segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Lições da dificuldade econômica

 

A pandemia virou a nossa cabeça e as nossas vidas de pernas para o ar. Ainda estamos tentando nos encontrar nessa nova situação. Fala-se num “novo normal” – confesso que não gosto dessa expressão – que surgirá após esse tempo que tem testado a nossa paciência, a nossa fortaleza e – por que não dizer? – a nossa fé. Um ponto muito sensível e que merece especial atenção é a questão econômica. Quando as contas apertam, isso pode prejudicar o relacionamento com as nossas esposas, com os nossos maridos, abalando a paz na família.

As pessoas que se encontram em dificuldade econômica – e estou certo de que é a maioria – precisam desenvolver três pontos de luta, antes que a preocupação que as assola possa redundar numa crise de nervos, ou mesmo problemas psicológicos mais graves, como uma depressão. E penso que o esforço para se enfrentar com serenidade esses momentos pode se desenvolver em três aspectos das nossas vidas.

O primeiro deles é a imaginação. Já se disse que é a “louca da casa”. Ela não é ruim. A literatura, o cinema e a arte em geral encontra nela uma importante aliada. E não só isso. Precisamos dela para desfrutar de um bom livro ou reconstruir mentalmente uma cena que nos é contada. Porém, se a deixamos solta quando algo nos preocupa, talvez nos sugira que vai nos faltar o necessário, que vamos “quebrar” etc.

A outra é a memória. A necessidade dela dispensa comentários. Porém, também pode exercer um papel negativo. Talvez ficamos pinçando acontecimentos passados das nossas vidas para colocar na nossa esposa ou no nosso marido a culpa por uma dificuldade que estejamos passando.

E um terceiro ponto são os pensamentos distorcidos atuam para nos afundar. Conheço pessoas que perdem o sono tentando buscar uma solução para os problemas, remoendo coisas negativas enquanto tentam – em vão – pregar no sono, que não vem...

Mas, o que fazer? É que não podemos controlar – ao menos diretamente – esses atributos da alma humana. Com efeito, não adianta dizermos para nós mesmos: “não posso pensar nisso agora” ou “não convém trazer tais recordações nesse momento”. Eles simplesmente vêm sem que tenhamos total controle.

No entanto, devemos considerar que, se não conseguimos enfrentá-los diretamente, se não adianta adianta “brigar” contra eles, podemos atuar indiretamente, preenchendo o nosso tempo com outras coisas. Assim, podemos desviar a memória, a imaginação e os pensamentos para coisas mais agradáveis. Ler um bom livro, assistir um filme, ouvir uma música, esforçarmo-nos para mergulhar seriamente no trabalho no tempo que tivermos de dedicar a isso e, principalmente, ocuparmo-nos dos outros. Quando estamos ocupados com os demais, não sobra tempo para pensar em bobagens.

Talvez nos dirá: “mas isso não é fugir do problema?”. NÃO! No momento certo, com a cabeça fresca, devemos pensar em todas as possibilidades, com serenidade. Mais ainda, se somos casados, marido e mulher devem analisar juntos a situação, sem acusações, com esperança e otimismo. E, se depois de analisar por todos os lados, não surgir uma solução humanamente viável, pode-se considerar que “o que não tem solução, solucionado está”. O importante é não perder a paz.

Agora, para aquelas e aqueles que têm fé, talvez seja o caso de uma última consideração: “Não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois que o dia de amanhã se o preocupará de si mesmo. Basta a cada dia o seu afã” (Mt 6, 34).

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Crimes verdadeiramente hediondos

 

                 

                Causou perplexidade o aborto em uma menina de 10 anos, que engravidou em decorrência de abusos sexuais. Ressalto que estou impedido de me manifestar sobre decisões judiciais. Mas temos o direito de discorrer sobre a questão em si. E confesso ao leitor que a primeira coisa que me veio à cabeça ao refletir sobre o tema foi o seguinte: “o que faria se a vítima desse crime hediondo fosse minha filha?”.

As ações a serem tomadas seriam muitas e impossíveis de serem enumeradas agora, até porque dependeria das circunstâncias concretas. Mas há uma postura de fundo que é universal: afogar o mal em abundância de bem.

Assim, penso que a atitude que tomaríamos seria cuidado, carinho, acolhida, compreensão, em uma palavra: AMOR. Isso implicaria uma gama de ações, tais como acompanhamento psicológico, atendimento médico adequado e humanizado. Mas dentre as inúmeras possibilidades para cuidar dessa mulher – no caso, dessa menina – que foi vítima de uma violência sexual horrorosa, não estaria em absoluto, a possibilidade de tirar a vida do bebê que ela traz no ventre.

Lembro-me do pós-parto do nosso sétimo filho. Ele teve uma complicação respiratória poucas horas após o nascimento e, por isso, foi encaminhado à UTI neonatal. Foram dias muito difíceis. Os pais que já passaram por isso sabem a angústia e sofrimento que permeia essa situação. Passado o susto inicial, fiquei simplesmente encantado com o serviço prestado pela Maternidade de Campinais. Ao contemplar o carinho que dedicavam aos pacientes, aquelas enfermeiras me pareciam uns anjos com a forma humana. E isso não se deve ao fato de ser paciente de plano de saúde, pois ali todos tinham exatamente o mesmo atendimento.

Ali na UTI neonatal, bem ao lado do nosso filho, Rafa, estava outro bebê, que elas apelidaram carinhosamente de Pedrão. Era um bebê que nasceu de 21 ou 22 semanas, pesava cerca de 600g e que lutava a duras penas para sobreviver. Nunca fiquei sabendo por que aquela criatura estava ali. Mas as circunstâncias indicavam que a mãe fez uma tentativa de aborto “mal” sucedida. Sim, porque o bebê nasceu com vida.

Com isso, sempre que se fala em aborto, principalmente quando a gestação está mais avançada, vem-me à memória o Pedrão. Não sei se ele resistiu e sobreviveu, mas sou testemunha de que lutou para viver. E era de encher os olhos – de alegria e de dor – ver o carinho com que aquelas moças, verdadeiras profissionais da saúde a serviço da vida, cuidavam dele, dia e noite...

Creio que já disse o que penso e que posso dizer sobre o caso que nos propõem. Mas ouso acrescentar algo mais. Muitos de nós, cristãos, fazemos muita gritaria em defesa da vida, principalmente em casos dessa natureza. E devemos mesmo lutar mesmo para que o respeito à vida, desde o nascimento até o seu fim natural, seja assegurado nas Leis, nas políticas públicas, nas ações dos governantes, na sociedade, na nossa família e em cada um de nós.

Não nos esqueçamos, porém, que é preciso acolher essas mulheres, que por motivos que não nos cabe julgar tenham cometido esse erro terrível. Com efeito, se elas um dia forem atrás desses algozes que trabalham para tirar a vida de um ser inocente, e se disserem arrependidas, talvez ouçam algo do tipo: “que nos importa, é lá convosco”. Mas um cristão autêntico não pode agir assim! É preciso acolher, é preciso compreender, é preciso perdoar. É preciso, enfim, um amor que seja cautério que cicatrize as feridas, muitas vezes profundas, deixadas pelos inimigos da vida.


