segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O amor e o não

Recebi recentemente uma mensagem eletrônica. Gostaria de citar o seu autor, porém, ele próprio se identifica apenas como um Autor Desconhecido. E, como a sua fantástica mensagem tem circulado livremente na Internet, penso que pode ser reproduzida, até para que mais pessoas sejam tocadas pela sabedoria de suas palavras:
CRIANDO MONSTROS
O que pode criar um monstro? O que leva um rapaz de 22 anos a estragar a própria vida e a vida de outras duas jovens por... NADA? Será que é índole? Talvez, a mídia? A influência da televisão? A situação social da violência? Traumas? Raiva contida? Deficiência social ou mental? Permissividade da sociedade? O que faz alguém achar que pode comprar armas de fogo, entrar na casa de uma família, fazer reféns, assustar e desalojar vizinhos, ocupar a polícia por mais de 100 horas e atirar em duas pessoas inocentes?
O rapaz deu a resposta: ‘ela não quis falar comigo'. A garota disse Não, não quero mais falar com você. E o garoto, dizendo que ama, não aceitou um não. Seu desejo era mais importante. (...). O não da menina Eloá foi o único. Faltaram muitos outros nãos nessa história toda.
Faltou um pai e uma mãe dizerem que a filha de 12 anos NÃO podia namorar um rapaz de 19. Faltou uma outra mãe dizer que NÃO iria sucumbir ao medo e ir lá tirar o filho do tal apartamento a puxões de orelha. Faltou outros pais dizerem que NÃO iriam atender ao pedido de um policial maluco de deixar a filha voltar para o cativeiro de onde, com sorte, já tinha escapado com vida. Faltou à polícia dizer NÃO ao próprio planejamento errôneo de mandar a garota de volta pra lá. Faltou o governo dizer NÃO ao sensacionalismo da imprensa em torno do caso, que permitiu que o tal seqüestrador conversasse e chorasse compulsivamente em todos os programas de TV que o procuraram.  Simples assim: NÃO.
Pelo jeito, a única que disse não nessa história foi punida com uma bala na cabeça.  O mundo está carente de nãos. Vejo que cada vez mais os pais e professores morrem de medo de dizer não às crianças. Mulheres ainda têm medo de dizer não aos maridos (e alguns maridos, temem dizer não às esposas). Pessoas têm medo de dizer não aos amigos. Noras que não conseguem dizer não às sogras, chefes que não dizem não aos subordinados, gente que não consegue dizer não aos próprios desejos. E assim são criados alguns monstros.
Talvez alguns não cheguem a seqüestrar pessoas. Mas têm pequenos surtos quando escutam um não, seja do guarda de trânsito, do chefe, do professor, da namorada, do gerente do banco. Essas pessoas acabam crendo que abusar é normal. E é legal.
Os pais dizem: 'não posso traumatizar meu filho'. E não é raro eu ver alguns tomando tapas de bebês com 1 ou 2 anos. Outros gastam o que não têm em brinquedos todos os dias e festas de aniversário faraônicas para suas crias.
Sem falar nos adolescentes. Hoje em dia, é difícil ouvir alguém dizer: ‘não, você não vai passar a madrugada na rua’; ‘Não, você não vai dirigir sem carteira de habilitação’; ‘Não, você não vai beber uma cervejinha enquanto não fizer 18 anos’.
Crianças e adolescentes que crescem sem ouvir bons, justos e firmes NÃOS, crescem sem saber que o mundo não é só deles. E aí, no primeiro não que a vida dá (e a vida dá muitos) surtam, usam drogas, compram armas, batem em professores, furam o pneu do carro do chefe, chutam mendigos e prostitutas na rua etc.
Não estou defendendo a volta da educação rígida e sem diálogo. Pelo contrário, acredito piamente que crianças e adolescentes tratados com um amor real, sem culpa, tranqüilo e livre, conseguem perfeitamente entender uma sanção do pai ou da mãe, um tapa, um castigo, um não. Intuem que o amor dos adultos pelas crianças não é só prazer - é também responsabilidade.
E quem ouve uns nãos de vez em quando também aprende a dizê-los quando é preciso. Acaba aprendendo que é importante dizer não a algumas pessoas que tentam abusar de nós de diversas maneiras, com respeito e firmeza, mesmo que sejam pessoas que nos amem. O não protege, ensina e prepara. De um AUTOR DESCONHECIDO

