segunda-feira, 8 de março de 2010

Estado forte

O Presidente Lula e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, têm defendido a consolidação de um Estado forte. Não pretendemos, neste espaço, manifestar opção por qualquer corrente político-ideológica, mas penso que essa questão necessita ser bem debatida pela sociedade. Com efeito, o que se entende por esse Estado forte? Qual será o seu perfil? E, mais ainda, qual é o nível de ingerência que esse modelo pretende ter nas entidades civis, nas famílias e nas consciências dos cidadãos?
Um Estado-forte será uma entidade assistencialista que tem de manter uma carga tributária sufocante para sustentar bolsa disso, bolsa daquilo, cestas básicas etc.? Com efeito, através de diversos programas, o Governo concede rendas extras que soam como presentes de uma espécie de paizão. No entanto, esse modelo assistencialista fomenta a ociosidade e a dependência de parcelas significativas da população, gerando um círculo vicioso difícil de ser rompido.
Lembro-me de que há anos atrás, quando eu ainda era um estudante de direito, ouvia com gosto o então candidato a Presidente, que naquela oportunidade saiu derrotado, pregar com a emotividade e força de convencimento que lhe é própria, que gostaria que todo trabalhador tivesse o direito de comer o seu bife acebolado. No entanto, pensei que ele estivesse a pregar que esse trabalhador pudesse comprar o bife com o fruto de seu trabalho, e não que esse lhe fosse doado pelo Governo. E a diferença é substancial. Quando o homem tem uma remuneração justa, promove-se a sua dignidade, pois o seu salário lhe é creditado a título de justiça. Quando, ao contrário, vive à base de cestas básicas, no fundo se mina a auto-estima e a própria dignidade do ser humano, ainda que ele próprio concorde com isso.
Em outro aspecto da questão, notamos hoje em dia um fervilhar de iniciativas de pessoas que se unem para promover o bem do próximo desinteressadamente. São comunidades espíritas que se dedicam a cuidar de crianças carentes, entidades evangélicas que mantêm escolas, creches, hospitais, ou ainda associações católicas que promovem a reinserção social de moradores de rua. Um Estado forte viria a promover essas entidades ou elas não seriam mais necessárias?
Penso que o Estado não deve se intrometer em todas as atividades em que há outros capazes de fazer, em todos e quaisquer campos. Mais ainda, é melhor que o Estado incentive e proteja tais iniciativas, fomentando o surgimento de novas, a partir da liberdade e responsabilidade das pessoas e da capacidade de associação e organização destas para promover o bem comum. E como a célula básica e fundamental da sociedade é a família, só tem legitimidade um Estado que proteja a família.
Até que ponto esse Estado forte se julgará no direito de ingerir nas associações e noutras instituições privadas, nas famílias e, em última análise, nas consciências das pessoas? Poderá exigir de uma entidade que cuida de pacientes portadores do vírus HIV que distribua preservativos, ainda que isso seja contrário à convicção de seus membros e àquilo que prega e ensina? Poderá exigir que um hospital privado, ainda que subvencionado por recursos públicos, faça o aborto naquelas situações em que a lei não considera crime? Poderá exigir de uma escola privada católica, evangélica ou islamita que distribua cartilhas editadas com verbas públicas e que, a pretexto prevenir doenças, façam verdadeira apologia ao sexo sem qualquer responsabilidade?

Penso que mais que debater sobre o tamanho do Estado, devemos nos ocupar sobre o que deverá ou não deverá fazer o Leviatã. E, de mais a mais, não há maior demonstração de força do que servir, com profundo respeito à dignidade da pessoa humana e à liberdade das consciências.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Um novo feminismo

