segunda-feira, 31 de março de 2008

Big Brother

Qual o segredo da audiência do Big Brother? Será que é um programa ruim, que deveríamos boicotar em nossas casas?
Penso que, como tudo que se refere ao ser humano, ser ou não ser bom, fazer ou não fazer depende de uma análise um pouco mais profunda, que chega na raiz do problema, que busca as suas causas e motivações. No caso do Big Brother, acredito que o segredo do sucesso de audiência está em que explora de forma muito atraente três grandes anseios de muitas pessoas: a fama, a riqueza e a curiosidade.
Comecemos pela curiosidade. É ela ruim? Por certo que não. Não fosse ela a ciência não evoluiria, nem as pessoas adquiririam conhecimentos. É muito importante que o professor desperte nos alunos uma sadia curiosidade por aprender. Também os cientistas devem estar fortemente empenhados em fazer novas descobertas, para a cura de doenças, por exemplo, que trarão grandes benefícios à humanidade.
Mas temos de admitir que há uma curiosidade menos nobre. É aquela que leva a querer bisbilhotar a vida alheia, invadindo desnecessariamente a privacidade dos outros. Toda pessoa tem direito à intimidade. Há aspectos da nossa vida que não queremos revelar, ou ao menos não desejamos que seja conhecido fora do ambiente familiar. No entanto, ao mesmo tempo em que desejamos manter a nossa intimidade, é  comum o desejo de conhecer a intimidade dos outros.
Em algumas situações é necessário adentrar na intimidade das pessoas, como o fazem o médico e, em maior grau ainda, o psicólogo. Mas o que deve imperar aqui é o propósito de ajudar, não o de conhecer para satisfazer uma curiosidade deturpada.
No caso desse programa, porém, o que se proporciona aos telespectadores é a possibilidade de dar rédea solta a essa curiosidade pervertida. Com ela se busca conhecer aspectos íntimos de outras pessoas apenas para satisfazer um mero anseio pessoal, sem que com isso se pense (e nem se pode) em fazer nada de útil pelo outro.
Outro importante ingrediente é a riqueza. Penso que ela não seja ruim. O Big Brother, porém, tenta vender uma imagem falsa, qual seja, de que é possível o sucesso sem qualquer esforço. O que fazem esses “heróis”? Aceitam ficar trancafiados por um  tempo, numa total ociosidade e, ao final, por aceitarem ficar vários dias ocupados em nada fazer, um deles será premiado com um milhão de reais!
Com isso, o triste é que muitos jovens compram a idéia. Ao invés de lutarem por estudar, conseguir um trabalho honrado, que lhes assegure uma justa remuneração, passam a viver da ilusão de um dia acordar rico e famoso, como que num passe de mágica. E, por desgraça, têm eles um modelo, um herói fabricado pela TV que conseguiu essa proeza.
O terceiro ingrediente é a fama. Essa fascina mais que a riqueza. Quantos de nós nos surpreendemos dando asas à imaginação pensando em como seria se fôssemos famosos. Há pessoas que, ao fazer qualquer boa ação, passa a pensar que isso deveria ser matéria do Fantástico do próximo domingo, quando então todos poderiam ver e admirar “como eu sou bom”.
E o Big Brother sabe explorar muito bem essa fraqueza humana. Rapidamente tira alguém do anonimato e o traz para a glória, holofotes, aplausos, flashs etc.
Nesse aspecto, todos nós devemos estar vigilantes, pois é muito comum procurarmos no aplauso o único motivo para nossas ações. Falo agora, como exemplo, de minha experiência profissional. É sempre uma tentação para o juiz se esmerar mais nos casos em que terão repercussão, que sairão na imprensa, e, por outro lado, deixar de lado, ou dar menos atenção, aos casos mais simples, sem repercussões, esquecendo-se de que em todos há pessoas que sofrem e anseiam por justiça. Portanto, quando nossas ações são motivadas exclusivamente pela fama, facilmente as pervertemos e causamos grandes males e injustiças. E isso acontece com todos, não apenas com aqueles que têm a função de julgar.

