Um dia desses apareceu um rato em casa. Nem é
necessário descrever a cena, pois todos podem imaginar a confusão que foi. Por
que será que as mulheres têm tanto pavor daquele bichinho? Para dizer a
verdade, também não fico nada à vontade diante deles. Peguei um rodo e saí à
caça, por puro amor próprio, ou melhor, para que não digam de mim que tenho
medo de rato. Porém, no fundo, torcia para que ele já tivesse ido embora, pois
não estava nada disposto a ter de enfrentar aquele pequeno invasor.
Passada a noite mal dormida, chamei uma empresa
especializada. Conversando com o profissional, ele me disse que não era só a
minha casa que teve o azar de receber tão indesejada visita. Explicou-me ele
que, com as chuvas mais intensas, eles saem dos esgotos inundados em busca de
comida e, como é inevitável, acabam por entrar nas casas.
Passados alguns dias, o “trauma” do rato já passou.
Porém, pude notar que outras visitas muito mais indesejáveis andavam por
invadir as casas em nossa cidade. Os jornais, diariamente, trazem notícias de
roubos cometidos em residências, quase todos da mesma forma: abordam o morador
que está entrando ou saindo de casa, entram armados, rendem as vítimas e depois
começam a revirar tudo. No fim, com o carro do próprio morador, saem carregados
de eletrodomésticos, jóias, dinheiro etc.
Conversando com um delegado de polícia sobre esse
assunto, ainda que não me tenha apontado a causa desse novo surto de roubos a
residências, forneceu-me ele alguns dados interessantes de serem pensados.
Depois de muito tempo trabalhando em plantões policiais, notou que nos dias de
calor intenso há um índice muito maior de roubos. É que - explicou ele –,
nesses dias, os bandidos que moram em favelas não conseguem dormir, pois essas
habitações são muito quentes, quando então saem para beber, consumir droga e
... roubar. Nos dias frios, ao contrário, cada um se vira lá como pode,
enrolando-se num jornal ou num cobertor velho, acabam por ficar nas suas
habitações, já que não são bons dias para o “ofício noturno”.
Não pretendo concluir que a pobreza e a miséria sejam
as causas exclusivas da violência. Aliás, tenho muito claras na memória as lições
do saudoso professor de Direito Penal da faculdade. Dizia ele que não se pode
dizer que o criminoso comete crimes porque é pobre ou porque mora em favelas.
Dizer isso é ser injusto com os pobres, pois esses, em sua maioria, levam uma
vida dura, com muito trabalho e muita miséria, mas nem por isso, enveredam para
o crime, ao contrário, levam uma vida muito mais honrada e honesta que muitos
que vivem abastados em bairros nobres da cidade. E penso que a observação do
querido mestre seja oportuna mesmo.
Por outro lado, no entanto, não se pode negar que a
miséria, a fome, a falta de trabalho e esperança contribuem muito para a
criminalidade.
Os incômodos gerados pelos ratos podem ser
controlados com venenos, ou nos cercando melhor para que não invadam nossas
casas. Mas, o que fazer quando os invasores são seres humanos compostos de
carne e osso, e, principalmente, de uma alma como a nossa?
Há quem pretenda fugir como se fogem dos ratos:
isolando nosso mundo do deles. E para isso se faz uma verdadeira corrida para
os “condomínios fechados”. Nesses, cada vez se fazem necessários mais
equipamentos sofisticados de segurança: guarita com controle rígido de entrada
e saída, ronda interna a todo instante, muro cada vez mais elevado e todo ele
recheado de cerca elétrica, câmeras de segurança, enfim, tudo que a tecnologia
nos proporciona para estarmos “bem seguros”.
Não penso que haja nada de errado em buscar tais
mecanismos de defesa, porém isso não resolve o problema. Antes, tende a
agravá-lo se serve de paliativo para não enfrentá-lo a fundo.
Manoel Bandeira, em seu poema “O Bicho” deixa
estampada a sua indignação com a triste sorte dos miseráveis de nosso tempo:
“Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os
detritos.
Quando
achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem”.
Talvez esteja aqui bem clara a razão de nossa
crescente insegurança. Os ratos, tratemo-los como ratos, e os homens, como
homens. Que sejam condenados e cumpram penas severas aqueles que cometem
atrocidades contra os semelhantes. Mas a todos, porém, que seja reconhecida a
mesma dignidade, aquela que ainda não chegou às muitas favelas de nossa cidade.
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