Tramita na Câmara Municipal de Campinas um
Projeto de Lei (PLO 213/17) que visa instituir no sistema municipal de ensino o
Programa Escola sem Partido. Quando li pela primeira vez o texto da proposta,
dois aspectos chamaram-me a atenção. O primeiro deles está no inciso I do
artigo 1º, que institui como princípio a “neutralidade política, ideológica e
religiosa do Estado”. E segundo está no inciso I do artigo 3º, que dispõe que o
professor “não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os
seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas,
religiosas, morais, políticas e partidárias”.
E confesso que tais dispositivos me causaram
certa perplexidade. É que, como se poderá exigir neutralidade do professor?
Haveria de ser ele uma espécie de expositor apático de conteúdos didáticos? Seria
alguém facilmente substituível por um programa de computador? Ou, pior ainda,
não poderia manifestar suas opiniões, concepções ou preferências ideológicas,
religiosas, morais, políticas e partidárias?
Tais questionamentos, porém, não resistem a uma
análise atenta e com boa-fé do texto da Lei. É que não se exige neutralidade do
professor, mas do Estado. Esse não poderá adotar uma ideologia oficial a
orientar a confecção do material didático, por exemplo. O professor não é nem
pode ser neutro. Aliás, nenhum ser humano o é. Cada mulher e cada homem nascem
numa família, vivem e são educados num contexto social, optam por um curso
superior etc. Além disso, têm toda uma experiência de vida. Tudo isso exerce
uma enorme influência na formação da personalidade, de modo que é essa
professora e esse professor em concreto que entram na sala de aula, não sendo
razoável, nem possível abstrair disso tudo no ato de ensinar.
Quanto ao segundo ponto acima mencionado,
convém ressaltar que não se proíbe que a professora ou o professor manifestem
suas opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais,
políticas ou partidárias. O que se pretende evitar é a promoção dos próprios interesses nessas questões.
Dir-se-á, talvez, diante dessa aparente
sutileza jurídica: qual é a diferença? Não seria muito tênue a linha divisória
entre manifestar e promover? Tenho, porém, que a diferença é enorme. E o
critério de distinção está precisamente no propósito com que se exerce o
magistério ou qualquer outro tipo de liderança.
Há pessoas que possuem uma causa, um ideal ao
qual dedicam as suas melhores energias, trabalhos e esforços. E o fazem com tal
afinco e determinação que todos os demais seres humanos são classificados em
duas categorias: (1) aqueles que compartilham ao menos em parte dos mesmos
ideais e então podem ser aliciados como companheiros aptos a se alistarem nas
mesmas fileiras de batalha; (2) as que não comungam das mesmas opiniões ou
convicções, que são os inimigos a serem eliminados ou, quando menos,
neutralizados com campanhas difamatórias que busquem ridicularizar as suas
maneiras de ser e de pensar.
Mas há outras pessoas que igualmente possuem um
ideal de vida, assim como uma causa pela qual lutam com afinco e determinação. Porém,
sabem enxergar nos demais seres humanos pessoas dotadas de uma dignidade
infinita. Por consequência, mesmo quando procuram contagiar os outros a
perseguirem ideais semelhantes, fazem-no buscando exclusivamente o bem do outro
e não simplesmente engrossar um exército para a batalha. Em suma, sabem colocar
a pessoa humana acima do próprio ideal ou da causa pela qual lutam. Mais ainda,
com grande frequência, o bem do outro é a sua grande causa e o maior ideal.
Dentre os primeiros estão, por exemplo, os
aliciadores de jovens e crianças convocados para se tornarem futuros “homens-bomba”
do chamado estado islâmico. Dentre os segundos podemos contar, ao lado de
inúmeras outras pessoas, a Madre Teresa de Calcutá. O que se pretende com o
aludido Projeto de Lei é que as nossas professoras e os nossos professores
façam essa segunda opção. Em suma, que tenham um profundo respeito à liberdade
das suas alunas e dos seus alunos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário