segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Amor e sacrifício

É curioso notar, mesmo em pessoas casadas há vários anos, que não encaram o relacionamento conjugal como algo cujo sucesso depende de esforço e dedicação. Todos admitimos facilmente que é necessário trabalho e sacrifício para se obter o sucesso na vida profissional. A união matrimonial, porém, costumamos encarar sob outro prisma: o do prazer ou da mera satisfação pessoal. Ou seja, vale a pena na medida em que traga algum benefício para si próprio e, por consequência, merece ser descartado quando não seja mais seja capaz de satisfazer os anseios pessoais. Quem pensa assim, porém, ainda não descobriu o verdadeiro amor conjugal.
As grandes conquistas na vida pessoal, nas instituições e nas sociedades sempre dependeram de um trabalho perseverante. Contemplemos uma bela obra de arte. Ainda que seja imprescindível o talento do artista, não se faz sem esforço constante e esmerado, dia após dia, até atingir o objetivo. Tomemos também como exemplo as grandes construções arquitetônicas. Muito mais que um amontoado de materiais harmonicamente justapostos, são resultado do trabalho cansativo empreendido por muito homens e mulheres. De igual modo, o sucesso em qualquer relacionamento humano, em especial o conjugal e familiar, nunca será alcançado comodamente.
O relacionamento conjugal tem algumas fases que necessitam ser percorridas até se atingir a sua essência. A primeira delas é a mera atração que pode despertar mesmo entre pessoas que não se conhecem. Essa atração pode despertar o desejo de se conhecerem melhor, podendo então surgir uma segunda fase, a do enamoramento, onde a afetividade desempenha um papel importante. Mas ainda que o sentimento seja importante, ele não é uma base suficientemente forte para se assentar o relacionamento. É necessário, também, o compromisso, que se traduz num querer amar o outro cada vez mais. Ou seja, o amor se constrói também sobre a vontade, capaz de se comprometer.
Nesse sentido, o amor se prova no sacrifício. A essência do amor de benevolência está na capacidade de se doar ao outro desinteressadamente. Já descobriu isso, por exemplo, o esposo que sabe renunciar a uma partida de futebol para comemorar uma data importante com a esposa. Ou ainda a esposa que coloca a atenção ao marido acima da diversão com as amigas.
E quem ama de verdade não fica a espera de uma ocasião para cobrar ou exigir algo em troca. A mãe não costuma contabilizar as horas de sono “perdidas” no cuidado com os filhos. Há, também, muitos pais que não medem esforços para não deixar faltar o necessário em casa. E fazem isso por amor e sequer se lembram do sacrifício, pois o verdadeiro amor é desinteressado.
Rafael Llano Cifuentes, no seu livro A Maturidade, afirma que o nosso amadurecimento depende, dentre outros fatores, da disposição de chegar ao sacrifício, por amor. É dele o seguinte relato: “Lembro de que a minha mãe dizia que gostava de cauda de peixe e de pescoço de frango. Quando criança, sempre estranhei aquilo. Foi apenas com o passar dos anos que cheguei a compreender a verdade: ela estava fazendo das tripas, coração, para que a comida bastasse para todos, pois éramos nove irmãos... Como percebo agora que só alguém que ama com um amor maduro é capaz dessa discreta abnegação!”.

Ao tomarmos a decisão de agirmos assim, parece que seremos as pessoas mais infelizes do mundo. Na prática, porém, ocorre precisamente o oposto. Muitos de nós talvez já tenhamos a ventura de contemplar uma pessoa bondosa, sempre a procura de fazer o bem aos demais, sem esperar nada em troca. É curioso notar como são felizes! Eis aqui precisamente o grande paradoxo do amor: só ele consegue trazer paz e alegria àqueles que não andam a procurá-las para si, mas para os outros.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Retratos de família

