam com toda razão se levantarem e fazerem eco contra nós ao som do Pink Floyd: We don't need no education...

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O ambiente familiar do adolescente

“Filho, seu tênis está imundo!”, “filha, faz duas horas que está no msn, como encontra tanto assunto?!”, “seu guarda-roupas está uma bagunça!”, “eu já te falei mil vezes para ...”, “eu desisto! Estou cansado (cansada) de tentar ensinar que...”. Alguém que tenha filho ou filha adolescente já ouviu ou proferiu frases semelhantes a essa? Tem surtido algum resultado positivo dessa “ação educativa”?
Outros pais optam por uma estratégia diferente: buscar a amizade dos filhos adolescentes. Mas, para isso, pensam que devem se colocar no mesmo nível deles. É o caso da mãe já que já conta com as suas quatro ou cinco décadas de vida e resolve colocar um piercing para... aproximar-se melhor da filha. Ou do pai, cujos anos estão estampados no cabelo, na face e na barriguinha, que se dispõe a aprender gírias e a assassinar a língua portuguesa no computador, afinal, é assim que se comunicam os adolescentes... Será que essa estratégia mais “alternativa” também funciona?
Apesar de muitos mitos e terrorismos que se fazem aos pais sobre os problemas da adolescência, temos de considerar que se trata de uma fase maravilhosa da vida. De fato, muitas vezes os adolescentes parecem um vulcão em plena erupção. Mas é necessário compreender que passam por intensas transformações hormonais, intelectuais, emocionais, sociais e até mesmo existenciais. Por isso, necessitam especialmente de encontrar nos pais e na família em geral um ambiente de paz e serenidade, que sejam para eles um porto seguro em meio às imensas incertezas que trazem dentro de si.
Os adolescentes têm uma profunda necessidade de serem compreendidos e querem ser amados com a mesma intensidade com que vivem os seus dias. Mesmo que não reconheçam, têm uma imensa necessidade de carinho. É bem verdade que parecem fugir disso: “mãe, me larga!”. Mas, no fundo, querem que lhes demonstremos com gestos concretos que são importantes para nós. E essa demonstração poderá vir num abraço, num suco ou um bolo enquanto se estuda para uma prova, ou passando horas juntos na fila para comprar o ingresso para o jogo de futebol.
Os pais de adolescentes não têm o direito de se escandalizarem com nada: linguagem, forma de se vestir, conversas na internet. Isso não quer dizer, porém, que não devam educar, corrigir, estabelecer horários, exigir que sejam responsáveis nos estudos, que durmam as horas necessárias para o repouso etc. Mas todas essas ações educativas hão de estar impregnadas de firmeza e ternura. Em suma, que sejamos fortes sem ser chatos. E a medida para isso é o amor, saber que exigimos para o bem deles. Aliás, essa é a única linguagem que eles reconhecem de verdade, conquanto que sejamos sinceros.
Mais que em muitas outras idades, os adolescentes precisam de um sentido profundo e verdadeiro para suas vidas e da estabilidade emocional na família. Nesse sentido, como esperar tranquilidade de uma filha adolescente se a mãe ainda insiste na mesma instabilidade, pulando de um relacionamento conjugal a outro e com constantes briguinhas com o novo “namorado”? Como querer o pai transmitir segurança ao filho adolescente se ele próprio ainda está na fase dos namoros passageiros, após três ou quatro casamentos fracassados?

Há muito que os pais podem fazer para que os filhos passem por essa fase de suas vidas e saiam dela fortalecidos e maduros, preparados para assumir com responsabilidade os compromissos familiares, profissionais e sociais que deles se esperam. Mas talvez o que melhor podem fazer é cuidar do ambiente familiar. Que pai e mãe se tratem com respeito, ainda que por quaisquer motivos não mais convivam sob o mesmo teto. Que em casa reine a serenidade e alegria, por maiores que sejam as tribulações e dificuldades por que se passem. Enfim, que eles tenham esses modelos vivos de pessoas cujas vidas bem vividas inspiram a canalizam a saudável rebeldia que trazem dentro de si para o afã de construir um mundo novo e melhor.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O poder da religião

Nesses dias que antecedem à votação em segundo turno para as eleições presidenciais tem sido recorrente o apelo a convicções religiosas na busca pelos votos dos eleitores.
Buscando evitar confusões ou mesmo esclarecer a população quanto a eventuais abusos cometidos nesse intento, a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, no último dia 8 de outubro, divulgou uma nota oficial na qual lamenta que “o nome da CNBB - e da própria Igreja Católica – tenha sido usado indevidamente ao longo da campanha, sendo objeto de manipulação”. No mesmo documento fica ressaltado que a entidade não indica nenhum candidato, e recorda que a escolha é um ato livre e consciente de cada cidadão.
Ao final, os dirigentes da CNBB exortam os fiéis católicos a terem presentes os critérios éticos, entre os quais se incluem especialmente o respeito incondicional à vida, à família, à liberdade religiosa e à dignidade humana.
Em que pese ressaltar que não se apoia qualquer candidato, seria correto que entidades religiosas se posicionem sobre certos assuntos, como o aborto, por exemplo, e aconselhem os seus fiéis a não votarem em candidatos que pretendam a sua legalização? Não seria isso, também, uma violação à liberdade dos cidadãos que professam essa fé?
Penso que não. Independentemente de qualquer religião, todo ser humano nasce com uma lei natural gravada no seu coração. A consciência de cada um se projeta diante das inúmeras situações concreta, mas à luz dessa norma ética.
Assim, quando uma entidade religiosa aconselha os seus fiéis a agirem conforme essa lei natural em determinados assuntos concretos não se viola a liberdade de seus seguidores. Ao contrário, orienta suas consciências para que ajam de modo a promover a dignidade da pessoa humana. Aliás, contrariar essa norma ética implica o maior fracasso que o homem e a mulher podem experimentar, pois, agindo contrariamente à sua natureza, em última análise, não conseguem encontrar a própria felicidade, simplesmente porque a procuram onde ela não está.
Quando se orienta a defender a vida e se exige coerência do cidadão na sua legítima atuação na vida pública, a entidade religiosa busca, ao menos diretamente, orientar a consciência de seu fiel, buscando o seu bem em si. O efeito geral dessa atuação, como a aprovação de leis justas e promotoras da dignidade humana, por exemplo, ainda que boas e também almejadas, é como que um efeito ou uma consequência dessa atuação, mas não o fim primariamente buscado com essa orientação.
Em suma, o magistério que tais entidades exercem não pode ter como escopo alcançar uma espécie de articulação política que faz de seus fiéis meros instrumentos para que suas convicções prevaleçam no parlamento, no executivo, nas decisões judiciais e no poder público em geral. Esses ensinamentos têm como destinatários pessoas livres e visam orientá-las a buscar a plena realização, ainda que essas, agindo na vida pública de forma coerente com as suas convicções, aprovem leis, façam projetos e implementem ações que de fato promovem a dignidade da pessoa humana.

Talvez nos ajude a entender melhor o assunto se pensarmos na função de um guia de alpinismo. Nenhum aprendiz ousará dizer que as suas instruções são inúteis ou que as cordas a que se mantêm atados tolhem a liberdade. São elas que o mantém vivo e são os ensinamentos que orientam a escalada. Sem isso, muito provavelmente se acabaria tragicamente num precipício. Uma entidade religiosa que pretenda ser autêntica promotora da dignidade humana tem muito que se inspirar nisso. Não pode amordaçar os seus fiéis em questões que são opináveis e sejam várias as soluções possíveis. Mas não pode, também, se omitir nos assuntos em que esteja em jogo a vida de seus fiéis, a saúde moral da sociedade em que estão inseridos e, em última análise, o bem da humanidade inteira.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Bioética hoje

Acendeu-se no bojo da campanha eleitoral o debate sobre a questão da descriminalização do aborto. Talvez temendo perder votos, ou com o propósito de angariar a simpatia dos eleitores cristãos, ora vemos os candidatos participando com aparente piedade da Santa Missa, ora vemo-los beijando um crucifixo bem ostensivamente sob o brilho dos flashes fotográficos e da curiosidade dos repórteres. Mas será que o tema do início e do fim da vida humana deve estar atrelado à crença religiosa? Não seria a vida um valor em si, independentemente da fé ou mesmo de concepções filosóficas?
Penso que as grandes questões que se apresentam como relevantes para a sociedade haveriam de ser discutidas sob uma perspectiva humanística. E para que seja verdadeiramente humana, deveriam abordar aspectos de fundamental importância e que se traduzem nas grandes indagações que todo ser humano se faz em determinado momento de suas vidas: quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Da resposta a esses questionamentos é que afloram as nossas convicções mais profundas. Dentre elas, o início e o fim da vida humana, com a consequente tutela jurídica que lhe deve ser dispensada.
O atrelamento de conceitos à religião é frequentemente utilizado com técnica muito eficaz de manipulação da opinião pública. Tomemos um exemplo de como isso ocorre. Alguém poderá desenvolver essa linha de raciocínio: “sou católico e, como tal, sou contrário ao aborto. Porém, o Estado é laico e não pode sofrer influências de qualquer religião. Portanto, deve ser legalizado o aborto”.
O argumento é malicioso, porém, no mais das vezes, nos passa despercebido. Primeiro apresenta a defesa da vida ou a condenação do aborto como algo inventado pela Igreja Católica, semeando subliminarmente a ideia de que se trata de algo válido exclusivamente para os adeptos dessa religião. Depois de atrelar o tema à religião, vem a segunda premissa, qual seja, que todos temos a liberdade de crença. Com isso, vem a conclusão de que não se pode impor a todos algo que é exclusivo de uma ou de algumas religiões.
Se não estivermos atentos, ou melhor, se não nos dispormos a pensar no assunto, o manipulador, que não tem preocupação alguma em explicar mas apenas de lograr a sensação de ter ganho a discussão, faz com que aceitemos seus argumentos falaciosos sem qualquer questionamento.
Acontece que o valor da vida humana não está vinculado a qualquer religião. Trata-se de um bem em si, que decorre da própria natureza do homem e da mulher e tem como fundamento o princípio da dignidade humana, seja qual for a crença religiosa.
O mundo acompanhou emocionado o resgate dos mineiros no Chile que se mantiveram presos em galerias subterrâneas por longos 70 dias. E por que? Penso que porque, dentre outros motivos, a vida humana é um valor universal. Por certo não devem ter faltado críticos a dizer que com os milhões de dólares gastos na operação poderiam ser construídos muitos hospitais, escolas, casas populares etc. Mas não interessa, são trinta e três vidas. Uma só delas possui um valor infinito. E por que não o tem aquele coração que pulsa no ventre materno? E por que se há de encurtar os dias  dos chamados pacientes terminais? Para lhes dar uma morte digna? Não seria uma morte digna aquela que ocorre no seu tempo natural, mas cercada de carinho e de atenção dos familiares, dos médicos, dos enfermeiros, inclusive com medicamentos que atenuem o sofrimento?
Não dou a resposta a esses questionamentos porque não pretendo usar a mesma arma do manipulador. Que pense o leitor de verdade no assunto e por certo encontrará a resposta numa lei natural e universal gravada em cada coração e que pode ser lida com a voz de uma consciência bem formada. Essa lei não foi escrita por Papas, Pastores evangélicos ou por Ministros de quaisquer religiões. Já nascemos com ela e só não a vê quem não quer.

