quarta-feira, 28 de dezembro de 2005

Vale a pena

Na edição de 17 de dezembro último, o Correio Popular trouxe uma reportagem intitulada “Separações judiciais disparam na RMC”. A matéria vem embasada em dados estatísticos fornecidos pelo IBGE, onde se constata que, em 2004, treze casais por dia puseram fim ao casamento na Região Metropolitana da Campinas.
Os números, ainda que alarmantes, não me surpreenderam. Por quase cinco anos trabalhei em uma vara judicial que possuía competência para questões de família, e raros eram os dias em que não se fazia nenhuma separação ou divórcio. O que não aparece nas estatísticas, porém, são a dor e a mágoa que esses casais traziam consigno naquele momento extremamente difícil para eles.
Com a experiência desses anos, posso afirmar que se contam nos dedos de uma mão os casais que se apresentavam alegres no momento em que afirmavam o propósito de se separarem. E, mesmo dentre esses que se diziam “felizes”, o que se notava era mais um alívio por romper uma situação indesejável que propriamente felicidade.
Quando indagava aos casais sobre os motivos da separação, ou mesmo se estavam convictos disso, não raro um deles se desmanchava em lágrimas, permeadas da frustração por não se ter conseguido levar adiante o que, no dizer deles mesmos, se propunha ser para sempre. Isso sem contar o que se passa com os filhos. “Se me rasgassem ao meio teria doído menos” – confidenciou um deles durante a instrução de um processo.
Se as separações têm causado tanto mal aos casais, aos filhos, às famílias, e, por conseqüência, à sociedade, não seria hora de se fazer algo por isso? Seria correto ver nesses números uma tendência natural dos tempos modernos, com relação ao que nada se pode fazer para conter? Haveria um remédio capaz de curar essa doença social ou os casais devem continuar contando exclusivamente com a sorte?
Certa vez, na saída de uma celebração de suas bodas de ouro, o marido foi indagado sobre o segredo de um casamento longo e feliz. O interlocutor e os demais esperavam respostas do tipo “o segredo é o amor” ou “é achar o par ideal”. Contudo, muito seguro de si, respondeu ele: “o segredo é a educação”. E depois explicou que com isso queria dizer que cada um há de tratar o outro com respeito.
E mais que com palavras, eles eram um exemplo vivo de que o trato respeitoso e afável é imprescindível para se viver juntos com harmonia, tanto que, passados os anos, eles ainda mantinham o hábito de andar de mãos dadas, ele de cuidar em que ela entrasse em sua frente, ela, por seu sua vez, cuidava de que os trajes dele estivessem sempre em ordem, que tomasse os remédios na hora certa, em suma, em seus dias, os exemplos de dedicação um ao outro faziam viva a receita que davam para o sucesso no matrimônio.
Participei há uns anos de um curso feito para casais, intitulado Expectativas e Realizações no Casamento. O tema da felicidade no matrimônio foi tratado com grande competência pelos palestrantes. Um deles, após uma brilhante abordagem sobre o assunto, concluiu que o que sustenta o matrimônio é a qualidade do tempo que se passa juntos. Marido e esposa são bem sucedidos quando olham para trás e contemplam que os momentos alegres e tristes que passaram juntos serviram para construir a solidez da família.
O diálogo é de importância fundamental. Julian Marías, filósofo espanhol, falecido na semana passada, em sua obra “La mujer y su sombra” afirma que o amor consiste muito principalmente em falar e a decadência da conversação afeta-o profundamente.

Casamento não é, como dizem, uma loteria, em que, por pura sorte, se acerta ou não. Muito mais se assemelha a um empreendimento no qual o sucesso depende da dedicação dos empreendedores. Há que se cuidar muito bem de cada momento, com atenção nas pequenas coisas. Tal como as grandes construções se fazem de pequenos tijolos, um de cada vez, a felicidade no matrimônio se constrói no dia a dia, um sorriso aqui, umas rosas de presente ali, uma mesa bem posta para esperar o outro, um abraço forte nas tribulações, de tal sorte que, quase que sem se notar, o edifício crescerá tão forte e belo que tempestade nenhuma o poderá derrubar.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

Histórias de Natal

Ouvi certa vez que o Natal é um acontecimento alegre para as crianças. Para os adultos, porém, somente aumenta a tristeza por fazê-los lembrar dos tempos felizes da infância.
Indagando o motivo disso, vem-me à memória a célebre frase de Caetano Veloso, em sua composição Sampa: “É que Narciso acha feio o que não é espelho”. Talvez seja isso o que acontece. As crianças observam o presépio e vêem ali refletido claramente o que se passa em seu interior; os adultos, porém, não mais se espelham naquele acontecimento que, com o passar dos anos, a eles se tornou incompreensível. Com efeito, a cena reflete simplicidade, solidariedade, paz, anseio de vida, tudo facilmente encontradiço nas crianças; quase tudo, ao contrário, muito ofuscado nos homens e mulheres que deixaram de ser como as crianças.
Simplicidade. Aquela gruta é magnificamente simples, falta-lhe tudo, mas, se considerarmos bem, há uma alegria tão intensa que se pode pensar que não falta nada.
Soube de uma criança de família rica que ganhou um presente sofisticado e caro. Dias após, brincando sem muito interesse numa praça, travou logo amizade com outro garotinho, que trazia um caixote de madeira. Com pouco tempo de convívio e sem muita negociação, não hesitaram em trocar em definitivo os presentes. O “negócio desvantajoso” causou verdadeira comoção familiar: “que absurdo, trocar o brinquedo importado por um caixote de madeira!”.  Mas as crianças não pensam assim. São simples e exatamente por isso a simplicidade eloqüente do presépio não lhes choca, ao contrário, alegram-se com isso.
Solidariedade. Os personagens que contemplamos são solícitos uns com os outros. O esposo ocupa-se da esposa e ela, dele e do menino que nasceu em um estábulo, junto com os animais, e desse desvelo de uns para com os outros brota um ambiente de terna serenidade.
Conta-se que a madre Tereza de Calcutá, uma eterna criança, uma vez foi observada por uma pessoa (um adulto, por certo), que contemplou o beijo e afago que fazia em um doente de aspecto repugnante, diante do que esse homem comentou que “nem por todo dinheiro do mundo faria isso”, ao que a bondosa religiosa respondeu: “nem eu”. Por dinheiro, tampouco ela o faria.
As crianças vêem no presépio três personagens extremamente solidários uns com os outros, e se alegram porque isso reflete o que elas são. Os que deixaram de ser crianças, porém, imersos em seu egoísmo, em um afã desordenado de riqueza, de “status”, de fama, de poder, não conseguem enxergar isso.
Paz. As crianças não se preocupam se haverá peru, se o vinho será suficiente, se a cunhada chegará direto para a ceia e não ajudará na preparação... Nada disso lhe preocupa. Ao contrário, é Natal. Talvez se preocupem um pouco em como quebrar as castanhas, mas não hesitarão em deixar as cascas atrás da porta, agora usada como quebra-nozes.
Anseio de vida. O menino que se contempla no presépio nasceu para viver, elas, as crianças, também. Não se sabe se por uns instantes, ou por cem anos; não importa, todos vêm com uma missão, e querem alcançá-la.
A propósito, gostaria de aproveitar o ensejo para tecer elogios rasgados à decisão da minha cara colega, Dra. Luciene Pontirolli Branco, que, em decisão corajosa, indeferiu o aborto de hidrocéfalo. Porém, não o faço mais longamente porque a Lei Orgânica da Magistratura me proíbe.
Mas lembremos do anseio de vida que as crianças trazem em si. Há os que avançam nos anos e continuam sendo crianças, esses não são velhos. Há os outros, porém, que com muitos ou poucos anos de vida estão velhos, carcomidos pela cultura da morte. Esses, se olhassem para o ventre da mãe que está no presépio e soubessem que o menino viveria apenas 33 anos e que morreria de forma brutal, talvez a ela sugerissem: “não valerá a pena viver apenas esse tempo para depois ainda morrer numa cruz, vamos interromper de forma humanitária a gravidez e poupar a ambos de todo esse sofrimento”. São os mesmos velhos que agora sustentam que, por estar uma criança destinada a viver alguns minutos ou dias, a gravidez é inviável.
As crianças não pensam assim. Muito mais sábias, elas dão aos minutos sabor de eternidade. Sabem que o que vale é o minuto presente, sem se importarem com o anterior, que já passou, nem com o seguinte, que não sabemos se chegará para qualquer um de nós.


quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

Natal: Festa da Alegria


É Natal. De lado os presentes, festas e luzes nos centros comerciais, o verdadeiro significado do Natal se esconde no reencontro que temos com cada um daqueles personagens que contemplamos no presépio. É tempo oportuno que nos deve levar a pedir perdão a alguém. É momento propício para fazermos pequenos sacrifícios pelos demais. Visitar os doentes, escutar com paciência a mesma longa história daquele velhinho, que passou o ano sem que lhe ouvissem. Nesses dias é oportuno fazer uma revisão profunda na própria consciência e verificar como temos amado e nos dedicado aos filhos, pais, amigos, colegas de trabalho... Para nos ajudar nessa breve reflexão, acredito que seja interessante nos determos em quatro passagens que circundam o grande acontecimento que hoje celebramos.
A Viagem a Belém.
Como se sabe, o nascimento ocorreu em Belém, apesar de não ser ali a residência de José e de Maria porque, naquele tempo, o imperador Augusto ordenou que se fizesse um censo de todo o mundo. O recenseamento deveria ser feito na região dos antepassados e em Belém havia nascido o rei David, de quem José era descendente.
Reparemos no exemplo magnífico de José, em que ele leva Maria com o menino no seu ventre, buscando formas de proteger os dois, atento, fiel, nobre e generoso. Sua função é cuidar da mulher e do menino por nascer. Que formosa passagem! Esse é verdadeiro espírito do Natal. José é o verdadeiro exemplo a ser imitado por nós, pais de família. Com que solicitude e carinho tratamos a nossa esposa? Interessamos por seus problemas, anseios e aspirações? Ou nos limitamos a nos derramar na poltrona, como o copo de cerveja ao lado, enquanto ela, aflita, prepara o almoço? Dispensamos atenção aos filhos, incutindo neles o mesmo espírito, ou cuidamos que brinquem com os presentes que ganharam de modo a, na medida do possível, não nos incomodar nesse dia de muita comilança e  muita bebida?
O Nascimento.
Essa passagem é de todos conhecida, embora nem tanto imitada. “E aconteceu completarem-se os dias em que deveria dar à luz, e deu à luz o seu filho primogênito, e O enfaixou, e O reclinou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2, 6-7).
Reparemos na delicadeza da Mãe. Faltava-lhes tudo. O menino nasceu num curral, com o cheiro característico desse local, que a ninguém agrada. Mas, ao mesmo tempo, podemos vislumbrar a criatividade com que se converteu o lugar inóspito em algo acolhedor, com sabor e calor de lar. Maria é um convite perene às mulheres de todos os tempos para que reconheçam o seu papel de primazia na condução dos rumos da sociedade. Ouso repetir para que fique bem claro, muito mais que aos homens, a elas cabe traçar os rumos da humanidade. É que lhes cabe a função de criar nos lares um ambiente de paz, serenidade e alegria que tanto contribui para que os filhos desenvolvam as suas personalidades e, portanto, assim formados, construam um mundo melhor.
Em nosso tempo, observamos um incrível crescimento da participação da mulher nos mais diversos setores da sociedade: são políticas, magistradas, altas executivas, operárias. Desempenham, enfim, papel de relevo também fora do lar, onde já contribuem de maneira fantástica para o desenvolvimento social. Mas o local em que ocupam o cargo de diretora-presidente, com caráter vitalício e inamovível é no lar. E desempenhando trabalho externo, não podem nunca esquecer que somente ela pode dar à casa o doce sabor de lar, cuidando dos pequenos detalhes que tornam agradável o convívio familiar. E a nós, homens, nessa empresa, além de operários, encarregados de serviços diversos, o maior cargo que podemos almejar é o de consultor geral da diretora-presidente ou, para os muito ambiciosos, ministro da economia.
A Adoração dos Magos.
Esses sábios viajaram muitos dias para contemplar esse fato extraordinário. E levaram  presentes muito caros para a época. Mas o maior presente que deram foi a si próprios. Sim, dar-se ao Menino e, por Ele, aos demais. Natal é tempo de reflexão e, por conseqüência, de propósitos. Qual foi nossa disposição e ação em benefício do próximo neste ano que se finda? Que faremos concretamente no vindouro? Que o afã das muitas ocupações diárias não ofusquem o brilho da estrela que guiou esses sábios. E se ela por momentos se apagar, tal como o fez a eles, tenhamos persistência, vale a pena.
A Fuga ao Egito.
Mas a cena de paz e serenidade será interrompida pelo prenúncio indesejável: querem matar o Menino. Tal sucede também com nossos planos. Inflamamos de desejos nobres para o próximo ano, desejos de dedicarmos aos filhos, esposo, esposa e eis que... vêm as dificuldades. Desesperemo-nos? Não, jamais. Que nos importam as dificuldades, se elas se esvanecem, uma a uma, se, no fim e ao cabo, não é a nós que procuramos, mas o bem dos outros? E ademais, se pensarmos bem, as nossas dificuldades, comparadas a desses adoráveis personagens, que tiveram de viajar centenas de quilômetros, a pé, pelo deserto, muito pouco temos de padecer. A felicidade que nos aguarda, porém, já no tempo presente, é a mesma. É a paz e a serenidade de quem caminha para a vida, enfim, a alegria do Natal.

domingo, 4 de dezembro de 2005

Que médicos queremos?

Tenho observado um certo tom de alarde entre muitos médicos amigos e conhecidos ante a possibilidade de virem as ser processados pelo chamado erro médico. Isso propõe-nos, num primeiro momento, a indagação: em que situações o médico pode vir a ser condenado por um dano à saúde do paciente?
Analisarei a questão pelo aspecto civil, deixando as questões criminais de lado por serem muito menos freqüentes e, além disso, não é minha especialidade.
Dispõe o artigo 186 do Código Civil que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. A norma é geral, isso é, aplicável a qualquer ato ilícito. Quanto ao médico, porém, podemos extrair delas os seguintes requisitos para que se caracterize um ato ilícito e disso decorra o dever de indenizar: (1) que intencionalmente ou por imperícia utilize um procedimento não recomendado ou não adequado pela ciência médica no estágio do conhecimento quando a conduta for praticada; (2) que haja um dano à saúde ou à vida do paciente; (3) que esse dano decorra diretamente da utilização do procedimento inadequado ou não mais recomendável pela ciência médica.
Assim, para que se conclua que ocorreu erro médico, é necessário, no mais das vezes, que o juiz se valha de um perito, necessariamente outro médico, com conhecimento da matéria tratada no caso, e que afirme que o procedimento utilizado foi incorreto ou não era o adequado para a situação e, além disso, que isso foi a causa da lesão à saúde ou à vida. Mais que isso, deve restar esclarecido se, acaso fosse aplicado o procedimento tido como correto, o dano não teria verificado. Isso porque, ressalto, a responsabilidade do médico depende sempre de que se comprove a sua culpa, inclusive por força do disposto no artigo 14, § 4º do Código de Defesa do Consumidor.
Mas penso que colocar a questão jurídica nos devidos termos ainda não resolve o problema como um todo. Mais que isso, temos de nos indagar: que tipo de médico queremos?
Na versão original do Juramento de Hipócrates (e digo original para se contrapor às resumidas utilizadas nas solenidades de formatura pelas Faculdades de Medicina) já nos fornece importantes subsídios para a resposta: “Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém”.
O bem do outro, mais que o temor da punição é o que deve nortear a conduta de toda pessoa e, muito especialmente, daqueles que, por ofício, zelam pela vida do semelhante. Penso que o bem do doente seja ouvi-lo, sem pressa, com a devida atenção, esforçando-se por compreender o problema em toda a sua dimensão. É também aprimorar constantemente os conhecimentos, colocando os avanços da ciência a serviço daquelas vidas que constantemente ficam em suas mãos.
É nefasto aos médicos e à sociedade um certo clima de “terrorismo” que traz subliminarmente uma mensagem do tipo “trabalhe direito ou vou te processar”. Ora, já se disse com sabedoria que o temor é a imperfeição do amor. E quando se trabalha por medo, o prontuário médico passa a ser mais importante que o paciente, afinal, pode-se pensar que “é melhor deixar tudo registrado para se resguardar de eventual processo...”.
Defendo a idéia de que o médico, por ser o guardião da vida das pessoas, não pode estar a todo tempo à mercê de ações aventureiras que lhe roubam o precioso tempo e a paz imprescindíveis para o exercício de seu ofício. Aliás, as profissões que têm por fim a defesa da vida, como ocorre também, em uma linha diferente, com o policial, por exemplo, devem contar com especial reconhecimento e respeito de todos.

Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens – conclui o juramento. As palavras são sábias, especialmente porque colocam numa relação de causa e efeito fidelidade e felicidade. De fato, quem é fiel aos compromissos assumidos, em especial o de exercer o seu trabalho para o bem do próximo, ainda que encontre muitas dificuldades e contrariedades, será feliz, alcançando a paz, a serenidade e a estima dos demais.

quarta-feira, 23 de novembro de 2005

A autoridade dos pais


Como exercer a autoridade com os filhos na medida certa? Talvez seja essa uma das maiores dúvidas e causa de divergências dos pais de nosso tempo.

Antes, porém, de achar a dose certa, é preciso entender o que é autoridade. Sem pretender formular um conceito científico, gosto da definição de autoridade como sendo um tipo de influência exercida pelo que manda para o bem do que obedece. Há uma relação de poder e de sujeição no exercício da autoridade, mas essa somente é legítima se exercida em benefício de quem a ela está sujeito.

No entanto, é conhecida a afirmação de que “ninguém pode dar o que não tem”. Assim, para exercer a autoridade, os pais têm de adquiri-la antes. E ela não será verdadeiramente exercida se faltar o prestígio dos pais. E o prestígio se obtém na luta por adquirir virtudes, tais como serenidade, naturalidade, bom humor, dedicação, saber escutar, compreender, desculpar, exigir, coerência, constância, fortaleza, dentre outras. Por exemplo, os pais que se esforçam por ser leais aos compromissos assumidos e que também se esforçam por estar presentes nas reuniões escolares de seus filhos adquirem um grande prestígio com eles.

Também é muito importante que haja sintonia entre o pai e a mãe. Nada enfraquece mais a autoridade do que discutirem na frente dos filhos. É natural que haja divergências na hora de decidir, por exemplo, se é conveniente ou não ir à excursão da escola. Nesse caso, ambos devem decidir a sós e, tomada a decisão, seja ela qual for, diante do filho ou da filha a decisão deve ser dos dois, sem mais discussões e, certa ou errada, ambos assumem a responsabilidade.

O mau exercício da autoridade traz graves conseqüências para os filhos, inclusive em sua fase adulta. Um desses desvios de autoridade é o paternalismo, que consiste na figura do “super-pai” ou da “super-mãe”, que são aqueles que fazem tudo para os filhos, por exemplo, têm eles já oito anos e ainda sequer colocam o uniforme da escola sozinhos. Nesse caso, na fase adulta, costumam ser muito indecisos e inseguros. 

Outro desvio é o autoritarismo, que é o pai ou a mãe extremamente severo, que incute no filho forte temor de modo que se obedece exclusivamente por medo. Nesse caso, costuma-se surgir dois tipos de conseqüências. Uma delas é que surjam filhos hipócritas, ou seja, como estão acostumados a obedecer apenas por medo, pensam que podem fazer qualquer coisa errada, conquanto que não o descubram. Outra conseqüência desse mau uso da autoridade é que os filhos sejam submissos, dependentes dos pais, mesmo na fase adulta e já com família constituída.

Um terceiro mau uso da autoridade é o permissivismo, que consiste em permitir tudo, pois dizer muito “não” vai traumatizar, pensam. Nesse caso, na verdade, os filhos não se sentem amados, pois a mensagem que se passa é que não gostam deles, por isso que tudo permitem. A conseqüência dessa educação desleixada é que os filhos cresçam sem valores perenes, com sérias dificuldades de assumirem compromissos duradouros, tanto na vida familiar, como na profissional.

Soube da história de um garoto que, durante uma viagem com os colegas de escola para um acampamento, queixava-se com o professor de que seus pais não lhe davam liberdade, que dependia da autorização deles para quase tudo. Esse bom professor deu ao aluno uma brilhante lição, que merece ser contada:

“Seus pais não permitem que você faça tudo o que quer porque o amam. Veja esse pequeno riacho, em sua nascente, uma margem é bem próxima da outra. É o que ocorre com uma criança pequena, de tudo dependem dos pais. O riacho, conforme vai avançando, as suas margens vão ficando cada vez mais distantes, até que deságüe no mar, onde não há mais margens. Assim deveriam os pais fazer com os filhos. A autoridade dos pais é a margem dos rios que permite que cheguem ao destino. Quanto maior o rio, mais distantes as margens, quanto maior e mais responsável o filho, maior pode ser a sua autonomia. E veja, que bom que é a margem, imagine o que seria do rio sem ela? Veja aquela parte do rio em que a margem é menos resistente, parte da água caiu para fora e apodrece à beira do rio, não chegará no mar. Assim acontece com os filhos que possuem pais fracos, que não desempenham a obrigação de exercer a autoridade: deixam seus filhos perdidos nas ribanceiras do mundo, não chegam ao mar".

quarta-feira, 16 de novembro de 2005

Educação: responsabilidade da família ou da escola?

Uma mãe contou-me, certa vez, que se reuniu com o marido, já tarde da noite, para tratar de um problema com o filho: o garoto não obedece. Depois de uns minutos de conversa e, sem nenhuma conclusão, o pai disse: “mas não há muito que se preocupar, faltam apenas dez dias de férias. Com a volta às aulas, quem sabe a escola dá um jeito nele...”.
O problema proposto e a forma com que se buscou a solução nos permitem fazer uma indagação: a quem cabe a responsabilidade pela educação dos filhos, aos pais ou à escola?
O Estatuto da Criança e do Adolescente, muito sabiamente, consagra em seu artigo 19 que toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família. E digo que é sábia essa norma porque penso que os pais são os principais educadores de seus filhos. E isso é assim porque existe uma relação natural entre paternidade e educação. A paternidade consiste em transmitir a vida a um novo ser. A educação é ajudar a cada filho a crescer como pessoa, o que implica em proporcionar-lhes meios para adquirir e desenvolver as virtudes, tais como a sinceridade, a generosidade, a obediência, dentre muitas outras.
Os filhos nascem e se educam em uma família concreta. A família é uma atmosfera que a pessoa necessita para respirar. Entre seus membros costuma haver laços de afeto incondicionais que fazem um ambiente propício para que a educação se desenvolva. Nesse sentido, é ela essencial para a formação da pessoa. Os valores que se cultuam no lar irão marcar de forma indelével o homem e a mulher da amanhã.
Muito bem, mas se a função primordial na educação cabe aos pais, o que compete à escola? Ou, mais ainda, como essa pode ajudar os pais na educação dos filhos?
É natural que os pais deleguem algumas funções educativas à escola, como  por exemplo, o ensino das várias disciplinas apropriadas a cada faixa etária, mas daí não se pode concluir que possam abandonar essas funções delegadas. Aliás, somente se delega aquilo que é próprio. E em sendo delegada tal atribuição, cabe aos pais acompanhar como está sendo desempenhada.
Um ponto essencial nessa relação entre os pais e a escola é cuidar para que haja coerência entre a educação que se desenvolve no colégio e o que os pais ensinam em casa.
Essa consideração de que os pais ocupam lugar de primazia na educação dos filhos não coloca a escola num segundo plano na função educativa. Pelo contrário, as instituições que reconhecem o papel da família, sem o que a formação que proporcionam não terá eficácia, cuidam de desenvolver também uma educação voltada para os pais. As imensas dificuldades que eles enfrentam em educar os filhos no mundo moderno devem despertar as escolas para que passem a ajudá-los, dando-lhes conhecimentos acerca de como devem atuar na formação dos filhos.
Não há dúvida de que ser pai e mãe hoje implica em ser profissional da educação. Isso significa que têm de se adiantarem aos problemas naturais de cada idade dos filhos. Por exemplo, é muito comum que enfrentem dificuldades em fazer com que as crianças durmam sozinhas nos primeiros anos de vida, assim como são muito freqüentes as crises de rebeldia na adolescência. Diante disso, a escola, como colaboradora da família, deve estar preparada para dar formação aos pais, auxiliando-os com conhecimentos técnicos e com um acompanhamento personalizado nessa difícil tarefa de educar.

