quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

Liberdade, não saia sem ela

Em matéria publicada ontem no Correio Popular, o Brasil é apontado como referência mundial na prevenção ao HIV/aids por suas campanhas “educativas” e a distribuição gratuita de preservativos. Nesta linha, o lema do Ministério da Saúde para o carnaval 2006 é “camisinha, não saia sem ela”. Com o propósito de auxiliar nesse, ao menos que se diz, bem sucedido programa, gostaria de relatar o caso de um jovem casal de namorados que conheço, pois penso que a experiência deles pode muito útil na prevenção dessa terrível doença.
Não vou revelar-lhes os nomes verdadeiros, para não lhes ferir a intimidade e para não serem discriminados. Chamar-lhes-ei, então, de Eduardo e Mônica. Afinal estou certo que Renato Russo não se zangará por eu dar aos personagens que criou uma nova personalidade.
Eduardo é evangélico e freqüentador assíduo de sua igreja. Mônica é católica e participa ativamente do grupo de jovens de sua paróquia. Namoram há quatro anos e já pensam seriamente no noivado. Vivem agora o dilema do que fazer neste carnaval. Eduardo gostaria de participar de um retiro espiritual para o qual lhe convidou o seu pastor, mas isso não deu certo neste ano.
Quando Marcão, colega de trabalho de Eduardo, soube que ficaria na cidade durante o carnaval e que procurava algum lugar para se divertir com a namorada, cuidou logo de ajudar o amigo: “Dudu, que legal que neste ano você vai cair na folia, vou passar no banco de preservativos e pegar umas camisinhas para você também, afinal não podemos descuidar”. Com toda a educação, mas também com convicção, Eduardo respondeu: “Olha, eu agradeço a sua preocupação, mas não precisa disso, eu e a Mônica, por livre opção nossa, decidimos que manteremos relação sexual somente quando nos casarmos e estou certo de que foi uma boa escolha que fizemos”.
O amigo insistiu: “Eu sei disso, Dudu, mas, sabe como é... Pode vir um momento de fraqueza, e é bom estar prevenido”. Agora, senhor de si, Eduardo respondeu: “Sabe, Marcão, há alguns anos eu tinha um cachorro do qual eu gostava muito, o Batuque, mas havia um sério problema com ele. Quando a cadela do vizinho entrava no cio, não havia quem o segurasse, pulava o muro, estragava as coisas em casa, fazia um verdadeiro carnaval. Meu amigo, é claro que tenho desejos, além disso, amo muito a Mônica, o que torna a situação mais difícil. Mas sou um homem e não um cachorro, de modo que posso dominar a minha vontade à luz de uma reta razão. Não sei se me entende. No fundo, nem quero que me entenda, mas apenas que respeite nossa opção”.
Mas o drama vivido por Mônica foi ainda pior que o do namorado. Resolveu ela passar um dia na casa do pai, que está divorciado de sua mãe e já no terceiro casamento. Neste dia, o pai, que se diz do tipo “liberal”, tentou ser agradável com ela: “Filha, você já namora há tanto tempo e já está com vinte anos, eu estava pensando se você não quer que eu coloque uma cama de casal aqui no seu quarto, assim talvez pudesse trazer os seus namorados para passar os finais de semana aqui conosco”. Mônica concorda com Eduardo em quase tudo, porém, muito mais impulsiva e estourada, não mediu as palavras na resposta: “Pai, o que está me dizendo? Por acaso pensa que sou uma prostituta para vir aqui me deitar com cada namorado que encontrar? Sabe, pai, para mim meu coração é algo muitíssimo precioso, e pretendo guardá-lo muito bem para, quando chegar o momento, dar-lhe de todo a uma única pessoa. É que as que se entregam a todo mundo, no fundo não se entregam a ninguém, são presas de um prazer momentâneo que nada constrói. Afinal, o egoísmo não constrói nada a não ser a própria destruição”. E, bem do feitio dela, saiu batendo a porta.
Logo que se encontrou com Eduardo, contou-lhe a briga com o pai. Ele, sempre muito ponderado, disse-lhe: “Mônica, meu amor, você tem razão no que disse, mas poderia ter dito de outra forma. Com esses modos não conseguirá nada. Pior, levantará mais incompreensão”. “Eu sei”, respondeu ela, e prosseguiu: “mas do jeito que ele me falou, o sangue ferveu. Droga, por que será que ninguém nos entende? Não tenho nada contra a que as pessoas queiram viver essa libertinagem nas relações sexuais. Mas, se se prega tanto a tolerância hoje em dia, por que não respeitam a nossa opção?”.