Para os que se interessam pelo aprofundamento no assunto sob uma perspectiva científica, ocorrerá em Campinas, no próximo dia 6 de novembro, das 8:45 às 12:30, no Auditório da Biblioteca Central da UNICAMP, um seminário que terá como tema Bioética hoje. As informações podem ser obtidas no endereço eletrônico: seminario.hoje@gmail.com ou pelo telefone (19) 8124-8090. Vale a pena conferir.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Liberdade de ensino

Na semana passada, participei do Congresso Internacional da Família, realizado pelo IFFD – International Federation for Family Developtment em Valência, na Espanha. No evento foram expostos inúmeros temas, relacionados com os desafios que a família encontra em nossos dias para desempenhar o papel que lhe cabe de formar os indivíduos, mais ainda, de promover o ambiente necessário para que as pessoas nela desenvolvam as suas personalidades. Participou da cerimônia de abertura a prefeita de Valência que, em lugar de fazer discursos vazios e protocolares, expôs algumas das ações que foram tomadas durante o seu mandato. Dentre elas, causou aos ouvintes uma agradável surpresa um programa de concessão de uma espécie de “ticket educação”, que consiste em proporcionar às famílias menos providas de recursos a oportunidade de matricular seus filhos na rede particular de ensino, o que é custeado total ou parcialmente com recursos públicos.
Confesso que achei a idéia fantástica. Porém, com um raciocínio excessivamente jurídico, a minha primeira reação foi pensar que, no Brasil, essa iniciativa seria inconstitucional. Analisando, contudo, a Constituição Federal que trata da educação, concluo que estava equivocado. O artigo 205 assegura que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, e que será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Mais adiante, no artigo 206, consagra como princípio a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Respeitadas as opiniões em contrário, creio que não há óbice constitucional para que tal iniciativa seja implantada aqui. Mas será conveniente?
É sabido que muitas instituições privadas de ensino possuem vagas ociosas que poderiam ser preenchidas por alunos provenientes de famílias sem recursos. É evidente que isso dependeria de critérios objetivos que não permita privilégios nem o clientelismo eleitoreiro.
Além disso, muitas instituições privadas possuem melhores condições de proporcionar um ensino de qualidade. E isso não por culpa do profissional da rede pública. Nesta há profissionais brilhantes que se esforçam por dar o melhor de si. Contudo, no mais das vezes, são engolidos por uma estrutura excessivamente burocrática, de tal modo que a qualidade do ensino depende mais de iniciativas isoladas de bons professores e dirigentes de ensino do que uma política efetivamente praticada que busque a qualidade. Além disso, são frequentes as alterações do método ao sabor do poder dominante num determinado momento.
Mas há, talvez um inconveniente: saberão os nossos dirigentes renunciar à possibilidade de impor conteúdos didáticos ao sabor da ideologia de quem detém o poder? Em suma, será possível abdicar-se da prerrogativa de um Estado docente? E isso no mau sentido da expressão. Ou seja, de um Estado que quer impor os seus critérios em matérias em que se deveria assegurar a devida liberdade aos cidadãos.
Penso que essa iniciativa atende muito diretamente ao princípio da subsidiariedade, segundo a qual o Estado não deve intervir em questões que possam ser decididas e levadas à prática pela sociedade organizada. Mais ainda, deve fomentar e subvencionar as instituições privadas que prestam serviços públicos relevantes, pois isso assegura o pleno e responsável exercício da liberdade.