Um dia desses, após tirar uma fotografia, minha filha correu para ver como havia saído sua imagem. Enquanto ela analisava, pensei em voz alta: “Filha, imagine se você tivesse de aguardar revelar a foto para ver como saiu...”. Então ela quis saber o que significa revelar uma fotografia. Para que ficasse mais clara a explicação, procurei alguns filmes antigos e mostrei-lhe algumas fotografias antigas.
Sem que houvéssemos programado, aquilo se transformou num momento de convívio familiar muito agradável. As recordações afloraram muito vivas, num misto de saudade e felicidade. A certa altura, alguém pediu que contasse um acontecimento engraçado de quando eram crianças. Sem pensar muito, lembrei-me de um:
Eu e minha esposa fazíamos um curso de orientação familiar e, dentre os temas tratados, aprendemos como fomentar as virtudes dos filhos. Decidimos, então, que poderíamos ajudar o nosso segundo filho a crescer na virtude da fortaleza. No dia seguinte já surgiu uma oportunidade. Enquanto trocava a fralda do caçula, aproximou-se o nosso protagonista, dizendo:
- Papai, o que está fazendo?
- Estou trocando a fralda do seu irmãozinho, filho. Por falar nisso, lembra-se da conversa que tivemos ontem?
- Lembro sim, papai.
- Então, quem é verdadeiramente forte? – Perguntei-lhe.
- É quem faz o que é bom e o que é certo e não apenas o que a gente gosta – disse ele com a resposta na ponta da língua.
- Muito bem! Então vamos ver se você consegue fazer uma coisa. Por favor, leve essa fralda do seu irmão até o lixo.
É preciso dizer que na fralda não havia apenas xixi, de modo que o cheiro não era nada agradável. Apesar da sua repugnância inicial, tomou aquele plástico fechado e mal cheiroso e saiu decididamente. Passado pouco tempo, voltou triunfante, com ar de vitória. Ao ver sua satisfação, não contive o elogio:
- Muito bem! Agora sim mostrou que você é de verdade muito forte.
Outro filho, o terceiro, que então contava com cerca de três anos, assistiu toda a cena. Ele não resistiu à dúvida que o incomodava, de modo que resolveu perguntar:
- Pai, cheirar cocô de nenê dá energia?
Foi uma gargalhada geral.
Ao fazer esse relato, estou certo de que muitos leitores também se lembrarão de momentos entranháveis e felizes em suas vidas. E é bom recordá-los algumas vezes.
Dizem que o que sustenta o casamento é a qualidade dos momentos que se passam juntos. Mas a qualidade desses momentos não se mede pelo fato de terem sido necessariamente alegres. Muitas vezes, fatos em si ruins, como a perda de um ente querido, se foram compartilhados com amor, cada um amparando o outro, será ocasião de unir o casal. De igual modo, fatos que poderiam ser agradáveis, como uma viagem, pode ser ocasião de desunião, especialmente se cada um a faz preocupado consigo mesmo, esquecendo-se de buscar o que agrada o outro.
Dir-se-á – e com razão – que o casamento se sustenta pela vontade firme e decidida de honrar o compromisso assumido reciprocamente. É verdade. Mas a sinceridade desse compromisso se manifesta nos pequenos gestos do dia-a-dia. Trata-se de procurar agradar o outro em pequenos detalhes, como saber preparar um jantar que agrade o marido, ou surpreender a esposa com pequenos presentes ou levando-a para fazer um passeio que lhe agrada.

A vida de família bem pode parecer a um desses baús em que se guardam os álbuns de fotografias. Nele colocamos todos os acontecimentos de nossas vidas. Sejam eles tristes ou alegres, se os vivemos com os olhos postos em fazer o bem do outro, surgirão laços tão estreitos e fortes que nada os poderá romper. Mais ainda, serão eles a rocha firme sobre a qual edificamos a nossa felicidade.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O exemplo da Hungria

O parlamento húngaro promulgou, em 25 de abril de 2.011, uma nova Constituição, que passou a ter vigência a partir de 1º de janeiro deste ano. A nova Lei trouxe inovações que prometem gerar polêmica: Consagra a família, baseada no casamento de um homem com uma mulher, como uma “comunidade autônoma (…) estabelecida antes do surgimento da lei e do Estado”; assegura “a vida embrionária e fetal (...) desde o momento da concepção”; obriga os meios de comunicação a respeitar o casamento; atribui aos pais, e não ao Estado, a responsabilidade principal na proteção dos direitos da criança. A nova Constituição húngara nos faz considerar um antigo dilema acerca da existência de um direito natural.
Estou convencido, ainda que muitos juristas o conteste, que há uma lei natural gravada no coração de cada ser humano. Ela é universal e imutável, e constitui a base dos deveres e dos direitos fundamentais da pessoa. Além disso, antecede e é o fundamento de validade da própria lei civil.
Uma forte objeção que se coloca à existência do direito natural é como estabelecer o seu conteúdo. No Brasil, podemos dizer que há uma lei quando Congresso Nacional a aprova e o Presidente da República a sanciona. Mas como poderíamos afirmar que há uma lei natural, por exemplo, que obriga a respeitar a vida do semelhante? Quem a editou? Quais são os seus limites?
Ainda que sejam desafiadores esses questionamentos, mediante uma investigação sociológica ou antropológica profunda e sincera podemos dissipar muitas dúvidas.
Tomemos a questão do aborto: haverá um direito natural à vida desde a concepção? Penso que a resposta haverá de ser buscada em nós mesmos, na nossa própria natureza. Para isso, devemos fazer uma espécie de imersão, com sucessivos questionamentos: É bom existir? É bom ser esse homem ou essa mulher que vive nesse contexto social e histórico? Essa existência depende de que me tenha sido proporcionada e assegurada por alguém? Desde quando necessitei de proteção, acolhida, cuidado e AMOR para ser quem sou? E os demais? Também devem gozar desse mesmo direito? Desde quando?
Algo semelhante podemos fazer com os conceitos de família e matrimônio. O casamento é uma mera construção inventada pela sociedade, talvez influenciada por conceitos religiosos? Ou, ao contrário, é uma instituição natural, destinada a proporcionar uma ajuda mútua entre o casal, bem como a proporcionar um ambiente propício para a criação e educação dos filhos? Será necessária a estabilidade nessa relação entre homem e mulher, ou poderão eles pular indefinidamente de um relacionamento para outro sem que disso advenha qualquer malefício a si próprios e aos filhos? As figuras paterna e materna serão também meras construções sociológicas? Ou, ao contrário, homem e mulher são manifestações bem distintas da natureza humana, ambas se complementando na união conjugal?
Esses questionamentos poderiam ser aprofundados e mais bem debatidos, o que não é possível fazermos aqui. Apesar dessa limitação, como se pode notar nessas singelas considerações, se formos sinceros e honestos conosco próprios poderemos vislumbrar os contornos dessa lei natural. O problema é que muitas vezes deixamos que interesses econômicos, a busca do prazer a qualquer custo ou outros interesses egoístas ofusquem a nossa consciência, de modo que não podemos vê-la com clareza.

