segunda-feira, 29 de abril de 2013

Liberdade e obediência

A liberdade é um direito e um atributo essencial do ser humano. Por outro lado, é fundamental para a sobrevivência de qualquer sociedade a obediência, como também os homens e as mulheres dependem dela para alcançarem a própria realização. Aliás, obedecer é fundamental para que nossos filhos e alunos obtenham a formação que lhes é necessária.
Mas, apesar de serem importantes para o ser humano e para a vida em sociedade, há quem estabeleça uma contradição entre liberdade e obediência, chegando a se sustentar que essa tolhe ou ao menos limita aquela. Diante desse impasse – real ou aparente – como se pode conciliar ambas na educação de nossos filhos?
Se tomarmos alguns exemplos concretos do cotidiano de uma família, talvez nos ajudem a compreender como a obediência pode se traduzir num sublime exercício da liberdade.
Imaginemos que os pais desejem fomentar a o hábito de estudo num filho. Em determinado momento, aleatoriamente e sem qualquer acordo prévio – talvez por estar cansada ou irritada – a mãe chega e diz: “vai estudar agora ou você ficará de castigo”. Nesse caso, a liberdade fica mesmo bem limitada, pois a opção é ir estudar (ou ao menos fingir que o faz) ou se sujeitar ao castigo prometido. Numa situação pior ainda, pode a mãe simplesmente desligar a TV, pegar o garoto pelo braço e colocá-lo a força diante da mesa de estudos. Aqui, sequer obediência autêntica haverá.
Para a solução do mesmo problema, pode ocorrer que os pais conversem com o rapaz, exponham pacientemente os motivos pelos quais é bom para ele o estudo, com argumentos convincentes e adequados para a idade. Mais ainda, de comum acordo, estabelecem um horário para o estudo, para a internet, TV, leitura, esportes etc. Depois, quando muito o lembram do que foi combinado. Se, nesse caso, o garoto decide estudar no tempo previsto, o fará livremente, bem como também praticará um ato de autêntica obediência.
Na educação devemos vencer a tendência ao imediatismo. Se vimos uma porta do guarda-roupas aberta, um calçado jogado ou uma grosseria que faz com um irmão, logo pensamos em corrigir naquele exato momento, muitas vezes com frases azedas e carregadas de mau humor. Além disso, queremos que eles correspondam na hora.
Por vezes o comportamento inadequado exige mesmo pronta intervenção. Nesse caso, haverá de se buscar meios para corrigir a sós e sem humilhar. Em grande parte das situações, porém, convém esperar um pouco e, depois, fora do contexto, explicar o porquê de manter os objetos em ordem, obedecer ou tratar com cordialidade os demais. E, nesse intento, há de se buscar razões mais profundas para a conduta esperada e se certificar de que entendeu a mensagem e de que os nossos argumentos fizeram sentido para ele ou ela.
Não há obediência verdadeira sem liberdade, assim como faz mau uso da liberdade quem não se sujeita às normas justas que regem a vida em sociedade, nem respeitam as autoridades legitimamente constituídas para zelar pelo bem comum.
Certa vez acompanhei um grupo de jovens na escalada a uma montanha. Havia um guia que nos acompanhava. Era um rapaz sério e de poucas palavras. Seguia a frente e se limitava a dizer “suba por aqui”, “não vá por ali”, “cuidado com essa pedra” e todos obedeciam. E ninguém ousava dizer que essas ordens tiravam a liberdade. Tínhamos um mesmo objetivo e os ensinamentos do guia eram essenciais para atingi-lo.

De certo modo, os pais e os professores são guias de seres humanos que devem trilhar neste mundo os estreitos e tortuosos caminhos da felicidade e da plenitude em suas vidas. Enquanto percorrem, encontram a alegria que serve de bússola a indicar o acerto da direção. Mas não podem prescindir do guia. E, se ele conhece bem o caminho e se lhe está claro o destino ao qual se dirigem, então liberdade e obediência encontrará nesses caminhantes a sua mais elevada expressão e harmonia.

A Voz da Consciência

Há poucos meses, ocorreu um incidente com um filho meu que bem pode ser o ponto de partida do tema proposto: a consciência. Ele deixou a carteira e o celular sobre um veículo, estacionado defronte a nossa residência, enquanto retirava a mochila do porta-malas. Entrou em casa e notou a falta dos objetos, retornando imediatamente. O amigo que o deixou, porém, já havia partido. Fez uma busca minuciosa nas redondezas e ligou para o amigo, de modo a se certificar que não havia esquecido no interior do veículo. Tudo em vão.
No dia seguinte, ao elaborar o boletim de ocorrência, sugeri que qualificasse o fato como furto, pois, ainda que tenha esquecido, se alguém pegou os objetos sobre o carro cometeu furto e, se os encontrou no chão, no mínimo cometeu o crime de “apropriação de coisa achada” que é um delito, tal como o furto, praticado contra o patrimônio alheio. Além disso, a notícia do furto isentaria do pagamento da taxa para emissão do novo RG. No entanto, o rapaz foi irredutível: “Pai, a única coisa que sei é que perdi a carteira e o celular. Se alguém furtou ou se apropriou indevidamente eu não sei. Por isso, não me parece correto fazem um B.O. de furto”.
Confesso que a primeira reação foi de vergonha, ao notar que pudesse estar sugerindo algo pouco ético, sentimento que logo cedeu lugar a uma imensa satisfação por ver frutificar na vida de um filho as virtudes que com tanto esforço tentamos cultivar. Mas, orgulho de pai a parte, penso que a questão bem comporta algumas considerações.
O incidente me fez lembrar uma frase do saudoso Arcebispo Metropolitano de Campinas, Dom Bruno Gamberini, proferida numa atividade de formação da Comissão de Bioética e Defesa da Vida da Arquidiocese: “Deus nos julgará pela nossa consciência”. De fato, a consciência é um reduto inviolável de todo ser humano, onde cada qual tem o direito de estar a sós com o Criador.
“Cada homem deve agir em conformidade com o que lhe diz a sua consciência. Deus infunde a sua luz na nossa inteligência e, se a não apagamos voluntariamente, estamos capacitados para fazer o bem sem necessidade, num primeiro momento, de uma ajuda exterior especial. Mais que isso: não devemos seguir os conselhos de outra pessoa quando são contrários ao que, no mais profundo do nosso coração, consideramos ser bom” (A liberdade vivida com a força da fé; Jutta Burggraf. Lisboa: Diel, 2012. P. 94).
É certo que o ambiente, de certo modo, pode dificultar que se procure, encontre e ouça essa voz que age no mais íntimo do nosso ser. No entanto, não poderá jamais apaga-la por completo.
Por vezes ocorre, porém, que somos nós próprios que tentamos tapar os ouvidos da alma, porque os seus ditames podem nos parecer demasiado exigentes. E podemos ser muito criativos nesse intento: “todo mundo faz isso...”, “se eu deixar de fazer outro fará...”, “uma propinazinha inocente não fará mal a ninguém...”, “bem, eu assumi esse compromisso, mas faz tanto tempo, as coisas mudaram, naquela época eu era tão imaturo...”.
É curioso notar como o silêncio incomoda tanto as pessoas do nosso tempo. Há uma necessidade e uma compulsão para elevar o som do rádio, ligar a TV ao chegar a casa, ainda que não estejamos diante dela. De que temos medo ao ficarmos a sós conosco mesmos? Será que nos aflige encontrar uma voz que, nos mais das vezes é suave e não nos força a nada? Mas em sua suavidade, não hesitará e nos instar: vá por aqui, seja mais paciente com esse colega, mais afetuoso com esse filho, sacrifique-se um pouco mais por sua esposa, por seu marido...

A propósito, apenas para não deixar o leitor curioso, fizemos o Boletim de Ocorrência por perda de documento. E confesso que aquela taxa e o tempo não poupado no Poupatempo para pagá-la foram os mais bem gastos dos últimos tempos. Afinal, quanto vale uma alma? E é precisamente isso que vendemos (ou jogamos fora) quando não seguimos os ditames de uma consciência bem formada.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Cursos de Orientação Familiar

No mundo dos negócios ouve-se falar cada vez mais em qualidade nos produtos e serviços e, para consegui-la, numa economia cada vez mais competitiva, muitas técnicas são desenvolvidas e implementadas. Dentre elas, especial importância se atribui às chamadas ferramentas de gestão.
E isso é necessário, dado o dinamismo das relações pessoais num mundo globalizado. Mas, além do trabalho, também a família ocupa – ou deveria ocupar – uma posição de destaque na vida das pessoas, precisamente porque o sucesso nela é fundamental para que se alcance a felicidade.
Se é assim, ou seja, se da realização na vida familiar depende, em última análise, a felicidade dos seus membros, e também ela está inserida e sujeita às mesmas vicissitudes de uma sociedade que segue seu curso num ritmo frenético, não será necessário que se desenvolvam ferramentas de gestão igualmente eficientes para gerir essa “empresa”?
Colocada a questão nesses termos, talvez surja, num primeiro momento, uma resistência em aceitar a comparação, com o argumento de que a família é uma pequena sociedade fortemente marcada pela afetividade. Assim, transformá-la numa empresa significaria matar o sentimento, que é fundamental para a sua sobrevivência.
De fato, a família é uma sociedade onde reina e deve reinar o afeto. Mas se é assim, a sua gestão e, por consequência, as ferramentas que se desenvolvam para atingir esse fim, devem levar em consideração a sua natureza e modo de ser.
Uma técnica que foi desenvolvida há década nas escolas de negócio é o chamado método do caso. Consiste basicamente em saber distinguir, numa determinada situação, o que é fato e, a partir desses fatos, identificar problemas que, por sua vez, permitem apontar e implementar soluções concretas para os problemas identificados.
Essa mesma metodologia foi desenvolvida e adaptada para a família. Nos cursos de orientação familiar que seguem esse método, no chamado Sistema F (de família), são apresentados casos envolvendo situações familiares nas quais o casal – é necessária a participação da mulher e do marido – são treinados a analisar os fatos, identificar problemas e apontar soluções concretas, passíveis de serem implementadas.
Essa técnica desenvolvia a partir da análise de situações familiares nas quais o casal não está envolvido é necessária precisamente porque a relação conjugal é fortemente marcada pelo sentimento. Assim, analisar um caso distante, que em princípio não tem a ver com eles, permite uma discussão mais serena. Ao final, aprende-se a tratar das questões familiares com maior objetividade, capacitando-os para encontrar as raízes mais profundas dos problemas e, a partir daí, buscar soluções mais eficientes e duradouras.
Com isso, após participar dos cursos, o casal que for fiel ao método e cumprir todas as suas etapas, estará apto para, em suas próprias vidas, analisar serenamente e com objetividade os fatos, identificar problemas e propor soluções, que desencadeiam um plano de ação, cujo objetivo é buscar, em conjunto, a felicidade própria e dos filhos.
Mágica? Penso que não. É a tecnologia bem aplicada para construir a felicidade da mulher e do homem como um todo nesse mundo em que estão inseridos. Ela não se alcança apenas com o sucesso no trabalho. Também o amor entre o casal e a sua manifestação frutífera na geração e educação dos filhos contam com técnicas eficazes para gerir esse empreendimento formado por pessoas com coração e sentimento, sedentas de amar e de serem amadas, humanizando esse mundo que é e pode ser ainda mais belo.

Para quem se interessa pelo assunto sugiro consultar a entidade internacional que cuida da difusão do método, o IFFD, que já conta com entidades conveniadas em cerca de sessenta países, inclusive o Brasil, o IBF.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

O silêncio de Deus

Há fatos que atingem a vida das pessoas que nos parecem de tamanha injustiça e causadores de tão grande sofrimento, que por vezes nos fazem queixar: “será que Deus não está vendo isso?”. Ou, mais incisivo ainda: “se Deus existe e é infinitamente justo – como dizem muitas pessoas de fé – como pode permitir tal coisa?”.
Essa indignação pode provir de acontecimentos da natureza, como ocorre, por exemplo, com uma pessoa que caminha na praia e é tragada por um tsunami devastador, ou – mais ligada à nossa realidade – é atingida por um raio. Mas é mais frequente fazermos esse juízo quando alguém é vítima de uma injustiça praticada por seres humanos, como ocorre com uma criança de tenra idade que é assassinada pela própria mãe, em companhia do padrasto, ou ainda de um jovem que toma um tiro na cabeça defronte a sua residência após ter o seu celular roubado.
O tema é vasto e intrigante e, evidentemente, não comporta aqui uma análise exaustiva. No entanto, penso que em breves considerações podemos serenar os ânimos e a consciência se por vezes nos virmos também com tais pensamentos.
Outro dia presenciei uma animada discussão entre uns trabalhadores da construção civil, que descansavam um pouco após o almoço. E, no meio do debate, um deles dizia: “Se eu fosse Presidente, ao menos por um dia. Ou melhor, apenas por duas horas, eu resolveria todos os problemas desse País...”. E depois prosseguiu ele com o seu plano mirabolante. E o rapaz, no seu íntimo, estava absolutamente convencido do que dizia.

Algo de semelhante ocorre em muitas instituições. É muito comum que os funcionários, ocupantes de cargos inferiores, acreditem com toda convicção que, se ocupassem os cargos mais elevados (a Presidência), reinaria ali a plenitude da justiça, da paz e da prosperidade. No entanto, quando se ocupa tais cargos se pode notar quão variados e complexos são os problemas, de tal modo que, mesmo tendo a frente pessoas extremamente capacitadas e bem intencionadas, os bons resultados nem sempre surgem rapidamente. 

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Paz e Justiça no Trabalho

“Estou cansado! Eu me mato de trabalhar e o meu colega, que não faz nada, ganha o mesmo salário!”. Certa vez ouvi essa frase de um rapaz durante um almoço de trabalho. Penso que muitos de nós já nos deparamos com situação semelhante no ambiente profissional. De fato, as pessoas são essencialmente diferentes entre si, o que também terá consequências no seu rendimento. Sendo assim, como será possível evitar o conflito?
Do ponto de vista do líder, ao mesmo tempo que persegue resultados, deve agir com justiça em relação aos seus subordinados. Assim, sobrecarregar cada vez mais o que apresenta bons rendimentos e manter uma atitude complacente para com o preguiçoso e desleixado é uma injustiça. No entanto, a justiça exige, também, tratar os desiguais de maneira desigual. Assim, o bom gestor saberá constatar essas diferenças e, a partir delas, encontrar o caminho certo para que cada um, devidamente motivado, saiba dar o melhor de si.
Mas não é esse o enfoque principal que gostaria de dar à questão. Mais que analisar a atitude do que exerce a liderança, penso que a solução desses conflitos depende de uma análise pessoal sobre a postura assumida perante os colegas e o próprio trabalho.
Trabalhar bem e atingir resultados dependem de um esforço pessoal, mas também influem os nosso talentos inatos. E ambos – esforço e talentos – não devem ser utilizados apenas para atender os interesses pessoais. Devemos orientá-los para o bem dos demais: colegas e, muito especialmente das pessoas que necessitam do nosso serviço.
Nesse sentido, pensar que os baixos rendimentos dos colegas – reais ou forjados pela nossa imaginação – justificam que também tenhamos uma atitude desleixada é um terrível contrassenso. É um grande privilégio poder trabalhar bem. E o maior beneficiado com isso somos nós próprios. O trabalho realizado com retidão de intenção, com o propósito de servir e com o desejo de transformar para melhor o mundo que nos cerca é fonte de imensa alegria.
Não estamos a sustentar, evidentemente, que se deva estender a jornada de trabalho, roubando tempo à família ou ao lazer, e nem que as atividades sejam feitas num nível de stress prejudicial à saúde. No entanto, nas mesmas horas diárias que dedicadas à atividade profissional, podemos encontrar formas de fazer render mais: talvez cinco minutos a menos no cafezinho, menos distração na INTERNET etc. Por outro lado, também é possível se esforçar para estar mais atento e prestativo às pessoas que nos procuram.
Certa vez conheci um grande homem – bom trabalhador e zeloso pai de família – que tinha um lema bem interessante: “ninguém vem ter comigo por acaso”. E explicava ele que se determinada pessoa o procura no ambiente de trabalho, esforça-se para resolver o problema, se estiver ao seu alcance. E, se a questão não for de sua atribuição, ao menos procura informar adequadamente onde e como se poderá buscar a solução.
Se nos esforçássemos para assumir uma postura semelhante no nosso trabalho, a inércia ou ineficiência do colega não nos incomodaria muito. Os que perdem o tempo com ninharias se deparam, ao final do dia, com um imenso amontoado de coisas não feitas, por preguiça, desordem ou comodismo, na verdade são uns infelizes, verdadeiramente dignos de pena.

Mas há ainda um ponto de fundamental importância: a mulher e o homem possuem uma imensa dignidade pelo que são e não pela capacidade de produzir. Não fosse assim as crianças, os doentes e os idosos seriam pessoas menos dignas, o que é um absurdo. Cada ser humano vale infinitamente pelo que é e não pelo que faz. Porém, a quem foi dado o imenso dom de trabalhar e não o utiliza ou o desperdiça egoisticamente será fadado ao insucesso e à frustração. Por outro lado, aquelas e aqueles que trabalham com esforço e dedicação, espera-lhes ao final de cada dia a imensa satisfação de ter feito exatamente aquilo que dela ou dele se espera para ser feliz: servir, por amor.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

A ecologia humana

Enquanto pensava num tema para compartilhar com o leitor nesta coluna, resolvi, despretensiosamente, indagar à minha filha, de seis anos, sobre o que escrever. Ao fazer a pergunta, ela respondeu imediatamente: “escreva que devemos cuidar do planeta”. Confesso que fiquei feliz com a resposta, afinal, ao menos em teoria, a questão ecológica tem sido bem trabalhada desde cedo nas escolas.
Mas resolvi insistir um pouco mais no assunto e então perguntei: “Filha, mas o que devemos fazer para cuidar do planeta?”. E então ela respondeu com ares de quem dizia o óbvio: “Cuidar das plantas, dos animais...”. E, depois de uma pausa, prosseguiu: “Mas precisamos cuidar das pessoas também...”.
Penso que apesar da simplicidade, a frase – tão ao estilo das crianças – é ao mesmo tempo muito sábia e bem merece a nossa reflexão. A propósito, o Papa Bento XVI, no seu célebre discurso no Parlamento Alemão, aborda com profundidade o mesmo tema:
“A importância da ecologia é agora indiscutível. Devemos ouvir a linguagem da natureza e responder-lhe coerentemente. Mas quero ainda enfrentar decididamente um ponto que, hoje como ontem, é largamente descurado: existe também uma ecologia do homem. Também o homem possui uma natureza, que deve respeitar e não pode manipular como lhe apetece.
“O homem não é apenas uma liberdade que se cria por si própria. O homem não se cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade, mas é também natureza, e a sua vontade é justa quando ele escuta a natureza, respeita-a e quando se aceita a si mesmo por aquilo que é e que não se criou por si mesmo. Assim mesmo, e só assim, é que se realiza a verdadeira liberdade humana”.
Quando um cientista se põe a estudar os seres vivos e também os demais elementos de um ecossistema, como o solo, rios etc., costuma ficar deslumbrado com a perfeição do funcionamento da cada parte dentro do todo. Com isso, chega-se sem esforço à conclusão de que a natureza possui as suas leis de funcionamento. Em suma, as coisas são como são e a ação ordenada dessas leis naturais dá-lhes o equilíbrio e a harmonia.
Mas se isso é universalmente aceito em relação à ecologia, o mesmo não ocorre com o ser humano. Pensa-se que a mulher e o homem podem moldar o seu ser livremente e sem limites. São sintomas disso as cirurgias para mudança de sexo ou as técnicas de reprodução assistida, em que os pais escolhem o sexo e até a cor dos olhos dos filhos que terão.
Esse fenômeno não se limita ao aspecto físico. No relacionamento com os demais também há questões que tocam na própria natureza humana, mas que modernamente se busca negar ou relativizar. Tomemos como exemplo o matrimônio, que é uma instituição natural e não uma mera convenção social, fundado na diversidade de sexo entre os contraentes e que, precisamente por serem diferentes, podem-se complementar um ao outro numa comunhão plena de vida que, por ser fruto e fonte do amor, é fecundo, formando um habitat essencial para gerar e formar novos seres humanos.
Por que será que em nosso tempo se fala tanto em defesa da ecologia, reconhecendo nisso que a natureza tem leis próprias que tendem à preservação das espécies e dos ecossistemas, mas se nega a existência de uma natureza humana, também com suas leis que orientam não apenas ao equilíbrio natural, mas também à sua realização e pleno desenvolvimento da sua personalidade?

Confesso ao leitor que não tenho a resposta. Talvez seja um daqueles grandes erros que a história saberá apontar. Mas é necessário e é urgente defendermos com coragem e determinação que há uma ecologia do ser humano também a ser preservada. Afinal, não seria um contrassenso pretendermos que mulheres e homens “ecologicamente desequilibrados” em si mesmos se dispusessem a preservar o equilíbrio na natureza que os circunda?