quarta-feira, 31 de maio de 2006

Dívida com os jovens

Na semana passada houve uma agitada manifestação de estudantes no centro de Campinas, que reivindicavam isenção do pagamento de tarifa de transporte público urbano. Não pretendo tecer considerações sobre o que motivou o movimento, mas, sempre que contemplo manifestações juvenis, vem-me à memória a música cantada por Oswaldo Montenegro, Intuição, que contém uma saudável instigação ao protesto:
Canta uma canção bonita falando da vida em ré maior.
Canta uma canção daquela de filosofia, é mundo bem melhor.
Canta uma canção que agüente essa paulada e a gente bate o pé no chão.
Canta uma canção daquela, pula da janela, bate o pé no chão,
Sem o compromisso estreito de falar perfeito, coerente ou não.
Deixando de lado, porém, a rebeldia, por si natural e saudável, o que me intriga são os ideais pouco elevados que movem os jovens de nosso tempo a lutar. Ainda ressoa nos ouvidos de nós, jovens de anos passados, aquele conclame a “cantar uma canção bonita, de filosofia e mundo bem melhor”.
Será que eles, jovens de agora, não sonham em um mundo bem melhor? Não estão dispostos a cantar uma canção que agüente essa paulada e a gente bata o pé no chão? Por que os motivam agora causas tão pequenas?
É com um forte estremecimento na alma, contudo, que nós, jovens de anos passados, temos de reconhecer que os jovens de agora não sabem, agora parafraseando Belchior, “que viver é melhor que sonhar” e talvez nem que “o amor é uma coisa boa”.
No amanhecer de uma vida, que é a juventude, afloram muito fortemente os sonhos. Ainda hoje, como antes, querem os jovens lutar por um mundo melhor, por uma sociedade onde reine justiça e paz. Ainda hoje, como sempre, o jovem sonha com uma profissão, com o prestígio entre os seus semelhantes, em ter o reconhecimento no trabalho bem feito em benefício dos demais. Ainda hoje, como outrora, sonha-se com um amor humano, com alguém com quem construir juntos esses sonhos.
Mas acontece que os jovens de hoje, como sempre, precisam de exemplos, de modelos em que se inspirar. Querem contemplar vidas bem vividas que os façam crer que vale a pena viver. E isso talvez seja os que mais lhes faz falta, e por isso trazem sonhos tão rasteiros e tímidos.
Sonham com um mundo bem melhor, onde reine justiça e paz, mas o panorama que lhes apresentam é de corrupção, impunidade e violência. Sonham com uma profissão que lhes dêem a dignidade do trabalho, mas ao mesmo tempo se contemplam indignos usurpadores que ganham dinheiro sem nenhum trabalho digno. Sonham com um amor humano, mas ao mesmo tempo contemplam muito de perto o triste espetáculo de lares desfeitos, brigas, rancores, degradação da família.
Talvez seja essa a causa que os faça se animarem para lutar por menos da metade de uma passagem de ônibus: fechamos as portas de seus sonhos. E a culpa disso é de nós, jovens de anos passados.
Os jovens de hoje esperam de nós, jovens de anos passados, exemplos de que a vida vale a pena encarnados em existências concretas.
Quando sonham com um trabalho profissional honesto que lhes assegure a dignidade, temos de mostrar-lhes o exemplo de nosso próprio trabalho, onde encontramos dificuldades e dissabores, mas o desempenhamos da melhor forma possível em benefício dos demais.
Quando eles, jovens de agora, sonham com um amor humano com quem compartilhar suas vidas, nós, jovens de anos passados, temos de estar prontos para abrir-lhes os nossos lares como redutos onde reina a serenidade e a alegria, apesar das dificuldades.
Enfim, quando nossos jovens de agora querem um mundo melhor, nós jovens de tempos passados, haveríamos de estar engajados numa luta acirrada pelo restabelecimento da ética na vida pública, na família, no nosso trabalho, nas relações sociais.
Do contrário, os anos passarão e estaremos sempre cantando a mesma canção:
“Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo tudo o que fizemos
Nós ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como os nossos pais”.

Pior, sequer poderemos dizer que fizemos tudo o que poderíamos para dar-lhes a tão almejada esperança.

quarta-feira, 24 de maio de 2006

O PCC e o Código Da Vinci

Recente apreensão feita em residência de integrante do PCC revela que a facção criminosa possui regras muito bem definidas e uma hierarquia bem estruturada. A organização possui até uma “cartilha”, cujo primeiro item traz como lema “lealdade, respeito e solidariedade”.
Lealdade, respeito e solidariedade. O mandamento não parece nada ruim, ao contrário, essas palavras poderiam mesmo ser consideradas como pilares de qualquer instituição que pretenda ser duradoura. Uma dúvida que se coloca, porém, é como uma entidade voltada para o crime pode ter como lema ideais tão nobres?
A resposta não é difícil. É que, para eles, lealdade, respeito e solidariedade são mandamentos a serem vividos entre os integrantes da facção criminosa. Todas as demais pessoas, em princípio, são inimigos, ou, quando menos, alguém de quem se possa obter proveito econômico através do roubo, do tráfico de entorpecentes e outros delitos.
Mas será que a nossa sociedade também não está recheada em seu bojo de redutos fechados que buscam o proveito de seus membros? Será que não há uma mentalidade do tipo “quero que você me aqueça nesse inverno e que tudo o mais vá pro o inferno”?
Não pretendo com essas indagações justificar ou dar como aceitáveis as condutas dos membros dessa organização criminosa. Mas se em nossa sociedade se vivesse de verdade a lealdade, o respeito e a solidariedade para com todos, seria por certo muito mais difícil surgir dentro dela organizações que se voltam contra a própria sociedade.
As palavras que compõem esse mandamento do PCC não nos são desconhecidas. A sociedade brasileira foi constituída sob uma forte influência do cristianismo, a tal ponto que podemos dizer que os nossos valores são valores cristãos.
Por esse motivo sabemos muito bem o que é lealdade. Afinal, tanto se prima pela lealdade no cristianismo que Cristo se intitula como o “Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas”. E condena o mercenário que não é leal com suas ovelhas, abandonando-as quando o lobo as ataca.
O mesmo se dá com o respeito. Quanto a esse, porém, a mensagem cristã vai além, recheando-o de benevolência. Jesus dá mostras disso nos diversos milagres em que cura os leprosos, dá a vista aos cegos, faz os coxos andarem, deixando claro que não apenas os respeita como seres humanos, mas, mais que isso, que se interessa de fato por eles, indo ao seu encontro para os aliviar de suas aflições.
Solidariedade. Quem não conhece a parábola do bom samaritano? Mas aqui o Mestre toca na raiz do que seja solidariedade e exclui a possibilidade de se vivê-la apenas para com os membros de um grupo fechado. O Senhor colocou um samaritano para ser o solidário com aquele ferido exatamente por considerar a rivalidade existente entre eles e os judeus, deixando bem claro que o nosso próximo, com o qual devemos ser solidários, são todos os seres humanos e não apenas os “irmãozinhos” dessa ou daquela entidade.
O cristianismo tem, pois, a receita perfeita para construir uma sociedade mais humana. Basta que resgatemos e vivamos os seus valores.
Infelizmente, porém, querem agora através de um livro convertido em filme, ambos sem nenhum embasamento histórico confiável, suscitar uma dúvida acerca da pessoa de Cristo. Alguém de uma imaginação muito fértil cria uma nova “versão” da pessoa de Jesus. O próprio escritor admite que tudo aquilo é uma ficção, porém, suficiente para suscitar dúvidas naqueles que, ainda que arrotem arrogantes teses filosóficas, não conhecem os fundamentos da mensagem cristã. Não conhecem, é bom que se diga, porque essa é revelada aos “pequeninos” e está oculta aos “sábios e aos doutores”.

Caro leitor, o momento é de fato muito grave. O PCC quer roubar o respeito, a lealdade e a solidariedade apenas para os seus membros, mas os autores dessa estória de mau gosto querem fazer com que nós desacreditemos do próprio Autor do respeito, da lealdade e da solidariedade. Fazem, portanto, um mal muito maior, até porque agem de forma mais sorrateira e ardilosa. Afinal, sabem que a mentira mais atraente é aquela que vem muito bem adornada de pequenas verdades.

quarta-feira, 17 de maio de 2006

Quem vencerá a guerra?

