Muitos sábios e poetas
já tentaram definir o amor, e todos eles, apesar de muito se esforçarem e
intuírem, ficam aquém do que o amor verdadeiramente é. Feita essa ressalva,
confesso que gosto muito da poética definição de Camões:
Amor é fogo
que arde sem se ver,
é ferida
que dói, e não se sente;
é um
contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
O amor é mesmo fogo,
chama que arde na alma sem que saibamos de onde vêm, com surgiu, nem por quê.
Negar isso seria negar um aspecto relevante e fácil de se constatar no amor.
Basta lembrarmos daquele enamoramento da adolescência ou da juventude, ou mesmo
depois, quando bastava ouvir uma voz, um nome, sentir o cheiro de um perfume
para que nos inundasse um estremecimento que gela a espinha e faz bater mais
forte o coração.
Penso que esse
sentimento, esse estado da alma, é amor. Porém, uma questão relevante é saber
se o amor é só isso, mas ainda, se se resume a esse estado anímico.
E a dúvida não é
somente minha. Vinícius de Moraes também, ao dizer do amor, expõe seu grande
temor:
E assim
quando mais tarde me procure
Quem sabe a
morte, angústia de quem vive
Quem sabe a
solidão, fim de quem ama
Eu possa
lhe dizer do amor (que tive):
Que não
seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Será que o amor é
apenas esse enamoramento, essa chama? Será que estamos destinados a passar uma
vida procurando por ele para, ao final dela, tal como teme Vinícius,
concluirmos que são não é imortal, posto ser chama? Pior, será que estamos
destinados a passar a vida procurado por ele, num namoro aqui, num casamento
desfeito ali, e, ao cabo dessa trajetória, olhando nossa vida passada,
vislumbrarmos breves lampejos, separados por grandes vazios e escuridão, talvez
marcados por procuras de “outros amores”?
Do fundo da alma,
acredito que não. É que se esquece de outra definição de Camões, tão importante
quanto a primeira:
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
Sim, amor é fogo, mas
um fogo que pode ser alimentado para reluzir sempre renovado por toda a vida,
conquanto que “é um cuidar”, é doação, entrega. E isso não pode se reduzir a
considerações teóricas sobre os versos de Camões, mas há de se traduzir em
detalhes concretos de nosso dia a dia. Trata-se de se esmerar na delicadeza no
trato, evitando as críticas azedas, em saber elogiar, reconhecer o esforço do
outro, em acolher e amparar quando se passa por momentos difíceis, como uma doença,
em compartilhar as alegrias. Em suma, em saber dizer mais com gestos do que com
palavras que é na alegria e na tristeza, na saúde e na doença.
Após essas
considerações, fica mais fácil agora entender o pronunciamento do Papa Bento
XVI, ao afirmar que o divórcio é uma praga para os cristãos. O Santo Padre não
disse em momento algum que se há de recriminar os divorciados. Mas está ele a
afirmar, com palavras fortes, para que ouçam os ouvidos mais débeis, que o amor
é sim fogo, “eros”, como ele define em uma de suas encíclicas, mas é também
doação, “agape” (entrega), e é precisamente por esse último que se pode manter
a chama acesa por toda a vida, uma chama que quanto mais se queima, mais se
renova e mais bela e pura permanece.
O que apaga a chama é o
egoísmo, que leva a pessoa a buscar apenas o próprio prazer e a satisfação
pessoal em uma relação, usando (abusando) do outro para isso. E nesse caso, é
claro que a chama se apaga, posto que nela se atira um cardo podre de ambição
egoísta.
O Vinícius que me desculpe,
mas é possível sim alimentar esse fogo por toda uma vida, conquanto que se
atire nele, todos os dias, a lenha perfumada de uma entrega total.