Fama, honra, riqueza, poder, glória... Se vez por outra nos ocupássemos em considerar o que seremos nós daqui a não muitos (trinta? sessenta? oitenta?...) anos, veríamos que tudo isso tem uma importância muito, muito relativa. Afinal, quantos ainda se lembram o nome do vencedor do segundo Big Brother? Ou, se preferirem, quem era o Presidente do Supremo Tribunal Federal em 1958?

segunda-feira, 24 de março de 2008

O sentido das festas

Ontem celebramos a Páscoa. Em meio a ela, todos nós nos deparamos com pessoas saudosistas, freqüentemente mal-humoradas, a fazerem críticas azedas do tipo: “a Páscoa perdeu o sentido. Virou apenas comércio de chocolate”. E são as mesmas que repetirão frases semelhantes no Natal, Ano Novo, dia dos namorados, dia das mães, dia dos pais etc. Mas será que essas festas, tão arraigadas em nossa cultura, perderam mesmo o sentido?
É inegável que essas festas têm sua origem, ou assumiram características dadas pelo cristianismo. É bem verdade que a Páscoa judaica foi instituída bem antes. De qualquer forma, porém, a celebramos hoje em data e com contornos sugeridos por uma tradição cristã. Sendo assim, não obstante vivermos em uma sociedade em que a fé cristã vai perdendo sua força, é possível que essas festas mantenham o seu sentido originário a elas dado pelo cristianismo? Ou a Páscoa está condenada a ser exclusivamente oportunidade de negócios para o empresário que produz chocolate, o Natal para o fabricante de brinquedos e o dia dos Namorados para as floriculturas?
Penso que não. Essas festas contêm mensagens que são universais, e, portanto, aplicam-se a todos seres humanos. Independentemente do credo de cada um, elas propõem mudanças interiores que os façam mais humanos e, por conseqüência, mais felizes. E essa felicidade decorre da descoberta de um sentido da vida, seja em sua dimensão interior, seja no aspecto social.
A Páscoa, por exemplo, que é a festa que tivemos mais próxima, tem o sentido de passagem, que sugere uma mudança de vida. Assim, podemos nos perguntar como estamos nos portando com as pessoas de nossa família, com nossos filhos, pais e parentes. Será que estamos nos dedicando de verdade a essas pessoas que nos são próximas, sabendo renunciar a alguns caprichos para tornar mais amável a vida familiar?
Em nosso trabalho profissional também a Páscoa pode sugerir mudanças. Como estamos desempenhando as tarefas que nos cabem? Encaramos o trabalho como uma espécie de mal necessário? Ou, ao contrário, percebemos que, seja ele qual for, pode e deve ser uma oportunidade de tornar mais alegre a vida dos demais? Trata-se de fazermos com mais esmero aquilo que fazemos todos os dias, e de nos esforçarmos por sermos alegres e prestativos com os colegas, com os clientes, com as pessoas com quem convivemos em nosso dia-a-dia.
Certa vez tive uma grata satisfação de assistir a uma palestra em que o palestrante comparava a nossa vida à subida de uma encosta. E ele fazia a comparação para dizer que não era possível ficar parado: ou se subia, ou se despencava. Talvez seja isso mesmo. Ou nos esforçamos por fazer de nossos dias uma constante passagem para uma situação melhor, esforçando-nos por vencer os defeitos, o mal humor, os caprichos, o egoísmo que nos fazem ser pesados para os demais, ou nos afundamos cada vez mais nesses mesmos defeitos.
O tempo, por si só, não nos fará melhores nem piores. O vinho mal guardado vira vinagre, ao passo que o que for bem armazenado melhora com os anos. Algo de semelhante ocorre com todo ser humano. Quando se vale dos mil acontecimentos de cada dia para tornar mais alegre a vida dos outros, ele próprio se transforma por dentro, e vai se tornando uma pessoa melhor, com quem é agradável estar e conviver. Ao contrário, outra pessoa que ocupa as horas em pensar apenas em si, ainda que trabalhe muitas horas por dia, ainda que faça muitas coisas, por lhe faltar o essencial, vai se tornando cada vez mais insuportável.

