segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Aborto e objeção de consciência

O Partido dos Trabalhadores suspendeu por um ano o deputado Luiz Bassuma (BA). O motivo da punição foi que ele pregou publicamente, contra a orientação do partido, a não liberação do aborto. Segundo informam os noticiários, o parlamentar pretende impugnar no STF a decisão. Assim, por ser uma questão que poderá ser objeto de apreciação judicial, não iremos comentar o caso em si.
A seriedade com que o Partido dos Trabalhadores trata a questão da fidelidade partidária é mais digna de elogio que de crítica. Numa democracia representativa é necessário que os partidos tenham programas de governo transparentes e que sejam fiéis a eles quando assumem o poder, sob pena de traírem os seus eleitores. E o titular de mandato eletivo que dele fugir, também descumpre um compromisso grave.
Assim, é condenável a postura de muitos políticos que se valem dos partidos apenas como instrumento para galgar o poder, sem nenhum compromisso ideológico. E igualmente reprovável é a postura de partidos que se convertem em meros trampolins para se alcançar o poder, permitindo e fomentando a troca de legenda com vistas exclusiva em ampliar a margem de influência.
Mas se a fidelidade partidária é algo bom e saudável numa democracia representativa, é lícito impor limites a ela? Haverá aspectos do programa do partido que não podem ser impostos aos seus filiados?
Penso que há um limite intransponível a todo e qualquer tipo de poder. E esse não pode ser violado pelo Estado, pelos pais, pela sociedade, pela escola ou por quem quer que seja. Refiro-me à consciência. A consciência é o reduto inviolável de todo ser humano, onde ele encontra a luz para guiar os seus atos. Assim, obrigar alguém a agir contra a sua consciência é a pior e mais terrível violência que se pode cometer.
Exatamente por isso que a nossa Constituição Federal consagra como garantia constitucional a objeção de consciência (artigo 5º, inciso VIII da Constituição Federal).
É típico dos regimes totalitários invadir essa seara inviolável do indivíduo. Assim o faz a China, por exemplo, obrigando as mulheres a fazerem o aborto em determinadas situações como mero método de controle da natalidade. E assim o fazem, dentre outros motivos, porque não consideram o ser humano em sua individualidade, com a sua imensa dignidade que lhe é inerente, ao contrário, consideram-no como um simples número na sociedade.
Infelizmente essa postura de exigir das pessoas que ajam de forma contrária às suas consciências, mesmo em nações que se intitulem defensoras da liberdade, é cada vez mais freqüente. Por esse motivo, o direito fundamental de se recusar a agir contrariamente à consciência deverá ser cada vez mais invocado.
Para isso, porém, temos de estar preparados e ser suficientemente fortes. É que é muito mais fácil ceder ao que é “politicamente correto”, ao que “todo mundo faz” e outros argumentos covardes, do que passar por intransigente, por chato, por fundamentalista, simplesmente por se seguir os ditames de uma consciência bem formada.
Tomas More é um dos exemplos mais eloqüentes que a história nos traz de um homem que perdeu a vida por não contrariar a sua consciência. É impressionante notar sua valentia, que o fez preferir ser decapitado por se recusar a fazer um juramento exigido pelo Rei, do que contrariar a sua consciência. E ele agiu assim apesar de quase todos os políticos, súditos e eclesiásticos da Inglaterra o terem feito sem qualquer escrúpulo!

“Entre o PT e a minha consciência, fico com minha consciência”, afirmou o deputado Luiz Bassuma. Talvez seja exagerado dizer que ele é o Tomas More de nosso tempo. Mas é seguramente um exemplo fantástico a ser imitado, em especial por aqueles que se aventuram a concorrer a cargos públicos.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Por que investir na educação?