Em vários países há instituições de ensino que têm adotado um programa que consiste em manter contatos periódicos entre os pais e os professores. E isso ocorre não apenas quando o filho quebra a vidraça do colégio, mas mesmo que não haja nenhum problema aparente. Trata-se de reconhecer o que há de bom em cada aluno e, a partir disso, traçar um plano pessoal de melhora, com atuações concretas a serem implementadas em casa e na escola. Os resultados têm sido bem interessantes. Para isso é necessário, porém, que se admita a importância dos pais na educação, e que a escola, colaboradora desses, os ensinem a educar, atuando ambos coerentemente em uma mesma direção.

quarta-feira, 9 de novembro de 2005

Ética na família

Recentemente participei de um debate sobre o tema “Família: aspectos éticos e jurídicos”. É impressionante como a questão ética desperta cada vez mais o interesse nas pessoas. Talvez se esteja percebendo que, por mais que o progresso tecnológico traga benefícios, é impossível que proporcione a tão almejada qualidade de vida se não vier acompanhado de igual evolução nas relações humanas.
Quando foi aprovado, em 2002, o novo Código Civil brasileiro, muito se noticiou que, no âmbito do direito de família, teria ocorrido grande evolução, com a quebra de “tabus”, e outras coisas semelhantes. Não sei o que se entende, no caso, por evolução, mas se com isso se afirma que houve desvalorização do casamento ou  enfraquecimento dos laços entre pais e filhos, a assertiva não é verdadeira. É que a nossa lei contém preceitos que, se fossem aplicados, ensejaria um verdadeiro resgate da ética na família.
O primeiro artigo do livro que trata do Direito de Família consagra que o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. Nisso está destacado o caráter perene do matrimônio. E nesse propósito de se resgatar a ética na família, há que se investigar em que medida se têm consciência disso quando se dão em casamento. Certa vez soube de um pai que, todo choroso, dizia à filha, poucos dias antes da cerimônia: “Filha, deixarei seu quarto tal como está, se não der certo, pode voltar quando quiser”. Certo orientador familiar, comentando o caso, concluiu: “Se não der certo? Já não deu! Encarar as agruras do início de uma vida conjugal com um pé dentro outro fora, é naufrágio certo!”.
Conta-se que Hernán Contes, o conquistador espanhol, ao desembarcar no México, afunda os seus barcos a fim de evitar deserções e penetra no continente. Para se estabelecer uma comunhão plena de vida, penso que o casal deva encarar dessa forma o casamento: afundando os barcos que os pudessem conduzir à vida de antes. Essa opção exige verdadeira batalha, no mais das vezes contra os próprios defeitos, mas vale a pena.
O nosso moderno Código Civil não pára aí. Em seu artigo 1.566, estabelece que são deveres de ambos os cônjuges a fidelidade recíproca. Quando se fala de fidelidade gosto muito de lembrar de um sábio que construía um trocadilho: “felicidade, fidelidade, fidelidade, felicidade...”. E o fazia propositadamente, dada a estreita vinculação que uma tem com outra, além das semelhanças fonéticas.
A felicidade depende da fidelidade aos compromissos assumidos, e isso em todos os âmbitos das relações humanas. Muitas pessoas, em certa fase da vida, sentem-se frustrados profissionalmente porque não foram fiéis aos compromissos assumidos. E isso se dá em maior intensidade nas relações conjugais. Aquela promessa de que seria na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, deve se traduzir em atos concretos coerentes com o compromisso todos os dias. Isso implica em interromper um pouco o trabalho, se isso for possível, para falar com o outro, em saber se está tudo bem, em esforçar-se por fazer boa cara à noite quando a família se reúne, por mais estressante que se tenha sido o dia, enfim, esquecer-se de si e ocupar-se do outro.
E o Código Civil continua com o rol de deveres: vida em comum no domicílio conjugal. Um amigo meu, comentando essa norma, certa vez conclui, meio brincando meio a sério: “é ilegal que as pessoas de uma família jantem diante da TV e ali fiquem até a hora de dormir, sem ter ao menos alguns minutos de conversa livres dessa intrusa que afoga o relacionamento entre as pessoas”.
E mais: mútua assistência; respeito e consideração mútuos. Mútua assistência não é apenas ir visitar no hospital quando o outro estiver doente. É ouvir, conhecer os problemas, anseios, frustrações e encará-los como próprios, pois somente assim a ajuda pode ser sincera e eficaz. Respeito e consideração que se traduzam em trato afável, sobretudo diante dos filhos.

O Código fala ainda em sustento, guarda e educação dos filhos. Quanto a isso,  podemos voltar a falar em outra oportunidade. Porém, se os filhos crescerem num ambiente em que os pais se portam de acordo com os demais deveres, por certo que estarão muito bem amparados e educados.

quarta-feira, 2 de novembro de 2005

Campinas diz “sim” à vida

Na edição de domingo passado, dia 30 de outubro de 2005, o Correio Popular divulgou o resultado de uma pesquisa feita pelo Instituto ProPesquisa, cujo resultado, neste dia em que se comemoram os fiéis falecidos, tem o sabor de uma esmagadora vitória da vida.
É impressionante como o cidadão campineiro se mostra resistente à cultura da morte que se tenta introduzir a todo custo em nosso meio. Basta considerar que em poucos lugares do mundo o problema da violência é tão grave quanto aqui. A população campineira está acuada, aterrorizada pelos bandidos que, cada vez mais audazes, invadem as casas, torturam, matam e, na maior parte dos casos, ficam impunes. Apesar disso tudo, 50,5% das pessoas assumem uma postura tão radical em favor da vida, que são contra a morte até mesmo desses que os flagelam e amedrontam.
Indagados se são a favor de permitir que a pessoa em estado de saúde irremediável morra, apenas 32,3% se mostram a favor. 53,5% dos campineiros são contrários à eutanásia em qualquer situação.
Na questão do aborto, a vitória da vida é mais impressionante ainda: 77,3%. Há de se supor que os 5,6% dos indecisos acerca desse ponto, ou mesmo os 17,1% que defendem a morte do embrião como solução para gravidez indesejada, que muitos deles não tenham assistido ao filme intitulado “O grito silencioso”, onde se mostra a agonia de uma criança indefesa que se debate lutando em vão para não ser assassinada.
Fiquemos, porém, nos 77,3% que são contrários a essa forma de assassinato. Se a voz do povo é a voz de Deus, não seria um importante recado ao Congresso Nacional, onde tramita na surdina um projeto de lei que visa descriminalizar o aborto? Mais que isso, não seria o momento de nossos deputados federais, ao menos os que têm aqui a sua base eleitoral, manifestar claramente sua posição, em respeito aos mais de três quartos da população campineira que brada a favor da vida?
Mas há algo de sombrio por detrás desses números. Tramita no Supremo Tribunal Federal uma ação que pretende legalizar o aborto no caso de anencefalia. Pior, a decisão virá de um órgão que não tem a função de legislar, que não tem os seus membros eleitos pelo povo. Poderíamos, portanto, pensar que os ministros de nossa Corte Suprema seriam insensíveis aos apelos em favor da vida. Devemos lembrar, porém, que todo poder emana do povo (artigo 1º, parágrafo único da Constituição Federal), de modo que o Poder Judiciário não pode ficar insensível a esse reclamo.
Poder-se-ia sustentar que o Supremo Tribunal Federal deve zelar pela aplicação da Constituição Federal, não se importando com a opinião pública. Não seria de todo equivocada tal afirmação. Contudo, se o que se espera daquela corte é o cumprimento da Lei Maior, na questão do aborto, esqueçamos então dos reclamos dos 77,3% dos campineiros e voltemos ao artigo 5º da nossa Constituição Federal: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida. A propósito, não passa despercebido que 90,5% da população são a favor da reforma do Poder Judiciário, quiçá para que ele fique mais sensível aos reclamos e anseios do povo.
A pesquisa enfrentou também a questão da clonagem de células humanas, na qual 61,1% se mostraram contra. Nesse ponto, a reportagem traz a opinião de um especialista que atribui o resultado da pesquisa, dentre outros fatores, ao desconhecimento sobre o assunto. Com todo o respeito que devemos ter ao renomado professor, há dele de se discordar. Os 29,5% que são a favor da clonagem humana  precisariam estar mais bem informados. Por exemplo, será que sabem eles que as pesquisas feitas com células-tronco adultas têm apresentado interessantes resultados terapêuticos, em muitos casos, muito melhores que os que se poderiam esperar das células embrionárias?

O povo de Campinas deixa patente um anseio claro de toda a nação brasileira: que a vida há que falar mais forte que a cultura da morte. Com essas palavras termina o hino municipal de Campinas: “Progresso! Progresso! Seja a nossa conquista: Porvir! Progresso!”. Por certo que o grande Carlos Gomes não ignorava o rumo desse progresso nem os meios com que construiríamos esse porvir. O faríamos com a luta de um povo que mais uma vez diz sim à vida.

quarta-feira, 26 de outubro de 2005

Educar hoje

É opinião geral que a solução dos problemas de nossa sociedade depende de que se invista na educação. Mas como? Ou melhor, o que na verdade esperam de nós os jovens e crianças de nosso tempo?
Os padrões de trabalho, vida em família e relacionamento social são hoje muito diferentes. Durante séculos, o trabalho e a vida familiar se interpenetravam, e a formação dos filhos se dava nesses ambientes com muita naturalidade. Numa sociedade agrária, era comum pai, mãe e filhos saírem pela manhã para cuidar da lavoura, e ali as crianças cresciam vendo o esforço dos pais para ganhar, com o suor do trabalho, o sustento. Contemplavam, por vezes, os pais cuidando de sua rudimentar contabilidade, acompanhavam-nos em raras compras na cidade (uma vez por ano), quando se adquiria o essencial, que se pudesse pagar à vista, num tempo em que nos dicionários sequer existia a palavra consumismo.
Por vezes, o pai era comerciante ou artesão, mas, também nesses casos, o comum era que a casa se situasse aos fundos ou próxima de onde se trabalhava, de modo que os filhos iam e vinham ao local do trabalho, em suma, aprendiam muito mais com o exemplo do que com o que se falava, com a simplicidade das coisas cotidianas.
Não pretendo embrenhar-me num saudosismo para simplesmente dizer que aquilo era bom e o de hoje não presta. Mas temos de admitir que hoje, com freqüência, os filhos não sabem exatamente em que consiste a atividade profissional dos pais. Para muitos, o trabalho do pai e da mãe é aquilo que os esgotam tanto que os deixam estirados no sofá à noite enquanto reclamam: “estou exausto!”. Os dias dos filhos, sem muitas variantes, oscilam entre escola, cursos e casa, e nessa é comum permitir-lhes uma overdose de computador e televisão.
Nesse cenário moderno, em que convivência é pequena e pobre, como se pode proporcionar uma boa formação aos filhos?
 Um grande sábio do século passado costumava lecionar: para servir, servir. E explicava que ninguém não dá o que não tem, ou seja, para ensinar algo, há que  aprender primeiro. Traduzindo isso para os educadores de nosso tempo, antes de mais nada, devem esforçar-se para que suas próprias vidas sejam uma constante luta por adquirir e crescer nas virtudes: honestidade, generosidade, sinceridade, laboriosidade, solidariedade. Basta um breve exame para constatarmos que muito podemos melhorar nisso tudo. Não é necessário, porém, sermos perfeitos para educar nossos filhos, ou nossos alunos, mas é importantíssimo que eles nos vejam lutando por sermos cada vez melhores.
Penso que o norte a ser dado à educação, proclamada como panacéia para nossa sociedade, é estimular a formação dos principais educadores: pais e professores. Quanto mais virtuosos forem, quanto mais competentes e dedicados em seus trabalhos, quanto mais humanos se mostrarem, tanto mais estimularão e impulsionarão os seus educandos. Filhos e alunos assimilam os ensinamentos quando enxergam de verdade em seus educadores exemplos concretos de luta.
E depois, há que se estimular uma sadia cumplicidade entre eles, pais e professores. Fiquei sabendo recentemente de um casal que foi convidado a uma conversa na escola do filho. Foram esperando encontrar o de sempre: queixas acerca do mau comportamento e nenhuma proposta de solução. Porém, a surpresa foi que a professora iniciou por apontar aspectos muito positivos da conduta do filho, muitos desses sequer notados pelos pais, mas também indicou pontos em que poderia melhorar. Mais que isso, sugeriu uma estratégia clara e concreta a ser seguida em casa e outra a ser aplicada por ela no colégio, numa mesma direção, visando o crescimento em uma virtude. O resultado foi excelente.
Outros pais, ao saberem daquela iniciativa de sucesso, durante uma viagem, comentaram o caso na presença do filho, sem perceberem que o garoto prestava atenção na conversa. Em certo momento, ele deu sua opinião certeira: “Caramba, eles devem gostar mesmo daquela criança! Pai, mãe e professora perdendo tempo em conversar sobre o filho!”

O que impede que isso seja feito na escola pública?

quarta-feira, 19 de outubro de 2005

A causa da violência

A barbárie voltou à tona. Semana passada nos deixou atônitos a notícia de morte de um jovem. Motivo? Era torcedor do time adversário, o dos homicidas! Nas delegacias de polícia continuam freqüentes as ocorrências de roubos em que os bandidos invadem casas à luz do dia, humilham, maltratam, ferem, por vezes, matam, destroem e deixam nas vítimas o sabor amargo, um quê de medo ou de repugnância. E, quando nossas mentes conseguem abafar um pouco essas tragédias, trazem-nos de volta as notícias da velha corrupção nos meios políticos.
Contemplando isso tudo é natural que nos indaguemos, por quê? Por que tanto ódio? Por que tanta violência? Por que tanta ganância e sede de poder? Tais questionamentos são comuns diante de tal adversidade. Mas num convite à reflexão podemos inverter as perguntas e talvez isso nos ajude a tocar no fundo do problema. Ou seja, por que respeitar o semelhante? Por que exercer um trabalho digno? Enfim, por que ser honesto?
Como sempre, os pontos positivos e negativos de nossa sociedade são reflexos do que há no interior das pessoas que a compõem. Isso implica considerar que uma resposta adequada às causas da crise social depende de uma análise apurada do que se passa no interior de seus integrantes. Há que se investigar, portanto, quais são as verdadeiras aspirações e indagações dos seres humanos e de como eles têm respondido a isso.
Leo Trese inicia sua obra a fé explicada propondo uma série de perguntas, que, por certo, de uma maneira ou de outra, todos já nos propomos: “Será o homem um mero acidente biológico? E o gênero humano, uma simples etapa num processo evolutivo cego e sem sentido? Será que esta vida humana não passa de uma cintilação entre a longa escuridão que precede a concepção e a escuridão eterna que virá após a morte? E eu, serei apenas um grão de poeira insignificante no universo, lançado à existência pelo poder criador de um Deus indiferente, como a casca de laranja inútil que se joga fora sem pensar? Tem a vida alguma finalidade, algum plano, algum propósito? Enfim, de onde é que eu venho? E por que estou aqui?”
A resposta a essas indagações, mais que isso, a opção de vida coerente com essa resposta é que pode justificar as ações a que mencionamos acima. Se a vida humana não passa de uma cintilação, como diz Leo Trese, posso dar a ela o sentido que quiser, inclusive ter como meta destruir, a qualquer custo, a torcida uniformizada do outro time. Por quê? Sabe-se lá... Porque há algo com que preencher os dias e se escolhe isso por não achar algo melhor que o valha.
Se, enquanto ser humano, sou “um grão de poeira insignificante no universo”, ou uma “casca de laranja inútil que se joga fora sem pensar”, posso concluir que as demais pessoas também igualmente o são. Nesse caso, por que não posso tratar os demais como algo desprezível, invadindo-lhes as residências, roubando, ofendendo, matando?
O problema, ou pior, a tragédia, é que, com essas infelizes opções de vida, cedo ou tarde se perceberá que o coração humano é muito grande e, além disso, tem um enorme coeficiente de dilatação. Ele não se satisfaz com carros, iates, viagens e nem com muitos dólares na cueca para preenchê-lo. É que foi feito para abrigar o próprio Criador, e, por amor a Ele, todos os irmãos que tiveram a mesma sorte de lhes ser confiado o dom da vida.
Não tenhamos, pois, mais dúvidas: não há sociedade doente, o que há são corações cansados de abrigar coisas podres que nos impedem de trazer na face o selo da verdadeira alegria. E essa, não a têm os bandidos enquanto contam o produto de seu roubo, nem os torcedores homicidas enquanto comemoram a triste vitória sobre a vida do adversário, nem os corruptos enquanto constroem seus castelos sobre a areia.

Têm-na, ao contrário, aqueles que se dedicam a contar histórias às crianças do Boldrini, os que gastam alguns minutos de seu precioso tempo visitando um doente, ouvindo um idoso contar a mesma história de sempre, enfim, quem tem a sabedoria de descobrir na face daquele que sofre a alegria e o desafio de servir, caminhando neste mundo como que de passagem, sem medo da vida e sem medo da morte.

quarta-feira, 12 de outubro de 2005

Greve de fome

Certa vez, encontrávamos eu e minha esposa na casa de um casal, amigos nossos, que nos convidou para um jantar. Enquanto conversávamos de forma descontraída, o filho de nossa amiga, que então contava com cerca de dez anos, entrou na sala e colocou a mãe contra a parede: “Mãe, você já decidiu se poderei ir ao acampamento amanhã?”. A mãe, calmamente, respondeu que já decidiu, mas que conversaria com o filho mais tarde. Ele insistiu e ela, discretamente, pediu-nos licença e manteve uma conversa com o filho.
Mais tarde, já na mesa de jantar, o filho tomou assento contrariadíssimo e, de braços cruzados, recusava-se a provar qualquer alimento. A mãe então lhe perguntou se não iria mesmo comer nada, ao que respondeu: “se você não me deixar ir no passeio com meus amigos, não vou comer nada”. Sem perder a paciência, nossa amiga concluiu: “estou em paz com a minha consciência de que decidi o que é melhor para você e, por esse motivo, não irá a esse acampamento. Agora, se não quer comer, fique muito à vontade, a próxima refeição a ser servida nesta casa será amanhã, o café da manhã”. Dito isso, retirou-lhe o prato e, tomando-o pelo braço, conduziu o filho ao quarto.
Impressionou-me muito a firmeza e, ao mesmo tempo, delicadeza dessa mãe. Penso que esse episódio pode nos ajudar a meditar acerca de qual é o limite das atitudes que podemos tomar para pressionar os outros a tomar as decisões que nos parecem convenientes ou corretas. Concretamente, até que ponto é aceitável a greve de fome para instar certas pessoas, mormente detentoras de poder, a agir de determinada maneira?
E a questão pode se tornar ainda mais complexa se atentarmos para que as pessoas agem, ou deveriam agir, sempre de acordo com os ditames de suas consciências, e essas, espera-se que estejam bem formadas.
Thomas More, o célebre humanista inglês, acusado de conspirar contra Henrique VIII, durante sua permanência na prisão, numa carta escrita à filha Margareth, disse-lhe: “a claridade de minha consciência fez meu coração saltar de alegria”. E More disse isso quando já sabia que a decisão tomada de acordo com sua consciência lhe renderia a morte.
Nesse contexto, quando alguém, investido de autoridade, pratica ou tende a praticar algo que nos parece ilícito, incorreto ou inconveniente, qual deve ser a nossa postura diante disso?
Acredito que devemos defender o ideal que nos parece correto, ou seja, aquele que nossas consciências aponta como melhor, com todos os meios de que dispomos: palavras, cartas aos meios de comunicação, manifestações públicas, passeatas, em suma, tudo o que se admite numa democracia como legítimos instrumentos de pressão.
Quanto à greve de fome, por mais que tenha pensado acerca de seus fundamentos, não consegui ainda me desvencilhar de uma contradição que me parece insuperável. É que quem a faz pensa que o outro, aquele a quem pretende pressionar, deva se preocupar com a sua vida mais que ele próprio. Pior ainda, sugere algo do tipo: “se não fizer o que eu quero, você será o culpado da minha morte”. Ora, o culpado da morte em si será, nesse caso, sempre e inexoravelmente aquele que negou alimento a si próprio. O outro será, quando muito, culpado das conseqüências do ato que motivou a greve de fome, não da inanição de quem a faz.
Portanto, penso que a greve de fome, quando muito, possa ter como propósito instar alguma pessoa a examinar em sua consciência a questão que a motiva. Ir além disso, ou seja, exigir que a decisão seja tomada como quer o grevista, é tolher a liberdade de quem toma a decisão e, muitas vezes, um atentado à própria vida, o que é inaceitável.

Confesso que já me coloquei a pensar no que eu faria se, por exemplo, um grupo de mil pessoas, se dispusesse a fazer greve de fome, exigindo-me que decidisse um caso de determinada maneira. Se isso me ocorresse, meditaria muito mais a fundo no assunto, afinal, mil pessoas têm muito mais chances de estarem certas do que um sozinho. Mas ainda assim, se a minha consciência, após detida e ponderada análise, apontasse no sentido contrário, seguiria a voz da minha consciência que, nesse caso, também não me acusaria da morte dos que me pressionam.

quarta-feira, 5 de outubro de 2005

Feliz aniversário, Milena! Parabéns, Brasil!

Hoje, nossa Constituição Federal completa dezessete anos. E para celebrar essa data, tal como o poeta, eu fico com a pureza da resposta das crianças para cantar a beleza da vida.
No dia 5 de outubro de 1988, o Dr. Ulisses Guimarães, com a voz trêmula e emocionada, discursava ao povo brasileiro agitando nas mãos aquele livro, até então pouco conhecido, mas que, hoje sabemos, começa com essas fortes palavras: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte (...), promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. E essa mesma lei, que muito fortemente influenciaria a nossa história, já no seu 5º artigo, consagra o mais magnífico direito a que podemos aspirar, assegurando aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida.
Sim, festejar o aniversário é celebrar a vida. E, ao fazê-lo, com a simplicidade a que nos propusemos, lembremos de uma célebre aniversariante do dia de ontem, 4 de outubro: a Milena. No último dia 19 de setembro, o Correio Popular nos trouxe uma reportagem que abordava o drama de famílias que têm filhos deficientes. Aliás, deficientes de algum atributo físico ou mental, não do amor dos seus pais, do que são riquíssimos, como nos relata a matéria.
E guardo o jornal, confesso que salpicado de lágrimas, onde encontramos brilhantes lições de vida: “Quando eu estava no quinto mês de gestação” – relata a mãe, “nós recebemos a notícia de que a menina que tanto esperávamos tinha síndrome de Down”. “O médico que revelou o resultado do exame, um ser humano que se mostrou completamente insensível, chegou até a insinuar a possibilidade de um aborto caso a gente optasse por se livrar da situação”. Penso que deve ter sido momentos muito duros para a mãe, receber uma insinuação homicida de alguém que um dia fez um juramento a Hipócrates de lutar pela vida, mas hipocritamente cultua a morte.
Mas falemos de vida. Afinal, a Celiana, mãe da Milena, não sucumbiu à cultura da morte. Soube enxergar que a filha é uma jóia preciosa que Deus a enviou. São exemplos como esse que nos fazem acreditar que se cumpre a Constituição Federal, cujo fundamento primeiro é a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III). Como são sábias e simples as mães que amam! Ensinam-nos com ternura que a verdadeira dignidade do ser humano é ser “jóia de Deus”, mais que isso, filho e filha de Deus.
O drama vivido por essa mãe e a valentia com que o enfrentou nos propõe a seguinte indagação: para que geramos os nossos filhos? Com valentia, disponhamo-nos a responder sinceramente. Que almejamos ao trazer essas criaturas ao mundo? Para que sejam adornos na festa de Natal, que não tem graça sem crianças? Para sonhar que um dia estejam na capa da Metrópole, lindos e penteados?
A nossa Constituição Federal, aniversariante de hoje, fala também em paternidade responsável. Contudo, essa expressão tem sido tratada como sinônimo de controle da natalidade. De fato, em alguns casos, ter muitos filhos sem condições, nem disponibilidade para educá-los é uma irresponsabilidade. Mas há também, por outro lado, muitos pais abastados de filhos únicos que são uns tremendos irresponsáveis por não dedicarem um tempo a estar com eles, por não estarem presentes na hora em que eles vão dormir, por não serem uns olhos que brilham na multidão de pais nas apresentações escolares, enfim, por trabalharem vinte e quatro horas por dia para “darem o melhor ao filho”, esquecendo-se, contudo, que, muitas vezes, o melhor para o filho são eles próprios, sua presença amável e serena.
Por certo que a Celiana sabe disso: “Quando alguém tenta me colocar para baixo me dizendo ter pena dela ou de mim, eu olho para o seu rostinho e vejo que ali só existe amor (...) Eu estou sempre de braços abertos para receber mais pessoas que queiram lutar com a gente. O diferente é essencial para a continuidade da vida”.

De fato, cara mãe, nenhum ser humano é igual ao outro, mas todos, uma vez concebidos, têm direito de nascer e viver. Afinal, a vida é sempre desejada, por mais que seja errada. E hoje, fitando o rostinho amável da Milena, homenageamos a nossa Constituição Federal cantando a beleza de sermos eternos aprendizes, enquanto gritamos, ainda que desafinados: “é bonita, é bonita e é bonita”.

quinta-feira, 29 de setembro de 2005

O trabalho do presidiário

Lemos no livro do Gênesis que Deus formou Adão com o barro da terra e criou para ele este mundo tão belo para que o trabalhasse e guardasse (Gen II, 15). Não pretendo tecer aqui considerações profundas acerca da Sagrada Escritura, e nem teria competência para fazê-lo, mas da clareza desse relato podemos concluir que o trabalho é inerente à natureza humana.
Aliás, para nós que não somos teólogos nem nada, é até mais fácil argumentar com a sabedoria e simplicidade do Gonzaguinha, de quem lembramos com a voz do Fagner:
Um homem se humilha
Se castram seu sonho
Seu sonho é a sua vida
E a vida é trabalho
E sem o seu trabalho
Um homem não tem honra
E sem a sua honra
Se morre, se mata
Não dá pra ser feliz
Não dá pra ser feliz
Mas e o preso, caro Gonzaguinha? Dele podem castrar-lhe o sonho? O sonho que é a sua vida, vida que é um trabalho dedicado ao semelhante?
Lembro-me agora de um grande amigo e colega que relata a sua experiência como juiz corregedor de uma cadeia pública. Logo que assumiu o cargo, trouxeram-lhe o problema das constantes fugas de presos. Todo mês estouravam uma cela e fugiam, não raro colocando, com isso, em risco a vida de carcereiros, população e do próprio detento. Qual foi a solução que se buscou? Cumprir a lei que dá ao preso o direito de trabalhar.
Criou-se um mecanismo mediante o qual cada preso teria oportunidade de trabalhar. A cada novo detento, procurava-se conhecer a sua situação peculiar: por que foi preso? Onde está a sua família? Quais são os seus problemas? Em seguida, era exposto ao detento com toda a lealdade que, dependendo de seu comportamento e esforço por melhora, progressivamente, começaria a sair da cela durante o dia para trabalhar. Iniciava-se com trabalhos na própria cadeia, com maior vigilância e, tornando-se merecedor da confiança, chegava até a trabalhar em repartições públicas.
O atendimento era personalizado. Às vezes algum preso passava a dar mostras de descumprimento das regras. Nesse caso, por meio de um trabalho interdisciplinar, que contava com psicóloga, delegado de polícia e agentes públicos, buscava-se averiguar a raiz do problema. Não raras vezes descobria-se que o motivo de uma conduta indisciplinada é que os familiares estariam passando fome, quando então a mesma equipe se empenhava em ajudar a família. O reflexo era imediato na melhora do comportamento do detento.
E o interessante é que cada um trabalhava em suas habilidades, pois ali havia pintores, eletricistas, pedreiros, que passavam a desenvolver esses trabalhos em benefício da comunidade local.
Poder-se-ia pensar que, com isso, as fugas se teriam tornado “uma festa”. Ledo engano! Reduziram-se vertiginosamente.
É que o trabalho é inerente à natureza humana, de maneira que, quando se busca de verdade a recuperação, há que se encontrar meios que restabeleçam a dignidade do detento, e não acabando por aniquilá-la em uma ociosidade nefasta, que segrega apenas para abafar provisoriamente o problema, sem se importar que, com isso, apenas se agrava ele.
Mas para lançar-se em empreendimentos como esse, são necessárias pessoas magnânimas, com almas grandes, verdadeiros guerreiros que não se contentam em passar por essa vida, mais que isso, querem deixar rastros que tornem mais suave o caminho dos que virão depois.
Sem hipocrisias, caro leitor, são desses guerreiros que precisamos, Afinal:
Guerreiros são pessoas
São fortes, são frágeis
Guerreiros são meninos
No fundo do peito
Precisam de um descanso
Precisam de um remanso

Precisam de um sonho.

quarta-feira, 21 de setembro de 2005

Todo mundo é corrupto. Será?

Em meio a tantos noticiários de corrupção nos meios políticos, um dia desses vi uma frase estampada em um carro, diante da qual não escondo uma grande preocupação. Dizia ela: “meu voto é nulo”.
O preocupante disso é que, com ou sem votos nulos, continuaremos sendo governados por políticos e, se descuidarmos de escolher bem, corremos o risco de as coisas piorarem. Mas há ainda algo de mais grave nesse clima de estarrecimento que nos invadiu nesses últimos tempos. Refiro-me ao perigo da generalização. Com efeito, diante de tantas denúncias, corremos o risco de acreditar sinceramente que não adianta fazermos nada. Afinal “todo mundo é corrupto”.
Porém, se pensarmos um pouco melhor, a quem interessa essa frase? Não seria ela um prato cheio para os próprios corruptos? Isso porque, se todos o são, estariam eles justificados, na medida em que fariam apenas o que “todo mundo faz”.
Confesso que tenho uma certa desconfiança daquelas pessoas em cujas conversas são constantes essas alusões: “todo mundo é desonesto”. Há uns anos  tive um vizinho, cujas conversas chegavam a ser pedantes, de tanto que repetia frases do tipo dessas. Um tempo após, ficamos sabendo que estava foragido e procurado pela polícia, dado o envolvimento que teve com crimes graves. Desde então, fiquei com essa desconfiança: será que essas pessoas não repetem tanto isso como forma de “massagear suas próprias consciências” para que não se acusem tanto elas de suas desonestidades?
Penso que diante da gravidade da situação política o que é mais importante é a serenidade. Se um doente padece de uma infecção grave e generalizada, há que se tratar da infecção e não matar o doente ou dá-lo por desenganado. O mesmo ocorre com as “doenças sociais”, como o é a corrupção. Se há políticos que cometeram ilícitos, há que se exigir com rigor a punição deles, mas isso não nos autoriza taxar todos de corruptos e, por conseqüência, botar a perder todo o sistema.
Aliás, a degradação moral que atinge certos ocupantes de cargos públicos, talvez seja reflexo de uma mesma crise ética que assola as bases da própria sociedade. Façamos um breve exame que nos ajuda a entender isso: quando um vendedor dá um troco a maior, devolve-se imediatamente o que se recebe a mais? Quando se encontra um dinheiro perdido, há um pesar por isso fazer falta a quem o perdeu, ou se alegra com isso porque “o achado não é roubado”? Como empregador, pagam-se salários justos? Como empregado, esforça-se por trabalhar bem, por dever de justiça? Como servidor público, ocupa-se de servir o público, razão de ser de seu emprego? Como pais, dá-se aos filhos a educação e atenção que lhes é devida?
É hora de sermos mais exigentes no cumprimento de nossas obrigações familiares, profissionais e sociais. E não deixa de ser desonestidade descuidar desses deveres, grandes ou pequenos. Isso porque honestidade é algo que não comporta medidas, ou se tem ela ou não.
E há pessoas, infelizmente, que não recebem “mensalão” não porque são honradas, mas porque não são deputados.

