segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Vale a pena ser fiel?

A Revista Metrópole do penúltimo domingo, dia 18 de outubro, trouxe uma reportagem sobre os resultados de uma pesquisa, feita por duas psicólogas norte-americanas, Melissa Burkley e Jessica Parker, da Universidade Estadual de Oklahoma, na qual se constatou que as entrevistadas descompromissadas sentiam maior atração por homens comprometidos.
Não pretendo questionar nem concordar com o resultado da pesquisa. Aliás, se analisarmos com sinceridade e coragem, concluiremos que é de certa forma inevitável que homens e mulheres sintam atração uns pelos outros, sejam ou não comprometidos. Por exemplo, ao se deparar com uma mulher bonita, atraente, com um perfume agradável e bem arrumada pode ocorrer que o primeiro impulso no homem seja desejá-la como parceira de uma relação íntima, independentemente de serem ou não casados. Mais ainda, tal como revela a pesquisa, a aliança no dedo pode mesmo ser um atrativo a mais. Penso, porém, que a questão que se coloca como fundamental não é esse sentimento inicial. O que importa é a atitude que tomaremos após esse impulso, quando a nossa inteligência tomar conta da situação.
Ao deparar com esses questionamentos, vem-me à memória um cachorrinho que possuíamos há alguns anos, quando ainda morávamos numa cidade muito pequena do interior. O Slinky era um puddle adorável e obediente. Mas havia ocasiões em que nos fugia completamente do controle. Quando alguma cachorrinha da vizinhança entrava no cio, a situação ficava insustentável. Ele roia os pés da mesa, rasgava o sofá, pulava o muro e sempre dava um jeito de escapar e ir ao encontro dela.
Poderíamos traçar um paralelo entre a atitude do Slinky e a das pessoas mencionadas na pesquisa. Ambos sentem uma atração sexual. Mas seria conveniente que nós, seres humanos, reagíssemos diante de um estímulo exatamente como o faz um cachorrinho de estimação?
Penso que a sexualidade é parte integrante da natureza dos seres e é dela indissociável. Um animal, mais precisamente um mamífero recém-nascido necessita da proteção da mãe, que ela o amamente e dispense os cuidados até que atinja a maturidade suficiente para cuidar de si próprio. O ser humano, ainda que necessite desses cuidados materiais e alimentação a ser proporcionados pelos pais, deles dependem muito mais. Precisam de ser formados, de carinho, de afeto e de acolhida. Em suma, necessitam de amor.
E se é isso o que nos define como seres humanos, ou seja, como seres que possuem e aspiram ao amor, nisso está indissociavelmente inserida a nossa sexualidade. Assim, quando se dissocia o sexo do amor e da afetividade, coloca-se esse ato humano, em si sublime e belo, abaixo do acasalamento praticado pelos animais. É que esses quando menos o fazem com total “disposição”, se é que se pode assim dizer, imposta pelo instinto natural de preservação da espécie, de acolher e alimentar a prole que disso advenha.

Lembro-me do que me contou um grande amigo, que bem pode ficar a título de conclusão. Na época, ele era professor universitário e uma aluna passou a assediá-lo indiscretamente. Certa vez, ao final da aula, a aluna lhe disse: “Professor, todas as meninas da classe acham que o senhor é o professor mais charmoso que nós temos”. Ele não perdeu a compostura. Deu um suspiro, lançou um olhar penetrante e sério. Em seguida, disse: “Eu agradeço o elogio, muito embora acredito que quem disse isso não esteja bem da visão. Mas, faça um favor, diga a quem pensa isso de mim que eu estou casado há dezessete anos e que, depois desses anos todos, posso dizer que amo minha esposa ao menos setecentas vezes mais do que a amava quando, diante do altar, prometi a ela que esse amor seria para sempre. Diga também que, todas as noites, beijo meus filhos em suas camas e depois, ao me deitar, beijo minha esposa enquanto renovo em voz baixa a mesma promessa: meu amor, é para sempre, para sempre...”. 