Confesso ao leitor que fiquei emocionado ao contemplar a rebeldia desses jovens, tão à moda deles, estampada em uma frase em suas camisetas de carnaval: “liberdade, não saia de casa sem ela”.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

Limites na educação


Semanas atrás manifestei nesta coluna certa perplexidade com o Projeto de Lei n. 2.654/2003, que tramita no Congresso Nacional, com o que se pretende proibir qualquer forma de punição corporal a crianças e adolescentes. Como disse naquela oportunidade, o assunto merece ser melhor refletido.
Penso que as “palmadas” nas crianças não são mesmo um recurso educativo a ser utilizado a todo momento. Mais ainda, conheço vários pais que conseguiram educar muito bem sem jamais ter sequer levantado a mão contra os filhos. Aliás, se analisarmos bem, muitas das vezes que se bate numa criança, faz-se porque o pai ou a mãe estão nervosos com outro assunto que os afligem e a travessura foi apenas o estopim. Outras vezes, quase sempre, bate-se porque não se tem paciência para explicar o porquê de não poder ela fazer algo, dando os motivos pelos quais sua conduta não é adequada e, sobretudo, expondo as boas razões para se proceder corretamente.
O problema de leis radicais como essa são as más interpretações que podem causar. Estou certo de que, tão-logo aprovada, não tardará em surgir nas escolas e nas famílias uma falsa concepção do tipo: não se pode fazer nada com o garoto que não obedece, pois do contrário pode ser “processado”. Ou, pior ainda, as próprias crianças poderão incorporar o falso conceito e se levantarem contra os educadores, pais e professores, numa arredia desobediência a qualquer tipo de ordem com o petulante argumento: “não pode fazer nada comigo, sou menor”.
Não há educação sem limites. Já relatei a história de um garoto que, durante uma viagem com os colegas de escola para um acampamento, se queixava com o professor de que seus pais não lhe davam liberdade, que dependia da autorização deles para quase tudo. Esse bom professor deu ao aluno uma brilhante lição, que merece ser contada novamente:
“Seus pais não permitem que você faça tudo o que quer porque o amam. Veja esse pequeno riacho, em sua nascente, uma margem é bem próxima da outra. É o que ocorre com uma criança pequena, de tudo dependem dos pais. O riacho, conforme vai avançando, as suas margens vão ficando cada vez mais distantes, até que deságüe no mar, onde não há mais margens. Assim deveriam os pais fazer com os filhos. A autoridade dos pais é a margem dos rios que permite que cheguem ao destino. Quanto maior o rio, mais distantes as margens, quanto maior e mais responsável o filho, maior pode ser a sua autonomia. E veja, que bom que é a margem, imagine o que seria do rio sem ela? Veja aquela parte do rio em que a margem é menos resistente, parte da água caiu para fora e apodrece à beira do rio, não chegará ao mar. Assim acontece com os filhos que possuem pais fracos, que não desempenham a obrigação de exercer a autoridade: deixam seus filhos perdidos nas ribanceiras do mundo, não chegam ao mar".
Soube também do drama de uma adolescente que talvez ilustre o desastre que é a educação sem limites. Trata-se de uma jovem de quatorze anos que estava deprimida e resolveu fazer um tratamento psicológico. Depois de algumas sessões, ela acabou por deixar de escapar algo, aparentemente sem importância, mas que revelava a causa de sua “depressão”.
Disse ela: “quando as minhas amigas me convidam para algum passeio que eu não quero, gosto muito de dizer que meus pais não deixaram. É a desculpa que mais me agrada”. “Você sabe por que isso lhe agrada?”, perguntou o psicólogo. “Na verdade não sei”, prosseguiu ela, “os pais de minhas amigas sempre as proíbem de fazer algo que elas verdadeiramente gostariam, mas eles também conversam com elas, fazem programas juntos, penso que elas ganham um beijo dos pais antes de irem dormir...”. Ela não contém as lágrimas que escorrem, e depois conclui: “meus pais me deixam fazer tudo o que eu quero porque não gostam de mim. Fazem isso para que eu não os incomode, então eu costumo dizer a minhas amigas que me proíbem de fazer alguma coisa para que não percebam que meus pais não me amam”.

