Na semana
passada recebemos a notícia de que a Ação Direta de Inconstitucionalidade,
movida pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), em que se
pretende a autorização para o aborto nos casos de infecção pelo vírus da zika,
conta agora com o parecer favorável do Procurador Geral da República.
Como
contraponto, porém, é digno de nota o lúcido e bem elaborado parecer da
Advocacia do Senado, que acabou por ser aprovada pelo Presidente do Congresso
Nacional: “as pretensões veiculadas na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade
devem ser resolvidas no âmbito legislativo, e não pela via do controle de
constitucionalidade”. De fato, penso que a questão deve ser resolvida no Parlamento,
não pelo Poder Judiciário, a quem não compete a função de legislar sobre esse
assunto.
Mas mesmo
que seja superada essa questão de ser ou não atribuição do STF decidir essa matéria,
penso que os fundamentos dessa ação não conseguem fugir da mediocridade. Tanto
a petição inicial como agora o parecer do Ministério Público, por mais
rebuscados e engenhosos que sejam os argumentos, não conseguem se desvencilhar
de uma verdade muito simples: sustentam que uma vida não merece ser vivida
porque apresenta uma deficiência grave, o que implicará um sofrimento para a
mãe.
Mas será
a deficiência algo que diminui o valor de uma vida? Ou, mais ainda, a dor e o
sofrimento intensos são razões suficientes para dar cabo a uma existência
humana?
Talvez
alguns fatos – muito eloquentes – nos digam mais que muitas palavras. A belíssima
cerimônia de abertura da Paralimpíada do Rio emocionou a todos e, novamente,
deixamos um importante legado para o mundo. Um dos momentos mais comoventes no
foi proporcionado pela ex-atleta, Márcia Malsar, que participou do revezamento
da tocha dentro do estádio do Maracanã. Debaixo de uma chuva fina, ela
caminhava com esforço e com a ajuda de uma bengala, mas eis que no meio do
trajeto se desequilibrou e caiu. No mesmo instante o público a aplaudiu de pé.
A atleta, que tem paralisia cerebral, levantou e concluiu seu trajeto de maneira
emocionante.
Ao
contemplar o espetáculo, vem à memória as belas palavras de João Paulo II.
Dizia o santo na sua carta encíclica Evangelium
Vitae que a “coragem e serenidade com que muitos irmãos nossos, afetados
por graves deficiências, conduzem a sua existência quando são aceites e amados
por nós, constituem um testemunho particularmente eficaz dos valores autênticos
que qualificam a vida e a tornam, mesmo em condições difíceis, preciosa para o
próprio e para os outros”.
De fato,
os aplausos das milhares de pessoas que lotavam o estádio do Maracanã foram um
alento inefável para a atleta. No entanto, muito mais valioso foi o exemplo
dela para o mundo todo de que a vida merece sempre ser vivida, por maiores que
sejam as dificuldades, por piores que pareçam ser as suas circunstâncias.
Mas nos
cabe indagar, também, se viria a ofuscar tudo isso a história tão propalada da
atleta belga, Marieke Vervoot, de quem se diz que planeja voltar à Bélgica, seu
país de origem, e entrar com um pedido de eutanásia... Trata-se de uma situação
muito difícil. Convém não desprezar todo o sofrimento por que passa em sua
vida. Porém, talvez a chave para resolver a questão nos seja dada por ela mesma:
“Quando sento na minha cadeira de corrida, tudo desaparece”. Isso nos remente
para a célebre frase do psiquiatra Viktor Frankl: “Quem tem um ‘porquê’
enfrenta qualquer ‘como’”.
Trata-se,
portanto, de dar um sentido profundo e duradouro para as nossas vidas. É que
somente assim se pode constatar que a doença, a deficiência, a dor e o
sofrimento não diminuem nem ofuscam o valor de uma vida. Bem ao contrário,
dão-lhe pleno sentido se vividas por amor por alguém que sabe ter uma missão a
desempenhar nesta breve existência terrena. E assim acaba-se por descobrir que
a felicidade está precisamente em percorrer esse caminho, seja a pé, seja numa
cadeira de rodas ou mesmo amparado por outro que nos supre a cegueira do corpo,
... ou da alma.
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