As
eleições já se foram. Mas restam ainda, na memória e nos recônditos arquivos da
internet, os insultos ao irmão, a piadinha pelas costas da cunhada, as
asperezas no grupo do Whatsapp, os desaforos no Facebook, as intolerâncias
espalhadas aos quatro cantos, com tanta paixão, que de tanto se apaixonar se
perde a razão. Para quê? Parafraseando o grande Drummond de Andrade poderíamos
cantar melancólicos: “E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo
sumiu, a noite esfriou, e agora, José?”.
Talvez um
ponto estivesse tristemente a unir os dois lados: a insensatez de pensar que um
governante pode mudar, sozinho e num passe de mágica, as nossas vidas. Não! Os
anos de vida – poucos ou muitos – que marcam a nossa existência estão a nos
gritar a cada instante, por mais que insistamos em não ouvir, que o nosso
futuro, o mundo que nos cerca e principalmente o nosso próprio modo de ser
dependem em grande medida nas nossas escolhas e decisões. Com efeito, aspectos
relevantíssimos para cada um de nós, como a felicidade, a realização, a paz de
espírito não dependem, nunca dependeram nem nunca dependerão de quem está no
poder num dado momento da história.
Mas se a
última disputa eleitoral nos deixa marcas e feridas, esperamos que nos deixe
também uma lição: há muitos valores na nossa vida pessoal e na vida da
sociedade da qual participamos que estão muito acima das ideologias. A vida, o
respeito, a compreensão, a compaixão, o amor e a fraternidade estão – ou
deveriam estar – num patamar mais sublime do que o que pensamos em matéria de
economia, política, tamanho e atribuições do Estado etc.
Nosso
tempo é marcado pela tolerância dos discursos politicamente corretos e de uma
atroz intolerância manifestada em circunstâncias bem concretas da vida real. Na
prática há muitos que pensam e agem com uma visão mesquinha da liberdade que os
move a uma postura do tipo: “respeito a sua opinião, conquanto que seja igual à
minha”. Devemos ponderar, porém, que os grandes ideais não raras vezes são
alcançados com sangue, suor e lágrimas. E a sobrevivência da democracia carece
de mártires dispostos a dar a vida pelo direito do outro pensar diferente de
nós.
A
consciência é um reduto inviolável de cada ser humano. Ali, na esfera mais
íntima da pessoa, a mulher e o homem têm o direito de estar a sós consigo e com
Deus. Não se pode, portanto, jamais julgar uma pessoa em função da sua posição
política e ideológica, nem pela sua adesão ou repulsa a determinado candidato,
partido ou ideologia.
A maturidade
da democracia se atinge no debate racional e sereno de propostas, planos e
programas. E sinal inequívoco do seu envilecimento são as decisões tomadas ao
sabor das paixões, muitas vezes inflamadas por fake news, calúnias e
maledicências, habilmente disseminadas por quem busca apenas vencer, sem
explicar, convencer, sem raciocinar.
Mas há também
o que comemorar ao final desse grande embate. Não com uma melancólica
constatação de que “aos vencedores, as batatas”, mas com a reluzente esperança
de que a nossa democracia, ainda imatura, segue evoluindo. Resta ainda, porém, o
grande desafio de reconstruir o que se quebrou, de se recompor o que se partiu.
E isso também não cai do Céu, nem de Brasília. É missão de todos nós.
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