segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Você é insubstituível!

Há alguns dias a BBC de Londres noticiou que o governador do Estado russo de Ulyanovsk, Sergei Morozov, incentivou casais a tirarem folga no dia 12 de setembro para “trabalharem na concepção de crianças”. Mas o incentivo não se limita à ausência no trabalho. Além disso, Morozov oferece ainda vários prêmios aos casais que tiverem bebês em exatamente nove meses, no dia nacional da Rússia, o 12 de junho. Os bebês nascidos no dia da Rússia ganham carros, televisores e outros agrados.
Não temos por objetivo criticar as políticas públicas de estímulo ou controle  da natalidade, mas penso que pode haver por detrás delas, com reflexo no que as pessoas pensam, certa inversão de valores. É que os Governos têm estimulado a procriação quando falta mão-de-obra para aquecer a economia, e, ao contrário, desenvolvem campanhas anti-natalistas quando sobra pessoas economicamente ativas, ou quando os bens são escassos para atender às suas necessidades vitais.
E nisso há uma terrível e catastrófica inversão de valores. É que os bens e a economia existem para o ser humano, e não o contrário, como se homens e mulheres só merecessem o dom da vida na medida em que a economia seja tal que os possa proporcionar comida, alimentação e lazer. Ou seja, faz-se com o ser humano mais ou menos o que faz o pecuarista com o gado, que compra bois na época das águas em que o pasto é abundante e dele se desfaz na seca, quando falta alimento.
Vivemos num momento da história da humanidade em que há muitos bens de consumo, que estão disponíveis mesmo para as pessoas de baixa renda, como por exemplo o telefone celular. É no mínimo discutível, porém, se isso representa numa efetiva melhora da qualidade. Aliás, o que é qualidade de vida? Seria viver em um local aprazível, livre de ruídos e poluição? Seria dispor de recursos para ter todas as comodidades que a vida moderna proporciona? Tudo isso é muito bom, mas será que não teria uma vida de muito mais qualidade uma pessoa que, tendo ou não esses bens, consegue olhar para si em uma segunda-feira de manhã, quando caminha para o trabalho, e dizer “como sou feliz!”. Ou, mais ainda, “como é bom estar vivo, pois tenho um verdadeiro sentido para a minha vida!”.
E essa forma de viver e de encarar a vida não se mede em indicadores econômicos e demográficos.
Em tom de desabafo, um amigo me confidenciou como se sentiu quando tomou seu filho no colo, minutos após o seu nascimento na maternidade. Disse ele: “não pensei em que número seria na lista do SEADE, nem o percentual que isso representaria no índice de natalidade. Mas estava absolutamente certo que era um novo ser que vinha ao mundo. Uma pessoa absolutamente única e irrepetível dentre as outras seis bilhões que há no planeta semelhantes a ele. E mais, meu filho é um homem chamado a viver exageradamente feliz, conquanto que simplesmente o queira e que busque essa felicidade pelos retos caminhos que conduzem a ela”.

Há um clássico do cinema, A felicidade não se compra, dirigido por Frank Capra que, dentre muitas outras lições, nos relega também essa: cada um de nós é único e insubstituível. Aliás, recomendo vivamente ao leitor que assista ao filme e, após, medite com sinceridade na seguinte indagação: “como seria o mundo, esse pequeno ambiente que me cerca, a minha família, o meu local de trabalho, o meu bairro, se eu não existisse?”. E, após meditar nisso, não se esqueça que há ainda alguns anos, ou talvez dias ou horas de vida, não importa, o que importa é que esses minutos que restam, sejam bem gastos a fazer mais felizes as pessoas e belo o ambiente que nos circunda.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Críticas

