É impressionante contemplar como é forte, intensa e,
ao mesmo tempo, saudável a relação que se estabelece entre avós e netos. Não
sei o que se passa com o leitor, mas a mim sempre causou surpresa ver meus pais
fazendo pelos netos aquilo que jamais permitiram que eu fizesse.
Lembro-me dos anos de minha infância. Como as horas
passavam depressa enquanto ajudava minha avó a raspar o figo verde na palha de
arroz para fazer o doce que só ela, e nunca ninguém mais, soube fazer tão bem.
O meu avô esfregando açafrão em meus lábios quando fiquei acamado por vários
dias com sarampo, e como a preocupação comigo dava um tom mais grave às suas
rugas. Como dói agora sentir o sabor do queijo fresco que derretia no fogão à
lenha de minha avó, enquanto ela, sem pressa, escolhendo feijão, dizia-me:
“filho, aproveite bem a sua infância, pois um dia há de lembrar desse queijo
derretido, mas o tempo não volta de jeito nenhum”.
Mas, se, em regra, as relações entre avós e netos são
tão gostosas e saudáveis, o mesmo não ocorre entre avós e pais, que costuma ser
marcada pela tensão. E isso se manifesta, no mais das vezes, pela divergência a
respeito da educação a ser dada aos netos. É á avó que quer dar aquele chazinho
para cólica do bebê, que encontra forte resistência da mãe, que segue à risca o
conselho do pediatra. É o avô que dá doce ao neto meia hora antes do almoço,
contrariando as regras da casa dos pais. Enfim, cada um sabe quando e como
surgem as desavenças que têm como pivô da discórdia as diferenças de critérios
entre pais a avós na forma de tratar os assuntos familiares.
Penso que essa tensão possa se reduzir muito com
empenho e paciência de todos. Os pais poderiam ser um pouco mais humildes para
aceitar que os avôs têm mais experiência, de modo que o que dizem merece
crédito. E mesmo quando não concordam com os conselhos, hão de saber ouvir com
respeito as opiniões de quem, no fim das contas, mesmo quando atrapalham,
apenas querem ajudar.
Outro ponto de luta do casal é evitar que essa tensão
reflita no próprio relacionamento entre marido e esposa. É que há uma tendência
de a mulher despejar no marido as insatisfações que mantém com o sogro e com a
sogra, e de o marido fazer o mesmo com o pai e a mãe dela.
E também os avôs devem contribuir para ajudar o
relacionamento conjugal dos filhos. Ainda que os avôs tenham mais experiência,
devem se esforçar por não interferir demasiadamente na vida dos filhos, dando
conselhos apenas quando lhes for solicitado. Por vezes, será o caso de
aconselhar mesmo sem pedido, mas há que se ter um profundo respeito pela
liberdade dos filhos, considerando que é melhor deixar que aprendam errando do
que, com a sua interferência, causar desavenças capazes de atrapalhar a vida da
nova família que se formou. Afinal, é triste, mas quantos casamentos ruíram
porque não souberam repelir a injusta e indevida intromissão dos pais do marido
ou da esposa.
Os avôs podem contribuir muito para a formação dos
netos. Avôs e netos estão num mesmo ritmo de vida. Observemos como seria uma
mesma cena, ora com o avô, ora com o pai levando a criança à escola. O pequeno pára
a observar uma formiguinha no caminho. A reação do pai será mais ou menos do
tipo “vamos logo, entra na escola que o papai tem de ir trabalhar”. O avô, ao
contrário, pára, observa com o neto a formiguinha, se souber, dirá de que
espécie é, do que se alimenta, enfim, contribuirá para ampliar o universo da
criança, coisa que os pais, ante a preocupação da vida moderna, não terão tempo
ou paciência para fazer.
Convém, pois, que se estimule esse convívio saudável
e muitas vezes insubstituível para as crianças. E é muito importante que avós e
pais saibam manter um bom relacionamento para não permitir que as desavenças
retirem mais isso da vida das crianças, de modo que acabem por trocar aquela
pescaria com o vovô por algumas horas no vídeo-game
ou no computador.
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