Portanto, há que se resgatar a justiça pelo local onde ela se encontra de verdade, que é no recôndito das consciências. Isso porque justiça é, acima de tudo, dar a cada um o que é seu. E fazê-lo é missão de todos, não apenas de políticos.

quarta-feira, 14 de setembro de 2005

O Bom Humor

Um dia desses nosso Presidente foi indagado por um repórter acerca do seu bom humor, ao que lhe respondeu: “É claro, depois do Brasil ter ganho por 4 a 0, ou melhor, 5 a 0, você quer o quê?”.
Coloquei-me então a pensar a causa do nosso bom ou mau humor, quando então que me lembrei do drama vivido por meu amigo Inácio.
Numa sexta-feira ensolarada, o Inácio acordou com aquele insuportável bom humor. Lembrou-se de que sairia em viagem à tarde, o que fez aumentar ainda mais sua euforia. Porém, no elevador, deu de cara com a síndica, com quem havia travado séria desavença na última reunião do condomínio. Na garagem, o vizinho o fez esperar por não mais que trinta minutos até descer as compras. Afobado, agora no trânsito, teve de ouvir um desaforo de uma senhora: “Tá com pressa, saísse antes.”
Parece que o humor do Inácio resistiu a isso tudo. Afinal de contas, era sexta-feira, e a viagem compensaria tudo. Ao chegar ao escritório, no entanto, o colega de trabalho estava tão carrancudo que, se medisse, daria uns quarenta centímetros entre a testa e o queixo enrijecido para baixo. “Tudo bem, é sexta-feira”. Mas, quando chegou a secretária inundando o ambiente com aquele perfume horroroso, aí ele não resistiu: “Droga, quem foi que deu à Síndica, àquela louca do trânsito e aos colegas de trabalho o direito de estragar meu dia, meu fim de semana e ..., droga! Meu bom humor...?
O Inácio resolveu comentar isso com um velho e bom amigo seu, a quem costuma confidenciar seus maiores problemas, sonhos e frustrações. Após ouvir-lhe atentamente, com aquele seu ar sereno e sábio, indagou-lhe o amigo: “Inácio, o que você está fazendo neste mundo?”. E, antes que o Inácio pudesse esboçar a resposta, laçou-lhe outra pergunta ainda mais desconcertante: “Qual é o sentido que os acontecimentos têm na sua vida?”
Na verdade, essas dúvidas já se lhe haviam apresentado anteriormente, mas Inácio sempre as abafava quando as coisas não corriam segundo seu agrado: “Logo chegará o final de semana” ou “está próxima aquela viagem”. Agora, entretanto, o amigo não lhe deu escapatória, colocou-o de frente com o problema.
“Sabe, Inácio”, continuou o amigo com toda a serenidade do mundo, “há essencialmente duas formas de passarmos nessa vida, servindo a nós próprios ou aos demais. Podemos trabalhar para ter dinheiro suficiente para a viagem, ou trabalhar pensando no bem das pessoas que dependem do nosso trabalho, ainda que com isso busquemos também o dinheiro que é essencial para sustentarmos a família. Podemos ansiar por chegar em casa ao final do dia para derramarmo-nos na poltrona, ou voltarmos preparados para um novo turno de trabalho, de serviço alegre e abnegado à esposa e aos filhos. Aliás, quer uma receita para ficar mal humorado?” – prosseguiu o conselheiro agora mudando o tom da voz, “fique quinze minutos em seu quarto pensando apenas em si: os meus problemas, as minhas coisas, os meus desejos, eu, eu, eu...”
E depois concluiu: “o bom humor verdadeiro brota de dentro para fora. Não depende da vitória do Brasil, das condições do tempo, da cara dos colegas de trabalho, da nota do filho na escola, de nada disso. Até porque, duas pessoas podem observar um mesmo copo com água até a metade, ao que o pessimista dirá que está quase vazio e o otimista, quase cheio. Em suma, o nosso bom humor, constante, sereno, sem euforia, mas duradouro, depende de uma convicção interior de esquecimento de si próprio e de serviço aos demais. As condições externas são fogo de palha, que não duram mais que um instante.”

O Inácio saiu de lá com aquela sensação de leveza de espírito de quem ouviu algo que lhe tocou a alma, e repetia: “fogo de palha”. Mas concluiu, com certo ar de teimosia...: “tá tudo certo, mas a classificação do Guarani não seria tão fogo de palha assim, duraria pelo menos 2006 inteiro!”

quarta-feira, 7 de setembro de 2005

A Cátedra de Franca

Semana passada, na Universidade, ministrei uma aula em que o assunto encaminhou para o direito à vida, em especial, ao problema de se definir a partir de quando e até em que momento há a tutela constitucional desse direito fundamental. Os alunos gostaram do tema, tanto que ao final se formou aquele grupo, ávidos por comentar e aprender mais.
No dia seguinte, sexta-feira, 2 de setembro de 2005, porém, o Correio Popular trouxe uma matéria que me obriga a confessar-lhe, caros alunos: não sei nada, ou sei ainda muito pouco sobre direito à vida e sobre garantias constitucionais. O título da matéria era: “Não aceito a eutanásia, afirma Rosemara Santos”.
Aprendamos com ela, caros alunos, nós, que, por cursarmos uma universidade, acreditamos muito saber, quando na verdade muito temos ainda de aprender, sobretudo com os pobres e humildes de coração. Trata-se de uma mãe que defende o direito à vida de seu filho, que padece de uma doença grave, pois o pai busca a morte do filho como forma de aliviar-lhe o sofrimento.
Rosemara nos ensina, referindo-se ao pai de seu filho: “Eu tenho a minha cabeça, ele tem a dele. Eu não aceito a eutanásia, é fora de tudo o que eu aprendi”. Já ouviram dizer, caros alunos, que a República Federativa do Brasil tem como fundamento o “pluralismo político” (artigo 1º, inciso V da Constituição Federal). Pois, então, aprendam com ela que, despedaçada de dor pelo filho, absolutamente convicta de que está na verdade, e o pai não, ainda assim respeita a opinião contrária, mas não deixa de manifestar com clareza a sua. Que maravilha de ensinamento! Já ouviram algo semelhante, caros alunos?
“Todas as noites eu agradeço a Deus por não ter faltado nada ao J. Às vezes estava acabando a fralda, o alimento (uma espécie de sopa nutritiva) e Deus enviava um anjo. São muitas as pessoas que ajudam”. Não há exemplo mais claro e concreto de que Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º, inciso I da Constituição Federal). Que fiéis cumpridores da Constituição Federal são os amigos da Rosemara!
“Meu filho poderia estar sem um braço, uma perna, mas de qualquer jeito eu o quero vivo. Eu quero passar cada dia com ele. Todo dia eu prometo para ele: J., a mamãe te promete que a gente vai ser muito feliz, esse pesadelo todo vai passar”. Quantos livros seriam necessários para esgotar a sabedoria dessa frase? Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida ... (Artigo 5º da Constituição Federal). A vida, meus queridos alunos, é um direito que não comporta adjetivos que anulem ou esvaziem o seu conteúdo verdadeiro. E a Rosemara nos ensina que se tutela o direito à vida e não a “vida extra-uterina”, não a “vida sem dor”, não a “vida viável”, não a “vida prazerosa”, não a “vida sem defeitos físicos”. Tutela-se simplesmente a vida.

Querem, pois, saber o verdadeiro alcance do artigo 5º da Constituição Federal, prezados alunos? Aprendam com ela. A vida que deve ser vivida e garantida desde a concepção e até quando por Ele querida.