Recentemente a mídia noticiou que a campanha da cerveja Devassa Bem Loura, do Grupo Schincariol, estrelada pela socialite Paris Hilton, acabou na mira do Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária (Conar), depois de o órgão ter recebido denúncias. Um dos processos foi movido pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que considerou o conteúdo do site “sexista” e desrespeitoso à mulher.
Quando analisamos a situação da mulher na sociedade, e que foi o fator desencadeante do movimento feminista, vemo-la num passado não muito longínquo na condição de inferioridade jurídica e de fato em relação ao homem. Até 1.932 elas não tinham direito ao voto. O Código Civil de 1.916 a tratava como relativamente incapaz, ou seja, dependente do marido para a prática de qualquer ato da vida civil.
Muito se evoluiu e a mulher desfruta hoje de uma verdadeira igualdade jurídica. Em nosso País elas ocupam cargos importantes tanto na iniciativa privada quanto na Administração Pública, e o fazem com muita competência.
Na prática, porém, a implementação dessa igualdade jurídica pode ensejar distorções que vêm em detrimento da própria mulher. É que muitas vezes se ignora que ela é essencialmente diferente do homem. Não é que seja superior nem inferior, mas diferente. E a verdadeira igualdade jurídica deve considerar essa natural diversidade.
São muitos os aspectos que marcam essa diversidade, mas podemos tomar um, apenas a título de ilustração. O homem tem uma tendência natural de proteção à mulher. Ela, ainda que não admita ou não se dê conta disso, gosta de ser protegida. Por sua vez, a mulher tem uma forte vocação de cuidar. Tanto que é ela, no mais das vezes, quem passa as noites ao lado do filho doente. Diante disso, ainda que em pleno século XXI, não há nada de machista em pensar que o marido deve proteger a esposa. Pouco importa que ela seja a presidente de uma importante instituição e ele um simples funcionário de uma repartição. Na relação conjugal, ela quer ser protegida e ele necessita de exercer o papel de protetor. Isso não é colocá-la em situação de inferioridade, nem de superioridade, mas de diferença e que exatamente por isso se complementam.
Outra diferença marcante está no próprio relacionamento sexual. Em regra o homem se prepara para o ato sem maiores rodeios, ao passo que a mulher, também salvo exceções, precisa de uma preparação maior, de se criar um clima propício etc. Nesse contexto, esses comerciais que colocam mulheres insinuantes e prontas para serem “consumidas” com a mesma facilidade e prontidão que o produto anunciado, no fundo, colocam-na na degradante condição de mero objeto de um prazer machista.
Também a moda, no mais das vezes criada por homens, forçam-na a exercer esse mesmo papel. Com efeito, as roupas provocantes e que estimulam a sensualidade nada mais são do que uma espécie de escravidão: “ou eu sou atraente – para os homens – ou não sou mulher de verdade”, dizem-na a todo tempo, ainda que subliminarmente.  Mas estará a mulher de nosso tempo verdadeiramente satisfeita com essa condição a que foi reduzida?

Temos de levantar a bandeira de um novo feminismo que promova a dignidade da mulher. Que reconheça que ocupa um papel importantíssimo na condução da sociedade, inclusive naquele em que será sempre insubstituível: a maternidade. Que não tenha receio de dizer que a mulher gosta de ser protegida, mas, sobretudo, que diga bem claramente que não é nem nunca foi um mero objeto de consumo. Ao contrário, na relação com o homem precisa ser amada de verdade. E o amor não se esvai ao sabor de uma cerveja, mas edifica-se tanto mais quanto mais a ele se entrega a cada dia incondicionalmente.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Premiar o esforço

Recentemente tivemos a notícia de que o Presidente Lula e a Associação dos Campeões Mundiais do Brasil estariam negociando a aposentadoria e indenização para os atletas da seleção que ganharam Copas do Mundo. Comentando o tema, TOSTÃO, ex-jogador de futebol, comentarista esportivo, escritor e médico, dentre outras considerações, disse:
Na semana passada, ao chegar de férias, soube, sem ainda saber detalhes, que o governo federal vai premiar, com um pouco mais de R$ 400 mil, cada um dos campeões do mundo, pelo Brasil, em todas as Copas. Não há razão para isso. Podem tirar meu nome da lista, mesmo sabendo que preciso trabalhar durante anos para ganhar essa quantia. O governo não pode distribuir dinheiro público. Se fosse assim, os
campeões de outros esportes teriam o mesmo direito. E os atletas que
não foram campeões do mundo, mas que lutaram da mesma forma?
Não pretendemos fazer comentários sobre o aspecto ético ou legal da medida. Talvez o façamos em outra oportunidade. Mas essa última frase dita pelo Tostão merece ser meditada por todos, em especial pelos educadores. De fato, somente os campeões, os melhores, os que se destacam, os que vencem devem ser reconhecidos e premiados?
É comum que os pais elogiem os filhos quando vêem que tiram notas boas na escola ou quando se destacam num esporte, especialmente se for na modalidade de preferência do pai. É bom reconhecer o êxito e o sucesso dos filhos e dos alunos. Eles necessitam de se sentirem aprovados pelos pais e pelos professores. Porém, mais importante que valorizar os êxitos e as vitórias, que ademais todos o fazem, o bom educador deve saber reconhecer o esforço. Nesse sentido, pode acontecer que a nota seis de um filho em língua portuguesa mereça mais elogio que o oito do outro em matemática.
Essa postura não pode ser tida como um estímulo à mediocridade. Afinal, bem ou mal o mundo exige resultados e temos de saber a lidar com isso. Mas os pais e professores devem saber e, mais que isso, ser coerentes em suas atividades educativas, que cada filho, cada aluno é único, com seus defeitos e suas limitações. Cabe ao educador estimular para que se supere, vença os defeitos e, se possível, que dilate os seus limites. Mas sempre teremos limitações.
É preciso saber ressaltar as qualidades. Antes de qualquer crítica, ou mesmo de uma exigência em um ponto qualquer, convém que se reconheça o que o filho ou aluno possui de bom. Depois de se elogiar é que se pode exigir que sejam melhores ainda naquilo que já fazem bem e em outros aspectos em que ainda não o fazem.
Essa tarefa não é fácil. Querendo empregar bem essa técnica, certa vez chamei pelo meu filho que precisava melhorar em um aspecto, de que agora não me lembro, e então comecei pelos dois elogios. Como ele já me conhece bastante, ao esboçar o primeiro elogio, ele já disse: “Tá bom, pai, pode pular essa parte. O que você quer que eu faça agora?”. Talvez uma solução para isso seja não fazer sempre elogios “interesseiros”. Ou seja, elogiar sempre que há um esforço por fazer algo bom, independentemente de, na seqüência, vir com uma nova exigência. E, quando essa for necessária, conseguiremos dele ou dela a atenção necessária.