De fato, esse é o principal motivo que nos faz defender a ideia: a liberdade de escolha. Uma família que professa uma determinada fé, ou segue alguma corrente filosófica pode escolher uma instituição de ensino privada que segue a mesma linha. Em suma, que proporcione uma educação coerente com os valores familiares. Por que motivos às famílias mais pobres não se há de assegurar os mesmos direitos? Penso que é chegado o momento de começarmos a debater sobre o assunto.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Semana Nacional da Vida

De 1 a 8 de outubro, comemora-se a Semana Nacional de Defesa da Vida e, no dia 8 deste mês, celebra-se o Dia do Nascituro. Para marcar esses eventos, no último sábado, dia 02 de outubro, a Comissão de Defesa da Vida da Diocese de Campinas, da qual tenho a honra de participar, juntamente com os jovens da Renovação Carismática Católica, realizou atividades na Praça Rui Barbosa e nas ruas centrais da cidade. Na oportunidade procurou-se conscientizar as pessoas sobre a importância da defesa da vida, desde o momento da concepção.
O trabalho de conscientização das pessoas é fundamental. O maior inimigo da vida e, por conseqüência, o maior aliado da cultura da morte que tenta cada vez mais se infiltrar em nossa sociedade, talvez não seja o ativismo dos que pretendem a todo custo legalizar o aborto em nosso País, mas a indiferença da imensa maioria das pessoas. Muitas dessas, no fundo de suas consciências, acreditam que a vida deve ser protegida desde o seu primeiro instante, porém, imersos em seu mundo, nas suas coisas, pensam que lutar pela defesa da vida é algo que não lhes diz respeito, como se nada tivessem que ver com isso.
Há algumas semanas, em companhia de um amigo e de dois de meus filhos tive a oportunidade de visitar uma família extremamente pobre aqui de Campinas. Num espaço muito pequeno, com precárias condições de higiene e sem nenhum conforto, reside uma mulher, com seu esposo e sete filhos, além de dois netos e um sobrinho. É muito triste constatar que pessoas possam viver nessas condições bem ao lado de casas suntuosas situadas em condomínios fechados, fortemente cercados por seguranças, cerca elétrica etc.
Essa família não deixou de existir durante os anos em que eu, meu amigo e meus filhos não a conhecíamos. O sofrimento diário era exatamente o mesmo, talvez até maior, agravado pela indiferença.
Penso que muito semelhante é a condição do ser humano que há no seio materno desde a concepção. O fato de não o vermos não quer dizer que não exista. Por não se ouvir os seus gritos quando é assassinado não se muda a realidade de que não seja uma pessoa que desde aquele momento luta por viver.
Lutar pela vida, desde o seu primeiro instante, é acima de tudo, sinal de gratidão. Não fosse a generosidade de nossa mãe em nos acolher e levar a gravidez até o final simplesmente não existiríamos. Não será questão de justiça lutar para que todos os seres humanos concebidos tenham, tal como nós, a oportunidade de viver e desfrutar da felicidade a que estamos chamados para todo o sempre?
O impacto inicial causado pela adversidade em que vive aquela família pobre foi dissipado por uma grata surpresa: a alegria e a esperança estampada nos olhos das crianças e jovens que ali viviam. Qual seria o segredo disso?
Talvez já tenhamos oportunidade de estar com pessoas muito abastadas que, apesar disso, estão sempre a reclamar disso e daquilo. No entanto, não ouvi ali uma reclamação sequer. Ao contrário, aquela mãe vivia ali muito alegre. E então me contou o seu segredo: “filho é sempre uma bênção. Eu amo muito todos eles”.

É bem verdade que não se pode ser irresponsável a ponto de não cuidar dos meios materiais necessários para formar os filhos. Tampouco aquelas condições podem ser tidas como ideais para se construir um lar. Porém, o essencial não lhes faltou: o amor de uma mãe que recebe os filhos com alegria, que os deixa nascer e os faz viver. O resto, ainda que importante, é secundário. Ademais, com boas políticas públicas e senso de solidariedade e justiça nas pessoas em geral, consegue-se erradicar a pobreza, sem desrespeitar a vida. Afinal, é pela vida que buscamos o progresso econômico. Ou não?

