segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Deixar fazer


- Mãe, posso assistir TV agora?
- Agora não – responde a mãe.
Ao contemplar esse diálogo, muitas mães e pais ficarão com a impressão de que está incompleto. Ou a filha irá perguntar: “o que posso fazer, então?” ou a própria mãe irá se adiantar propondo que façam alguma coisa. Mas será isso necessário? Precisamos estar todo tempo sugerindo algo que façam?
Para as gerações que foram criança décadas atrás era impensável esperar que os pais nos dissessem com que poderíamos nos divertir no tempo livre. Verdadeiramente não era problema deles. Talvez por isso escalamos árvores perigosamente, andamos sobre muros, cavalgamos, em suma, fomos protagonistas da nossa própria existência.
Atualmente, colocamos as filhas e os filhos como centro das atenções nas nossas famílias. Mais ainda, damos a elas e a eles o direito de esperar de nós, pais, a cada instante, o que hão de fazer. Como consequência, ficamos estressados. De fato, como não ficar esgotado quando nos atribuímos um suposto dever de entretê-los(las) o todo tempo? Com essa postura, são a escola, as atividades extracurriculares e os equipamentos eletrônicos que nos dão uma trégua. Quando estamos em casa, porém, estão lá esses “pequenos imperadores” a reclamar a atenção o tempo todo.
Acontece que, com essa postura tão difundida nos pais de hoje em dia, as nossas filhas e os nossos filhos crescem acostumados a serem estimulados por alguém ou por algo (TV, computador, smartphone etc.), de modo que estão sempre esperando que lhes ofereçam alguma coisa a fazer ou com que se divertir. Com isso, perdem o protagonismo das próprias vidas.
Muitos dirão que, atualmente, há mais problemas de segurança, que nas grandes cidades as crianças e mesmo os jovens não podem se deslocar sozinhos, de modo que isso seria um fenômeno inevitável. De fato, isso é assim mesmo. Mas a questão de fundo não são os fatores externos, ou seja, o ambiente em que se desenvolvem, mas a nossa postura enquanto educadores e, por consequências, as expectativas que transmitimos a eles.
Assim, podemos morar em apartamento, ou em casa da qual não podem sair sozinhos por motivo de segurança, mas, no espaço em que se desenvolvem, a partir de determinada idade, devem buscar eles próprios com que brincar, como se relacionar com irmãos, com os amigos e com os vizinhos. Em suma, que não sejam sujeitos passivos, que a todo o momento aguardam que venha um smartphone, uma TV ou uma mãe trazer pronto o que podem ou devem fazer.
Quanto à pergunta daquela criança que fizemos acima, esclareço que, pouco tempo após, ela se organizou com a irmã e com mais uma amiguinha e montaram um “centro cirúrgico” na sala de TV, que permaneceu desligada, é claro. A brincadeira perdurou por horas, sendo substituída por outra e mais outra, fomentando a criatividade, espírito de iniciativa e, principalmente, uma postura ativa no sentido de descobrir o mundo e o ambiente em que vivem.