Uma maneira muito interessante e eficaz de ocultar a lei natural é editar normas que não a reflitam ou que lhe sejam frontalmente contrárias. Isso é o que lamentavelmente está ocorrendo nos ordenamentos jurídicos de muitos países. Nesse cenário, porém, a nova Constituição da Hungria ressoa como um alento: as leis dos países podem vir a ser um reflexo cristalino da lei natural que ilumina cada ser humano, orientando-o a trilhar os caminhos seguros que conduzem à tão almejada felicidade.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Uma censura necessária

Na semana passada comentamos, nesta coluna, sobre o Big Brother à luz do direito à intimidade. Naquela oportunidade, questionamos se a programação de nossas emissoras de televisão estaria de acordo com os princípios instituídos pelo artigo 221 da nossa Constituição Federal. Mas enquanto as autoridades competentes não tomam providências – e sequer sabemos se isso ocorrerá um dia – há outro aspecto da questão que talvez seja ainda mais relevante: O que os pais podem ou devem fazer para que impedir ou diminuir os efeitos nefastos causados por alguns programas exibidos pela TV?
Em muitos dos nossos lares, além de se gastar parte considerável do tempo assistindo TV, criou-se o hábito de deixá-la ligada o dia todo. Parece que o silêncio incomoda. Talvez porque ele nos traga indagações mais transcendentes acerca do sentido da vida e da razão da nossa existência. E, se ainda não obtivemos as respostas para elas, acabamos por cair num terrível vazio existencial.
O que talvez nos passa despercebido é que, se não selecionamos os programas nem controlamos o horário em que nós e nossos filhos assistiremos TV, ela pode se converter numa espécie de “louca da casa”. Com efeito, a qualquer momento, no meio da tarde, ela pode se mostrar erótica, mostrando cenas indecentes, apenas para vender cerveja. Outras vezes, ela se dedica fazer sensacionalismo com notícias de crimes, instigando os expectadores a condenarem os “culpados” muito antes de sequer se instaurar um processo judicial.
E quando a louca inventa de nos distrair com as telenovelas... Aí ela se supera na doidice. O mocinho que nos apresenta, quase sempre é muito mais bonito e elegante que virtuoso. Na verdade, a sua única virtude é ser fisicamente apresentável. Com frequência esse “herói” já está lá no seu terceiro ou quarto relacionamento passageiro com uma mulher e cobiçando a quinta... Mas ele tem razão – tenta a louca nos convencer – afinal, as suas esposas anteriores foram umas megeras...
Porém, se não quisermos expor os nossos filhos e essas “loucuras”, a TV tem um equipamento fantástico: o controle remoto. Com ele podemos mudar de canal e... vejam que maravilha, podemos fazê-la calar, ou seja, desligá-la!
Conheço uma família, em que os filhos são muito bem educados, que desenvolveu o hábito saudável de não assistirem TV após o jantar nos dias de semana. Após uma conversa descontraída, dedicam-se à leitura ou aos jogos entre os irmãos, por vezes com a participação dos pais. No início, isso exige renúncia e sacrifício. Mas, com o passar do tempo, a qualidade do convívio familiar tende a crescer muito de modo que compensa o esforço.
Também há muitos bons filmes que podem ser utilizados na formação dos nossos filhos. Há inclusive bons livros que os classificam e comentam conforme as qualidades que desejamos fomentar: amizade, amor ao próximo, valorizar a família etc.
Isso não quer dizer que não se deva assistir TV. Penso que isso seria quase impossível no estilo de vida que assumimos modernamente. Além disso, há programas muito bons, que trazem informação e cultura. Assim, o grande desafio é selecionar de antemão os programas que de fato trarão benefício aos nossos filhos, ou ao menos que sejam uma diversão que não destrua os valores que buscamos transmiti-los.

Ao fazermos esse filtro dos programas, talvez alguém possa questionar: “Mas não será isso uma forma de censura?”. E a isso se pode responder com toda a tranquilidade que sim. Mas quem é que disse que não há uma censura saudável? De fato, devemos repudiar com toda veemência a censura de cunho ideológico que fazem os regimes totalitários. No entanto, se o diretor de um canal de comunicação pode escolher que notícias irá veicular ou que programa irá exibir em sua emissora, por certo que os pais de critério, ocupados seriamente com a educação dos seus filhos, também podem e devem escolher com muita atenção o que convém e o que não convém que eles assistam.