O jornal é um local apropriado para o debate, o confronto de idéias e pontos de vista diferentes. Nesse sentido, é natural que haja críticas. Isso, porém, nos permite indagar sobre quando uma crítica pode ser construtiva e quando não presta senão para humilhar ou ofender aqueles a quem é dirigida.
Penso que um primeiro aspecto a se considerar é se o fato é importante. Há pessoas que são capazes de fazer um verdadeiro carnaval porque alguém apertou o tubo do creme dental pelo meio e não em sua extremidade. Há pais que chegam a mostrar verdadeira indignação com o filho que coloca o feijão sobre o arroz no prato, ou vice-versa. Ora, que importância tem isso? Vale a pena se desgastar e causar aborrecimentos com coisas que não têm a menor relevância?
Outro requisito de uma boa crítica é a intenção de quem a faz. Há de se ter como propósito o bem daquele a quem é dirigida, ou das pessoas que com ele convive. Por exemplo, se o pai ou a mãe nota a desordem e o desleixo no quarto do filho, não podem se omitir, talvez pensando que, quando crescer, irá adquirir a ordem por si só. Ao contrário, têm o dever de exigir do filho para educá-lo. Mas há de o fazer por querê-lo bem e nada mais. É que temos a tendência de criticar e exigir dos filhos no que nos incomoda, e não no que lhe é verdadeiramente bom.
Talvez o aspecto mais importante da crítica bem feita é a forma com que é dita. Sei de um marido que, no meio do jantar, preparado pela esposa com muito esforço e carinho, resolveu fazer uma brincadeirinha: “este arroz é da marca unidos venceremos?”. São também nefastas e destroem o bom ambiente familiar as generalizações. Por exemplo, o marido entra em casa após um dia estressante de trabalho e a primeira frase que recebe da esposa é: “atrasado de novo!”.
Entre as nações, sabemos que há leis internacionais tratando das guerras, definindo o que é lícito e o que não é durante um confronto armado. Pois bem, se alguém se dispusesse a redigir uma espécie de código das brigas entre o casal, penso que o artigo mais importante seria o seguinte: “Durante uma discussão, é proibido usar as palavras sempre e nunca”. De fato, não há o que fazer quando o outro diz: “você sempre faz isso”, ou “você nunca faz aquilo”. Ora, se a pessoa chegou atrasada em seis dias da semana e em um foi pontual, é o quanto basta para concluir que é injusta e mentirosa a acusação de que sempre chega atrasado.
É importante que a crítica, além de bem intencionada (com o propósito de ajudar) e feita de forma respeitosa, se atenha aos fatos concretos. Por exemplo: “Querido, você chegou atrasado quatro dias desta semana. Com isso, as crianças foram dormir sem poder ficar um pouco de tempo com você. Eu sei que tem muito trabalho, mas poderia fazer um esforço nesse sentido?”. É muito pouco provável que se zangue quem recebe tal crítica. E, se zangar, é porque tem uma suscetibilidade muito exacerbada, e nesse caso quem terá de se esforçar é ele.
Há alguns anos tive a imensa felicidade de ter como meu superior no trabalho uma pessoa que era mestre em não falar mal de ninguém. Soube por um terceiro que ele havia se envolvido em um acidente de veículo, no qual o outro motorista, dirigindo embriagado e em alta velocidade, desrespeitou o sinal vermelho e causou bastante estrago. Já sabendo por alto dos fatos, perguntei a ele o que havia ocorrido, ao que ele confirmou o acidente. Porém, da pessoa que o causou, limitou-se a dizer: “é um homem honestíssimo. Após a batida compareceu na delegacia, assumiu a culpa e se dispôs a consertar o veículo”.

Penso que as nossas famílias e os nossos locais de trabalho estão muito carentes de pessoas como esse chefe que tive. Carentes de homens e mulheres que não fazem comentários azedos ou ferinos. Ao contrário, que sejam semeadores de paz e de alegria em todos os ambientes em que convivem.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Homens públicos no banco dos réus

Os escândalos envolvendo o Presidente do Senado Federal nos convidam a refletir sobre a postura que devem tomar os detentores de cargos públicos quando se vêem acusados de irregularidades no exercício de suas funções.
Penso que um primeiro aspecto a ser considerado é que todo cidadão tem o inviolável direito de se defender de toda e qualquer acusação. O direito de defesa está assegurado na Constituição Federal e, além disso, trata-se de uma questão de justiça. Afinal, qual de nós gostaria de ser condenado publicamente sem que pudesse se defender das acusações?
A história tem mostrado que muitas pessoas e instituições sofreram acusações, com implacável condenação pública, e que, posteriormente, por vezes anos após, se constatou serem injustas.
Além disso, há de se reconhecer que a imprensa tem desempenhado um importantíssimo papel em busca da punição daqueles que cometem crimes, em especial, os detentores de importantes cargos públicos. No entanto, não raras vezes a mídia se encarrega de condenar em uma precipitada interpretação dos fatos.
Portanto, o direito de se defender deve ser assegurado a todo cidadão, inclusive aos detentores de cargos públicos.
No entanto, se não pode haver nenhuma distinção entre o cidadão comum e o que ocupa um cargo público, no que diz respeito ao direito de defesa, deve haver uma grande diferença entre eles sobre a postura que devem assumir quando se vêem acusados por crimes cometidos.
É que um cidadão comum pode se ocupar de sua defesa e, se os crimes cometidos não forem daqueles que justificam uma prisão no curso do processo, poderá continuar levando sua vida normal, exercendo, na medida do possível, o seu trabalho.
O mesmo nem sempre ocorre com o homem público. Imagine-se, por exemplo, que surjam indícios de que um determinado juiz tenha recebido dinheiro para decidir um caso em favor de uma das partes e que se abra um processo para apurar os fatos. Nesse caso, se as provas forem de certa segurança e se os fatos ganharem repercussão, é extremamente inconveniente que permaneça no cargo. Não se trata de impedir o direito de defesa, que a todos é assegurado, mas de preservar a instituição enquanto os fatos são apurados. Afinal, como se sentiriam as pessoas que tivessem processos que devam ser decididos por essa autoridade?
É necessário entender que os cargos públicos não têm donos. Há pessoas que os ocupam, e somente o fazem legitimamente para servir aos demais. Aliás, todos são, ou deveriam ser, servidores públicos. Assim, mesmo que se julguem completamente inocentes das acusações, somente poderiam permanecer nas funções públicas enquanto subsistissem as condições para continuar servindo. E se houver incompatibilidade, a solução mais honrada é deixá-lo, ainda que provisoriamente, para que, preservando a instituição, possa tentar provar sua inocência.
E essa postura é ainda mais necessária quando são os próprios pares que devem julgar a conduta supostamente ilícita. É que, nesse caso, a permanência do acusado no cargo prejudica, e muito, o bom funcionamento da própria instituição. É o que me parece que ocorre atualmente no Senado Federal. Ainda que o Presidente daquela instituição se julgue absolutamente inocente, é inconcebível que se mantenha no cargo, com prejuízo de todo o funcionamento da casa, que outra coisa não faz que não apreciar se o retira ou o mantém no cargo.
Ora, se o que importa é servir, mesmo diante de uma acusação que se acredite ser injusta, o mais honrado e o que melhor atende ao interesse público, é que se afaste do cargo, quando menos para permitir que a instituição volte a desempenhar suas funções.