Comprometedor esse relato, não? É hora, pois, de levá-lo mais a sério.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

A importância do exemplo

Roberto é um pai preocupado com a educação dos seus dois filhos. Um dia, Verônica, sua esposa, deu-lhe a desagradável notícia que Gabriel, o filho mais velho, que conta agora com sete anos, havia cometido um pequeno furto em uma loja do shopping.
Segue o relato de Verônica ao marido: “Saí com o Gabriel para comprar o presente de aniversário do amiguinho dele. Enquanto escolhia um brinquedo, ele me pediu um caminhãozinho, desses mais baratinhos, mas eu lhe disse que não compraria, pois não era seu aniversário, Natal, nem havia qualquer motivo especial para ganhar presentes”.
“Passados alguns dias”, continuou a esposa, “eu notei que ele brincava com um carrinho que eu não conhecia. Perguntei a ele de quem era o brinquedo, e, após empalidecer e gaguejar, disse que um colega da escola o havia emprestado. Insisti com ele dizendo que o melhor é dizer a verdade sempre e, após algum tempo, ele acabou confessando ter pegado o brinquedo na loja”.
Roberto, indignado com o filho, pensou que seria essencial uma longa conversa. Iniciou explicando que isso não se faz, que aquilo é crime, que se fosse um adulto poderia ir para a cadeia etc. E, depois de muito falar, concluiu o sermão: “Mas o pior disso tudo, filho, é que você mentiu para sua mãe. Se tivesse admitido o erro na primeira vez que sua mãe falou com você, teria sido muito melhor para todos”. E depois confirmou ao filho uma regra que em sua casa sempre levam muito a sério: “Por pior que seja o que você fizer, se nos disser a verdade, não haverá castigo. É claro, se fizer algo que é errado, como seus pais, devemos explicar que isso não é bom para você e porquê; mas quando assumimos o erro damos um passo muito importante para corrigirmos esse erro”. E disse outras coisas mais ressaltando a mesma idéia.
A conversa ocorreu num sábado pela manhã, e a família estava de saída para um passeio num parque de diversões. Concluído o sermão, começaram-se os preparativos para a saída. Nesse momento, toca o telefone, que Verônica atende prontamente. Era o sócio de Roberto que ligava apenas para lembrar-lhe que haviam combinado um jogo de tênis há quinze dias para aquela manhã. Ao perceber quem era, Roberto pôs-se a fazer vários gestos a Verônica, que não entendia nada do que se passava com o marido.
Tentando entender o que aconteceu, Verônica tapou o fone do aparelho e indagou ao marido: “Querido, o que foi?”. Ele, todo aflito, explicou: “Eu me esqueci que havia combinado de ir ao clube jogar tênis com ele hoje... Diga que estou passando mal... com dor de dente, ... assim que melhorar, telefono para ele”. A esposa, sem saber o que fazer, voltou ao telefone toda sem jeito e disse: “Sérgio, o Roberto te liga daqui a pouco, pode ser? Até logo”.
Roberto perdeu toda a empolgação do passeio, afinal, havia faltado com o amigo, mas seguiram ao parque.
Lá chegando, procurou logo se inteirar das regras e condições do passeio, quando notou que crianças de até quatro anos tinham entrada franca, e os de cinco a doze pagavam meia. Logo que se soube disso, Roberto disse ao filho Lucas, que havia completado cinco anos duas semanas atrás: “Filho, você não precisa de ingresso, mas se alguém lhe perguntar, diga que tem ainda quatro anos”. “Ah! Por quê?”. Perguntou o garoto, que estava todo orgulhoso de já ter os seus cinco anos completos. “Porque se disser que tem cinco anos, vou ter de pagar mais doze reais pelo seu ingresso”. “Pai, pode usar de minha mesada, insistiu o filho”. Nisso, já estava a família diante da portaria e todos entraram sem maiores dificuldades, com o pai exibindo apenas os três ingressos.
O dia foi muito divertido. Já pela tarde, enquanto Gabriel tomava um refrigerante descontraidamente com o pai, resolver tirar uma dúvida que o estava incomodando o dia todo: “Pai, a gente só pode mentir para não jogar tênis com o amigo e para não pagar ingresso no parque?”.

Roberto engoliu em seco, também porque somente agora se lembrou que sequer deu uma satisfação ao amigo que o aguardava. Pior, vinha-lhe à mente naquele momento o que havia lido num livro sobre educação dos filhos: “um exemplo vale mais que mil palavras”.