segunda-feira, 27 de julho de 2009

Pensão alimentícia e o rancor da separação

Recentemente tivemos a notícia da prisão do ex-jogador Romário por não pagar pensão alimentícia. Não pretendo comentar o caso em si e nem fazer uma espécie de abordagem jurídica do assunto. Mais importante que isso é nos voltarmos ao coração das pessoas que tiveram uma relação conjugal rompida e que acabam por cair numa situação triste como essa. Apesar de tantos traumas e ressentimentos que trazem o homem e a mulher que passaram por uma separação, o que os impede de encontrar de novo a felicidade?
Uma das características mais importantes da união conjugal é a perenidade. Quando se inicia um relacionamento dessa natureza ninguém pensa que será por um prazo determinado. Acredito que nenhum homem e nenhuma mulher ousariam dizer: “eu te amarei por dois anos”, ou, “eu pretendo estar contigo por seis meses e, depois, tudo estará acabado”. E se houver quem pense assim, por certo se trata de uma situação patológica de egocentrismo digna de tratamento psiquiátrico. É que o verdadeiro amor matrimonial é exclusivo e feito para durar. Aliás, isso não é uma exclusividade do amor conjugal. Algo de semelhante se passa com a amizade. Também não é nada comum pensar ou dizer “serei seu amigo por dois meses”.
Sendo assim o relacionamento conjugal, é evidente que a sua ruptura sempre deixa marcas amargas em que passou por ela. Nuns mais, noutros menos, é certo que o divórcio e a separação causam estragos enormes. Mas sabemos que, por vezes, a separação se faz inevitável. Nesses casos, como deveriam se portar os ex-cônjuges entre si e para com os filhos?
O pai ou a mãe que após a separação mantém um convívio mais freqüente com os filhos, aquele que fica com a guarda, como se diz na linguagem jurídica, deve se esforçar por fomentar o respeito pelo ex-marido ou pela ex-esposa. Por mais defeitos que se possua, por mais terríveis que tenham sido suas ações, em cada ser humano há sempre qualidades boas que podem ser reconhecidas e enaltecidas diante dos filhos. Ainda que isso seja muito difícil de ser feito, talvez se devesse tentar ao menos por amor aos filhos. Para se ter uma idéia de como eles se sentem quando o pai ou a mãe faz críticas ao outro diante desses, basta que nos examinemos como nos sentimos quando, diante de nós, se caluniam as pessoas a quem amamos de verdade.
Criticar o pai ou a mãe diante dos filhos é uma das piores fontes de violências que pode praticar quem enfrentou a separação, e também para o casal que vive junto. É que, aconteça o que acontecer, o pai será sempre o pai, e a mãe, mãe, de modo que os ataques a ele ou a ela, ainda que justos, são recebidos como punhaladas que ferem e machucam por dentro.
E do pai ou da mãe que não tem a guarda, o que se espera é responsabilidade e honradez de prover com as necessidades materiais e afetivas. Pagar a pensão convencionada é um mínimo que se pode fazer. Mas mais que isso, há de se desdobrar para manter um convívio saudável, que promova a formação dos filhos.
E entre o homem e a mulher que tiveram o relacionamento rompido, é necessário o perdão. É comum saírem da separação com uma tonelada de ressentimento nas costas. É o peso que têm os sonhos frustrados, os projetos que fizeram para uma vida toda e que agora desabou, os bons momentos passados juntos e depois atirados no lixo. É, pois, natural que guardem mágoas. Porém, enquanto não se libertarem delas não encontrarão de novo a paz necessária para alcançar a felicidade.

O ressentimento é um peso insuportável de que precisamos nos libertar. Imaginemos que tivéssemos de fazer uma caminhada e, num determinado momento, alguém nos colocasse um saco cheio de pedras grandes e pesadas nas costas. Haveríamos de nos livrar desse fardo o quanto antes, sem o que seria impossível prosseguir. Assim ocorre com o nosso coração. Não importa quem nos tenha ferido, mas é necessário perdoar, do contrário, o rancor se converterá em correntes que nos aprisionam e nos impedem de caminhar com a leveza de espírito que marca aqueles que encontraram, entre as agruras da vida, o caminho da verdadeira felicidade.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Enquanto ainda é tempo