Não ouso, caro leitor, acrescentar nada. Apenas relato uma experiência que sucedeu comigo há poucos dias. Um de meus filhos pediu-me para fazer um passeio. Eu e minha esposa, após pensarmos bem no assunto, decidimos que isso não seria bom para ele naquele momento. Após fazê-lo esperar por dois dias pela resposta, na véspera do passeio, disse-lhe com carinho e muita firmeza: “Filho, eu e sua mãe pensamos muito nesse assunto e estamos convencidos de que esse passeio não é bom para você. E porque nós te amamos muito, você não vai”. Ele chorou, atirou-se na cama, emburrou etc. Porém, no final daquele dia, em que ele passou com a família unida, voltei a ver em seus olhos a mesma alegria, paz e serenidade que já há alguns dias não via nele.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Greve na Polícia

Agora que terminou o longo período de greve dos policiais civis de São Paulo, penso que devemos fazer duas ponderações sobre o assunto. A primeira com relação às reivindicações dos policiais. E a segunda quanto à postura que se espera agora ser assumida pelos membros da instituição em relação ao cidadão.
Quanto ao primeiro aspecto, não pretendo (e nem poderia) questionar o conteúdo da decisão do Supremo Tribunal Federal quanto à existência ou não de direito de greve. Deve-se reconhecer que as reivindicações dos policiais são justas. De fato, os salários recebidos estão extremamente defasados, não condizentes com a importância da função desempenhada em benefício da sociedade.
E, independentemente de haver ou não o direito de greve desses servidores, penso que a luta por melhoras condições de trabalho e salários é legítima. Aliás, confesso que vejo com extrema preocupação e desconfiança quando noto que servidores públicos, em especial aqueles que detêm algum tipo de poder (governantes, parlamentares, juízes, promotores, fiscais de renda, policiais etc.), que não se interessam por seus vencimentos e, por conseqüência, não lutam por melhores condições. É que, se não se interessam pelos salários é porque têm outras fontes de renda, lícitas ou ilícitas. Sendo assim, se queremos ter policiais honestos e engajados em cumprir a sua missão, o primeiro que se há de fazer é pagar salários justos e dar condições de trabalho.
Mas há um segundo aspecto da questão a ser ponderado. Se por um lado as reivindicações dos policiais são justas, por outro, deve-se considerar que somente terá êxito qualquer mobilização dessa natureza se ganhar o apoio da sociedade.
Assim, é natural que, diante dessa situação, o cidadão comece a se questionar acerca da qualidade dos serviços que lhes foram prestados pelos policiais quando deles precisaram. Muitos se perguntarão: “como fui atendido quando tive de fazer um boletim de ocorrência por furto de veículo?”; “como foi o atendimento ao se levar a uma delegacia de polícia a notícia de um roubo?; “como foi o atendimento no DETRAN para tratar do licenciamento de veículo?”. E penso que, com relação ao cidadão, não vale como desculpa algo do tipo “atendo mal porque ganho pouco”. É que o cidadão responderia a isso, e com toda a razão, que, se o policial ganha mal isso não lhe diz respeito, pois ele paga, e muito bem, muitos impostos.
Assim, é inegável que há o direito dos servidores em relação ao Estado a uma digna remuneração, mas a obrigação correspondente a isso não está disposta em favor do próprio Estado, mas sobretudo da coletividade, em especial, das pessoas que dependem da atividade policial. E somente se obterá o apoio indispensável do cidadão se houver uma preocupação constante (e não há preocupação verdadeira sem ação concreta) pela melhora da qualidade dos serviços prestados.
E nessa luta pela qualidade do serviço público, de nada aproveitará as vazias reclamações: “se tivéssemos mais computadores...”, “se tivéssemos mais espaço físico...”, “se tivéssemos menos inquéritos...”. De fato, todas essas reclamações são legítimas e se referem a uma realidade caótica. Mas ainda que seja essa a realidade, não é hora para murmuração. É momento, por que não, de sonhar e realizar. Deve-se indagar, pois: nessa situação caótica, o que se pode fazer para melhorar a qualidade do serviço prestado?