A educação consiste em formar de maneira completa a personalidade. Isso implica reconhecer as limitações exatamente para superá-las e saber conviver com elas. O grande desafio do educador é reconhecer não apenas o êxito obtido em padrões de avaliação pré-estabelecidos, mas, sobretudo, o esforço daquele a quem se educa em dar o máximo de si em tudo o que faz.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Carnaval

A cultura de um povo, de certa forma, molda a sua própria identidade. A arte, a música, a dança, a literatura, dentre outras manifestações culturais, são expressões do modo de ser de um povo que, captadas pelo espírito observador dos artistas e exteriorizadas por eles em suas obras, enriquecem os demais indivíduos com a beleza estampada em suas criações, ao mesmo tempo que consolidam o próprio modo de ser da sociedade.
Comemoramos nesses dias a festa do carnaval. É inequivocamente uma manifestação cultural do brasileiro. Os carros alegóricos, o samba, as fantasias de rua e, por que não, as marchinhas de salão, expressam o espírito criativo de entranhável beleza que perdura e se renova há várias gerações.
Mas se, como dizemos, as manifestações culturais são, ou deveriam ser, genuinamente enriquecedoras para um povo, podem elas também se transformar em instrumento de desagregação social ou de alienação dos indivíduos que compõem essa sociedade? E quando e em que medida essa deturpação pode ocorrer?
Quando um artista projeta e constrói a sua obra, tem muitas coisas em mente. Não é possível fotografar a alma de um gênio da música, da literatura, da pintura, da escultura etc. Mas a sua genialidade está especialmente em ser a sua obra exatamente uma expressão do que traz na alma e que se exterioriza para o bem daqueles que se extasiarão com a sua beleza. É, essencialmente, um agir de dentro do artista para fora com vistas a edificar os demais. E assim se faz a verdadeira arte.
Porém, pode suceder que os protagonistas de uma manifestação cultural qualquer façam um movimento exatamente contrário. Ou seja, apropriam-se de uma situação para extrair dela um prazer egoísta e centrado em si próprio, simplesmente usando e abusando dos demais.
Tomemos um exemplo. Numa escola de samba, pode haver pessoas que trajam uma fantasia, sabendo-se parte de um enredo cujo objetivo é extasiar os demais com a beleza de toda aquela produção. E então se dá o melhor de si desde a elaboração da fantasia, o treino e, enfim, a apresentação. Mas haverá, outros tantos, que pouco se importam com quem quer que seja, desejam brilhar, encontrar um parceiro com quem poderá obter um prazer sensível sem compromisso algum, mais passageiro que os efeitos do álcool ou da droga fartamente consumida nesse contexto.
Ao final de uma noite, ou na quarta-feira de cinzas, podem-se contemplar esses últimos com os “olhos vermelhos” e, “conclusão, de manhã nossa roupa espalhada no chão”. Mas, que me permita o Guilherme Arantes ir mais além de sua conclusão, trarão eles em suas entranhas o grito ensurdecedor de um vazio interior que precisa ser preenchido por algo. Mais balada? Mais gritaria? Mais folia?