quarta-feira, 29 de abril de 2020

Um homem que não vendeu a sua alma


Thomas More, o célebre humanista inglês, foi eternizado pela história como o “mártir da consciência”. Ele foi advogado, membro do Parlamento, Diplomata e chegou a ser Chanceler do Reino, o que equivalia ao de Juiz supremo, embora o cargo abrangesse também funções administrativas. E isso sem contar seu invejável dote literário, autor de inúmeros escritos, dentre os quais nos legou sua obra mais famosa: Utopia.
Apesar de todo esse sucesso, como sabemos, More teve um fim trágico. Instado por Henrique VIII a prestar um juramento que contrariava a sua consciência, negou-se veementemente a fazê-lo. Por isso, foi julgado e condenado à morte.
Um detalhe muito significativo da vida deste grande santo ocorreu nos seus últimos instantes de vida. Quando caminhava para ser decapitado, uma mulher “recriminou-o por ter dado uma sentença contra ela quando Chanceler; More respondeu-lhe sem a menor amargura: ‘Lembro-me bem do teu caso. Se tivesse que dar a sentença de novo, seria exatamente a mesma’” (A sós, com Deus. Escritos da Prisão).
Confesso ao leitor que, como juiz, sempre que leio essa passagem, um calafrio sobe pela espinha. Com efeito, no entardecer da nossa passagem por vida terrena, poderemos ter uma consciência tão tranquila como demonstrou More tê-la nesses momentos derradeiros?
O exemplo de Thomas More brilha na história como um homem que não se curvou às injustas exigências de um tirano!
A sua vida é um testemunho que nos alerta sobre a radical importância de todo ser humano seguir os ditames da sua consciência, ainda que isso implique perder a honra, cargos, a possibilidade de êxito profissional e até a própria vida por uma causa justa.
A história de Thomas More se repete, também aqui no nosso País e, de certo modo, na vida de cada um de nós. Muito provavelmente não correremos o risco de perder a vida ao tomar uma decisão que nos parece correta. No entanto, muitas vezes iremos nos deparar com situações em que agir de acordo com a ética implicará perder dinheiro, oportunidade de negócios, emprego ou até mesmo termos a nossa honra vilipendiada em campanhas difamatórias, tão comuns nesses tempos em que a notícia – e, com ela, a mentira, os chamados “fake News “ – corre numa velocidade frenética.
É muito triste notar como não se age de acordo com a consciência, mas segundo interesses. Já os Evangelhos nos trazem um relato muito claro disso: “27. Jesus e seus discípulos voltaram outra vez a Jerusalém. E andando Jesus pelo templo, acercaram-se dele os príncipes dos sacerdotes, os escribas e os anciãos, 28.e perguntaram-lhe: “Com que direito fazes isto? Quem te deu autoridade para fazer essas coisas?”. 29.Jesus respondeu-lhes: “Também eu vos farei uma pergunta; respondei-ma, e vos direi com que direito faço essas coisas. 30.O batismo de João vinha do céu ou dos homens? Respondei-me”. 31.E discorriam lá consigo: “Se dissermos: Do céu, ele dirá: Por que razão, pois, não crestes nele? 32.Se, ao contrário, dissermos: Dos homens, tememos o povo”. Com efeito, tinham medo do povo, porque todos julgavam ser João deveras um profeta. 33.Responde­ram a Jesus: “Não o sabemos” –. “E eu tampouco vos direi” – disse Jesus – “com que direito faço essas coisas” (Mc, 11, 27-33).
Esses personagens não agiram de acordo com a sua consciência. Provavelmente teriam uma resposta, mas agem com astúcia, medindo as consequências, sem compromisso com a verdade. Será que muitas das nossas escolhas e decisões não são tomadas com critérios semelhantes?
Aproveitemos esses duros momentos que vivemos para meditar se somos coerentes, em todas as situações, com os ditames da nossa consciência, aconteça o que acontecer. Afinal, de que vale a um homem ganhar um mundo inteiro se vier a perder a sua alma?