Acredito sinceramente que a Páscoa não se transformou numa oportunidade para o fabricante de chocolate. Isso acontece com as pessoas que não estão dispostas a fazer de suas vidas uma eterna passagem. Uma passagem difícil, mas necessária e, ao mesmo tempo, alegre. Uma passagem que nos leva de nós mesmos para os outros, do nosso egoísmo para a nossa abertura aos demais. Em resumo: da tristeza para a felicidade.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Avós, pais, filhos e netos

É impressionante contemplar como é forte, intensa e, ao mesmo tempo, saudável a relação que se estabelece entre avós e netos. Não sei o que se passa com o leitor, mas a mim sempre causou surpresa ver meus pais fazendo pelos netos aquilo que jamais permitiram que eu fizesse.
Lembro-me dos anos de minha infância. Como as horas passavam depressa enquanto ajudava minha avó a raspar o figo verde na palha de arroz para fazer o doce que só ela, e nunca ninguém mais, soube fazer tão bem. O meu avô esfregando açafrão em meus lábios quando fiquei acamado por vários dias com sarampo, e como a preocupação comigo dava um tom mais grave às suas rugas. Como dói agora sentir o sabor do queijo fresco que derretia no fogão à lenha de minha avó, enquanto ela, sem pressa, escolhendo feijão, dizia-me: “filho, aproveite bem a sua infância, pois um dia há de lembrar desse queijo derretido, mas o tempo não volta de jeito nenhum”.
Mas, se, em regra, as relações entre avós e netos são tão gostosas e saudáveis, o mesmo não ocorre entre avós e pais, que costuma ser marcada pela tensão. E isso se manifesta, no mais das vezes, pela divergência a respeito da educação a ser dada aos netos. É á avó que quer dar aquele chazinho para cólica do bebê, que encontra forte resistência da mãe, que segue à risca o conselho do pediatra. É o avô que dá doce ao neto meia hora antes do almoço, contrariando as regras da casa dos pais. Enfim, cada um sabe quando e como surgem as desavenças que têm como pivô da discórdia as diferenças de critérios entre pais a avós na forma de tratar os assuntos familiares.
Penso que essa tensão possa se reduzir muito com empenho e paciência de todos. Os pais poderiam ser um pouco mais humildes para aceitar que os avôs têm mais experiência, de modo que o que dizem merece crédito. E mesmo quando não concordam com os conselhos, hão de saber ouvir com respeito as opiniões de quem, no fim das contas, mesmo quando atrapalham, apenas querem ajudar.
Outro ponto de luta do casal é evitar que essa tensão reflita no próprio relacionamento entre marido e esposa. É que há uma tendência de a mulher despejar no marido as insatisfações que mantém com o sogro e com a sogra, e de o marido fazer o mesmo com o pai e a mãe dela.
E também os avôs devem contribuir para ajudar o relacionamento conjugal dos filhos. Ainda que os avôs tenham mais experiência, devem se esforçar por não interferir demasiadamente na vida dos filhos, dando conselhos apenas quando lhes for solicitado. Por vezes, será o caso de aconselhar mesmo sem pedido, mas há que se ter um profundo respeito pela liberdade dos filhos, considerando que é melhor deixar que aprendam errando do que, com a sua interferência, causar desavenças capazes de atrapalhar a vida da nova família que se formou. Afinal, é triste, mas quantos casamentos ruíram porque não souberam repelir a injusta e indevida intromissão dos pais do marido ou da esposa.
Os avôs podem contribuir muito para a formação dos netos. Avôs e netos estão num mesmo ritmo de vida. Observemos como seria uma mesma cena, ora com o avô, ora com o pai levando a criança à escola. O pequeno pára a observar uma formiguinha no caminho. A reação do pai será mais ou menos do tipo “vamos logo, entra na escola que o papai tem de ir trabalhar”. O avô, ao contrário, pára, observa com o neto a formiguinha, se souber, dirá de que espécie é, do que se alimenta, enfim, contribuirá para ampliar o universo da criança, coisa que os pais, ante a preocupação da vida moderna, não terão tempo ou paciência para fazer.

Convém, pois, que se estimule esse convívio saudável e muitas vezes insubstituível para as crianças. E é muito importante que avós e pais saibam manter um bom relacionamento para não permitir que as desavenças retirem mais isso da vida das crianças, de modo que acabem por trocar aquela pescaria com o vovô por algumas horas no vídeo-game ou no computador.

Liberdade das consciências, esperança e vida

Em reportagem publicada no dia 11.02.2008, o Correio Popular relata a comemoração dos 18 anos da instituição Esperança e Vida, que já é referência nacional pelo serviço prestado aos portadores do vírus HIV. Na mesma matéria se observa, porém, que a festa estava como que ofuscada com a possibilidade de a entidade vir a perder uma verba que recebe do Governo Federal. E o motivo disso seria o fato de se recusar a distribuir preservativos. O caso nos remete a uma questão muito importante nas relações entre Estado e sociedade, qual seja, até que ponto o Governo pode impor suas opções políticas às organizações sociais existentes?
Vivemos numa sociedade pluralista. Já no preâmbulo da Constituição Federal, estabelece-se como objetivo do Estado Democrático de Direito a construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. E logo em seguida nossa Lei Maior consagra como fundamento da República Federativa do Brasil o pluralismo político (artigo 1º, inciso V). Isso quer dizer que não há ideologia oficial, não há religião oficial. Ao contrário, prepondera a liberdade, conquanto que respeitados os direitos dos demais, definidos, em sua essência, na própria Constituição da República.
Assim, as pessoas têm a liberdade de se associar para quaisquer fins lícitos, não podendo o Estado interferir nesse direito, o que também está assegurado na Constituição Federal (artigo 5º, inciso XVII). Nas associações é natural que as pessoas que possuem convicções comuns queiram difundi-las. Por exemplo, tomemos uma entidade composta por pessoas que professam o espiritismo e que se reúnem para cuidar de crianças carentes. Nesse caso, é natural que se esmerem por cuidar com carinho e zelo. Com o tempo, para aqueles que quiserem, é possível que falem sobre o que pensam, sobre reencarnação, Allan Kardec etc. Imaginemos ainda que determinados membros de uma igreja evangélica se associem para fundar uma escola. Será também natural que, além das matérias obrigatórias, ensinem, para aqueles que quiserem, os fundamentos de sua fé.
Em qualquer caso, porém, sejam espíritas, evangélicos ou católicos, hão de fazer o bem ao próximo desinteressadamente. E em o fazendo, podem propor, jamais impor, que conheçam mais e melhor os fundamentos de sua fé. Isso em nada viola a liberdade de ninguém, que pode concordar ou não, e, livremente, aderir ou não.
Sendo assim, o Estado não pode jamais exigir que essas associações, no serviço que prestam ao próximo, contrariem a consciência de seus membros. Nesse sentido, é ilegítimo, mais que isso, é manifestamente inconstitucional exigir para o repasse de verba pública que uma associação distribua preservativos. Assim como o seria exigir de outra que não o fizesse.
E se me permitem manifestar a opinião, já que vivemos numa sociedade pluralista, penso que a estratégia utilizada pela associação Esperança e Vida é muito mais eficaz. Imaginemos que uma criança de três anos pedisse à mãe uma faca bem afiada para brincar. Se a mãe for uma pessoa forte e que ama o filho de verdade, dirá a ele: “filho, não vou te dar a faca porque não é bom para você. Porque eu te amo muito, não te darei ainda que insista e chore”. Agora pensemos em outra mãe que, para que o filho não “sofra”, entregue a ele a faca, porém, envolvida num pedaço de borracha. Ora, qual das mães fez a coisa correta, melhor para o filho?

Algo de semelhante ocorre na questão da AIDS. Para uma pessoa atendida por uma entidade séria, não dirão àqueles a quem atendem: “faça sexo seguro, use camisinha”. Dirão cheios de ternura e afeto: “o sexo é algo maravilhoso. Foi criado por Deus. Com ele, o homem e a mulher cooperam com Deus na missão nobre de trazer novos seres ao mundo. E exatamente por isso é que o sexo foi feito para ser praticado entre um homem e uma mulher que se amam e que, diante de Deus, assumiram um compromisso para sempre”. Mas dirão isso sem impor, com profundo respeito para com os que pensam de forma diferente. Mais que isso, não deixarão de dar assistência àqueles que não concordam com isso. Afinal, o verdadeiro bem é desinteressado.