Mas os verdadeiros construtores de uma cultura autêntica são os primeiros. Ao extasiar os demais com a beleza de sua arte edificam-se a si próprios. E neles não há vazio interior. É que a arte é e deve ser a expressão de suas vidas. Em ambas se busca e se faz o belo com vistas no bem dos demais. E para quem vive assim, não falta nada. A água de uma poça fechada em si mesma apodrece e logo seca. E assim acontece desgraçadamente com a vida dos que colocam na busca do prazer sensível e egoísta a única razão para as suas vidas. Já as fontes de águas límpidas, abertas para a vida dos demais, estão sempre a jorrar e, quanto mais se dão, mais se têm, sempre clara e em abundância. Assim é a vida dos verdadeiros artistas de ontem e de hoje, que se eternizam em suas obras legadas por uma alma benfazeja a toda a humanidade.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Pai ou amiguinho?

Há poucos meses uma reportagem divulgada no Folhateen relata que é cada vez mais freqüente pais e filhos fumarem maconha juntos. Afora a aberração que é o uso de entorpecente em si, isso revela uma tendência dos pais e das mães de nosso tempo de se colocarem no nível dos filhos, portando-se como verdadeiros adolescentes, pensando que com isso conquistarão a confiança e a amizade deles. Mas será que os filhos esperam isso dos pais?
Talvez nos ajude a responder a essa indagação se considerarmos como são nossas expectativas em relação a um profissional que nos presta um serviço. Quando procuramos um médico, por exemplo, almejamos dele algo que não temos, que é o conhecimento técnico necessário para a cura de uma doença. E a relação que se estabelece entre médico e paciente não é de absoluta igualdade. Ao contrário, o médico possui autoridade para propor o tratamento adequado a que o paciente deve se submeter, ou procurar outro profissional, acaso não atinja um grau suficiente de confiança.
E algo de semelhante ocorre em outras profissões: advogado, engenheiro etc. Espera-se que tenha um conhecimento de seu ofício capaz de desempenhá-lo com eficiência e competência. E imagino que um cliente não teria suficiente confiança num advogado que o atendesse em seu escritório com uma camiseta surrada, jeans rasgado, tênis sujo, mascando chiclete e se expressando por meio de gírias vulgares.
Ser pai e ser mãe é muito mais que uma profissão, mas os filhos têm direito a que essa missão seja exercida com muito mais profissionalismo, eficiência e competência que qualquer ofício.
Nossos filhos têm direito de ter um pai e uma mãe de verdade, que se ocupem da educação deles. Não precisam de mais um amiguinho ou uma amiguinha. Pais que saibam exercer a autoridade no momento e na medida certa. Que respeitem a liberdade e a intimidade dos filhos. Que não sejam autoritários nem que vivam impondo restrições aos filhos apenas na medida em que violem a comodidade e o sossego dos pais. Mas que, sobretudo, sejam fortes o suficiente para dizer não, quando o bem deles o exigir e, mais ainda, que sejam valentes para sustentar suas decisões bem pensadas até o final.
Isso não quer dizer que os pais não possam ser amigos dos filhos, no sentido de que eles se sintam à vontade para lhes abrir a intimidade, revelando seus sonhos e frustrações. Seria muito bom que o pai e a mãe conseguissem contar com a total confiança dos filhos. No entanto, essa amizade há de se estabelecer sem que o pai deixe de ser pai, nem o filho de ser genuinamente filho.
Não se trata, também, de restabelecer uma relação autoritária entre pais e filhos. O pai e a mãe sábios percebem que a melhor ordem é um simples “por favor”, dito com tal delicadeza e com elegante firmeza que se fazem obedecer. E conseguem esse resultado porque o fazem por amor, não por vaidade, comodismo ou qualquer outro motivo que não o verdadeiro bem dos filhos.

Penso que o melhor exemplo de como deve ser a relação entre pais e filhos seja a de um guia que nos conduz numa escalada por caminhos tortuosos e desconhecidos. O guia será aquele que já percorreu o caminho muitas vezes. Portanto, sabe quais são os perigos, o momento de avançar e de retroceder, o de ousar e o de se precaver. E se for um bom guia, estará sempre atento aos passos de quem conduz. Essa é a missão dos pais. Sabem respeitar a liberdade dos filhos e, por conseqüência, deixar que caminhem com os próprios pés. Porém, sabem também que têm a missão de os guiar nos caminhos dessa vida até que sejam suficientemente maduros e, portanto, que saibam guiarem a si próprios. Mais ainda, que um dia sejam eles também pais e mães a guiarem eficazmente seus filhos, nesse ininterrupto e maravilhoso ciclo da vida.