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Enquanto ainda é tempo

Um dia desses, minha filha Gabi lançou-me inesperadamente uma pergunta: “Papai, quando você vai se aposentar?”. “Só posso me aposentar quando fizer sessenta anos”, respondi-lhe imediatamente. E depois completei: “Mas muitos juízes somente se aposentam quando são obrigados, aos setenta anos”. Sem se dar conta do tempo que ainda falta, ela me perguntou animada com a idéia: “quando você se aposentar, você poderá ir ao cinema comigo?”. “Quando eu me aposentar provavelmente ela estará casada, com filhos, ou ao menos será já suficientemente adulta para não precisar (ou não querer) do pai para ir ao cinema”, pensei comigo mesmo, sem lhe desanimar com essa observação.
Esse breve diálogo me fez pensar no quanto adiamos as coisas boas que podemos fazer por aqueles a quem amamos. Frequentemente nos desculpamos com o excesso de trabalho ou com os muitos afazeres. Com isso vamos deixando sempre para um amanhã que nunca chega aquele passeio que tanto agrada a nossa esposa, a pescaria que prometemos a um filho, a visita àquele amigo que passou por um revés econômico, ou mesmo um simples telefonema ao pai ou à mãe distantes.
Quantas vezes não dedicamos sequer alguns poucos minutos por dia para estar com os nossos filhos porque passamos por temporadas em que o trabalho profissional exige uma dedicação maior. Com isso, pensamos conosco mesmos que “quando as coisas melhorarem”, “quando tivermos uma situação econômica mais folgada”, então sim poderemos dedicar mais tempo aos filhos. Acontece que o tempo é implacável. Os dias rapidamente se transformam em meses e esses anos e, quando menos esperamos, eles terão crescido. E então ficará a gozosa saudade dos bons momentos passados juntos, ou o triste arrependimento das oportunidades desperdiçadas.
E tanto mais importante ainda é cuidar do tempo que se dedica à esposa e ela ao marido. Há de se cuidar para que o convívio seja bem aproveitado para estreitar os laços de amor e de carinho. Afinal, tal como um tecido feito à mão se constrói ponto por ponto, a felicidade no casamento se edifica minuto a minuto. E assim como a beleza e a solidez do tecido dependem do capricho que se coloca em cada movimento, também o casamento depende de cada sorriso, de cada abraço, de cada gesto de dedicação e acolhida cuidadosamente praticados dia a dia, minuto a minuto.
E nossos amigos? Quanto tempo merece ser gasto para cultivar esse que é um dos mais nobres sentimentos humanos: a amizade? Dizem que duas pessoas só podem se dizer amigas de verdade depois de comerem alguns quilos de sal juntas. Como numa refeição se utiliza pequenas porções desse tempero, são necessárias muitas refeições. Talvez não sejam apenas as refeições que podem fomentar essa união, mas também um esporte, um passeio, ou outra atividade qualquer. E se o que se pretende é aproveitar bem o tempo, será necessário ter ouvidos para que o amigo possa se abrir. Que saiba encontrar alguém que se interesse por ele, desinteressadamente.

O tempo presente é a maior dádiva que recebemos. O ontem não voltará jamais. O amanhã não sabemos se chegará para nós. Assim, é uma enorme demonstração de sabedoria aproveitar esses minutos que nos cabem agora para fazer neles o que verdadeiramente importa. E o que de verdade é importante é cultivar a alegria no coração dos demais. O agricultor lança para longe de si a semente, que cai na terra, germina, cresce, floresce e depois produz os frutos abundantes, que são a causa de sua alegria. O mesmo pode ser feito com o nosso tempo. Parece que o jogamos fora quando nos esforçarmos por fazer um trabalho bem feito, por estar com a esposa, com os filhos ou com os amigos. Mas depois ele frutifica e se multiplica, trazendo consigo uma paz e uma alegria tão intensos que não há mau tempo que as possa apagar.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Uma Vida pela Vida

Neste ano de 2009 o Mons. Fernando de Godoy Moreira completa os seus cinqüenta anos de ordenação sacerdotal. Quem o contempla ao final da Missa na Paróquia Santa Rita de Cássia, pacientemente saudando e abençoando cada um dos seus paroquianos que o procuram, talvez lhe ocorra perguntar: de onde ele tira forças para tudo isso? Como pode manter a serenidade e a alegria apesar do peso que trazem os muitos anos de vida?
Acredito que todo homem e toda mulher nasce com uma missão a cumprir. Decididamente não é o ser humano mero produto do acaso. Não somos seres lançados à própria sorte num mundo cruel e sem sentido. Ao contrário, trazemos gravado no fundo da alma um chamado, um convite que, quando lhe dizemos sim, dá sentido a toda a vida. Nossa existência se assemelha a um quebra-cabeça. Uma vez conhecida a missão, as peças começam a se encaixar e a terem o seu papel. Antes do aceitarmos o chamado elas já existiam, mas num emaranhado confuso e sem sentido. Porém, depois de encaixadas, cada qual no seu devido lugar, que harmonia!
O Monsenhor Fernando ouviu o seu chamado quando tinha apenas 11 anos, e soube segui-lo com valentia. Porém, mais que dizer sim num primeiro momento, o que já é uma grande demonstração de amor, soube perseverar. Prova evidente dessa perseverança é o jubileu de ouro que se aproxima.
Vivemos num mundo em que a palavra dada tem pouco valor. Os compromissos assumidos, por vezes graves, como ocorre no matrimônio, são rompidos ao surgir as primeiras dificuldades. Os jovens, desorientados, sentem-se incapazes de se entregarem por toda a vida, num receio tacanho de se doarem por algo que valha a pena. Nesse cenário, o Mons. Fernando reluz como um exemplo de fidelidade.
São Josemaria Escrivá, fundador do Opus Dei, que também foi um sacerdote fidelíssimo a sua missão, costumava fazer o seguinte trocadilho: fidelidade, felicidade, felicidade, fidelidade, como que querendo dizer que ambas as palavras são a mesma coisa. Com isso desejava deixar claro que tanto mais felizes seremos quanto mais fiéis formos aos compromissos que assumimos.
Certa vez ouvi de uma senhora, casada há várias décadas, a queixa de que alguns defeitos do marido pareciam se agravar com os anos: “ele ficou mais ranzinza e cheio de caprichos e manias”. De fato, nossos defeitos não somem por si sós com o tempo. Temos de lutar contra eles. Mas aqueles que travam uma luta assídua e perseverante vencem a batalha. E a coroa dessa vitória é o rejuvenescimento espiritual. E com isso, ainda que os anos ressoem implacáveis na face e nos cabelos grisalhos, não podem conter a alegria serena que jorra de uma alma jovem. E esse é o mais fiel retrato do Mons. Fernando, rodeado por crianças acolhidas com imensa paciência.
Estamos no ano sacerdotal. Que alegria celebrar o jubileu de ouro exatamente neste ano dedicado aos sacerdotes!
O sacerdote que se mantém fiel a sua vocação é um grande tesouro. São incontáveis os benefícios que proporcionam às almas. Tudo o que quisermos expor ficará aquém. Quantas pessoas não encontraram alívio numa confissão individual! Quantas crianças não se sentiram reconfortadas com uma acolhida alegre! Quantos casais não se sentiram impelidos a serem fiéis aos compromissos assumidos no sacramento do matrimônio!

