Hoje é o
Dia da Consciência Negra. Toda iniciativa que visa eliminar as discriminações injustas
deve ser prestigiada. E a discriminação racial está dentre as mais repugnantes
e inaceitáveis. Por consequência, não deveríamos poupar esforços para a sua
completa erradicação em todas as sociedades do nosso tempo.
Há que se
ponderar, porém, acerca da eficácia dos meios que se empregam para atingir tal
finalidade. É que, por vezes, vale-se de desnecessários embates, que resgatam
intrigas do passado e, pior ainda, colocam a responsabilidade de erros outrora
cometidos sobre as gerações atuais.
Nessa
linha, não raras vezes, vê-se modernamente apelos instando a que se peçam
desculpas aos afrodescendentes pelas terríveis injustiças de que foram vítimas,
desde a saída da sua terra natal, séculos atrás, bem como pelos sofrimentos sem
conta a que foram submetidos num regime de escravidão. Mas... quem deveria,
agora, se desculpar por tudo isso? Os de pele clara ou de ascendência europeia
teriam herdado a culpa e, como tal, seriam devedores de toda injustiça dessa
natureza? E a quem endereçaríamos tais escusas? Aos afrodescendentes com quem
convivemos atualmente?
Tais
argumentos, com o devido respeito, têm como fundamento uma espécie de
neomarxismo, ávido de implantar a “luta de classes” em todos as relações
humanas. Ou seja, não mais apenas entre burguês e proletário, mas, também,
entre mulher e homem, negro e branco, homossexual e heterossexual. Em tudo se
pretende selar uma marca indelével de oprimido e opressor, semeando discórdia,
divisão e ódio, ainda que a pretexto de lutar pelos direitos de uma classe, de
um gênero ou de uma raça.
Culpa e,
por consequência, responsabilidade pelos atos é algo eminentemente pessoal. Se
uma pessoa cometeu alguma injustiça contra outra em determinado tempo e local,
ainda que esteja isso perdido em inúmeras outras num longínquo transcorrer da
história, àquele homem ou àquela mulher cabe – com total exclusividade –
responder por seus atos. E se não o fez ainda nesta vida, estou certo de que
não escapou de outro Juízo, muito mais sábio e certeiro. De qualquer modo,
ninguém herdou tal responsabilidade, seja por que motivo for.
Ao
afirmarmos que conceitos como culpa e responsabilidade são fenômenos
eminentemente pessoais, não se exclui a influência do meio social na formação
das consciências. Assim, valendo-nos novamente do exemplo do período da
escravidão no Brasil, é evidente que as concepções socialmente aceitas naquele
período influíam no modo de ser e de pensar das pessoas, quiçá favorecendo
injustiças. Mas por mais que tais fatores influíssem no modo de ser, pensar e
agir das pessoas, cada injustiça ou cada ato de amor e respeito ao próximo
sempre foram, são e serão, frutos de decisões pessoais.
O Dia da
Consciência Negra – e não somente nessa data, mas sempre – deve impulsionar à reflexão,
em última análise, acerca de como estamos a promover a dignidade da pessoa
humana. A erradicação completa de toda e qualquer discriminação injusta
pressupõe o reconhecimento da infinita dignidade de cada mulher e de cada
homem.
Não se
suprime a injusta discriminação simplesmente suscitando, instigando ou
promovendo o embate entre pessoas, grupos e nações. Por certo, quando certos
grupos ou instituições assumem posturas aberta ou veladamente discriminatórias,
devemos nos posicionar com coragem e intransigência contra quem intenta
perpetuar tais injustiças. Mas nunca estará nessa luta a solução do problema.
Quando
soubermos olhar para cada ser humano – esse bem próximo e que está ao nosso
lado – como uma filha ou um filho de Deus, como alguém radicalmente igual a nós
em dignidade, somente então teremos suplantado toda e qualquer discriminação
injusta. Parafraseando o grande Paul McCartney, viveremos em perfeita harmonia
não somente no teclado do piano, mas em todos os locais deste planeta,
concebido pelo Criador a serem habitados por seres que são e se portam como
irmãos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário