Os dados do Censo Demográfico de 2010, realizado pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam um número
crescente de pessoas morando sozinhas. Os brasileiros solitários já somam 6,9
milhões. Hoje os domicílios com apenas um morador já são 12,2% do total, ante
10,7% das residências com cinco pessoas. Em 1960, a média de moradores
por domicílio era de 5,3 pessoas. Cinquenta anos depois, caiu para 3,3 (Fonte:
O Estado de São Paulo, 24/07/2011).
Os números trazem um sinal de alerta. O fato de uma
pessoa residir sozinha não é em si algo ruim. O que pode se revelar preocupante,
porém, são as causas desse fenômeno.
O que dá sentido a uma vida é a capacidade de se
doar. Amar e sentir-se amado é a necessidade mais fundamental de todo ser
humano, que toca em sua natureza mais íntima. E esse amar e ser amado manifesta-se
primeiro e primordialmente no seio de uma família.
Nesse sentido, dentre esses milhões de solitários, é
possível que se encontre um contingente considerável de homens e mulheres
viúvos, que tiveram filhos, que os formaram com sacrifício e dedicação, mas que
agora deixaram a casa dos pais para seguir as suas vidas, muitos formando novas
famílias.
Mas haverá nesses dados, infelizmente, um grande
número de homens e mulheres que vivem sós porque não quiseram ou não souberam
se doar de verdade. “Quero ter o meu espaço”, “a minha liberdade”, “as minhas
coisas”... eu, eu, eu. Talvez possamos ouvir por entre as suas paredes vazias o
triste desabafo do saudoso Renato Russo: “já que você não está aqui o que posso
fazer é cuidar de mim...”. Acontece que ninguém é feliz vivendo para cuidar de
si.
Creio que há, também, outro grande número de
solitários que não aparecem naqueles dados estatísticos. Refiro-me aos pais,
mães e filhos que vivem sob o mesmo teto, mas como ilhas. Vivem, mas não
convivem. Coabitam, mas não se relacionam. Conversam, mas não se ouvem. Olham,
mas não se enxergam. Cada vez mais em nossos lares se valoriza o quarto, com
uma TV e um computador para cada um, ou seja, como um pequeno mundo para se
isolar. A sala de jantar, onde se poderiam construir deliciosos momentos de
convivência, é substituída por um pequeno espaço dentro da cozinha, propício
para um monótono e silencioso fast food.
É triste constatar, mas é isso um autêntico laboratório de solitários.
É necessário e é urgente que os pais resgatem o
quanto antes a alegria do convívio familiar. Não é bom para a família nem para
a educação dos filhos que se tenha TV e computador no quarto. E os pais devem
ser os primeiros a renunciar a essas comodidades em benefício de um saudável
relacionamento com os filhos. Além disso, os nossos filhos precisam aprender
desde muito cedo a se sacrificar pelos demais. Trata-se de prestar serviços e fazer
companhia ao irmão doente, de ajudar nas tarefas do lar, ainda que as condições
econômicas permitam ter trabalhadores domésticos. Enfim, devem aprender com o
exemplo dos pais que não há maior alegria que poder servir, a começar pelos da
nossa casa.
Gostaria de terminar com o relato da vida do Sr.
Francisco: Viúvo há quatro anos, teve seis filhos e quatorze netos. Aos seus 82
anos, não se dá o direito de não fazer nada, apesar de sua merecida
aposentadoria. Dedica-se a administrar uma associação que cuida de crianças
carentes. A hora mais melancólica é quando chega à casa ao final do dia. Parece
que o barulho das crianças correndo de um lado a outro ainda ecoam naquelas
paredes. Vem então à memória repleta de saudade a esposa dedicada que o
aguardava com a mesa posta. Mas isso tudo não mais lhe arranca lágrimas. Toma
um bom livro e entre as suas páginas experimenta a paz de ter se doado à amada
até o último momento. Além disso, contempla o resultado maravilhoso do trabalho
dela e dele nos filhos e netos, que, apesar nos inúmeros problemas, estampam um
caráter bem formado num lar luminoso e alegre. Abandona então o livro e sua
vista salta até as estrelas na janela, enquanto balbucia de si para si: “Vale a
pena, vale a pena!”.