Nesse mundo tão atribulado, em que as pessoas parecem correr de um lado para outro, como que ocultando o vazio que trazem dentro de si, o Mons. Fernando ressoa como um magnífico exemplo de como encontrar a verdadeira felicidade: sendo fiéis à missão que a cada um de nós foi confiada.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Respeito à autoridade

Na semana passada muitos acompanharam de perto a votação no Senado Federal da indicação de José Antônio Dias Toffoli para uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Penso que o interesse despertado nas pessoas é extremamente saudável numa democracia, como o são também as manifestações favoráveis e contrárias à sua nomeação para o cargo. Trata-se de uma das funções mais importantes do Poder Judiciária de nosso País, de modo que é bom ver que a sociedade se interessa por isso. Por certo que o resultado não agradou a todos, o que também é absolutamente natural. Porém, a partir desse fato, agora consumado e irreversível segundo as regras traçadas na nossa Constituição Federal, penso que deveríamos meditar um pouco sobre como olhamos para nossas autoridades.
É certo que a forma com que a sociedade enxerga as suas autoridades depende muito diretamente dos bons ou maus exemplos que elas dão no exercício dos cargos. E também nisso influi diretamente a capacidade que têm as instituições de punir as más autoridades, que agem na busca do proveito pessoal e não do bem comum. Aliás, pior que a corrupção no Senado é a impunidade dos corruptos.
Mas se por um lado é certo que não faltam exemplos de um pervertido exercício da autoridade e da falta de punição, por outro, não menos certo é que há um descrédito excessivo e generalizado nas pessoas que as levam a simplesmente desrespeitar toda e qualquer autoridade.
O nosso ceticismo e os nossos comentários azedos e carregados de tom negativo, embora pareçam irrelevantes em sem conseqüências, acabam por exercer uma influência extremamente negativa nos jovens e nas crianças, que desde cedo aprendem a ter um olhar desconfiado e descrente das autoridades.
E esse fenômeno não fica limitado aos políticos e ocupantes de cargos públicos, mas atinge o conceito de autoridade em si. Com isso não se consegue que se respeitem os pais, os professores, os diretores de escolas etc. É que se nossas crianças são acostumadas desde muito cedo a ouvir comentários de desdém ou frases do tipo “todo mundo é safado” quando o assunto em questão é essa ou aquela autoridade, o resultado é que elas passem a associar o conceito de autoridade com corrupção, malandragem, ou, quando menos, de algo pouco digno.
A existência de autoridade é tão antiga como a própria sociedade. E não há sociedade sem que nela haja autoridades, que tanto mais legítimas serão quanto melhor servirem a quem governam. Por isso é urgente que se trabalhe para resgatar o respeito a elas devido. Que pai e mãe sejam reconhecidos como autoridades na família, e que o sejam de fato. Que o professor seja estimado e reconhecido pelos alunos, e que também o faça por merecer. Em suma, que quem exerce a autoridade seja de verdade respeitado não apenas pela dignidade da função, mas pela abnegação com que a desempenham.
Há quem diga que cada povo tem os governantes que merecem. Sendo assim, penso que deveríamos quebrar essa espécie de círculo vicioso que se instaurou entre nós: maus exemplos de algumas autoridades que ensejam um descrédito generalizado das pessoas em relação às instituições, que por sua vez não possuem força para banir as más autoridades.

Podemos começar dando um voto de confiança aos recém empossados. Mas mais que isso, devemos ter olhos mais otimistas, sem deixar de ser realistas, para ver que em muitos recantos desse País há pessoas de bem, que sabem doar suas vidas pelas funções que exercem. Autoridades que aprenderam que a maior dignidade consiste em servir. Fazer com que nossos jovens e crianças vejam e estimem essas autoridades legítimas talvez seja um dos melhores legados que podemos deixar ao nosso País, pelo bem dos nossos filhos.