segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Brumadinho e o brasileiro


Certa vez, num aeroporto de um País da Europa, observando o comportamento de um turista, um amigo me disse: “aquele ali é brasileiro”. Como ele não usava sandálias havaianas, perguntei como sabia disso. “Veja – explicou – ele vinha caminhando a procura de algo e, quando chegou ao balcão da locadora de veículos que procurava, não hesitou em deixar o seu carrinho repleto de malas bem no meio do corredor, sem sequer cogitar que, com isso, iria dificultar a passagem de outras pessoas”.



E a cena se repete aqui com muita frequência. São os motoristas que conversam no celular enquanto dirigem, de modo que seguem ziguezagueando pelas ruas e avenidas, colocando em risco a vida de inúmeras pessoas. São, ainda, os pais e as mães que param em fila dupla enquanto esperam a filha ou o filho saírem do colégio. Ou, também, é o motorista que não avança no sinal verde porque precisou terminar de digitar e enviar – bem naquela hora – a mensagem de WhatsApp etc.

Essas atitudes, ainda que muitas vezes sejam justificadas por uma certa “espontaneidade” do brasileiro, no fundo tem uma causa perversa. Pouco se importa que outros também precisam passar, que se está travando o trânsito, ou colocando a vida própria e alheia em risco. Na verdade, nem se pensa nisso. O que importa é o que cada um precisa ou deseja de fazer. Os outros, que esperem... Isso tem um nome: egoísmo.
No caso de Brumadinho, ainda não há provas conclusivas de que tenha havido omissão ou negligência dos responsáveis, nem que isso tenha sido a causa do acidente. Aliás, triste repetição da catástrofe de Mariana! Seria aqui uma simples replicação daqueles gestos tão corriqueiros de descaso com a pessoa do próximo? Será que só nos damos conta dessa postura tão arraigada quando as consequências são terríveis, como ocorreram nessas tragédias?

Não seria correto concluir, a partir dessas considerações, que o brasileiro é egoísta e que, por esse motivo, o nosso trânsito é um dos mais violentos do mundo, que os desastres acontecem aqui com inaceitável frequência, muitas vezes como consequência do descaso perante milhares de famílias que vivem em situação de risco. Isso porque tal defeito não é exclusividade nossa. Ao contrário, faz-se muito encontradiço – ainda que com manifestações diversas – em qualquer local do planeta.

Noutros Países, porém, considerados como mais desenvolvidos, há uma melhor educação, no sentido de respeitar as leis de trânsito e como se portar nos locais públicos de modo a se promover uma convivência harmônica com os demais. E, principalmente, uma maior preocupação do Poder Público e das pessoas incumbidas de atuar em atividades de risco em ser diligentes e rigorosas no cumprimento das normas de segurança.

Nunca gostei de comparações como a que fazemos agora, que levam a pensar que o que fazemos aqui é ruim e que, noutros locais – em especial na Europa Ocidental, na América do Norte e no Japão – tudo é bom e funciona magnificamente. O brasileiro em geral já tem uma baixa autoestima. E essa maneira de abordagem agrava esse problema. No entanto, temos de admitir que enfrentamos um problema crônico no que tange a ações efetivas de respeito à vida e à pessoa do próximo.

Por outro lado, porém, ninguém se iguala a nós em compaixão e afeto. É interessante notar como duas pessoas que sequer se conhecem, ao entabular uma breve conversa num transporte público, por exemplo, logo abrem suas vidas como se conhecessem há anos. Com efeito, somos verdadeiramente um povo que tem coração!

Ao conjugar essas duas tendências opostas, é um grande desafio dos nossos educadores, em especial os pais e professores, colocar o amor ao próximo também na inteligência e não apenas no coração. Com isso, seremos mais diligentes em pensar – e não apenas em sentir – sobre como as nossas ações, grandes ou pequenas, podem repercutir nas outras pessoas. Isso terá muitas implicações: o respeito às leis de trânsito; pensar e agir de modo a facilitar a vida dos demais num local público e; principalmente, a intransigente diligência e cuidado ao se promover a construção ou manutenção de obras que possam implicar risco à vida de outros seres humanos.