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Começar e recomeçar


Transcorridos esses dias de isolamento e todo o contexto em que estamos vivendo por conta da pandemia, podemos ter uma certeza: nenhum de nós será o mesmo quando tudo isso passar, como também o mundo não será o mesmo. É certo que a história de cada pessoa e a da humanidade inteira é uma constante evolução. Há ocasiões, porém, em que os acontecimentos se sucedem com uma força avassaladora, capazes de trazer grandes transformações num curto espaço de tempo. Certamente estamos passando por um desses momentos.
É curioso notar como as pessoas reagem de maneira diferente diante das mesmas circunstâncias. Uns crescem com as dificuldades, tornando-se mais pacientes, mais caridosos, mais amáveis, em uma palavra, mais virtuosos. Outros, ao contrário, tornam-se mais azedos, mais impacientes, mais irritadiços, em suma, recrudescem nos vícios. Por que motivo a mesma situação produz resultados tão diferentes nas pessoas? Muitas vezes se trata de membros de uma mesma família, que vivem sob o mesmo teto, que enfrentam as mesmas dificuldades, porém, reagem de modos muito diversos diante delas. Por quê?
Certa vez ouvi de um sábio que Deus age conosco como um habilidoso escultor. Esse trabalha sobre um material inerte, como o mármore ou a madeira. A golpes, umas vezes maiores, outras menores, vai tirando, lixando, moldando, até que se transforme naquela obra magnífica. Só que o nosso Artífice divino trabalha sobre seres livres que somos nós. Por vezes aceitamos os golpes, ora fugimos deles. Eis aqui o motivo pelo qual as mesmas dificuldades ora esculpem um santo, ora um ... insuportável...
Mas a nossa vida é dinâmica. Ora estamos bem, ora surge o desalento. Nesses tempos de confinamento esses altos e baixos, como também os nossos defeitos e as nossas irritações tendem a ter uma ressonância maior nos que estão ao nosso lado, provavelmente trancafiados conosco sob o mesmo teto. Por isso, um grande desafio é o esforço para nos amparamos mutuamente. E isso numa dupla direção.
Primeiro, quando vemos que alguém que está ao nosso lado não está bem, deveríamos ter a delicadeza para perceber que precisa de ajuda. Talvez sugerir que faça algo de que gosta, como assistir a um filme, ler um livro, ficar um instante a sós em algum canto da casa, fazer uns minutos de exercício físico ou mesmo dar um passeio em locais em que não há risco de contágio, por exemplo.
Segundo, quando formos nós que não estamos bem, então que tenhamos a humildade de dizer que precisamos de ajuda, talvez de um tempo para relaxar, fazendo algo que nos agrada. Não nos esqueçamos, porém, que a maior fonte de alegria e de felicidade está em nos ocuparmos dos demais. Assim, se reclamamos um pouco de descanso e de descontração, que isso tenham um único propósito: repor as energias para, depois, servir melhor.
Esse tempo de isolamento é uma ocasião fantástica de crescer para dentro. Nos países de clima frio, em que a neve cobre as plantas, parece que essas morreram durante o inverno. Mas não! Ressurgem a cada primavera. O mesmo pode acontecer agora conosco. Essa forçosa inatividade pode ser ocasião para sermos pessoas melhores. Deixemos que o Artífice divino nos faça aquela bela escultura que nos seus desígnios eternos tem preparado para cada um de nós. E, se repararmos bem, essa obra de arte não é feita apenas de golpes. Há também muitos movimentos suaves que soam como carícias... E todos eles são muito bem ordenados para um mesmo fim: a nossa perfeição. Basta que deixemo-Lo agir.