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O caso Neymar e o individualismo

O incidente envolvendo o jovem jogador do Santos, Neymar, e o técnico do clube tem ocupado lugar de destaque na mídia. A cena é lamentável: o rapaz quer porque quer cobrar o pênalti e, diante da negativa, revolta-se, protesta, xinga, chegando a voltar-se desrespeitosamente contra o próprio treinador. Mas o que nos parece ainda pior é que ao se propor uma punição exemplar, é a cabeça do próprio técnico que rola.
O que representa, para esse jogador, os outros dez companheiros que vestem a mesma camisa? São amigos de uma mesma equipe, unidos por um objetivo comum? Ou os outros jogadores são apenas personagens necessários – afinal um time tem de ter 11 atletas em campo – para que se possa individualmente brilhar? Em suma, busca-se o bem comum, sabe-se doar aos outros, ou o que importa é apenas eu, eu, eu?...
Quando nos fazemos essas indagações, é possível que uma primeira conclusão a que chegamos, talvez precipitadamente, é que os bastidores do mundo do futebol, regados de milhares de milhões de dólares, são muito corrompidos. Mas será que esse comportamento individualista é exclusivo dos meios futebolísticos? Ou seria apenas como que uma ponta do iceberg de um problema crônico que assola a nossa sociedade?
Voltemo-nos agora para o que ocorre no dia-a-dia de uma empresa. Como são as relações entre as pessoas? São, em geral, marcadas pela confiança, gentileza e camaradagem? Sabe-se ensinar, ajudar e servir aos colegas? Ou, ao contrário, há um constante receio de que o outro pode, a qualquer tempo, puxar o tapete e, se os ensinamos a trabalhar bem, poderá galgar postos mais rápido que nós?
E outras tantas indagações semelhantes poderiam ser feitas quanto às relações entre os funcionários públicos de uma repartição, na política...
Acontece que quando enxergamos naqueles com quem convivemos no trabalho, na família e nas relações sociais não seres humanos, mas degraus a serem escalados, fazemos muito mal a essas pessoas, disseminamos insegurança na sociedade e encontramos apenas frustração e desolação.
Ninguém gosta de ser usado. E se é esse o nosso comportamento habitual em relação aos demais, cedo ou tarde nos encontraremos imersos numa profunda solidão. E o que é mais trágico é que muitas vezes não se enxerga esse isolamento. É que, não raras vezes, se fica rodeado de falsos amigos, também eles movidos exclusivamente por interesses, que fogem ao primeiro sinal de que não mais se poderá tirar proveito daquela relação.
O individualismo causa uma terrível insegurança na sociedade. O egoísta crônico, por pensar que todos também o são, não confia em ninguém. Sempre que alguém se aproxima, logo se põe a elucubrar sobre quais seriam os interesses que os move: será que quer o meu cargo? Quer o meu dinheiro? Com isso, abandona-se a sinceridade e a pureza de coração, tal como as têm as crianças, que são requisitos imprescindíveis para se encontrar, em qualquer ambiente, a paz e a serenidade.
Por isso, o maior mal que o egoísta causa é a si próprio, pois não consegue alcançar a tão sonhada felicidade.
Falando a milhares de estudantes do Reino Unido, o Papa Bento XVI os motiva a pensar sobre como encontrar a felicidade: “Vivemos em uma cultura da celebridade, e os jovens, muitas vezes, são incentivados a ter como modelo figuras do mundo do esporte ou do espetáculo. Desejo fazer-vos esta pergunta: Quais são as qualidades que vedes nos outros e que vós mesmos mais desejaríeis possuir? Qual tipo de pessoa desejaríeis ser de verdade?”.

E depois expõe a eles, com toda clareza, o verdadeiro caminho: “A felicidade é algo que todos desejamos, mas uma das grandes tragédias deste mundo é que muitas pessoas nunca conseguem encontrá-la, porque a procuram nos lugares errados. A solução é muito simples: a verdadeira felicidade é encontrada em Deus. Precisamos ter a coragem de colocar as nossas esperanças mais profundas somente em Deus: não no dinheiro, numa carreira, no sucesso mundano, ou nas nossas relações com os outros, mas em Deus. Somente Ele pode satisfazer as necessidades mais profundas do nosso coração.”

