Lembro de
um fato um tanto pitoresco que nos ocorreu há quase uma década. Trata-se de um
desses acontecimentos divertidos da vida em família que se mantém indelével por
muitos anos no coração e na memória daqueles que o vivenciaram. Dirigia eu
apressadamente para o colégio dos meus filhos pequenos. Uma cena tão
corriqueira numa manhã de segunda-feira... Uma das minhas filhas, então com 3
ou 4 anos ocupava o último banco. Ao me aproximar de um semáforo, notei com
razoável antecedência que ficou amarelo, porém, movido pela pressa, resolvi
arriscar. Logo que passei, ouvi uma vozinha com notório tom de censura vindo do
fundo do carro:
- Pai,
você passou no sinal vermelho!
- Será,
filha? – Respondi tentando disfarçar o mau exemplo – Acho que ainda estava
amarelo...
- Pai,
sinceridade! Digo a verdade ainda que me custe? – Insistiu ela com uma frase
pronta, agora aumentando ainda mais o tom de reprovação na voz.
- Filha,
você tem razão. Estava vermelho. – admiti eu envergonhado.
Mas fiquei
curioso para saber de onde vinha aquela frase e como a soube empregar tão
apropriadamente no contexto em que vivenciou. E a explicação veio em breve: no
colégio há – e já havia naquela época – um interessante trabalho de formação
nas virtudes. Periodicamente se escolhe um hábito bom a ser fomentado nas
crianças, que vem acompanhado de um lema. Naquela oportunidade era a
sinceridade, que tinha o lema sabiamente reproduzido pela criança em censura ao
pai que tentava faltar com a verdade.
Passado
um tempo, refletindo sobre o que aconteceu, foi inevitável confrontar aquele
acontecimento com o meu trabalho profissional. E devo admitir ao leitor que
seria simplesmente maravilhoso se o lema dos que procuram a Justiça fosse esse:
dizer a verdade, ainda que isso custe, ainda que isso implique sacrifícios. E
como seria bom viver numa sociedade em que se pode sempre confiar na palavra do
outro...
Mas a
grata surpresa com aquela instituição de ensino não se limitou a isso. Quanto
mais se conhecia – e se vivia na escola e em casa – o projeto pedagógico, mais
ficávamos encantados com o seu potencial renovador.
Lembro-me,
também, de uma primeira reunião a que fomos convocados. Chamam-na de
preceptoria. Até então, estava acostumado a ser chamado ao colégio somente
quando os filhos apresentam problemas de comportamento. No entanto, aquele
encontro não tinha esse motivo. As crianças em geral estavam bem. O feliz
espanto que nos proporcionou a reunião foi notar que conheciam a fundo cada um
dos nossos filhos. Sabiam reconhecer suas muitas qualidades e, a partir delas,
traçar um plano pessoal de melhora, a ser aplicado coerentemente na escola e em
casa, sempre com um profundo respeito pela liberdade.
Os anos
foram passando, alguns filhos já deixaram essa escola, outros vieram, mas o
nobre ideal que motiva os profissionais que dedicam suas vidas à sublime missão
de formar seres humanos prossegue, aprimorando-se cada vez mais. Hoje, felizmente,
já são centenas de famílias que puderam tomar parte de uma entidade que tem a
cara e o coração de uma família. Mais ainda, que tem por lema ser composta por
famílias que formam famílias. É impossível medir, ao menos com nossa míope
visão terrena, todos os bons frutos que esse maravilhoso empreendimento tem
colhido para a nossa sociedade. Sabem-no muito bem, porém, aquelas e aqueles
que tiveram o imenso privilégio de contar com esse poderoso auxílio da educação
dos seus filhos.
Em breve
o Colégio Nautas completará doze anos de vida. Se fosse um ser humano estaria
saindo da infância e entrando na adolescência. Para aqueles que tiveram a grata
felicidade de tomar parte nesse projeto, porém, será sempre uma criança, dessas
bem pequenas que vemos todos os dias perambulando felizes em suas classes e
parques. E o será, dentro outros motivos, pela sua simplicidade, sua alegria, sua
acolhida sincera e pelo seu amor terno, profundo, sincero e incondicional ao
próximo.
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