Certa vez presenciei uma conversa entre dois
estudantes universitários. Estavam na cantina da faculdade, quando um recusou a
oferta de um salgado, dizendo que não comia carne naquele dia, por motivo de
convicção religiosa. O outro não conteve o riso e o comentário um tanto
sarcástico:
- Mas em pleno século 21 você ainda acredita
nisso?
O estudante que fazia aquele pequeno sacrifício
não respondeu à indagação, talvez porque o amigo não estivesse com boas
disposições para saber os verdadeiros motivos. Assim, com um simpático sorriso e
muita naturalidade mudou de assunto. E então conversa transcorreu sobre outros
temas. Falaram sobre tatuagem, academia, relacionamentos, dentre outros.
O diálogo poderia
passar despercebido. Confesso ao leitor, porém, que me causou forte impressão o
exemplo de fortaleza daquele estudante cristão, que aceitou com bom humor e
naturalidade a crítica do colega.
Mas mais impressionante
ainda, talvez seja o confronto com os demais temas tratados. O mesmo rapaz que
criticava a abstinência de carne por convicções religiosas, contou os inúmeros
desconfortos causados pela nova tatuagem, que tomava parte considerável do seu
corpo. A paciência durante as horas de aplicação, os medicamentos e cuidados
posteriores, os alimentos de que se privou para evitar reações etc. E isso sem
contar as horas de academia, com disciplina e determinação, necessárias para
obter e manter aquele porte físico “sarado”, como diziam.
Diante desse diálogo,
agora dando asas ao pensamento, talvez ele nos remeta a um dado universal no
ser humano: o sofrimento. Com efeito, já dizia Francisco Otaviano em seu poema
mais célebre:
Quem passou pela vida
em branca nuvem,
E em plácido repouso
adormeceu;
Quem não sentiu o frio
da desgraça;
Quem passou pela vida e
não sofreu;
Foi espectro de homem,
não foi homem —
Só passou pela vida,
não viveu.
De fato, todos nós
fazemos sacrifícios em maior ou menor medida nas nossas vidas. A questão que se
coloca, então, é saber em quê e para quê nos sacrificamos. Para obtermos um
porte físico ou modificarmos a nossa aparência? Para crescer na fé religiosa?
Ou ainda para fazer o bem ao próximo?
E a resposta a tais
indagações não é indiferente. Dela depende, em grande medida, a nossa
realização e a nossa felicidade.
Já se afirmou que o
coração humano possui uma porta projetada para abrir para fora. Se tentarmos
abri-la para dentro, quanto mais esforço empreendemos nesse sentido, tanto mais
a fechamos. Com essa linguagem simbólica, quer-se dizer que a nossa felicidade
depende da nossa abertura solícita aos demais. Ao contrário, buscar sempre o
próprio interesse egoísta é fonte de tristeza e desilusões.
Nesse contexto, ocupa
lugar de relevo em nossas vidas a disposição com que nos sacrificarmos pelos
demais. Uma mãe bondosa não fica todo o tempo recordando as horas de vigília e
de preocupação que passou ao lado de um filho pequeno ou doente. Também um
missionário, por exemplo, não conta as penas e sofrimentos que padece no
cumprimento da sua missão. Ao contrário, movem-lhes uma convicção profunda e um
desejo sincero de fazer o bem ao próximo.
E essa questão assume
especial importância no relacionamento conjugal. É que a intensidade e a
veracidade do amor entre um homem e uma mulher se constatam, em grande medida,
na capacidade de se sacrificar generosamente pelo outro. Por isso, marido e
mulher deveriam questionar-se, vez por outra, sobre o que se faz que agrada ou
aborrece o outro.
Com isso, poderiam
constatar que, com gestos simples e pequenos, como guardar os objetos de uso
pessoal no lugar ou esforçar-se para sorrir apesar do cansaço, seriam como que
pequenos tijolos que, ordenadamente colocados, dia após dia, constroem sob
bases sólidas a felicidade do casal e dos filhos, com notória projeção na
sociedade em que vivem.
Parabéns pelo Blog Dr. Fábio! O senhor é uma inspiração para tantas famílias formadas e as que estão se formando, principalmente para mim que milito na área jurídica!
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