Tempos atrás, encontrava-me nas proximidades de um estádio de futebol e tive de pedir informações a um policial militar. Fiquei surpreso com a sua educação e urbanidade. Pensei que pudesse se tratar de um caso isolado, mas, no mesmo dia, ao intervir numa briga entre dois torcedores, outro policial agiu com uma firmeza e profissionalismo que por certo não o deixa aquém de seus colegas do chamado primeiro mundo. Recentemente, no jogo entre o Corinthians e o rival argentino, novamente a nossa Polícia Militar deu mostras de preparo e competência ao conduzir a situação, sem o que as conseqüências poderiam ter sido bem piores.
Os recentes acontecimentos, ao contrário, expõem uma lastimável fragilidade em nossas polícias, que mostram uma aparente incapacidade de combater com eficácia o crime organizado.
Passada a perplexidade que marca nossa primeira reação diante dessa barbárie, começa a surgir uma dúvida ainda sem resposta: esses incidentes são passageiros e serão prontamente controlados? Ou teremos de aprender a conviver com uma espécie de guerrilha?
Quero crer que em breve a situação esteja sob controle, mas é certo que o crime organizado deu mostras de que pode fazer estragos e, se não fizermos nada, ganhará cada vez mais força. Mas como combatê-lo com eficácia?
Uma primeira estratégia nessa guerra é de todos conhecida: é preciso equipar e formar melhor nossas polícias. É necessário que sejam melhor equipadas, que recebam uma remuneração digna, que tenham uma formação adequada e continuada. Mas isso tudo não basta. O combate eficaz à criminalidade somente se consegue com a participação efetiva da sociedade.
Certa vez, uma empregada doméstica que trabalhava em minha casa, contou-me a tragédia que presenciou. Um rapaz, fugindo de um traficante com quem tinha dívida, entrou correndo na casa dela, onde foi covardemente assassinado pelo bandido, que lhe desferiu vários tiros, caindo morto sobre o seu sofá. E o pior, contou-me ela, é que a cena grotesca foi presenciada por seus filhos pequenos. Perguntei a ela se sabia quem era o assassino e se contou isso à polícia, ao que ela me respondeu: “claro que sei quem é o bandido, passa todos os dias na minha rua, mas disse à polícia que não sabia de nada não, pois se disser, estou morta”.
Essa é a arma mais poderosa dos bandidos: o medo e, com ele, o “não sei de nada”, “não vi nada”, “não me comprometa”. Não tenhamos dúvida, o objetivo das organizações criminosas já foi atingido. Mataram dezenas de pessoas inocentes, a imprensa contribuiu com eles, fazendo um verdadeiro estardalhaço, e agora estamos todos aterrorizados, e já recebemos, ainda que inconscientemente, o recado bem claro: não delatemos os criminosos, pois eles são poderosos, vejam do que foram capazes!
E essa ação engenhosa desses “gênios do crime” pode trazer outra conseqüência ainda mais perigosa e desastrosa: colocar a população contra a polícia. O policial existe para proteger as pessoas de bem, e se essas pessoas se voltam contra ele, ou o trata com desprezo, não valorizam sua profissão, a conseqüência será uma desmoralização do policial e, por conseqüência, a desmotivação em lutar pela segurança da sociedade.
É necessário e é urgente restabelecer uma sadia cumplicidade entre a polícia e a sociedade. Para isso, num primeiro momento, o cidadão deve estar seguro de que será eficazmente protegido quando denunciar ações criminosas de que tenha conhecimento. Trata-se de estruturar o programa de proteção a testemunhas, que implante medidas eficazes de resguardo a quem coopera com o combate ao crime.
É necessário e é urgente que se faça uma campanha de valorização do trabalho do policial. O policial tem de ser o herói das crianças, o porto seguro dos idosos e o guardião respeitado por todos como alguém que está disposto a dar a vida para nos proteger. Isso, mais do que bons salários, é o que importa para que se resgate a dignidade de quem escolheu por profissão nos defender.
Enfim, é necessário e é urgente que se resgate os valores cristãos em nossas famílias, em nossa sociedade, em nossa Pátria. A canção da Polícia Militar de São Paulo assim resume a missão da corporação:
Legião de idealistas
Feijó e Tobias
Legaram-na aos seus
Tornando-os vigias
Da Lei e Paulistas
"Por mercê de Deus"

Não é hora de divisão nem de acovardar-se, pois é a isso que almejam esses bandidos. É hora de nós, cidadãos, apoiarmos e estimarmos nossos policiais. Que nos olhos de todos brilhe o agradecimento e o reconhecimento àquele que "por mercê de Deus" dignou-se escolher por profissão nos defender.