Nunca me esqueci de uma educada repreensão que sofri de meu avô. Disse-me ele que um grande homem se nota nos pequenos gestos. E é nesses que se constata se os homens públicos estão nos cargos para servir, ou, ao contrário, se os ocupam exclusivamente para usufruir de privilégios, lícitos ou ilícitos.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Cobaias

Caro leitor, faz quatorze anos que me formei em direito e há nove sou juiz. Como todos sabem, em minha profissão é muito freqüente interpretar a lei de aplicá-la aos casos que tenho de decidir. Posso dizer, sem correr o risco de ser tido como soberbo, que tenho certa familiaridade com a interpretação das normas. Porém, analisando algumas leis já vigentes em nosso País, confrontadas com outras que se pretendem aprovar, confesso que não consigo entender. Por isso, humildemente admito que preciso de ajuda.
Desde março de 2005, está vigente a Lei Federal nº. 11.105/05, a chamada Lei da Biossegurança, que trata dos organismos geneticamente modificados – OGM, o que ficou mais conhecido entre a população como alimentos transgênicos. Ao que parece, essa lei colocou o ser humano dentre os “organismos” geneticamente modificáveis. É que, em seu artigo 5º, se permite a utilização de células-tronco embrionárias, obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, para fins de pesquisa e terapia. Mas será que essa norma é razoável, ou melhor, é constitucional?
Nossa Constituição Federal, em seu artigo 5º, estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O direito à vida é, portanto, inviolável. Mas a questão que se coloca, com relação à possibilidade de utilização de embriões humanos para pesquisa, está relacionada com o início do direito à vida. Isto é, quando começa a vida humana? Há vida humana no embrião humano?
Penso que nossas leis já são claras sobre o assunto. A mesma Constituição Federal, agora nos §§ 2º e 3º do artigo 5º, consagra a validade no País dos tratados internacionais de que o Brasil seja signatário. E foi ratificada pelo Brasil a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o chamado Pacto de São José da Costa Rica, que, em seu artigo 4º, assegura que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ter proteção pela lei e, em geral, desde o momento da  concepção. Portanto, a vida humana já se encontra protegida juridicamente desde a concepção, tanto que o artigo 2º do Código Civil também assegura, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Sendo assim, como é possível que seja utilizado para pesquisa um embrião humano se ele, desde a concepção, já tem assegurado o direito à vida?
Confesso ao leitor que de há muito tenho essas dúvidas e não consigo entender como que se pode harmonizar o artigo 5º da Lei da Biossegurança com a nossa Constituição Federal.
Porém, a confusão pode ficar ainda pior. Por falar em pesquisa científica, está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei 215/2.007. Esse, em seu artigo 110, proíbe uso de animais para fins científicos ou didáticos, dentre outras situações: I. quando existirem métodos alternativos ou substitutivos à experimentação; e II. se o procedimento para fins de experimentação animal causar dor, estresse ou desconforto ao animal.
O projeto proíbe a utilização de animais para fins científicos quando existirem métodos alternativos. Será que os embriões humanos podem ser considerados como método alternativo a poupar os pobres animaizinhos? Será que uma droga, ainda em fase de experimentação, pode ser aplicada em animal somente se não lhe causar desconforto? Deverá ser testada diretamente em seres humanos, portanto?
Acho que estou ficando louco! Alguém pode me ajudar a entender essas leis?
O que é pior, caro leitor, é que tanto mais tento entender tudo isso, a única coisa que me vêm à cabeça é o imperador romano, Calígula, que nomeou seu cavalo favorito, Incitatus, para o Senado. Será que caminhamos para isso?

Bem, pelo menos o Incitatus não aprovaria leis desse tipo. Ou aprovaria?