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O preço da corrupção

Um estudo realizado pelo Departamento de Competitividade e Tecnologia (Decomtec) da Fiesp revelou os prejuízos econômicos e sociais que a corrupção causa ao País. Segundo dados de 2008, a pesquisa aponta que o custo médio anual da corrupção no Brasil representa de 1,38% a 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, gira em torno de R$ R$ 41,5 bilhões a R$ 69,1 bilhões. Ao nos depararmos com esses dados, talvez fique no cidadão comum uma sensação de impotência. Com efeito, o que poderemos fazer para reverter essa situação?
Há várias formas e meios para se combater a corrupção, que vão desde o combate à impunidade até mudanças estruturais nas instituições. Mas penso que a ação mais eficaz e, além disso, ao alcance de todos, é a formação das virtudes, especialmente nos nossos filhos e alunos.
Uma delas, que podemos forjar nas crianças desde muito cedo é a justiça. Podemos fazê-los ver que antes de ser algo a ser implementado no seio da sociedade, a justiça é algo que deve brotar no interior de cada ser humano. Pode ser definida, nesse sentido, como uma vontade firme e constante de dar a cada um o que lhe é devido.
Quando o funcionário de um departamento de compras de uma empresa exige uma “gorjetazinha” para adquirir os produtos desse ou daquele fornecedor – e é necessário ressaltar que a corrupção não é um fenômeno exclusivo do setor público – está, acima de tudo, faltando com a fidelidade a um compromisso assumido. E isso, além de prejudicar a instituição para a qual trabalha, causa um mal a si próprio, na medida em que viola a lei ética que todos temos gravada em nossos corações, ainda que muitas pessoas se empenhem em apagá-la de suas mentes.
Para viver a justiça nas inúmeras incidências de nossa vida cotidiana exige-se  uma fortaleza que, por vezes, aproxima-se do heroísmo. Com efeito, não é muito difícil dar a cada um o que é seu nas situações corriqueiras, como avisar uma pessoa que nos devolve um troco maior do que teríamos direito, ou mesmo quando simplesmente pagamos as nossas contas em dia. Mas é questão de justiça, também, honrar até o fim os compromissos que livremente escolhemos, como, por exemplo, aquele juramento de fidelidade e doação que fizemos por toda a vida para a nossa esposa ou marido.
Esse empenho por renovar a sociedade, renovando primeiro as pessoas por dentro, implica também saber ir contra a corrente de consumismo e busca do prazer desenfreado e a qualquer custo. Isso é uma causa direta de corrupção, começando pelos valores. Com efeito, se o modelo de felicidade que estamos construindo exige uma casa luxuosa, carro do ano e viagens caríssimas, em breve se concluirá que isso tem um custo econômico, cuja fonte deve ser suprida por meios lícitos ou... ilícitos. Cabe-nos, portanto, saber ensinar os nossos filhos a viver com sobriedade. Ainda que possuam brinquedos e muitos bens, precisamos fazê-los ver que a sua realização não está só nisso.
É um grande desafio fazer com que nossos filhos saibam encontrar em todas as circunstâncias o seu verdadeiro bem e a escolher os justos meios para o atingir. Que aprendam, desde muito cedo, que os fins não justificam os meios, de modo que para fins bons, devem escolher meios justos, corretos, pautados pela ética.

A corrupção é um tema complexo e não comporta análise simplista. Mas antes de se tornar um fenômeno social, está ela nas ações humanas livremente tomadas diante de situações concretas. Por isso, a nossa maior missão é formar homens e mulheres de verdade, fortes o bastante para refutarem quaisquer propostas de obterem, por meios ilícitos, o dinheiro fácil, e também ser suficientemente valentes para, em cada situação, dar a cada um o que lhe é devido. Mais ainda, que deem não apenas o que por obrigação legal devem fazer, mas que saibam se exceder na justiça a ponto de se doarem aos demais. É bem verdade que essa opção generosa não seria detectável numa pesquisa de campo. Mas isso não importa. Afinal, tampouco cabem nos gráficos a alegria de servir ou a paz que repousa sobre o sono dos justos.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Família e colégio: um diálogo necessário

Aproxima-se o final do ano. Nesse tempo, muitas famílias se vêem diante do tormentoso problema de escolher o melhor colégio a quem confiar a educação dos filhos. Que critérios devemos traçar para tomar a decisão correta?
Os pais devem procurar por colégios que primem pela qualidade técnica do ensino. Nossos filhos precisam estar muito bem preparados para enfrentar um mercado de trabalho cada vez mais competitivo. Mas isso não basta. É que não queremos apenas que tenham profundos conhecimentos em matemática, língua portuguesa, biologia, física, química etc. No fundo, gostaríamos que fossem homens e mulheres responsáveis e felizes, sem deixar de dominar os conhecimentos científicos necessários para desempenhar com competência o papel que lhes cabe na sociedade.
Cabe ao colégio, quase com exclusividade, transmitir os conhecimentos científicos necessários para o ingresso numa Universidade e, também, para o exercício de uma profissão. Na formação humana, porém, os principais responsáveis sempre foram e serão os pais.
Apesar disso, o colégio exerce um papel fundamental na formação dos valores. É que os alunos passam várias horas por dia recebendo ensinamentos dentro de uma sala de aula e é natural a enorme influência exercida pelo professor. Por isso, os pais devem procurar por instituições que cultuem valores semelhantes aos vividos na família. Mas isso nem sempre se consegue facilmente.
Pode se pensar, por exemplo, que uma instituição confessional, por seguir a linha de uma determinada religião, será suficiente para se alcançar a almejada coerência com os valores familiares. No entanto, nem sempre isso ocorre. É que muitas vezes os professores são contratados exclusivamente por critérios técnicos e sem a devida formação naquilo que a instituição explicitamente afirma seguir. Por outro lado, em escolas não confessionais, em que os pais poderiam legitimamente esperar certa neutralidade em matéria de fé, mas um profundo respeito a todas as religiões, pode ocorrer que determinado professor venha a ridicularizar ou simplesmente tratar como mitos convicções preciosamente defendidas na família.
Mas encontrar um colégio no qual se cultuem valores semelhantes aos vividos na família ainda é pouco. Além disso, é necessário que haja canais de comunicação muito bem definidos, como ocorre em qualquer parceria que pretenda ser de sucesso. Não basta que os pais sejam chamados prontamente quando os filhos mereçam uma advertência, nem que estejam cientes dos maus resultados escolares. Deve haver um diálogo freqüente entre professores/coordenadores e os pais, de modo a se reconhecer os pontos positivos do filho ou da filha e, a partir deles, traçar um projeto de melhora pessoal.
Ao se estabelecer critérios tão exigentes na escolha do colégio, muitos pais pensarão que não sabem sequer como cultivar na família esses valores fundamentais, de modo que tanto menos saberão procurar um colégio que os auxilie nisso. Esse fato, inegável, nos remete para um dos maiores desafios da escola para o futuro: formar os pais.
Se os pais não sabem exatamente como educar os filhos, ao invés de procurar substituí-los – e nisso eles são insubstituíveis – a escola pode ensiná-los a ser pais, que cumpram com responsabilidade o seu papel. Para isso, porém, a instituição de ensino deve ter a coragem de admitir uma concepção muito clara sobre o que é o homem e a mulher, qual é o seu papel na sociedade e quais são os caminhos que possam trilhar para alcançar a tão sonhada felicidade. Do contrário, ouviremos cada vez mais aquela odiosa frase: “até aqui vai a escola, daqui para frente cabe à família”.

