segunda-feira, 28 de junho de 2010

Amar o mundo apaixonadamente

No dia 26 de junho a Igreja Católica celebra a festa de São Josemaria Escrivá, fundador do Opus Dei. O centro de sua mensagem é que o trabalho profissional e os demais afazeres cotidianos são caminho de santidade para o homem e a mulher. Ele mesmo o resumiu numa homilia, conhecida como Amar o Mundo Apaixonadamente, proferida durante a celebração da Missa no campus da Universidade de Navarra, em 8.10.1967. Um livro com essa homilia, comentada pelo Prof. Pedro Rodríguez, está sendo lançado no Brasil. Penso que vivendo seus ensinamentos podemos construir um mundo melhor, mais humano, independentemente da fé e da religião de quem os segue.
São Josemaria sustentava que todos nós estamos chamados a ser santos. Essa frase choca enormemente com o que se pensa e cultua no mundo moderno. Talvez o espanto inicial decorra do que entendemos como santidade. Santo é, essencialmente, aquele que está junto de Deus. Isso se alcança em plenitude na outra vida, porém, começa desde já numa luta por estar próximo dEle, luta que se trava nos acontecimentos mais concretos de nosso dia-a-dia.
Ao se propor esse ideal de vida, os que anelam por uma felicidade intensa e duradoura talvez façam, bem intencionados, algumas indagações: mas não seria isso utópico? Se não é, concretamente onde e como há de se travar essa luta pela santidade?
“É no meio das coisas mais materiais da terra que nós devemos santificar-nos, servindo a Deus e a todos os homens”, prega São Josemaria. Um primeiro equívoco que temos de nos desvencilhar é considerar a Deus como um Ser longínquo e caprichoso, que nos criou com um desejo de felicidade, mas nos relega à própria sorte, quiçá observando-nos, com um ar indiferente e irônico, enquanto subimos uma íngreme encosta. A filiação divina é a forma cristã de encarar as relações de Deus com o homem e o mundo. Deus é Pai e quer ser Pai para cada um de nós. Com amor de Pai e de Mãe interessa-se por seus filhos e anseia intensamente que encontremos a felicidade. Mais ainda, dispõe tudo para que a encontremos, mas mantém um inabalável respeito pela liberdade de cada um.
O mundo todo é o lugar e a ocasião desta santidade. Trata-se de um erro recorrente na história humana, que hoje assume feições bem características, pensar que o encontro com Deus se dá em locais especiais e em raros momentos, quando se participa do culto ou se comparece perante uma assembléia de fiéis, por exemplo. E tudo o mais na vida: trabalho, vida familiar, relações de amizade e mesmo atuação na vida pública não teria espaço para Deus e para o diálogo com Ele. Porém, não há de ser assim. Onde quer que nos movamos podemos encontrá-Lo, se em tudo o que fazemos buscamos agradá-Lo por amor.
E como o conseguiremos? Penso que a resposta vem clara nos Evangelhos: “Se alguém diz que ama a Deus, a quem não vê e não ama ao próximo a quem vê é um mentiroso”. Com isso, o ideal de santidade deixa de ser remoto para assumir contornos bem reais e concretos. Trata-se de buscar fazer bem tudo, e nos deveres, nos compromissos diários, em cada pequena ação, fazer o bem aos outros, servindo-o por amor a Deus. Tudo o que fazemos transforma-se assim em oração, diálogo com Deus, vale dizer, é caminho de santidade.
Essa consideração nos remete para outra, a unidade de vida. Não podemos ter uma máscara que colocamos quando chegamos ao local de trabalho, outra para usar no culto religioso e outra para vestir com os amigos. Respeitando a forma peculiar de se portar exigida em cada ambiente, em todos eles somos nós mesmos, sempre com as mesmas convicções, que nos levam a agir segundo o que acreditamos. “Não, meus filhos! Não pode haver uma vida dupla, não podemos ser como esquizofrênicos, se queremos ser cristãos. Há uma única vida, feita de carne e espírito, e essa é a que tem de ser – na alma e no corpo – santa e plena de Deus. Esse Deus invisível, nós O encontramos nas coisas mais visíveis e materiais”, diz S. Josemaria.
Conceber a vida como uma luta por alcançar a santidade pode dar a impressão que requer renúncia a todas as coisas boas deste mundo e faz da vida um árduo e infeliz caminhar, suportando tudo apenas em função de uma felicidade longínqua e incerta numa outra vida. Para quem experimenta trilhar esse caminho, porém, acontece exatamente o contrário. A felicidade a que tanto ansiamos inunda o caminhar, de tal forma que já a alcançamos por antecipação. Numa palavra, o caminho do céu é um céu.