Muito se fala atualmente, sobretudo no meio empresarial, em responsabilidade social. Há quem sustenta que a empresa que não investe em projetos sociais e, também, que não divulga aos quatro cantos que o faz, não se sustentará no mercado em longo prazo. Deixando de lado questões de estratégia empresarial ou mesmo aspectos de marketing corporativo, é certo que não apenas as empresas, mas também o Poder Público e os cidadãos em geral devem se engajar em ações que proporcionem melhores condições de vida aos seus semelhantes. E, dentre as iniciativas possíveis, sobreleva-se em especial importância a educação.
Porém, quando se fala em investir na educação, mais particularmente na formação humana das pessoas, talvez um bloqueio que se coloca é o fato de muitas escolas serem religiosas, ou, mesmo sem serem confessionais, defenderem e se filiarem a determinadas concepções filosófico-religiosas. Teme-se que, ao se promover esta ou aquela instituição de ensino, estar-se-ia como que se “contaminando” com as suas idéias.
Penso, porém, que tais argumentos são falaciosos e, no mais das vezes, meras desculpas. De fato, uma escola batista, evangélica, católica ou espírita terá o ensino influenciado pelas convicções que as inspiram. Em todas elas, porém, e isso é o que importa, poderão se formar homens com sentido de responsabilidade, que busquem o sucesso pessoal, mas que o façam de forma equilibrada, com respeito ao meio ambiente e aos demais cidadãos. Em suma, seja ensinado que não se vence na vida pisando nos demais, mas servindo-os. E isso extrapola qualquer limite que possa impor um dado credo religioso. E é nisso que o Poder Público, as empresas e os cidadãos em geral deveriam se engajar: em proporcionar uma educação que promova, acima de qualquer outro valor, o da dignidade humana.
Conheço algumas instituições de ensino que desenvolvem trabalhos de formação para os pais, professores e alunos. E dentre as iniciativas que compõem o projeto, duas delas são de especial importância. Chamam-nas de preceptorias e tutorias. Preceptorias são um trabalho constante que exige reuniões periódicas entre os professores e os pais, individualmente, no qual se conversa sobre o filho (ou aluno), expõem-se os pontos positivos, as suas qualidades e virtudes e também se procuram algo em que poderiam melhorar. A partir daí se traçam propósitos bem concretos, como guardar os sapatos, esmerar-se na lição de casa ou se esforçar por dizer “obrigado”, que passam a ser estimulados pelos pais em casa e pelos professores na escola. Os resultados são fantásticos.
As tutorias consistem no simples fato de cada aluno da instituição ter um tutor. Esse, na medida do possível escolhido pelo próprio aluno, é um professor ou coordenador, enfim, alguém ligado à escola com quem tenha afinidade. E ele será para o aluno o seu amigo de confiança, alguém que esteja disposto a ouvi-lo e compreendê-lo para poder ajudá-lo. Isso é feito com toda discrição, de modo a resguardar a intimidade. E também os professores e funcionários da escola têm os seus tutores, com a mesma finalidade de ser alguém disposto a ouvi-los e ajudá-los nos problemas pessoais e, com isso, crescerem como pessoas.

A idéia parece utópica, mas não é; funciona. Penso que idéias como essa poderiam ser desenvolvidas e fomentadas. Chamem-nas como quiserem, o que importa é que cada aluno, que cada ser humano seja tratado como único e irrepetível. Que se saiba que mais importante que aprender matemática, física ou língua portuguesa, ainda que isso seja essencial, o que verdadeiramente importa é que sejam felizes. E para isso devem ser tratados como seres humanos, que sofrem, que choram, que têm dúvidas, medos, traumas, e que nisso tudo sejam compreendidos e amparados. Em suma, que se lhes dê um sentido para suas vidas.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Pai X Mãe

Um dia desses presenciei uma cena interessante. Um amigo chegava à casa do trabalho e seus dois filhos o aguardavam na porta. Ao entrar, as crianças iniciaram uma lista de reclamações contra a mãe. É que ela os havia proibido de assistir ao jogo da seleção brasileira de futebol. Os argumentos dos garotos me pareciam razoáveis, por isso fiquei curioso para ver o que o pai faria. Após ouvi-los por uns instantes, como estavam exaltados, disse-lhes em tom firme e sereno: “Esperem um pouco! Eu não sou um tribunal de apelação das decisões da mamãe. Nós decidimos as coisas juntos. Se ela disse que não assistirão mais TV hoje, deve haver um motivo razoável e eu não vou mudar a decisão dela”. Episódios como esses são relativamente comuns nas famílias. Porém, será que essa atitude sábia do pai é tão freqüente como deveria ser?
Os filhos costumam descobrir desde muito cedo que colocar o pai contra a mãe é uma estratégia eficaz para conseguir o que querem. Com efeito, se sabem que o pai ou a mãe é mais condescendente, após sofrer um castigo, ou mesmo receber um não a um pedido, sabem o jeitinho de fazer com que o outro volte atrás da decisão. E se os pais são separados então a estratégia costuma ser muitíssimo mais eficaz.
Paradoxalmente, porém, ainda que os filhos usem desse expediente, no fundo eles esperam ardentemente que pai e mãe sejam coerentes e ajam em sintonia em relação a eles. É que isso lhes dá segurança sobre o que é certo ou errado, bom ou mau. No exemplo que citei acima, a primeira reação do filho mais velho foi dizer com ar de derrota: “deixa pra lá, ele também não vai deixar a gente assistir...”, e saiu cabisbaixo e se arrastando. Porém, poucos minutos após, ambos estavam muito contentes. E, apesar do castigo, foram para a cama alegres e serenos.
Penso que pai e mãe deveriam ter essa regra essencial na educação, ainda que custe muito: jamais contrariar o outro diante dos filhos. É muito mais prejudicial aos filhos o desentendimento dos pais sobre a sua educação do que uma injustiça que eventualmente um venha a cometer. Além disso, se o pai ou a mãe forem injustos em alguma situação, o próprio autor da injustiça poderá retificar depois, inclusive pedindo perdão.
É evidente que pai e mãe não estarão sempre de acordo em relação a todos os assuntos, nem mesmo os referentes aos filhos. Cada um veio de uma família diferente, com costumes diferentes. Por vezes na família dele se dá pouca importância para as datas, ao passo que na dele esquecer o aniversário de namoro é uma falta gravíssima. Assim, é natural que haja divergências. Porém, o casal há de se esforçar por decidir e, se necessário brigar, mas longe dos filhos. Aliás, também é absolutamente normal e saudável que haja desentendimentos e até pequenas brigas. Porém, após discutirem, um tem de ceder, e é muito bom que não seja sempre o mesmo que cede. Mas depois de tomada a decisão, deve ela ser comunicada aos filhos como sendo dos dois. E aquele que soube ceder não pode assumir uma postura agourenta, que fica esperando que dê errado para colocar o dedo no nariz do outro e dizer: “não falei? Se tivesse me ouvido...”. Tomada a decisão, ela é do casal, aconteça o que acontecer.