segunda-feira, 10 de março de 2008

A polêmica entre os Poderes

Ganhou repercussão a polêmica que surgiu a partir das duras críticas que o Presidente da República fez em relação a um pronunciamento do Presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Para ser sincero, não sei exatamente o que disse o Ministro, nem tampouco pretendo criticar o Presidente ou defender a posição de um ou de outro. Contudo, a partir do incidente, poderíamos fazer algumas considerações sobre a função do juiz, mais especificamente, sobre a postura que deve ele assumir em sua vida pública e privada.
Penso que o juiz não deve buscar um isolamento total. Há quem sustente que ele não pode ter muitos amigos, deve evitar lugares públicos ou outras situações que possa comprometer sua imparcialidade. Há uma grande dose de exagero nisso. Como homem (ou mulher) que é, o juiz vive em sociedade e nela legitimamente atua. E se coincidir de um amigo seu vier a ser parte num processo que lhe esteja confiado, o próprio direito prevê a possibilidade de passar o caso para outro juiz que não seja suspeito ou impedido de julgar.
No entanto, há situações em que a sua condição de magistrado impede mesmo que atue. Não pode, por exemplo, fazer críticas pessoais a quem quer que seja, tanto menos a políticos e integrantes de outro poder. Não pode se manifestar sobre processos que estejam ainda para ser julgados por ele ou por qualquer outro juiz. Nada impede, por outro lado, que preste esclarecimentos à população. Por exemplo, recentemente acendeu-se uma discussão sobre a propaganda eleitoral antecipada. Nesse caso, penso que o juiz pode expor publicamente o que a lei diz a respeito do assunto, qual é o seu entendimento e interpretação que deve ser dado a um determinado artigo de lei. Não pode e não deve, contudo, dizer, no caso concreto, se a conduta desse ou daquele potencial candidato é ou não ilícita. É que isso implicaria a antecipação do seu julgamento e a perda da necessária isenção que deve ter ao julgar.
O juiz deve se esforçar constantemente por dar um tratamento igualitário a todas as pessoas em conflito. Talvez uma situação especialmente difícil para que se mantenha imparcial ocorre quando uma das partes (ou seus advogados) faz alguma crítica mais severa quanto a uma decisão proferida. Nesse caso, pode surgir uma propensão a revidar a ofensa. Trata-se de um sentimento interior mais ou menos do tipo “Ah é!? Já que ele disse isso da minha decisão, aguarde para ver o que farei com ele na sentença!”. Trata-se de uma postura pouco nobre e simplesmente inaceitável, que denota falta de maturidade. Penso que o juiz deve estar preparado para “levar pancadas sem revidar”. Se por personalidade é mais voltado ao combate e do tipo “pavio curto” isso é sinal claro de que não está devidamente preparado para o cargo.
O juiz tem de ter coragem. Muitas situações lhe exigirão uma fortaleza heróica. Algumas vezes a sua decisão lhe renderá aplausos. Noutras, porém, incompreensão e indignação. Contudo, não é o aplauso que deve buscar, mas o fiel cumprimento da sua consciência. A ela, acima de tudo, é que deve temer. Talvez mais que isso, o grande temor há de ser a deformação de sua consciência, que então não mais lhe serviria como um norte seguro a orientar uma atuação coerente em cada situação.
O magistrado deve ser discreto, comedido. Deve guardar sigilo das informações que tem por motivo da profissão. Tive a grande felicidade de trabalhar com um desembargador que, além de todas as qualidades de um magistrado exemplar, era também habilmente discreto. Quando surgia algum assunto que não era conveniente, com toda delicadeza e de forma que o interlocutor nem percebia, mudava o assunto para outro mais ameno.

Mas apesar de todas essas considerações, e de muitas outras que poderíamos fazer, ainda assim no nosso dia-a-dia nos deparamos com muitas situações em que não sabemos de antemão o que convém e o que não convém que o juiz faça. Nesses casos, confesso que me é de grande ajuda o conselho que recebi de um grande sábio: De calar não te arrependerás nunca; de falar, muitas vezes.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Vale a pena ser honesto?

