Depois de alguns
anos vivenciando diariamente situações de litígios, adquire-se certa percepção
para identificar os casos em que o risco de injustiça é maior. E tal se dá
naquelas situações em que a prova dos fatos é mais difícil ou mesmo impossível.
E se essa dificuldade de apuração vier aliada a uma má disposição dos
envolvidos em dizer a verdade – ou, pior ainda, se atuarem com o propósito
deliberado de mentir – então chegar a uma solução justa passa a ser uma missão
verdadeiramente difícil.
Justiça é
essencialmente uma virtude que nos move a dar a cada um o que lhe é devido. E
cada ser humano nasce com um direito inalienável e irrenunciável de ser amado
pelos seus pais. Mais ainda. Todas as pessoas nascem com o direito de que seus
pais se amem entre si.
Eis, portanto, o
grande drama de todo litígio envolvendo questões familiares: a solução justa é
impossível de ser alcançada no processo judicial. Imaginem o dispositivo (parte
final) de uma sentença assim lançado: “Ante o exposto, condeno o autor a amar a
ré e a ré a amar o autor, bem como que ambos e conjuntamente amem, eduquem e
cuidem dos seus filhos sob um mesmo teto, onde haverão de construir um lar
luminoso e alegre. Intimem-se e cumpra-se”. Haveria como fazê-la cumprir?
E então o
processo judicial, nessas questões, converte-se numa busca árdua e muitas vezes
infrutífera de se encontrar em cada caso e a cada momento o mal menor.
Estabelece-se quem terá a guarda, ou se essa será compartilhada, quando
desfrutarão do convívio do pai e da mãe, quando se pagará por mês para o
sustento etc.
É inegável que
há situações extremamente patológicas, como quando um dos pais envereda para a
criminalidade, inclusive contra os filhos, quando então se haverá mesmo de
perder o poder familiar. Nessas situações, deverá o Estado cuidar para que o
outro genitor possa ter o convívio e educar com tranquilidade os filhos. Em
outros casos, quando pai e mãe não puderem exercer a paternidade e a
maternidade, então a adoção deve ser providenciada com agilidade e segurança.
Mas afora esses
casos extremos, o grande número de litígios de família se dá entre pessoas
normais. E nesses, muitas vezes a reconciliação do casal se mostra inviável.
Nem por isso, contudo, será impossível fazer justiça. Mas essa, em sua
plenitude, está exclusivamente nas mãos dos próprios pais e não do Poder
Judiciário. Trata-se de cuidar para que o amor entre eles, embora não possa
mais ser de natureza conjugal, com todas as suas consequências, ao menos os
levem a recuperar o apreço um pelo outro.
O apreço é mais
que o simples respeito. Muito mais que não falar mal do outro diante do filho.
Alcança-se com o esforço perseverante para ver no outro as suas qualidades.
Trata-se, também, de procurar com fortaleza e perseverança o perdão. Mais
ainda, a agir com misericórdia quando os defeitos do outro – muitas vezes
graves e evidentes – não possam ser ignorados.
Um orientador
familiar me contou uma experiência interessante. Sugeriu a um pai divorciado
que, quando estivesse na companhia do filho, se esforçasse para dizer ao menos
uma qualidade da mãe, bem como a recordar-lhe algum bom momento que passaram
juntos. Ele colocou o conselho em prática. E aconteceu que o garoto contou isso
à mãe, que se derreteu em prantos e elogios ao pai. Não houve, naquele caso,
uma reconciliação de modo a voltarem a viver como marido e mulher. Mas
recuperou-se o respeito e o apreço entre os pais. E o apreço é o vizinho mais
próximo do amor verdadeiramente conjugal. Em suma, fez-se justiça naquela
família, no sentido mais pleno da palavra.
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