Assim como o coração e a mente de nossos filhos estão integrados numa existência única, de tal forma que não subsistem um sem a outra, não é possível separá-los no processo educativo. Exatamente por isso pais e professores devem se sentir co-responsáveis num empreendimento comum. E essa missão é tão radicalmente importante para ambos que do seu sucesso dependerá a felicidade de um ser humano, a sobrevivência de toda a sociedade e da nação. Mais ainda: os rumos da humanidade inteira.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Educar na sinceridade

Durante uma viagem, fui parado por um policial rodoviário que, em inspeção de rotina, solicitou-me os documentos. Minha filha, então com 6 anos, perguntou: “Pai, por que o guarda quer ver os documentos?”. “Para verificar se está tudo em ordem”, respondi enquanto vasculhava na bagunça do porta-luvas. “E está?”, insistiu ela. “Sim, está, filha, mas estou começando a ficar com receio de ter esquecido o documento do veículo”, disse-lhe já começando a ficar apreensivo com a situação. “Bem, então diga a ele que está tudo certo e vamos embora”. Por um instante pensei ordenar que se calasse, mas o fato é que a sua simplicidade arrancou um sorriso do policial. Achei os documentos, que estavam em ordem e, após, analisá-los, o gentil policial nos permitiu prosseguir a viagem.
Passado algum tempo, aquele incidente voltou a me intrigar. Será absurdo o raciocínio da criança? Ou melhor, seria possível viver numa sociedade em que basta a palavra dada, sem a necessidade de prova disso, certificado daquilo, reconhecimento de firma por autenticidade etc.?
Um fator essencial para a vida em sociedade é a confiança que o indivíduo pode depositar nos demais. Se estou no trânsito e encontro um sinal verde, tenho de confiar que os que trafegam pela via transversal irão a minha preferência de passagem. A mulher que obteve do marido a promessa solene de fidelidade, respeito e amor deve estar certa de que o esposo se portará tal como prometeu, assim como ele pode alimentar a mesma expectativa em relação a ela. A criança que é atirada ao alto pelo pai confia que ele não vai deixá-la se arrebentar no chão. Em todas essas situações, e em muitíssimas outras de nossas vidas, sabemos o quão dolorosas são as consequências que advêm de não termos cumprido os compromissos assumidos.
A desconfiança torna a vida extremamente difícil e complicada. Ouso dizer que é ela uma das maiores causas da burocracia na Administração Pública e também em muitas instituições privadas. Exige-se prova disso, certificado daquilo, comprovante de residência, de vacinação, de matrícula etc.
Os pais e os educadores em geral devem aprender a formar pessoas fortemente comprometidas em dizer a verdade e em honrar os compromissos assumidos. Conheço uma família que tem como regra que qualquer erro do filho, por mais grave que seja, é muito atenuado com o pronto reconhecimento. Ao contrário, a mentira para tentar acobertar uma má ação é considerada uma falta gravíssima, muito pior que o mal que se pretende ocultar. Penso que esse critério educativo é muito digno de ser imitado.
Mas para se educar a dizer a verdade, é necessário demonstrar confiança. A desconfiança estimula e mentir. “Por que dizer a verdade se quando a digo não confiam em mim?”, queixou-se certa vez um adolescente. Ao contrário, é um peso enorme para um filho ou um aluno quando ouvem essa palavra: “se você está dizendo, eu acredito, pois confio de verdade em você”. Assim agindo é possível que, por vezes, sejamos enganados. Mas o mal que isso causa é infinitamente menor que o produzido pela desconfiança. E se em alguma vez os surpreendermos em uma mentira evidente, então será o caso de agirmos com rigor, fazendo-os ver que a sinceridade é essencial na família, na sociedade e em qualquer outro ambiente em que se desenvolvem as relações humanas.

