O Papa Bento XVI surpreendeu o
mundo na semana passada ao anunciar a sua renúncia. Além da perplexidade, penso
que sua atitude também se mostra incompreensível para muitos. Com efeito, vimos
o seu antecessor, o Papa João Paulo II, travar uma luta heroica contra a
doença, mantendo-se convicto no seu ministério até o fim, apesar de notório o
peso da idade e da doença, agravados pelas consequências do terrível atentado
que sofreu. O Pontífice atual, ao contrário, anuncia que deixará o cargo num
momento em que sequer nos era muito visível a sua debilidade.
Ao meditar nesse contraste, com o
desejo sincero de entender o porquê, vem-me à memória uma aula de um professor,
ainda nos tempos do colegial. Esboçava ele algumas explicações para a inusitada
sobrevivência da Igreja por cerca de dois milênios. E aventava algumas
explicações. Lembro-me de apenas duas. A primeira seria a comprovada existência
histórica do seu Fundador. A outra seria o que chamava de uma grande capacidade
de se “adaptar” aos diversos regimes políticos que marcaram a idade antiga,
média e moderna.
Com profundo respeito a esse
grande mestre, penso que é impossível entender a Igreja sob uma perspectiva
puramente humana. O estudante de medicina, já nos primeiros anos de seus estudos,
põe as mãos num cadáver para entender melhor a anatomia humana. Não ignoram,
porém, que aquele corpo morto não é um homem. Falta-lhe a alma que, unida
àquela matéria, dava-lhe vida e uma existência plena e única.
De igual modo, querer entender a
Igreja sem se atentar para o Espírito Santo que a vivifica é o mesmo que
estudar um organismo morto. E esse modo de observar o objeto do estudo serve
para compreendê-la externamente como uma instituição humana. Porém, jamais
poderá compreender a sua ação no mundo e na história.
Num dos seus primeiros
pronunciamentos como sucessor de Pedro no governo da Igreja, o Papa Bento XVI
dizia que o seu plano de governo era não ter plano de governo. Se o Presidente
de uma República ou um Primeiro Ministro fizesse tal pronunciamento ao assumir
o cargo, por certo cometeria um suicídio político. Com efeito, numa democracia
elege-se, antes que uma pessoa, um projeto. O Papa, como dirigente da Igreja, apesar
dos seus inegáveis dotes intelectuais e capacidade para governar, fazia tal
afirmação precisamente porque sabia que não governaria o povo de Deus apenas
com a sua inteligência e vontade, mas, sobretudo, com a sua docilidade às
moções do Espírito Santo.
Conta a tradição que o apóstolo Pedro
saia de Roma, fugindo da perseguição do imperador Nero. Enquanto o fazia, encontra
Jesus na Via Ápia e lhe pergunta, “Aonde vais Senhor?” (Quo vadis Domine?) E o Senhor lhe responde: “Volto para Roma para
ser crucificado”. Então o discípulo entende a mensagem e volta a Roma, onde dá
a vida por Cristo.
Não é exagerado supor que o mesmo
Senhor instava o saudoso João Paulo II a se manter firme até o último de seus
dias. E, de igual modo, ainda que aparentemente paradoxal, é o mesmo que agora
insta o valente Papa Bento XVI a entregar o cargo ao seu sucessor quando o lhe
falta o vigor físico. São palavras suas: “Depois de ter examinado repetidamente
a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças,
devido à idade avançada, já não são idôneas para exercer adequadamente o
ministério petrino”.
E o mais maravilhoso é que o
Espírito Santo não age apenas na cabeça da Igreja. Tal como o espírito inunda
cada órgão do ser humano, que unidos exercem a sua indispensável função vital,
Deus age em cada membro da Sua Igreja, mais ainda, em cada homem e em cada
mulher, independentemente da sua condição, sexo ou religião. Basta manter bem
aberto os ouvidos da alma para vislumbrar os seus sussurros a cada minuto: “de
uma esmola e um sorriso a esse que te pede”, “seja mais carinhoso com tua
esposa (ou com teu marido)”, “esmere-se mais na educação dos teus filhos”.
Nesse contexto, o que seria então
estar neste mundo sem a magnífica luz da fé? Penso que seria mais ou menos como
que o estudante de medicina se contentasse com dissecar cadáveres: Jamais
entenderia o que é a Vida, em sua essência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário