segunda-feira, 7 de setembro de 2009

O legado do Ministro

Faleceu na última terça-feira, dia 1º de setembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Alberto Menezes Direito. Penso que na vida desse grande homem podemos tirar bons exemplos a serem seguidos pelos juízes e também por todos os cidadãos que buscam sinceramente o bem e a verdade em suas vidas.
Nas notícias que permearam a sua morte, Menezes Direito foi tido como austero, pois “fazia questão que o interlocutor seguisse à risca etiquetas e costumes da toga, paletó corretamente abotoado, inclusive”. Mas será que há algo de incorreto em trajar-se de forma adequada para cada circunstância? Alguém gostaria de participar de uma audiência em que o juiz estivesse de bermudão de praia, camiseta e chinelo de dedo?
Penso que a vestimenta característica de cada profissão não pode implicar uma espécie de estratificação que leva alguém a se considerar superior ao outro. Com efeito, debaixo da toga de um magistrado, da batina de um sacerdote ou do capacete de um operário, há pessoas absolutamente iguais quanto à dignidade que emana da condição de pessoa humana. Tanto menos pode isso servir de argumento a eternizar a impiedosa concentração de renda e a injusta diferença de remuneração entre as várias profissões, o que muito envergonha a nossa sociedade. Mas o fato de todos serem iguais em dignidade e merecedores de uma justa remuneração pelo seu trabalho não impede que cada qual se porte e aja de forma coerente com a missão que lhe cabe na sociedade.
Quando foi sabatinado no Senado Federal, a quem cabe aprovar a indicação do Presidente da República para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, Menezes Direito já nos deixou uma importante lição que merece ser meditada. Indagada a sua posição em relação a tópicos em que direito e religião poderiam entrar em confronto, como, por exemplo, o aborto e o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas, ele respondeu: “Um juiz não discute sua fé no cumprimento da lei. Quero reafirmar que sou intransigentemente um defensor da vida, acompanhando a minha fé católica, mas, como juiz, jamais deixarei de cumprir uma lei que o Parlamento do meu país editar”.
Por certo, como grande homem que era, sabia que sua atuação na Suprema Corte não colocaria em confronto a sua consciência com o cumprimento da Constituição Federal. Afinal, ele jurava cumprir uma norma em cujos princípios fundamentais está em posição de destaque o direito à vida (artigo 5º). Deixa claro também em sua manifestação que não há incompatibilidade entre a fé e o exercício de um cargo público num Estado laico. Tampouco é necessário que o magistrado, o parlamentar ou outro profissional qualquer deixe suas convicções de lado ao exercer sua profissão, numa espécie de vida dupla, que os leva a abandonar a sua fé do lado de fora da repartição onde trabalha, tal como antigamente se dependuravam junto à porta de entrada os chapéus.
Bem ao contrário, um juiz que é católico, ou protestante, ou adepto de outra religião, o será vinte e quatro horas por dia. O que não o autoriza a substituir a Constituição e as leis pela Bíblia no ato de decidir. Mas é evidente que suas convicções influem na forma com que interpretam a lei e julgam os casos, assim como o ateu e o agnóstico são fortemente influenciados pelas suas. Aliás, penso que também esses não estão autorizados a substituir a Constituição ou as leis por teorias de Karl Marx ou Richard Dawkins no ato de julgar.

Uma frase do Ministro se tornou célebre por ocasião da votação do caso das pesquisas com as células-tronco embrionárias: “Se pelo bem praticamos o mal, se para salvar uma vida tiramos outra, sem salvação ficará o homem”. Penso que esse é o maior legado que o Ministro da nossa Corte Suprema nos deixou. Que o Presidente Lula, que o indicou para o cargo, saiba escolher outro jurista que esteja à altura da grande perda que a sua morte representa para a nossa Justiça.

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