terça-feira, 20 de novembro de 2018

Consciência Negra


Hoje é o Dia da Consciência Negra. Toda iniciativa que visa eliminar as discriminações injustas deve ser prestigiada. E a discriminação racial está dentre as mais repugnantes e inaceitáveis. Por consequência, não deveríamos poupar esforços para a sua completa erradicação em todas as sociedades do nosso tempo.

Há que se ponderar, porém, acerca da eficácia dos meios que se empregam para atingir tal finalidade. É que, por vezes, vale-se de desnecessários embates, que resgatam intrigas do passado e, pior ainda, colocam a responsabilidade de erros outrora cometidos sobre as gerações atuais.
Nessa linha, não raras vezes, vê-se modernamente apelos instando a que se peçam desculpas aos afrodescendentes pelas terríveis injustiças de que foram vítimas, desde a saída da sua terra natal, séculos atrás, bem como pelos sofrimentos sem conta a que foram submetidos num regime de escravidão. Mas... quem deveria, agora, se desculpar por tudo isso? Os de pele clara ou de ascendência europeia teriam herdado a culpa e, como tal, seriam devedores de toda injustiça dessa natureza? E a quem endereçaríamos tais escusas? Aos afrodescendentes com quem convivemos atualmente?
Tais argumentos, com o devido respeito, têm como fundamento uma espécie de neomarxismo, ávido de implantar a “luta de classes” em todos as relações humanas. Ou seja, não mais apenas entre burguês e proletário, mas, também, entre mulher e homem, negro e branco, homossexual e heterossexual. Em tudo se pretende selar uma marca indelével de oprimido e opressor, semeando discórdia, divisão e ódio, ainda que a pretexto de lutar pelos direitos de uma classe, de um gênero ou de uma raça.
Culpa e, por consequência, responsabilidade pelos atos é algo eminentemente pessoal. Se uma pessoa cometeu alguma injustiça contra outra em determinado tempo e local, ainda que esteja isso perdido em inúmeras outras num longínquo transcorrer da história, àquele homem ou àquela mulher cabe – com total exclusividade – responder por seus atos. E se não o fez ainda nesta vida, estou certo de que não escapou de outro Juízo, muito mais sábio e certeiro. De qualquer modo, ninguém herdou tal responsabilidade, seja por que motivo for.
Ao afirmarmos que conceitos como culpa e responsabilidade são fenômenos eminentemente pessoais, não se exclui a influência do meio social na formação das consciências. Assim, valendo-nos novamente do exemplo do período da escravidão no Brasil, é evidente que as concepções socialmente aceitas naquele período influíam no modo de ser e de pensar das pessoas, quiçá favorecendo injustiças. Mas por mais que tais fatores influíssem no modo de ser, pensar e agir das pessoas, cada injustiça ou cada ato de amor e respeito ao próximo sempre foram, são e serão, frutos de decisões pessoais.
O Dia da Consciência Negra – e não somente nessa data, mas sempre – deve impulsionar à reflexão, em última análise, acerca de como estamos a promover a dignidade da pessoa humana. A erradicação completa de toda e qualquer discriminação injusta pressupõe o reconhecimento da infinita dignidade de cada mulher e de cada homem.
Não se suprime a injusta discriminação simplesmente suscitando, instigando ou promovendo o embate entre pessoas, grupos e nações. Por certo, quando certos grupos ou instituições assumem posturas aberta ou veladamente discriminatórias, devemos nos posicionar com coragem e intransigência contra quem intenta perpetuar tais injustiças. Mas nunca estará nessa luta a solução do problema.
Quando soubermos olhar para cada ser humano – esse bem próximo e que está ao nosso lado – como uma filha ou um filho de Deus, como alguém radicalmente igual a nós em dignidade, somente então teremos suplantado toda e qualquer discriminação injusta. Parafraseando o grande Paul McCartney, viveremos em perfeita harmonia não somente no teclado do piano, mas em todos os locais deste planeta, concebido pelo Criador a serem habitados por seres que são e se portam como irmãos.