segunda-feira, 30 de março de 2020

Lições do isolamento


Muitas famílias estão em isolamento no nosso País e no mundo nos últimos dias. É provável que ninguém de nós tenha passado por situação semelhante em toda a vida. Isso pode ser ocasião para sermos pessoas melhores ou, ao contrário, ser motivo para conflitos, brigas e desentendimentos, que tanto abalam o convívio familiar.
Por isso, gostaria de compartilhar hoje com o leitor algumas experiências que temos vivenciado na nossa família.
Em meio ao isolamento, há alguns dias, foi o aniversário de oito anos do nosso nono filho, o Vicente. Há um costume na nossa família de ganhar café da manhã na cama nesse dia. Só que o leite acabou. Como tínhamos sintomas suspeitos da temível doença (tosse, dor de garganta e um pouco de falta de ar), não me aventurei a ir até a padaria comprar, apesar de ter prometido isso a ele na véspera.
Diante disso, o jeito foi me contentar com uns ovos mexidos decorados com ketchup e o nome dele escrito com uns bacons fritos. Estou certo de que seria desclassificado de plano em qualquer concurso de MasterChef para criança. A reação dele, porém, quebrou todas as minhas expectativas. Ficou felicíssimo. Comia aqueles ovos sem graça como se fosse o prato mais delicioso do mundo...
Então nos veio a primeira lição: contentemo-nos com o que temos. Com muito pouco, é possível fazer felizes os que estão ao nosso lado. Acontece que temos uma tendência para criar necessidades. Colocamos uma série de requisitos para que se possa fazer uma comemoração. No entanto, na simplicidade e nos pequenos detalhes de carinho e atenção é que se esconde o segredo da paz na família.
O dia seguiu e a minha querida e dedicada esposa convenceu o nosso médico a me atender, apesar de ser um sábado. Ele também ficou com a suspeita de que de fato eu posso ter sofrido o contágio com o Coronavírus. Voltei para casa me sentindo privilegiado. Afinal, os sintomas não foram tão incômodos assim e, se confirmado, estaria inume em pouco tempo e, quando não mais houvesse risco de contágio para outras pessoas, estaria afinal livre do isolamento. Só que não. Após inúmeras tentativas, todas em vão, fiquei sabendo que o exame só é feito em pacientes graves, o que não é o meu caso. Com isso, ficarei indefinidamente na dúvida. E segue o isolamento até o final...
Eis aqui a segunda lição: não temos controle de nada na nossa vida. Deus está no comando. Ele sabe mais e melhor o que nos convém. Muitas vezes fazemos planos e nos irritamos que as coisas não ocorram tal como havíamos planejado. Acontece que a felicidade não está em que tudo corra bem, de acordo com o nosso planejamento. Ao contrário, ela está também na aceitação das contrariedades, com a certeza de que são enviadas ou ao menos permitidas por um Pai que nos ama e que cuida de nós.
Como era um sábado, decidi não trabalhar em home office. Finalmente teria algumas horas para ler o livro que espero há tanto tempo, pensei. Só que não. Preparativos para o aniversário – somente com os irmãos presentes, o que não é pouco – depois jogos, nos quais fui vivamente requisitado, o Álvaro, de 2 anos, exigindo a atenção... Enfim, tive de me contentar com 15 ou 20 minutos de leitura...
Depois disso tudo, fizemos uma oração em família. Logo após, sem saber o motivo, invadiu uma sensação profunda de paz e alegria...
Recebi, então, a terceira lição: o segredo da felicidade está em pensar nos outros. Já o apego ao nosso comodismo, o pensar apenas em nós mesmos é a receita ideal para a frustração e para a tristeza.
Aproveitemos, pois, intensamente esse tempo de isolamento. Quem sabe o dia que voltarmos à vida normal, o mundo e os locais que frequentamos receba pessoas melhores, que souberam adquirir muitas virtudes nesses momentos difíceis.

sexta-feira, 13 de março de 2020

Quando o assunto é dinheiro...