quarta-feira, 10 de maio de 2006

Profissão: mãe

O próximo domingo é dia das mães, tempo oportuno para refletirmos um pouco sobre a maternidade em nossos dias.
O futuro da humanidade está, como sempre, nas mãos das mulheres. Engana-se quem pensa que os homens comandam ou comandaram os destinos da sociedade. Mesmo nos tempos em que coube aos homens, com exclusividade, o exercício do poder, esses homens foram filhos, e tiveram o seu modo de ser forjado no colo de suas mães, ou na ausência dele.
Esse relacionamento essencial entre mãe e filho, sobretudo nos primeiros anos de vida da criança, contudo, está se tornando escasso, dada a cada vez mais acentuada participação da mulher no mercado de trabalho.
Penso que o trabalho da mulher fora do lar seja algo muito bom para a sociedade. Elas galgaram postos com competência, inteligência e dedicação. Já são imprescindíveis nas funções que desempenham. Exemplo marcante disso é a nova Presidente do Supremo Tribunal Federal, magistrada justa, sábia e prudente, que faz jus ao exercício do cargo que ocupa.
Mas se a mulher está hoje inserida no mercado de trabalho e é insubstituível nesse espaço que conquistou, uma questão que se coloca é como harmonizar isso com a maternidade, função em que é ela mais essencial ainda. Como a mulher operária, funcionária pública, empresária, magistrada, consegue ser ao mesmo tempo e com a mesma dedicação, mãe?
A conciliação disso nem sempre é fácil. Quem nunca observou a aflição de uma colega de trabalho que deixou o filho com febre no berçário ou em casa?
Mas se é difícil conciliar trabalho profissional e as obrigações de mãe, não lhe falta a criatividade. Afinal, o amor é sempre muito inventivo. Em algumas situações, quando o trabalho permite, busca-se fazer parte dele em casa. Então as antenas ficam ligadas e, de quando em quando, pode se dar uma escapada para cobrir de afagos o pequenino que brinca por perto. Por vezes, espremem-se os horários para que sobre  tempo para estar com os filhos.
Aliás, se é comprovado o quão importante é a presença da mãe para a criança, sobretudo nos primeiros anos de vida, penso que a legislação trabalhista deveria ser mais flexível para com elas, dando condições de passar mais tempo ao lado dos filhos. E isso não seria nenhum exagero. Afinal, é da formação dos futuros cidadãos que se estaria cuidando.
Outro fator importante nessa difícil conciliação é a cooperação dos pais. Trocar fraldas, vestir, dar mamadeira de há muito deixou de ser tarefa exclusiva das mães. Mas mais que isso, a mãe precisa sentir-se amparada pelo marido. Trata-se de compreender o quão difícil é para ela dedicar-se ao trabalho profissional e, ao mesmo tempo, desempenhar aquelas tarefas que por natureza lhe cabe com exclusividade: ser mãe. E nesse intento, é muito bem vindo a ela que o marido ajude nas tarefas do lar, a auxilie no cuidado com os filhos, enfim, que lhe alivie as cargas que, no mais das vezes, pesam mais sobre elas.
Mas há também aquelas mães que, por libérrima escolha, optam por ser mãe por profissão, ou seja, não desempenhando trabalho fora do lar. Quanto a essas, penso que seja terrível injustiça uma certa manifestação que há de menosprezo, como se essa profissão fosse menos digna que a das demais.
A maternidade é a mais nobre função que a mulher pode exercer. Dela depende o futuro da humanidade. Com efeito, mães indiferentes, ausentes, desleixadas, geram filhos inseguros, deprimidos, egoístas. Ao contrário, mães dedicadas, presentes, zelosas, geram filhos felizes, responsáveis, seguros de si, que serão no futuro os construtores de uma sociedade mais humana.
É muito interessante e por vezes incompreensível para nós, pais, observar o mistério da maternidade. Um novo ser é concebido no ventre dela, desenvolve-se e, antes de nascer, já se observam laços de afetividade entre eles que nós contemplamos, mas não compreendemos. Depois ele nasce, ela o amamenta e continuamos sem entender muito bem o que se passa entre eles. Ele cresce, e já podemos vislumbrar em seus olhinhos uma dúvida fundamental: “mamãe, para que você me trouxe ao mundo?”. E a resposta da mãe vem sem palavras, com afagos e mais beijos, e então ele compreende: “para amar, porque a mamãe me ama”.