Na semana passada fiz uma viagem de bicicleta com meus filhos. Quando escrevo essas linhas, eles ainda dormem, exaustos das pedaladas da véspera. Eu, porém, ainda trago martelando na mente alguns acontecimentos dia anterior. Fizemos uma trilha chamada “Caminhos da Fé”, na qual muitas pessoas, umas de bicicleta e muitas a pé, percorrem  caminhos de São Paulo e sul de Minas com destino a Aparecida. Ontem, ao cruzar com uns peregrinos, já curvados ao final da tarde após longa caminhada, um deles me disse: “é fantástico que consiga fazer isso com seus filhos. O meu só quer saber de computador e vídeo-game”. Ao chegarmos à pousada em que passaríamos a noite, também causamos certa perplexidade. Um dos viajantes perguntou com tom brincalhão a um de meus filhos: “o que seu pai lhe prometeu para que fizesse essa viagem com ele?”. “Nada”, respondeu ele meio vacilante. “Eu vim porque eu quis”, completou em seguida mais resoluto.
Essa frase do garoto deve nos levar a meditar em algo fundamental aos pais, professores e educadores em geral: a liberdade. Não há verdadeira educação sem liberdade. Mas isso não é fácil. É que todos nós que Possuímos uma missão de guiar alguém, em especial nesse mundo conturbado, temos também a forte tendência de querer impor nossos critérios, nossos gostos, enfim, nossa forma de ser. Contudo, não podemos nos esquecer de que cada ser humano é absolutamente único e irrepetível. Aquilo que foi bom e funcionou conosco, poderá não sê-lo para nossos filhos ou alunos.
Isso não implica, evidentemente, que devamos pensar que não há certo e errado, que tudo depende do ponto de vista que se observa, e, com isso, não façamos nada para formar os nossos filhos e alunos. Isso seria cair num relativismo que aniquila a personalidade dessas pessoas a quem tanto amamos e temos a obrigação grave de conduzir nos caminhos da vida. Porém, a missão do educador é muito semelhante à de um guia que vai orientando sobre os perigos, aconselhando sobre os cuidados que deve tomar, sobre o modo de proceder em cada situação. E, quando se deparam com alguém mais teimoso, por vezes deixam que levem uns tropeços, pois esses também podem ser muito pedagógicos.
Educar na liberdade implica não dar importância a picuinhas que envenenam a vida familiar sem trazer nenhum proveito à formação dos filhos. Há pais que se desgastam e perdem o tempo e a paz implicando com as crianças que apertam o tubo de creme dental no meio e não caprichosamente em uma das extremidades. Outros que exigem que coloquem primeiro o feijão no prazo e depois o arroz, ou vice-versa. E, quando são contrariados, não faltam censuras, reclamações e até broncas humilhantes na frente dos outros, que não edificam nada, mas geram revoltas e incompreensões.
Penso que deveríamos aprender a relevar esses detalhes sem importância e nos centrarmos no que é realmente fundamental para os nossos filhos e alunos: que descubram o valor da amizade e do respeito pelo próximo, que aprendam mais com o nosso exemplo do que com discursos ou sermões que é bom desempenhar os trabalhos e demais atividades do dia com alegria e espírito de serviço. E isso não se consegue sem liberdade. Afinal, alguém conseguiria forçar alguém a amar?
Ainda na viagem, após o jantar, eu me detinha no quarto com uma leitura que me agradava, quando meu filho mais velho me fez uma advertência: “Pai, a conversa não está boa. É melhor você chamar o João para cá”. Respondi-lhe mais por preguiça que por convicção: “Filho, ele é livre, não posso forçá-lo”. Mas ele argumentou: “é pai, mas ele é muito novo e poderá pensar que aquelas bobagens que estão dizendo são corretas”. “Você tem razão, filho”, disse-lhe e fui chamar o garoto para assistirmos a um filme juntos.

De fato, educar na liberdade não quer dizer que devamos esquecer que há uma verdade objetiva, que não é tudo relativo e dependente do ponto de vista. E nisso o educador não pode transigir, tal como o guia que não permite que aquele que conduz pelas sendas de um caminho perigoso caia num precipício, mesmo que tenha de se valer da força para salvar-lhe a vida. 