Certa vez, um orientador familiar ouviu de um casal que estava pensando no divórcio, pois começaram a brigar e a discutir muito por motivo de dinheiro, ou melhor, pela falta dele. E o especialista respondeu com simplicidade: “Vocês vão se separar porque a grana tá curta?! Mas como ficarão, depois, os custos de dois imóveis, as duas contas de energia, de água, de condomínio etc.? Não é irracional a solução que encontraram para esse problema?”.
Embora o raciocínio esteja correto, a questão não é simples. Há muitos sentimentos envolvidos, de modo que o problema, no fundo, não é puramente econômico.
A gestão do orçamento familiar é complicada, principalmente quando a grana está curta. Imaginemos uma família na qual o marido controla as finanças e a esposa costuma perguntar antes de efetuar os gastos mais relevantes. E, num determinado momento, ela pergunta se pode comprar roupa para ela e para os filhos, ao que ele responde que não. E, logo em seguida, aparece em casa com um celular novo ou um equipamento de última geração “necessário” para o esporte favorito dele. É provável que ela se sinta desprezada e pense que as suas necessidades não têm importância para ele, com os atritos e frustrações que isso pode ensejar à vida do casal.
Uma possível solução é o casal participar conjuntamente na elaboração de um orçamento para a família. Nele se poderão definir os limites de gastos para cada item. Mas isso não basta. Também convém que seja feito num local acessível para que ambos possam acompanhar a evolução durante um determinado período, normalmente ao longo do mês. Há muitos aplicativos disponíveis que permitem essa gestão.
Há famílias que enfrentam esse problema de outra maneira. Simplesmente se separam as contas, cada qual assumindo a sua parcela de responsabilidade. De fato, num primeiro momento, esse modelo de gestão é menos propício a conflitos. No entanto, em algumas situações, esse modelo pode ser indício de vidas paralelas. Ou seja, há muito meu e seu e pouco nosso nessa relação. Mas esse modelo também não é imune a conflitos. Isso porque, se no dia-a-dia cada qual usa a sua receita como quiser, arcando com as despesas comuns que assumiu, por outro, se algum dos dois entrar em desequilíbrio muito acentuado e o outro for chamado a socorre-lo(a), pode ser que o conflito seja ainda mais intenso.
Enfim, dizem que o dinheiro não é problema, mas solução. Certo? Nem sempre. A gestão dos recursos disponíveis na família, como também todas as demais questões que podem surgir na vida do casal são oportunidades que a vida lhes apresenta para se unirem ou se distanciarem. Tudo depende da perspectiva que é analisado e, principalmente, das escolhas e decisões que se faz a cada instante das suas vidas.
No mundo corporativo são muito comuns as reuniões de trabalho para debater e encontrar soluções para os inúmeros problemas que surgem no dia-a-dia da empresa. Penso que a mesma ferramenta deve ser utilizada para a família. Que o casal encontre um dia da semana para ter um “encontro de negócios”. Nele podem ser tratados os assuntos referentes à administração da família, ao relacionamento conjugal, à educação dos filhos, à solução dos problemas que surgirem e, também, da questão econômica. Essa não é a principal nem a mais importante, mas muitas vezes é um meio para que todos os demais projetos se desenvolvam.

Dia da Mulher.


O último domingo foi o dia da mulher. Muitos de nós talvez tenhamos lido, em especial nas redes sociais, homenagens que ressaltam os inúmeros percalços que se passou e quanta luta se travou para alcançar a tão sonhada igualdade de direitos e oportunidades.
Hoje a sociedade muito se beneficia com a presença da mulher nos mais diversos setores. A sua criatividade e o seu gênio feminino transmitem à empresa, às repartições públicas e todos os ambientes de trabalho um tom mais humano e acolhedor.
Apesar desse avanço, hoje se desenha uma discriminação talvez mais injusta e cruel. É que se lhes impõe o sucesso profissional como um objetivo a ser alcançado a qualquer custo, inclusive e principalmente com prejuízo da maternidade. Com efeito, é assustador o número de mulheres que são demitidas pouco tempo após retornarem da licença-maternidade.
Há ainda, na mesma linha, outra discriminação que se impõe àquelas que optam por dedicar as suas vidas – ou alguns anos dela – exclusivamente à educação dos filhos e ao cuidado da família. Com a expressão pejorativa de “do lar” anotada como profissão, são frequentemente tratadas como profissionais de terceira ou quarta categoria.
É preciso reconhecer, porém, que se todos trabalhos desempenhados pela mulher devem ser valorizados e respeitados, tanto mais respeito e admiração deveriam ser tributadas àquelas que livremente optam por se dedicar exclusivamente à educação dos filhos e cuidado da família. É cientificamente provado que a presença da mãe nos primeiros anos de vida é fundamental para o desenvolvimento sadio da criança. Além disso, a mulher sabe como ninguém construir um ambiente de carinho e ternura, ingredientes indispensáveis para fazer de uma casa um lar. E toda a sociedade se beneficia com isso.
 E se todos nos beneficiamos com o trabalho da mulher nos mais diversos ambientes, é justo que lhes asseguremos as condições para que possam desempenhar essa sublime missão na qual serão sempre insubstituíveis. Isso porque, governantes, parlamentares, magistrados, empresários, médicos e todos os trabalhadores, mulheres ou homens, somente podem exercer esse papel na sociedade porque um dia foram acolhidos no colo por uma mãe.
Essas dóceis guerreiras, artífices fundamentais na construção de uma nova civilização, recebam os nossos parabéns e o nosso reconhecimento. Porém, que isso não fique somente em palavras, mas se traduza em gestos concretos de cooperação, apoio, valorização e amor!