E nessa relação, caros pais, somos, quando muito, meros atores coadjuvantes, e não nos resta outra conclusão: mães, vocês são de fato insubstituíveis.

quarta-feira, 3 de maio de 2006

“Vagão exclusivo para mulheres”

Com o propósito de evitar o “assédio sexual” sofrido por mulheres em trens urbanos e metrô, o Estado do Rio de Janeiro aprovou uma lei que obriga as empresas a destinarem um vagão exclusivo para elas. A iniciativa gera certa perplexidade e também muitas dúvidas. Fico pensando se ocorrer de alguma mulher entrar em algum vagão que não seja exclusivo, poderia ser interpretado que aceita ser assediada? E os homens que descumprem a regra, são potenciais autores de crime contra a liberdade sexual?
Mais uma vez tenta-se resolver por meio de lei um problema que não é passível de solução legislativa, mas somente com educação. Mas, se pensarmos bem, de que tipo de educação estamos falando? Ou, melhor dizendo, como se pode educar para não se assediar as mulheres?
Um aspecto muito importante da educação para o qual não se tem dado a devida atenção, e muito menos se tem tomado iniciativa para o pôr em prática, é o de educar a vontade. Numa sociedade hedonista e permissiva em que vivemos, onde o prazer se converte no fim último buscado por muitas pessoas, e o sacrifício em busca de ideais nobres soa como heresia, é difícil falar em educação da vontade. Mas acredito que é a falta disso que tem acarretado aberrações como a do assédio de mulheres, as agressões praticadas por filhos contra os pais e, mesmo, o aumento exorbitante da criminalidade.
É muito comum que as crianças passem muitas horas diante da tevê, do computador ou do videogame, sem nenhum controle ou limite por parte dos pais. E quando se pensa em fazer algo para conter isso, é comum que os pais pensem: “deixem-nas lá, ao menos estão quietas e se divertindo”. Acontece que o fazer o que gosta o tempo todo faz delas pessoas fracas, que não aceitam ser contrariadas, incapazes de esforços em favor dos outros.
A vontade pode e deve ser educada, e sem isso não se formam pessoas de verdade. Quando se cuida disso, alcançam-se resultados muito positivos. Pequenos hábitos de fortaleza, como exigir que se assista televisão sentado e não esparramado pelo chão, não deixar que se fique comendo qualquer coisa que queiram e a qualquer hora, ter um horário fixo para as atividades de lazer, para as brincadeiras, mas também para o estudo, são atitudes que, ainda que custem para os filhos e muito mais para os pais que exigem isso, servem para que adquiram um auto-domínio e sejam capazes de se portarem como homens e mulheres de verdade.
Ao contrário, quando não se estimula em atitudes bem concretas esse controle dos próprios instintos, é que surgem as aberrações, em vários aspectos da vida social. É o caso do aluno que agride o professor porque não está acostumado a ser contrariado. É o caso dos viciados em drogas e álcool, pois sempre puderam comer e beber o que querem e a hora que querem, e, agora que deixaram de ser criança, também não conseguem conter os mesmos impulsos. É enfim, o caso do assediador que, quando tinha vontade de jogar videogame, lhe permitiam, quando queria ficar esparramado pelo chão sem fazer nada, também lhe consentiam, agora, tem vontade de agarrar a moça no trem, agarra, ainda que não lho permitam.
Lembro-me de um episódio bem pitoresco de minha infância. Estava eu em uma fazenda para andar a cavalo. Foi-me preparado um cavalo manso, mas, ao lado, havia outro de aparência bem mais bonita e imponente. “Eu quero andar nesse”, disse eu ao peão que iria me acompanhar, a quem se chamava familiarmente de Edião. Mas o Edião me disse que naquele cavalo seria perigoso, pois era um “cavalo inteiro”. Essa expressão “inteiro” significa que o animal não é castrado. Não entendi nada, mas aceitei, afinal o Edião era o melhor amansador de cavalos que se conhecia, e sabia o que estava falando.
Após um tempo de cavalgada, notei que o Edião tinha grande dificuldade de conter o seu cavalo, que relinchava e sacudia a cabeça com muito vigor. “Tá vendo porque não deixei você montar neste cavalo? Ele percebeu uma égua no cio que está apartada em outro pasto, e agora não tem quem o segura...”. O meu cavalo, capão, como se dizem, permanecia imperturbável com aquilo tudo. Mas o Edião conseguiu segurar o seu cavalo, afinal ele era um peão muito experiente e treinava como domar os animais há muito tempo, de modo que manteve as rédeas firmes.

E nós, homens, será que por sermos racionais não somos capazes de domar a nós próprios? Ou teremos de andar “apartados” delas em outros vagões para não assediá-las? Esse controle exige treino, que deve começar bem cedo. Porém, mais que isso, exige formação; trata-se de dizer aos nossos filhos e alunos, com palavras e com o exemplo, que, diferente do que ocorre com os cavalos, para os seres humanos o sexo é  ato de amor, de entrega, a ser praticado entre um homem e uma mulher unidos por laços que os projetam para a eternidade.