Há alguns
dias a BBC de Londres noticiou que o governador do Estado russo de Ulyanovsk,
Sergei Morozov, incentivou casais a tirarem folga no dia 12 de setembro para “trabalharem
na concepção de crianças”. Mas o incentivo não se limita à ausência no
trabalho. Além disso, Morozov oferece ainda vários prêmios aos casais que
tiverem bebês em exatamente nove meses, no dia nacional da Rússia, o 12 de
junho. Os bebês nascidos no dia da Rússia ganham carros, televisores e outros
agrados.
Não temos por objetivo criticar as políticas públicas
de estímulo ou controle da natalidade, mas
penso que pode haver por detrás delas, com reflexo no que as pessoas pensam,
certa inversão de valores. É que os Governos têm estimulado a procriação quando
falta mão-de-obra para aquecer a economia, e, ao contrário, desenvolvem
campanhas anti-natalistas quando sobra pessoas economicamente ativas, ou quando
os bens são escassos para atender às suas necessidades vitais.
E nisso há uma terrível e catastrófica inversão de
valores. É que os bens e a economia existem para o ser humano, e não o
contrário, como se homens e mulheres só merecessem o dom da vida na medida em
que a economia seja tal que os possa proporcionar comida, alimentação e lazer.
Ou seja, faz-se com o ser humano mais ou menos o que faz o pecuarista com o
gado, que compra bois na época das águas em que o pasto é abundante e dele se
desfaz na seca, quando falta alimento.
Vivemos
num momento da história da humanidade em que há muitos bens de consumo, que estão
disponíveis mesmo para as pessoas de baixa renda, como por exemplo o telefone celular.
É no mínimo discutível, porém, se isso representa numa efetiva melhora da
qualidade. Aliás, o que é qualidade de vida? Seria viver em um local aprazível,
livre de ruídos e poluição? Seria dispor de recursos para ter todas as
comodidades que a vida moderna proporciona? Tudo isso é muito bom, mas será que
não teria uma vida de muito mais qualidade uma pessoa que, tendo ou não esses
bens, consegue olhar para si em uma segunda-feira de manhã, quando caminha para
o trabalho, e dizer “como sou feliz!”. Ou, mais ainda, “como é bom estar vivo,
pois tenho um verdadeiro sentido para a minha vida!”.
E essa
forma de viver e de encarar a vida não se mede em indicadores econômicos e
demográficos.
Em tom de
desabafo, um amigo me confidenciou como se sentiu quando tomou seu filho no
colo, minutos após o seu nascimento na maternidade. Disse ele: “não pensei em
que número seria na lista do SEADE, nem o percentual que isso representaria no
índice de natalidade. Mas estava absolutamente certo que era um novo ser que
vinha ao mundo. Uma pessoa absolutamente única e irrepetível dentre as outras
seis bilhões que há no planeta semelhantes a ele. E mais, meu filho é um homem
chamado a viver exageradamente feliz, conquanto que simplesmente o queira e que
busque essa felicidade pelos retos caminhos que conduzem a ela”.
Há um
clássico do cinema, A felicidade não se
compra, dirigido por Frank Capra que, dentre
muitas outras lições, nos relega também essa: cada um de nós é único e
insubstituível. Aliás, recomendo vivamente ao leitor que assista ao filme e,
após, medite com sinceridade na seguinte indagação: “como seria o mundo, esse
pequeno ambiente que me cerca, a minha família, o meu local de trabalho, o meu
bairro, se eu não existisse?”. E, após meditar nisso, não se esqueça que há
ainda alguns anos, ou talvez dias ou horas de vida, não importa, o que importa
é que esses minutos que restam, sejam bem gastos a fazer mais felizes as
pessoas e belo o ambiente que nos circunda.