“Na linha do horizonte, meus filhos, parecem unir-se o céu e a terra. Mas não: onde de verdade se juntam é no coração, quando se vive santamente a vida diária”, diz poeticamente São Josemaria.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Fatos, problemas e soluções

- Você é a culpada de nossa filha estar indo tão mal da escola! Parece que só pensa na limpeza da casa e se esquece de todos nós! – diz um pai em meio a uma discussão com a esposa.
- A, é!? – Retruca ela. – Não sou eu que chego todo dia tarde a casa e, com a desculpa de estar cansado, nem se preocupa em saber como foi o dia dela ... e tanto menos o meu. A propósito, será que eu existo para você? Eu dou um duro danado para tentar manter esta casa em ordem e você nem reconhece o meu esforço.
Alguém já viu esse filme? Ou, ainda que com contornos diferentes, o mesmo tipo de discussão? Mas será essa a maneira mais eficaz de se enfrentar a questão do mau rendimento escolar da filha? Será que desse jeito se resolve algum problema familiar?
Sempre que se aventura a estudar soluções para as crises conjugais, alguém solta a velha afirmação: “o importante é o diálogo”. De fato, isso é imprescindível para qualquer relacionamento humano, sobretudo o conjugal. Porém, a conversa em si não basta. Deve-se cuidar da qualidade da comunicação e, principalmente, que dela se advenham soluções e ações concretas que mudem a situação, transformando as pessoas envolvidas.
O primeiro desafio do pai e da mãe que se veem diante de uma situação indesejável em relação aos filhos ou ao próprio relacionamento conjugal é identificar, com objetividade, os fatos. No caso proposto, por exemplo, hão de se indagar: “o que aconteceu?”, “quais foram as suas notas neste ano?”, “qual é o motivo disso?”, “quantas horas por dia passa diante do computador? Fazendo o quê?”.
Uma vez identificados os fatos, numa conversa serena e respeitosa, o segundo passo é apontar os problemas. Trata-se de investigar a fundo as causas da situação indesejada. Por exemplo, passar várias horas por dia no msn, para um adolescente com mau rendimento escolar, pode ser objetivamente um problema. Deixar de estudar um determinado número de horas também o é. Em relação ao casal, é também um enorme problema o fato de estarem discutindo diante dos filhos. E pai e mãe precisam ter a valentia de tratarem desse assunto com maturidade, com a abertura necessária para reconhecerem os próprios erros e, mais que isso, que haja uma sincera disposição de lutar por serem melhores.
Um aspecto importante na identificação dos problemas, é que não precisa haver consenso entre o pai e a mãe, o que não acontece com os fatos. O fato é algo certo, objetivo, que aconteceu ou não. Por exemplo, tirar 3,5 em uma prova é um fato. Já o que se identifica como um problema pode ser encarado de forma diferente. Pode ocorrer que o pai entenda que deixar a TV ligada o dia todo não seja um problema e para a mãe o seja. Nesse caso, mesmo que não se concorde, deverá haver o esforço por se analisar sob o ponto de vista do outro e, com isso, aceitar buscar uma solução em conjunto.
Por fim, identificados os problemas, hão de ser buscadas soluções concretas. No caso proposto, por exemplo: conversar com a filha e propor um horário de estudo com o computador desligado; em casos mais graves, acertar que não se terá regalias, como sair com as amigas ou passear no sábado, sem que se cumpra com mais afinco um plano de estudos. Quanto ao próprio problema do casal, mencionado na discussão acima, pode-se combinar que o marido se interesse mais pelas coisas da esposa, que lhe seja mais atencioso; e ela, que seja menos “estressada” com as coisas da casa e saiba também compreender o cansaço do marido. E, uma vez propostas as soluções, cada um deve se esforçar para colocar em prática esses propósitos.

A harmonia no lar depende de pequenos detalhes de carinho, de atenção, de saber relevar e que são cuidados, ou descuidados, no dia-a-dia. No entanto, as faltas disso, ou seja, os problemas, nem sempre são constatados facilmente. Por isso, é mesmo imprescindível o diálogo. Mas não se trata de qualquer diálogo, mas sim de uma troca de informações que gere propósitos de melhora para todos os membros da família.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Virtude faz bem à saúde