Em reportagem publicada no Correio Popular no penúltimo domingo, dia 24 de fevereiro, o servidor municipal Luis Messias fez um desabafo: “O preço que se paga para ser honesto em Campinas pode ser alto”. Não temos o propósito de comentar o incidente. Mas dessa sua afirmação poderíamos tirar um tema para reflexão: vale a pena ser honesto? Mais que isso, vale a pena ser honesto em qualquer circunstância?
Há alguns anos, conversava com um grande amigo sobre esse assunto. Ele comentava que, no seu modo de pensar, deve se esforçar por trabalhar bem e, acima de tudo, ser radicalmente honesto. “Se não for assim”, argumentava ele, “quando meu filho crescer, poderá descobrir o que eu não fiz de bom, e então como ficarei diante dele?”. Penso que o motivo que ele encontrou para levar uma vida honrada é muito forte, afinal, trata-se de dar bom exemplo ao filho. Mas será suficiente para sustentar uma postura durante toda uma vida? E se, por desgraça, apesar da boa educação, o filho vier a se enveredar por caminhos pouco honestos? Nesse caso, o pai que se esforçava por ser honrado estará dispensado de sê-lo ao ver desmoronar a única sustentação de sua honestidade?
Outros, não poucos, também se esforçam por ser honestos de modo a ter uma boa reputação. Penso que isso também é um motivo muito forte. Afinal, quem não gosta de ser estimado por seus semelhantes. Porém, acredito que a boa fama também não é uma razão suficientemente forte. Isso porque há muitas pessoas honradas e radicalmente honestas que, num determinado momento de suas vidas, são injustamente caluniadas e difamadas, fazendo ruir toda sua reputação sem qualquer culpa de sua parte. Será que essa pessoa que viesse a passar por tal desgosto poderia se queixar, com ar melancólico, que não valeu a pena ter sido sempre honesta?
E o ambiente em que se vive, exerce alguma influência nisso? Ou melhor, ser ou não ser honesto depende das circunstâncias e do meio em que estamos inseridos? Há quem sustente que uma “falcatruazinha” aqui, uma “gorjetinha” ali, uma “propina inocente” não fazem mal a ninguém, afinal, dizem de si para si, tentando se justificar, “todo mundo faz isso”. Essa desculpa de que todos fazem isso, no mais das vezes, é inventada pelo desonesto para justificar, talvez consigo mesmo, sua desonestidade, numa tentativa de anestesiar a própria consciência. Porém, ainda que seja assim mesmo, ou melhor, acaso se esteja inserido numa repartição pública, num departamento de uma empresa ou em uma associação em que a corrupção é generalizada, nesse caso, seria correto fazer o que todos fazem? Penso que não.
Há ainda uma situação em que é especialmente difícil para a pessoa honesta. Ocorre quando os corruptos parecem se dar bem, e seguem impunes, apesar de denúncias comprovadas de irregularidades. Nesse caso, não é raro que aquele que é honesto se questione dizendo “eu aqui com toda dificuldade para pagar minhas contas, tendo de negar aos meus filhos o que lhes seria útil por não ter dinheiro, e aquele safado lá nadando no dinheiro sujo impunemente...”. Ainda que essas situações sejam verdadeiramente revoltantes, penso que também nelas vale a pena manter a honradez.
E o que justifica sempre e em qualquer ocasião a radical opção pela honestidade é a própria consciência. A sós, no silêncio de nosso interior, é que encontramos a resposta a todas essas indagações. Um dos exemplos mais eloqüentes dessa radical opção por seguir a voz da consciência foi dado Thomas More. Depois de ocupar altos cargos no Reino Inglês, ele se indispôs com o rei e foi condenado à morte por não prestar um juramento que feria sua consciência. E caminhou até o lugar em que foi decapitado resoluto e sereno. Com a paz que somente tem quem não encontra dentro de si próprio nada que o acuse.

A todas essas indagações que agora nos fazemos, esse grande homem diria que não é uma utopia, que vale a pena. Vale a pena ser honesto sempre e em qualquer circunstância, e por toda a vida. É que a felicidade depende muito da fidelidade com que seguimos a voz da nossa consciência.