Penso que após grandes crises e embates institucionais, como ocorreu nessa greve, o momento é propício para se tirar bons propósitos. Delegados, investigadores, escrivães de polícia não trabalham para o Delegado Geral de Polícia, nem para o Governador do Estado. Ainda que se deva tributar o respeito aos superiores, o policial civil é um servidor do cidadão, a quem assiste todo o direito de exigir um serviço público de qualidade. Afinal, só assim a sociedade será a grande aliada da polícia em quaisquer reivindicações que possa fazer.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Paternidade Responsável

O Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio de sua Corregedoria Geral da Justiça, se engajou numa iniciativa destinada a estimular os pais a reconhecerem formalmente a paternidade de seus filhos. A campanha foi intitulada de em nome do pai, paternidade responsável.
Felizmente a nossa cidade de Campinas se lançou muito fortemente nesse trabalho. A partir de dados fornecidos pela Diretoria Regional de Ensino, foram localizadas mães cujos filhos não tiveram sua paternidade reconhecida. Foram elas, por carta, convidadas a buscar esse reconhecimento por parte do pai. Além disso, todas as demais que desejarem, poderão comparecer, até o dia 17 de novembro, a alguns locais definidos para tentar resolver a situação. Isso pode ser feito no Fórum Central, Cidade Judiciária, Cartório de Registro Civil de Barão Geraldo e Cartório de Registro Civil de Sousas. A partir do comparecimento das mães a esses locais, os pais serão convidados, também por carta, a comparecerem na Cidade Judiciária, no dia 28 de novembro, onde ocorrerão audiências reservadas com o suposto pai. Havendo o reconhecimento, isso será averbado no Registro Civil, passando o nome do pai a constar da certidão do filho. Tudo isso não depende de advogado e não tem qualquer custo.
A iniciativa é extremamente louvável, de modo que toda a sociedade deveria nela se engajar de verdade.
No entanto, penso que a expressão “paternidade responsável” aparece um pouco empobrecida. É que ora se tem dito que “paternidade responsável” é sinônimo de reconhecimento formal do filho, ora aparece ligado à campanhas anti-natalidade, querendo dizer que os pais, para serem responsáveis, devem ter poucos filhos.
De fato, os pais devem ser responsáveis ao pensar no número de filhos. É que é uma irresponsabilidade tê-los em número superior ao que permite a saúde da mãe, as condições econômicas etc. Contudo, tanto mais o será se tiver filhos sem a eles dedicar tempo e atenção. Nesse sentido, penso que pode ser muito irresponsável o pai (ou a mãe) que, mesmo tendo apenas um filho ou dois, pense que educar se limita a escolher um bom colégio, não dedicando tempo nem esforço para estar com os filhos, brincar com eles, fazer coisas juntos. Ao contrário, conheço vários pais que possuem muitos filhos, porém, espremem o tempo e os recursos econômicos para estarem com eles, empenhando-se de verdade em sua formação. Nesse sentido, quem seriam os “irresponsáveis”?
Mas para que o pai possa ser tido como responsável ou irresponsável, antes de qualquer coisa, é necessário que seja pai. Certa vez soube da triste situação de um jovem, fortemente traumatizado pelo apelido que lhe puseram: “três pontinhos”. E o mais triste é saber o motivo. É que, sendo filho de mãe solteira, o Oficial de Registro, ao preencher a sua certidão de nascimento, lançou o pontilhado no campo destinado ao nome do pai. Os colegas de escola daquela cidadezinha, imbuídos de uma forte visão preconceituosa, o apelidaram assim, zombando da sua triste situação.
Penso que é inaceitável a postura de discriminar pessoas que, sem culpa alguma, não conhecem os pais. Porém, tanto mais inaceitável é o pai, que tal como a mãe contribuiu para que esse ser humano viesse ao mundo, sequer se digna a dizer ao filho e à sociedade que é o pai.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 19, assegura que toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família. A nossa Constituição Federal, por sua vez, no artigo 226 assegura que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Assim, todos deveríamos nos engajar para que fosse assegurado às nossas crianças esse direito, qual seja, que tenham no seu convívio o pai e a mãe. Porém, se tal direito não lhes é garantido, penso que ao menos os pais deveriam tem um mínimo de decência suficiente para apagar os “três pontinhos” do registro civil de seus filhos.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A crise e o trabalho

Temos observado o noticiário acerca crise financeira mundial. Entendo muito pouco de economia, de modo que qualquer consideração que eu fizesse estaria repleta de “achismos” e em nada contribuiria para compreender o problema. Porém, penso que a partir dessa crise devemos fazer um questionamento: para que serve, ou melhor, o que dignifica o trabalho? E essa indagação talvez nos remeta a algumas outras: a especulação com ações, o comprar e vender freneticamente no afã de lucrar muito, sem nada produzir, contribuem, de alguma forma, para o progresso da sociedade?
Penso que todo homem e toda mulher devem se esforçar por tornar digno o trabalho que exercem. Isso implica dar o melhor de si em tudo o que se faz com a reta intenção de, com isso, construir um mundo melhor. E isso há de se traduzir em atitudes bem concretas de nosso dia-a-dia.
Lembro-me de que, há alguns anos, toda noite dois de meus filhos ficavam na janela do apartamento à espera do caminhão do lixo passar. Quando o lixeiro chegava, podia se contemplar toda a energia e bom humor com que trabalhava. Rapidamente recolhia o lixo do edifício, que não era pouco, e, antes de subir no caminhão, já em movimento, acenava para as crianças e gritava: “tchau nenê!”, ao que eles respondiam com um efusivo aceno de mãos e uma gargalhada de satisfação. Tão importante era para eles cumprimentar o lixeiro que não dormiam enquanto não passava. Penso que esse lixeiro sabe o que significa dignificar o seu trabalho. Não se limitava a recolher o lixo, o que fazia muito bem. Eu mesmo o vi algumas vezes pacientemente recolhendo os resíduos no chão quando o saco se rompia. Mas, mais que isso, enchia de alegria a vida de duas crianças. Tanto assim que, por um bom tempo, um desses meus filhos dizia que quando fosse grande, seria lixeiro!
Além de dignificar o nosso trabalho, nós próprios construímos a nossa dignidade por meio do trabalho. Todo trabalho exige esforços, sacrifícios e renúncias. Ao fazê-lo com valentia, ganhamos a luta contra os nossos defeitos. Muitas vezes custa para o funcionário público atender bem ao cidadão. Porém, se ele vence a preguiça, o mau humor e a apatia, atendendo com cordialidade e atenção, quem ganha com isso é próprio servidor, que cresce enquanto ser humano. Com o tempo, esse esforço por sorrir, por ouvir, por ser solícito, vai forjando no interior do homem e da mulher uma qualidade que torna mais fácil repetir esses atos bons. A porta que se abre com freqüência é bem mais leve ao toque da mão que aquela que se mantém sempre fechada. Assim também é o coração do homem. Quando se mantém fechado em si mesmo endurece e só exala amargura. Ao contrário, quando se abre num serviço desinteressado aos demais, torna-se leve e jovial.
O trabalho bem feito, além de contribuir para a dignidade do próprio trabalho e fazer com que nós próprios alcancemos a plena dignidade por meio do trabalho, com ele podemos ajudar os demais e reconhecer o imenso valor que tem cada ser humano. Vale dizer, podemos contribuir para a dignidade dos demais com o nosso trabalho. Uma pessoa sisuda e carrancuda pode contaminar negativamente um ambiente. Ao contrário, uma pessoa alegre e prestativa eleva o nível do relacionamento. E o bem que ela faz também contagia, até que todos estejam sadiamente contaminados.

Certa vez me contaram a história de um homem, já de idade avançada, que soube estar com uma doença grave. Caminhando por uma praia, dispôs-se ele a meditar sobre a sua existência. Naquele momento, toda a sua vida passou a desfilar diante de si como se fosse um filme. Se isso ocorresse conosco, como seria esse filme? Seria uma sucessão de gargalhadas efusivas com a alta das ações, seguida dos choros da baixa? Seria uma infinidade de “amanhã eu faço isso” para os filhos, para os amigos, para a esposa ou para o marido? Ou, ao contrário, teria muitos gestos de amor, como o do lixeiro, que, com o seu trabalho, vai recheando de alegria e paz esse mundo sedento de um sentido para a vida.