A confiança estimula a sinceridade e essa alimenta aquela, num fantástico círculo virtuoso. É hora de começarmos a implantá-no em nossas famílias, em nossas escolas e em nosso local de trabalho. Com isso vai se armando uma verdadeira corrente em que podemos estabelecer expectativas em relação aos demais, ao mesmo tempo em que cada um também se esforça por corresponder às legítimas aspirações que os outros fazem a nosso respeito. Talvez com isso se chegue um tempo em que bastará a palavra para que o policial acredite que está tudo em ordem. E mesmo que esse dia tarde em chegar, vivemos muito melhor agindo assim, simples e fortemente comprometidos com a verdade.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Adeus Dr. Farah

Faleceu na última quinta-feira, dia 26 de agosto o Dr. Benedito Jorge Farah. Para nós, simples e carinhosamente o Dr. Farah. Foi Juiz de Direito e depois desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Desde o primeiro momento em que o conheci fiquei com a sensação, que posteriormente somente veio a se confirmar, que o seu avantajado porte corporal não poderia ser menor para abrigar tão grande coração.
A vida do Dr. Farah foi um exemplo de amor ao trabalho, no caso dele, a Magistratura. Trabalhou até o último dia em que, compulsoriamente, teve de se aposentar. E mesmo após a aposentadoria pudemos inúmeras vezes vê-lo no Fórum, já com enorme dificuldade de locomoção mas com a alma jovem como nunca esbanjando demonstrações de carinho com todos, indistintamente. Soube dar um sentido aos últimos de seus dias, dentre outras atividades, desempenhando um trabalho voluntário de conciliação com os casais em litígio.
Penso que a vida e o exemplo que nos legou o Dr. Farah seja uma oportunidade imperdível para meditarmos como a nossa sociedade trata o idoso.
Lembro-me de um dos episódios daquele seriado de TV, “Família Dinossauro”, chamado “Dia do Arremesso”. Nele é retratada uma velha tradição dos dinossauros em que o homem-dinossauro teria a “honra e o prazer” de atirar a sogra no poço de piche quando ela completasse o seu 72º aniversário. E o filme segue o seu drama com um final simpático.
Não temos uma tradição de atirar nossos idosos num poço de piche, mas será que não os descartamos com uma crueldade ainda maior?
Há ainda uma justificativa para a aposentadoria compulsória aos 70 anos no serviço público? Não haverá dentre os juízes, promotores e servidores em geral pessoas que nessa idade ainda possam desempenhar uma importante missão em benefício da sociedade?
E no setor privado talvez a situação seja até mais agonizante. Não há a obrigatoriedade da aposentadoria, mas são inúmeros os casos de pessoas com cinquenta ou sessenta anos que não conseguem emprego exclusivamente por motivo de idade. Teríamos o direito de relegá-los a uma degradante inatividade, substituindo-os por outros de menos idade que se sujeitem a trabalhar doze, quatorze ou mais horas por dia e mais facilmente “formatáveis” aos padrões da empresa?
Penso que muitas pessoas já se deram conta dessa situação. Porém, ainda ficamos como que buscando paliativos para anestesiar a nossa consciência. Com isso, nos limitamos a aprovar leis que garantem vaga privilegiada nos shoppings, passe de ônibus gratuito e entrada franca nos cinemas. Mas será que nossos idosos não prefeririam uma vaga comum e pagar pelos espetáculos, mas que os acompanhássemos com atenção e que soubéssemos estar atentos aos seus valiosos conselhos?
Em muitas sociedades antigas os idosos eram verdadeiramente os conselheiros, tanto que era conhecido na antiguidade greco-latina o chamado o conselho dos anciãos, que por sua experiência de vida, sabiamente poderiam aconselhar. Hoje, atinge-se o apogeu profissional por volta dos trinta anos e às vezes menos e os idosos são tratados como néscios: “seus conhecimentos serviam para a sua época, hoje os tempos são outros...”. Será?
De fato, os tempos são outros. Com isso devemos como que aprender a envelhecer no mundo moderno. Trata-se de se esforçar por acompanhar os avanços tecnológicos e se adaptar, tanto quanto for possível, às novas formas de vida.
Mas é preciso que os mais jovens de idade também saibam enxergar que há algo de imutável no ser humano. O homem e a mulher deste início de terceiro milênio, assim como aqueles que viveram nos séculos passados, têm gravado na alma o mesmo anseio de felicidade e de eternidade. E aqueles que já desfrutaram longos anos nesta existência terrena, velhos de idade mas com a alma rejuvenescida têm muitas coisas a ensinar. E seria um enorme desperdício e uma terrível injustiça simplesmente atirá-las num poço de piche.

Que brilhe para nós o fantástico exemplo do Dr. Farah, como um homem que soube dar um sentido profundo a todos os seus dias, espalhando paz, serenidade e acolhida a todos os que o cercavam. Por esse motivo é que partiu com a alma jovem, apesar dos seus muitos anos bem vividos.