Recentemente
o Presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, em resposta a uma operação da
Polícia Federal que redundou na prisão de policiais legislativos a ele
subordinados, sob acusação de obstruir a Operação Lava Jato, lançou duras
críticas ao Juiz Federal que decretou a medida, chegando a afirmar que “o
Senado não pode se submeter a determinações legais de um ‘juizeco’”.
Mas a
reação acintosa do senador não parou na infeliz declaração, mais ainda,
lançou-se numa ofensiva de retaliação, mobilizando forças políticas na
aprovação de mudanças legislativas que representam sério risco à independência
do Poder Judiciário. Refiro-me, em especial, ao Projeto de Lei nº 280, de 2016,
de autoria do próprio Renan Calheiros, que trata do abuso de autoridade. A
pretexto de regulamentar a matéria, cuja legislação atual estaria
desatualizada, insere dispositivos com o nítido propósito de intimidar os Juízes
no combate à criminalidade.
Um
exemplo disso está no artigo 9º do aludido Projeto que, dentre outras coisas,
considera crime, sujeito à pena de um a quatro anos de detenção, o fato de o
Juiz deixar de conceder ao preso a liberdade provisória quando “estiverem
inequivocamente presentes seus requisitos”!
Atualmente,
toda prisão em flagrante deve ser comunicada ao Poder Judiciário para que, se
presentes os requisitos, seja essa convertida em prisão preventiva ou, se não for
essa necessária, seja concedida a liberdade provisória. Caso o Projeto seja
convertido em Lei, porém, o Magistrado que não mandar soltar uma pessoa presa
em flagrante estará sujeito ele próprio a incorrer na prática de um crime,
inclusive com a perda ou suspensão do cargo!
E curioso
é que a proposta de alteração legislativa se dá no bojo do desenrolar da Operação
Lava Jato e de outras investigações promovidas pela Polícia Federal, de modo a
desvendar organizações criminosas que assaltam os cofres públicos, numa
tentativa histórica de acabar – ou ao menos reduzir drasticamente – esse câncer
da corrupção que há décadas corrói as nossas instituições.
Outra
proposta de mudança legislativa é o Projeto de Emenda Constitucional que
desvincula o salário dos juízes daqueles dos Ministros do Supremo Tribunal
Federal. Quanto a isso, pode parecer simpática a medida, sobretudo nos momentos
de crise econômica em que vivemos.
Acontece
que o que está em jogo não é o quanto os juízes recebem, mas a sua
independência. No modelo atual, o Congresso Nacional decide se e quando os
vencimentos dos Ministros do STF poderão ter reajustes. Se isso não convém,
nada muda para os magistrados das instâncias inferiores. Se, ao contrário, for
decidida a recomposição das perdas inflacionárias, todos são beneficiados.
Se acabar
essa vinculação, porém, a recomposição das perdas inflacionárias passa a
depender de Leis Estaduais, no caso da Magistratura dos Estados e de Leis
Federais, para a Magistratura Federal e Trabalhista. E aqui é que entra o
perigoso jogo político do “toma lá, dá cá”.
A
história tem mostrado que quando são deflagradas iniciativas de relevo no
combate à corrupção, os criminosos reagem estrategicamente visando evitar que,
no futuro, possam ser punidos pelas suas falcatruas. E uma estratégia que
funciona é o enfraquecimento do Poder Judiciário.
Não
estamos a sustentar privilégios, alguns talvez insustentáveis mesmo, sobretudo
num cenário de recessão. Tampouco estamos a afirmar que o Poder Judiciário seja
imune a críticas. Bem ao contrário, penso que há muito o que melhorar,
sobretudo na gestão de processos de modo a assegurar maior eficiência e justiça
nas decisões, utilizando-se os mesmos recursos humanos e materiais disponíveis.
Mas em busca dos direitos dos cidadãos precisamos reagir com coragem e
veemência a qualquer iniciativa que vise colocar os juízes em posição de
submissão ao parlamento, instando-os a mendigar aquilo que deve ser assegurado
como direito, ou, pior ainda, serem considerados criminosos quando na verdade
agirem com rigor no combate à criminalidade.
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