Certa vez ouvi um orientador familiar dizer que a família pode ser comparada com uma carroça puxada por dois animais. É claro que toda comparação é imperfeita, explicou ele, e pai e mãe não são na família simples “burros de carga” a transportar os filhos comodamente numa charrete. Mas, sob certo aspecto, a comparação pode ser útil. É que se ambos andarem alinhados, lado a lado, a viagem será tranqüila e, no seu ritmo, chegarão ao destino. Porém, se um se puser a querer puxar cada um em sentidos diferentes, é provável que não saiam do lugar, ou botem tudo a perder. E se um abandonar o seu posto, o outro terá de levar tudo sozinho. Ocorre que essa “carroça” foi projetada para ser puxada a dois, de modo que somente a duras penas um a consegue levá-la sozinho.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

O legado do Ministro

Faleceu na última terça-feira, dia 1º de setembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Alberto Menezes Direito. Penso que na vida desse grande homem podemos tirar bons exemplos a serem seguidos pelos juízes e também por todos os cidadãos que buscam sinceramente o bem e a verdade em suas vidas.
Nas notícias que permearam a sua morte, Menezes Direito foi tido como austero, pois “fazia questão que o interlocutor seguisse à risca etiquetas e costumes da toga, paletó corretamente abotoado, inclusive”. Mas será que há algo de incorreto em trajar-se de forma adequada para cada circunstância? Alguém gostaria de participar de uma audiência em que o juiz estivesse de bermudão de praia, camiseta e chinelo de dedo?
Penso que a vestimenta característica de cada profissão não pode implicar uma espécie de estratificação que leva alguém a se considerar superior ao outro. Com efeito, debaixo da toga de um magistrado, da batina de um sacerdote ou do capacete de um operário, há pessoas absolutamente iguais quanto à dignidade que emana da condição de pessoa humana. Tanto menos pode isso servir de argumento a eternizar a impiedosa concentração de renda e a injusta diferença de remuneração entre as várias profissões, o que muito envergonha a nossa sociedade. Mas o fato de todos serem iguais em dignidade e merecedores de uma justa remuneração pelo seu trabalho não impede que cada qual se porte e aja de forma coerente com a missão que lhe cabe na sociedade.
Quando foi sabatinado no Senado Federal, a quem cabe aprovar a indicação do Presidente da República para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, Menezes Direito já nos deixou uma importante lição que merece ser meditada. Indagada a sua posição em relação a tópicos em que direito e religião poderiam entrar em confronto, como, por exemplo, o aborto e o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas, ele respondeu: “Um juiz não discute sua fé no cumprimento da lei. Quero reafirmar que sou intransigentemente um defensor da vida, acompanhando a minha fé católica, mas, como juiz, jamais deixarei de cumprir uma lei que o Parlamento do meu país editar”.
Por certo, como grande homem que era, sabia que sua atuação na Suprema Corte não colocaria em confronto a sua consciência com o cumprimento da Constituição Federal. Afinal, ele jurava cumprir uma norma em cujos princípios fundamentais está em posição de destaque o direito à vida (artigo 5º). Deixa claro também em sua manifestação que não há incompatibilidade entre a fé e o exercício de um cargo público num Estado laico. Tampouco é necessário que o magistrado, o parlamentar ou outro profissional qualquer deixe suas convicções de lado ao exercer sua profissão, numa espécie de vida dupla, que os leva a abandonar a sua fé do lado de fora da repartição onde trabalha, tal como antigamente se dependuravam junto à porta de entrada os chapéus.
Bem ao contrário, um juiz que é católico, ou protestante, ou adepto de outra religião, o será vinte e quatro horas por dia. O que não o autoriza a substituir a Constituição e as leis pela Bíblia no ato de decidir. Mas é evidente que suas convicções influem na forma com que interpretam a lei e julgam os casos, assim como o ateu e o agnóstico são fortemente influenciados pelas suas. Aliás, penso que também esses não estão autorizados a substituir a Constituição ou as leis por teorias de Karl Marx ou Richard Dawkins no ato de julgar.

Uma frase do Ministro se tornou célebre por ocasião da votação do caso das pesquisas com as células-tronco embrionárias: “Se pelo bem praticamos o mal, se para salvar uma vida tiramos outra, sem salvação ficará o homem”. Penso que esse é o maior legado que o Ministro da nossa Corte Suprema nos deixou. Que o Presidente Lula, que o indicou para o cargo, saiba escolher outro jurista que esteja à altura da grande perda que a sua morte representa para a nossa Justiça.