Na edição do último dia 14 de junho, o Correio Popular trouxe a notícia de que a obesidade atinge 64 mil crianças e adolescentes de Campinas. Segundo estudo realizado, um em cada quatro na faixa de 2 a 18 anos está acima do peso. Esse índice é preocupante e a questão deve mesmo orientar políticas públicas na área de saúde e alimentação. Mas será que o problema se resolve apenas perdendo alguns quilos?
Muitas vezes a causa da obesidade já começa numa alimentação inadequada na primeira infância. É que muitas mães e pais confundem criança saudável com criança gordinha. E, com isso, esforçam-se por enfiar goela abaixo sempre uma colher de papinha a mais. O objetivo de uma boa refeição passa a ser não o suficiente para saciar a criança, mas esvaziar o prato que a mãe ou a vovó fizeram. Com isso, o relógio de saciedade fica “mal programado” e, desde cedo, aprende-se a comer a mais e sem fome.
Mas a situação se complica com certos hábitos que se permite quando ficam maiores. É que em muitas casas os filhos comem a qualquer hora e, pior, diante da TV. Com isso, o problema não é apenas de saúde, mas atinge o próprio relacionamento familiar. É que a refeição pode e deve ser um momento de convivência e de congregação da família.
Além disso, devemos educar os filhos para fazer a alimentação em horários certo. E se alguém não quiser almoçar, por mero capricho ou outro motivo que não seja doença, os pais devem ser firmes em dizer que somente irá se alimentar na próxima refeição (lanche da tarde, p. ex.). Com isso, mais que cuidar da saúde corporal, fomenta-se a virtude da fortaleza. É treinando não comer um chocolate fora de hora que eles serão fortes o suficiente para não aceitar um cigarro de maconha, por exemplo.
Quanto aos adolescentes, além dos hábitos alimentares inadequados, é também freqüente passarem horas “esparramados” no sofá ou no chão diante da TV. Também não é bom para a saúde. E isso não apenas pelo sedentarismo em si. Ao ficar deitado, treina-se a não fazer nada. Crescem totalmente desacostumados a qualquer esforço. E o resultado é o que se observam todos os dias: fogem de tudo o que significa algum sacrifício, incapazes até de manter uma postura adequada durante as aulas.
É evidente que há casos de obesidade patológica, que devem ser tratados por profissionais competentes. Mas em grande parte, contudo, o problema não é apenas de excesso de alimentação, mas de uma educação pouco exigente, que esquece a importância de se fomentar as virtudes nos filhos e nos alunos.
A virtude nada mais é que um hábito bom, adquirido pela reiteração de ações. Por exemplo, quando se opta por dizer a verdade, mesmo em situações difíceis, talvez isso custe num primeiro momento. Porém, com a repetição dessas ações elas se tornarão pouco a pouco mais fáceis, de modo que o contrário (mentir) é que se tornará uma tarefa custosa. Quando isso acontece, pode se dizer que se adquiriu a virtude da veracidade. O mesmo ocorre com um vício, ou seja, a reiteração de más ações (gritar ou xingar no trânsito, p.ex.), também pode se transformar num hábito ruim.
Portanto, mais que corrigir o problema da obesidade, há que se fomentar hábitos bons nos nossos filhos, pois esses são imprescindíveis para que se realizem como pessoas.

Ao se propor isso, talvez alguém possa pensar que transformaríamos nossa casa ou a escola numa espécie de destacamento militar. No entanto, não precisa ser assim. Exigimos dos nossos filhos ou alunos que tenham disciplina por amor, para que sejam fortes e um dia se transformem em homens e mulheres responsáveis e felizes, não por capricho ou outro motivo qualquer. Um grande desafio do educador é fazer da casa, um lar e da escola, um ambiente de aprendizado sadio. Não se pode ter nem a moleza de uma colônia de férias nem a frieza de um quartel. In medio virtus est, como diz o adágio. Encarada dessa forma, a virtude faz muito bem à saúde, tanto do corpo como da alma.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