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Deixar fazer


- Mãe, posso assistir TV agora?
- Agora não – responde a mãe.
Ao contemplar esse diálogo, muitas mães e pais ficarão com a impressão de que está incompleto. Ou a filha irá perguntar: “o que posso fazer, então?” ou a própria mãe irá se adiantar propondo que façam alguma coisa. Mas será isso necessário? Precisamos estar todo tempo sugerindo algo que façam?
Para as gerações que foram criança décadas atrás era impensável esperar que os pais nos dissessem com que poderíamos nos divertir no tempo livre. Verdadeiramente não era problema deles. Talvez por isso escalamos árvores perigosamente, andamos sobre muros, cavalgamos, em suma, fomos protagonistas da nossa própria existência.
Atualmente, colocamos as filhas e os filhos como centro das atenções nas nossas famílias. Mais ainda, damos a elas e a eles o direito de esperar de nós, pais, a cada instante, o que hão de fazer. Como consequência, ficamos estressados. De fato, como não ficar esgotado quando nos atribuímos um suposto dever de entretê-los(las) o todo tempo? Com essa postura, são a escola, as atividades extracurriculares e os equipamentos eletrônicos que nos dão uma trégua. Quando estamos em casa, porém, estão lá esses “pequenos imperadores” a reclamar a atenção o tempo todo.
Acontece que, com essa postura tão difundida nos pais de hoje em dia, as nossas filhas e os nossos filhos crescem acostumados a serem estimulados por alguém ou por algo (TV, computador, smartphone etc.), de modo que estão sempre esperando que lhes ofereçam alguma coisa a fazer ou com que se divertir. Com isso, perdem o protagonismo das próprias vidas.
Muitos dirão que, atualmente, há mais problemas de segurança, que nas grandes cidades as crianças e mesmo os jovens não podem se deslocar sozinhos, de modo que isso seria um fenômeno inevitável. De fato, isso é assim mesmo. Mas a questão de fundo não são os fatores externos, ou seja, o ambiente em que se desenvolvem, mas a nossa postura enquanto educadores e, por consequências, as expectativas que transmitimos a eles.
Assim, podemos morar em apartamento, ou em casa da qual não podem sair sozinhos por motivo de segurança, mas, no espaço em que se desenvolvem, a partir de determinada idade, devem buscar eles próprios com que brincar, como se relacionar com irmãos, com os amigos e com os vizinhos. Em suma, que não sejam sujeitos passivos, que a todo o momento aguardam que venha um smartphone, uma TV ou uma mãe trazer pronto o que podem ou devem fazer.
Quanto à pergunta daquela criança que fizemos acima, esclareço que, pouco tempo após, ela se organizou com a irmã e com mais uma amiguinha e montaram um “centro cirúrgico” na sala de TV, que permaneceu desligada, é claro. A brincadeira perdurou por horas, sendo substituída por outra e mais outra, fomentando a criatividade, espírito de iniciativa e, principalmente, uma postura ativa no sentido de descobrir o mundo e o ambiente em que vivem.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Podemos fazer um 2020 melhor?!