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Quanto vale um mendigo?

Na última terça-feira, dia 30 de junho, o Correio Popular trouxe a notícia da agressão que um estudante de medicina teria cometido contra um mendigo, ao que parece, porque “não gostou da maneira como a vítima olhou para ele”. Devo ressaltar que não pretendemos julgar precipitadamente esse jovem, nem atribuir-lhe a autoria desse delito, pois ainda não houve qualquer pronunciamento da Justiça. Além disso, esse incidente, considerando a hipótese de que tenha ocorrido, pode ter sido um evento isolado na vida desse rapaz. E mesmo que tenha agido mal, há de se resguardar sempre a honra de quem o praticou. É que podemos condenar o erro, não a pessoa que o comete.
Feita essa ressalva, a justificativa que esse jovem teria dado à polícia é intrigante e merece ser meditada. Consta que teria dito que o mendigo “não acrescentaria nada à sociedade, no futuro”. Será que a vida de um homem vale apenas pela utilidade que dela possa se extrair em benefício da sociedade?
Penso que essa visão é extremamente cruel e desumana. Se o ser humano vale pelo que de útil possa fazer, talvez a primeira conseqüência seria eliminar os idosos que já não se prestam para o trabalho. Com efeito, o que acrescentariam eles à sociedade? O mesmo se diga do portador de deficiências físicas ou mentais, que demandam atenção constante de outras pessoas. Seria o caso de eliminá-los? E os embriões com más-formações? Esses então haveriam de ser prontamente descartados?
Essa concepção utilitarista da vida humana, em última análise, desumaniza o próprio homem, que deixa de ser valorizado pelo que é, mas apenas pelo que produz. E se essa forma de encarar a vida dos demais é ruim nas pessoas em geral, tanto mais o é num médico. É que esse tem por vocação a defesa da vida. Mas há de lutar pela vida como um bem em si, e não apenas pela “vida útil” ou pela vida dos “economicamente ativos”, pela vida dos “embriões viáveis” ou outras expressões reducionistas como essas.
Há uma cena interessante no filme Patch Adams. O professor está no hospital em companhia dos estudantes de medicina diante de um paciente. E os alunos vão fazendo perguntas técnicas, até o momento em que o Patch (Robin Williams) faz uma pergunta extremamente simples, mas que desconserta o mestre: “qual é o nome do paciente?”. Para respondê-la, o professor tem de ler na ficha clínica. Com esse gesto, e com muitos outros, deixa-se claro que o que vale a pena é se doar pelo outro, em especial, os doentes, buscando aliviar-lhes as dores e sofrimentos. E mais, essa postura dá um sentido para a própria vida, trazendo consigo uma forte e inabalável alegria.
Poucos dias após o incidente relatado com o mendigo, presenciei uma cena que me soou como desagravo. Estava numa igreja momentos antes da Missa e eis que lá se adentrou um homem, exalando cheiro de álcool já antes das sete horas da manhã! Após pedir dinheiro para duas ou três pessoas que não lhe deram atenção, parou diante de um senhor que estava ao meu lado. E começou a mesma conversa mole de que precisava de dinheiro para o seu café da manhã, que há muitas horas não comia nada etc. Enquanto falava, ia puxando a blusa de modo a instigar compaixão por suas imensas feridas. Esse senhor o ouviu pacientemente. Sem se impressionar com as repugnantes chagas, mas sem deixar de olhar no olho e com atenção ao seu interlocutor, foi ouvindo todos os seus argumentos para lhe pedir dinheiro. Quando o pedinte acabou de falar, disse a ele com um tom afetuoso: “eu vou pagar o seu café da manhã. Espere apenas a Missa terminar”. O mendigo ficou muito satisfeito, mais pela atenção que lhe deu que pela promessa da refeição e, ainda cambaleando de bêbado, disse: “o senhor é um anjo do céu”.

Esse senhor, como que querendo dar um sentido para o meu ar de espanto, disse-me: “Diante d’Ele”, e apontou para o sacrário, “esse homem tem o mesmo valor que você, que eu e que qualquer outro ser humano que existe. Tem a imensa dignidade de um filho de Deus”.