A Religião e o Estado

Na última quinta-feira os cristãos católicos comemoraram a festa do Corpus Christi. Em todo o País foram celebradas Missas em espaços públicos, com grandes concentrações de pessoas, que também tomaram as ruas e praças em longas procissões, em que os fiéis manifestam publicamente a sua fé. Ao contemplarmos esses fatos, talvez possa surgir uma indagação: o feriado nacional ou a ocupação dos locais públicos para essa finalidade é possível num Estado laico?
De fato, a nossa Constituição Federal, em seu artigo 19, inciso I, institui o princípio da separação entre o Estado e as entidades religiosas. Com isso, o Poder Público não pode estabelecer cultos ou igrejas, sustentá-las com recursos públicos, como também não pode impedir que funcionem livremente. Evidentemente, se essas entidades prestam algum serviço público relevante, podem ser apoiadas pelos Estado, inclusive com recursos públicos. Por exemplo, imaginemos que uma comunidade espírita, ou evangélica, ou católica mantenham uma escola ou uma creche que atenda a crianças carentes. Nesse caso poderão receber verbas públicas para essa finalidade. Não poderão, contudo, usar dessa verba para manter seus ministros enquanto tal, nem para prover com as despesas do templo ou local de reuniões.
Aliás, para os cristãos, essa separação está também disposta na sua “Lei Maior” que são os Evangelhos: as autoridades mandaram alguns fariseus e alguns partidários de Herodes, para apanharem Jesus em alguma palavra. Quando chegaram, disseram a Jesus: “Mestre, sabemos que tu és verdadeiro, e não dás preferência a ninguém. Com efeito, tu não olhas para as aparências do homem, mas ensinas, com verdade, o caminho de Deus. Dize-nos: É lícito ou não pagar o imposto a César? Devemos pagar ou não?” Jesus percebeu a hipocrisia deles, e respondeu: “Por que me tentais? Trazei-me uma moeda para que eu a veja”. Eles levaram a moeda, e Jesus perguntou: “De quem é a figura e inscrição que estão nessa moeda?” Eles responderam: “De César”. Então Jesus disse: "Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. E eles ficaram admirados com Jesus (Mc, 12, 13-17).
Com isso, estabelece-se as bases de uma verdadeira separação. O Estado não deve se intrometer nas entidades religiosas, e essas não devem intervir em questões temporais mutáveis e relativas.
Nesse sentido, penso que os líderes religiosos, ao ensinarem seus seguidores, podem legitimamente condenar ideologias que forem contrárias às suas convicções, ou mesmo orientar seus membros a agirem na vida pública e exercerem os direitos de cidadania de forma coerente com o que crêem. Não é legítimo, porém, que tenham partido oficial ou que apóiem abertamente esse ou aquele candidato, numa espécie de mensagem subliminar: “votem nele em nome de Deus”. Isso seria um abuso do poder religioso e é de se lamentar que a legislação eleitoral não proíba essa prática.
Estado laico não se confunde, contudo, com um ateísmo imposto nem implica que a religiosidade deva estar trancafiada na esfera estritamente privada, como se os cristãos devessem voltar às catacumbas, por exemplo. Manifestar publicamente a fé é um direito natural e o Estado, sem firmar vínculo com nenhum dos credos, deve facilitar e promover essas iniciativas, na medida em que promovam a dignidade da pessoa humana.

Não há qualquer ofensa aos princípios constitucionais que se permita que se monte provisoriamente numa praça pública uma feira do livro espírita, que uma comunidade evangélica faça uma encenação numa praça ou que os católicos lotem as ruas em procissão. São legítimas manifestações públicas da fé de um povo que podem ser facilitadas pelo Poder Público, conquanto que sejam pacíficas, respeitem os que pensam diferente e, acima de tudo, que estejam a serviço da construção de um mundo mais humano, onde reine a justiça e a paz para todos.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O Crucifixo nas Repartições Públicas

O crucifixo nas repartições públicas, seria uma violação disso, ofendendo as convicções de outros credos?
Não. Para os cristãos é Deus e como tal deve ser venerado em qualquer lugar. Mas é também, para cristãos e não cristãos, um Homem. E é comum se colocar em locais públicos estátuas e homenagens de personalidades históricas, para honrá-la, animando as pessoas a animá-las a lutar por um mundo melhor, a exemplo do que fizeram esses heróis homenageados.
Esse Homem, de inquestionável e existência histórica, preenche os atributos para estar em muitos locais públicos. Numa sala de audiências de um Tribunal, por exemplo, pode servir para lembrar aos juízes que o juiz que o julgou o fez movido apenas pelo clamor pessoal e não pelo que dizia a sua consciência, e então se animem a cumprir a lei e a sua consciência mesmo quando isso implicar ser impopular ou tomar decisões “politicamente incorretas”. Servirá, também num Tribunal, para alertar aos advogados que ele foi condenado sem defesa, e então se animem a defender melhor seus clientes. Poderá, ainda, para lembrar aos acusadores (Ministério Público, p. ex.) que os seus acusadores agiam movidos pelo rancor, inveja, afã de manter a posição social, e então se decidam a perseguir os criminosos por motivos mais nobres.
Se a imagem desse Homem for colocada numa escola, servirá de magnífico modelo aos professores, pois também Ele foi um Mestre magnífico, que com impressionante simplicidade soube tratar de assuntos complexos e ser entendido pelos mais simples, com a única condição de que tivessem boas disposições.
Se a colocarem num hospital, o exemplo fantástico desse Médico que curava muitos doentes. Mas o fazia com imensa caridade, fitando nos olhos o doente, tocando-o e, mais ainda, curando os males da alma, infinitamente piores que os males físicos.

Apesar de todas evidências, pode acontecer que se obriguem a retirar o Crucifixo das repartições públicas. Se isso acontecer, embora seja lamentável, não é próprio dos cristãos que fiquem perplexos ou atemorizados. Coloquemo-Lo então, mais vivamente nos corações, que é o único lugar em que Ele deseja verdadeiramente reinar.