Você já reparou como corremos de um lado a outro nesses dias que antecedem o Natal e a chegada do Ano Novo? Qual será o motivo de tanto ativismo nesse tempo?
Penso que um dos motivos é a falsa esperança que temos de que até o último dia do ano iremos resolver todos os nossos problemas. É evidente que isso é uma ilusão. No entanto, muitas vezes agimos como se não o fosse. Com efeito, nos propomos metas no trabalho que precisam ser atingidas, um conserto no carro ou na casa, que têm de ser feitos ainda neste ano. Por vezes será um problema familiar, o direito de visitas a uma filha ou a um filho, negligenciados por vários meses, mas que precisamente agora queremos retomar...
É momento de colocarmos uma dose de realismo nos nossos projetos. Não estraga esses momentos festivos considerar que, no primeiro dia do novo ano, os nossos problemas continuarão lá, tal como os deixamos no ano que findou. Aliás, poderão estar ainda piores, se agravados pela ressaca ou, se nesse tempo de festas, procuramos pensar apenas em nós mesmos e na nossa diversão, esquecendo-nos dos demais. Nesse caso, o primeiro de janeiro nos surpreenderá com a amarga tristeza que marca a vida dos egoístas.
A propósito, poderíamos fazer um exercício mental de considerar o que aconteceria se, como num passe de mágica, todos os nossos problemas simplesmente desaparecessem. O que faríamos então? Talvez num primeiro momento nos ocorra pensar que seria uma maravilha, uma espécie de paraíso aqui na terra. Mas sabemos também que isso é uma ilusão, por vezes, muito perigosa.
E isso nunca acontecerá porque não é bom para nós. É que os problemas e as dificuldades são oportunidades que a cada minuto nos são concedidas para sermos melhores como pessoas, enfim, para adquirir virtudes. Por exemplo, se tivermos dificuldade no relacionamento conjugal, talvez seja o caso de nos propormos a sermos mais pacientes, mais generosos, a pensar mais na esposa (ou no marido) e menos em nós mesmos. Se passamos por alguma dificuldade econômica, isso também pode ser ocasião para sermos mais desprendidos dos bens materiais, quiçá considerando que “tem mais, quem precisa de menos”.
Muito ouvimos falar em “ano novo, vida nova”. De fato, esse propósito de virar uma página e começar novamente com ânimo renovado é algo bom. Porém, isso não acontecerá naturalmente e sem esforço da nossa parte. Por isso, é preferível o realismo que poderíamos definir como “ano novo, luta nova”.
Certa vez ouvi de uma pessoa essa afirmação cheia de vibração e de entusiasmo: “eu quero mudar o mundo; nós vamos mudar o mundo!”. E isso, se bem entendido, não é ilusório. É, ao contrário, um propósito cheio de realismo. Não se pode deixar de considerar, porém, os meios que se hão de empregar para atingir esse resultado. E, de certo modo, tudo o que podemos fazer para construir um mundo melhor é mudarmos a nós mesmos, é sermos pessoas mais generosas, mais dedicadas aos demais, em suma, mais virtuosas.
Gosto de recordar aquela imagem – que já compartilhei outras vezes aqui – da pedra atirada num lago sereno ao entardecer. Dessa ação surge uma onda, depois outra, até que todo o lago é atingido pelas ondas. Assim são as nossas boas ações. Alegram aqueles que nos estão próximos que, por seu turno, sentem as boas disposições para replicar essa atitude benfazeja com aquelas e aqueles com quem convivem. E, com isso, constrói-se um mundo melhor ao nosso redor, nos ambientes em que convivemos.
Portanto, que o Novo Ano não chegue com a ilusão de uma tranquilidade fundada na ausência de problemas e na prosperidade, mas com a felicidade e a paz que brotam nos corações daquelas e daqueles que batalham, dia após dia, para construir um mundo melhor!