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Superendividamento



Pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Comércio aponta que, em outubro de 2.018, o percentual de famílias que relataram ter dívidas entre cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, empréstimo pessoal, prestação de carro e seguro alcançou 60,7%. O estudo também revela que 23,5% possuem dívidas com atraso e 9,9% declararam que não terão condições de pagar os seus débitos!
Diante desses dados, vem à memória os sábios conselhos que dava um grande homem em palestra ministrada a casais. Dizia ele: “uma família com dívidas é presa fácil do diabo”. É claro que essas palavras precisam ser entendidas no contexto em que foram ditas. Com elas queria o palestrante dizer que as aflições geradas pelo endividamento excessivo podem colocar o casal em briga, quiçá cada um atribuindo ao outro a responsabilidade pela situação, gerando conflitos que agravam o problema e, pior, repercutem muito negativamente na educação dos filhos e no ambiente familiar.
Diante desse cenário, o que se pode fazer para superar essa dificuldade sem comprometer a harmonia e a paz no lar?
Para enfrentar o problema é fundamental recuperar a serenidade. E essa virá, de certo modo, quando se vislumbrar “uma luz do fim do túnel”. Enquanto se ficar repetindo a todo o tempo que não há solução, que tudo está perdido etc., cria-se um ambiente de angústia e aflição que paralisa as nossas ações, mingua as nossas forças, podendo nos afundar num desalento difícil de ser superado.
É necessário um planejamento financeiro. Trata-se de fazer uma estimativa real das receitas e, feito isso, elaborar um orçamento, prevendo as despesas. Não vamos aqui descer a minúcias de como fazer isso. Existam muitos softwares e dicas para se controlar o orçamento doméstico. Utilizamos em casa há alguns anos o YNAB, que significa You Need A Budget. Em português, “Você Precisa de um Orçamento”.
 Convém ressaltar, porém, não há regras fixas. Algo que funciona para umas pessoas, para outras não. O fundamental é saber exatamente o quanto se ganha e, a partir daí, o quanto se pode gastar em cada item que compõe o orçamento doméstico, esforçando-se para ficar dentro desses limites.
Acontece que as pessoas gravemente endividadas não se sentem com forças para elaborar um orçamento: “não consigo sequer pagar as minhas dívidas, como posso pensar num orçamento?”, dirão talvez. No entanto, quando falta esse planejamento para a situação de normalidade, também não se consegue traçar um plano para sair do vermelho. E se por acaso conseguem de algum modo sair das dívidas, por ausência de planejamento, cedo ou tarde voltam a se afundar nelas.
Também há que se tomar muito cuidado ainda com as “soluções mágicas”. Elaborar um orçamento se esforçar para manter os gastos dentro desses limites custa, para a grande maioria das pessoas, esforços e sacrifícios. Como nem sempre se está disposto a percorrer esse árduo caminho, muitos vivem de ilusão: “vou jogar na megasena e não pensarei mais nisso”. Pior ainda acontece quando, movido pelo desespero, acredita-se em pessoas ou instituições inescrupulosas, que prometem eliminar ou reduzir drasticamente as dívidas como que num “passe de mágica”.
De fato, por vezes a situação será tão crítica que não haverá outro remédio que não negociar com os credores. E há instituições sérias que auxiliam nisso. No entanto, mesmo para isso é necessário um planejamento. Do contrário, novamente se assumem compromissos que não poderão ser honrados, agravando ainda mais a situação no futuro.
Por fim, para os casais que passam por esses percalços convém que estejam muito unidos. As dificuldades podem unir ou separar os cônjuges. Tudo depende da postura que se assume diante delas. Talvez seja o momento de recordar a si próprio e aos filhos que “tem mais quem precisa de menos”. Aliás, se pensarmos bem, as melhores coisas da vida são gratuitas. Quanto custa contemplar um por do sol? Quanto vale o sorriso afetuoso ou o abraço carinhoso de um filho? Enfim, como pagar o amor que Deus tem por cada um de nós?

Fábio Henrique Prado de Toledo é Juiz de Direito em Campinas e Especialista em Matrimônio e Educação Familiar pela Universitat Internacional de Catalunya– UIC. E-mail: fabiohptoledo@gmail.com