O mundo recebeu com profunda
indignação a notícia da morte do jovem torcedor Kevin Beltrán, no estádio de
Oruro, na Bolívia, durante uma partida entre o Corinthians e o San José. As
reações, no início, de certo modo se voltaram indiscriminadamente contra a
torcida corintiana, convertida em cúmplice do homicídio. E, agora que um
adolescente assume a autoria do crime, parece que se busca ofuscar a sua
responsabilidade, como que diluída entre os integrantes da torcida uniformizada
que integra.
Penso que esse fato comporta
algumas considerações. É que se observa uma tendência de atacar a imagem de
instituições, públicas ou privadas, a partir de condutas negativas de seus
membros. E, por outro lado, atenua-se a
responsabilidade pessoal, atribuindo-a a um determinado grupo, associação,
instituição etc.
Podemos citar como exemplos casos
de corrupção de juízes, isolados e reduzidos, ao lado de um enorme contingente
de magistrados honestos e fieis cumpridores de sua função. Porém, algumas
reportagens e artigos levam a pensar que todos são corruptos, criando uma
imagem negativa da instituição.
É bem verdade que quando essas
instituições não conseguem punir adequadamente os maus integrantes, de certo
modo tornam-se coniventes com o erro. De qualquer sorte, porém, o crime
continua sendo pessoal, devendo os seus autores ser por eles responsabilizados.
Além disso, a punição dos maus
integrantes nem sempre é divulgada em todos os seus aspectos, numa espécie de
execração pública, inclusive porque a pena pode ter, também, a finalidade de
corrigir o que errou. Assim, uma desmedida violação da intimidade poderia
denegrir de maneira irreversível a honra daqueles que erraram e sofreram a
punição, mas que, ainda assim, têm o direito de se redimirem.
É certo, também, que há
instituições cuja finalidade explícita ou implícita é a prática de condutas
ilícitas. É exemplo típico disso os grupos terroristas. Nesse caso, os
atentados são de responsabilidade dos que os praticam, mas a entidade existe
para esse fim, de modo que todos os membros de certo modo assumem a sua parcela
de culpa.
Apesar disso, convém ressaltar
que a responsabilidade pelos atos ilícitos é sempre pessoal, precisamente porque
praticados por pessoas livres e, portanto, responsáveis por seus atos.
Curiosamente, ao mesmo tempo em
que se observa uma tendência para atribuir às instituições a responsabilidade
pelos atos ilícitos dos seus membros, há, por outro, uma pressão para colocar a
culpa nas “estruturas”, com isso atenuando a responsabilidade pessoal.
É inegável que o meio social e os
grupos influem na formação dos valores, exercendo também um papel relevante nas
escolhas e decisões. No entanto, no mais das vezes, salvo casos extremos,
mantém-se a liberdade de escolha entre a conduta correta e a ilícita, de modo
que subsiste, também, a responsabilidade como ato eminentemente pessoal, ainda
que as instituições, segundo determinados critérios jurídicos, também possam
ser responsabilizadas.
Ter bem claros esses conceitos é
fundamental para todo educador, em especial, os pais e professores. É que os
nossos filhos e alunos, sobretudo na adolescência, aderem muito fortemente aos
valores do grupo de que participam. E muitas vezes estão dispostos a contrariar
tudo o que aprenderam em casa e na escola para ser aceito na “gangue”.
Nessa situação, devemos explicar-lhes
eficazmente que, aderindo a determinadas associações (algumas torcidas
uniformizadas, p. ex.), poderão ser duplamente responsáveis por seus atos.
Primeiro por se expor ao risco de tomar parte num grupo que habitualmente
descumpre as regras de convivência. E, depois, tampouco poderão se eximir da
culpa pelo mau comportamento para atribuí-la exclusivamente à entidade a que
livremente se associaram.
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