Proliferou-se
na mídia e nas redes sociais a notícia de que uma Juíza de Campinas, numa
sentença criminal, teria se valido de expressões preconceituosas. Trata-se de
um processo em que o réu foi acusado de latrocínio. A defesa alegou nulidade do
reconhecimento do réu feito pelas testemunhas. É que a Lei exige que a pessoa a
ser reconhecida deve ser colocada ao lado de outras que com ela tiverem alguma
semelhança. E isso não foi feito.
Enfrentando
a questão, dentre outros argumentos para a condenação, a Magistrada disse: “Vale
anotar que o réu não possui o estereótipo padrão de bandido, possui pele, olhos
e cabelos claros, não estando sujeito a ser facilmente confundido”.
Analisada
a expressão no contexto em que foi utilizada, não há nada de preconceituosa.
Trata-se de um crime grave em que uma pessoa foi morta numa tentativa de roubo.
A defesa buscou a absolvição com ênfase na nulidade do processo, por não se
colocar ao lado do réu outras pessoas parecidas com ele no ato de
reconhecimento. Assim, o argumento foi lançado na sentença de modo a reforçar o
valor probatório do depoimento das testemunhas, que apontaram o réu como o
autor dos disparos que culminou na morte da vítima.
Vejamos,
porém, como os fatos foram noticiados. Revista Veja: “Juíza escreve na sentença
que homem não parecia bandido por ser branco”. Na Globo News, em matéria levada
ao ar recentemente, uma jornalista convidada a comentar o caso, disse
textualmente: “Como eu tenho esse cabelo claro e tenho olho azul, eu posso
matar todo mundo, ou posso fazer qualquer coisa, sair roubando as pessoas
porque eu não tenho estereótipo aí de assassino, né?!”. E, mais adiante, afirma
ela: “se a pessoa é clarinha, de olhinho claro, quem sabe ela tem até uma pena
mais camarada, né?”.
Acontece
que o réu do processo foi condenado a 30 anos de reclusão! E o argumento foi
utilizado apenas para reforçar o valor probatório dos testemunhos, que
apontavam o réu como autor dos disparos.
Talvez
seja ainda uma triste realidade que em nosso País predomina o “PPP” entre os
acusados e condenados. Bem por isso que é notório que os traços físicos do réu
em questão destoam da imensa maioria da população carcerária brasileira. No
entanto, em momento algum a juíza manifestou qualquer juízo de valor acerca
dessa questão.
É célebre
o adágio de que “o texto fora do contexto vira pretexto”. Se trouxermos o mesmo
para ação de certos segmentos da nossa imprensa, é possível afirmar que o texto
fora do contexto, vira pretexto para a injúria, para a difamação e para a
maledicência. Com o devido respeito aos profissionais que agiram assim, é
precisamente isso que se fez no caso em questão. Pinçaram uma frase da
sentença, passando a denegrir injustamente a imagem da magistrada. Tanto que em
muitas das matérias publicadas, dava-se a impressão que o argumento foi
utilizado para absolver o réu!
Vivemos num
momento em que tudo o que possa representar um descrédito ao Poder Judiciário
ganha força na mídia com uma virulência nunca vista. Penso que deveríamos
refletir com coragem sobre o motivo disso. Reportagens como aquelas acima
mencionadas têm como origem apenas uma análise superficial do fato noticiado?
É curioso
notar que tal campanha surge precisamente quando o avanço de operações
policiais, às quais se seguem denúncias pelo Ministério Público e condenações
pelo Poder Judiciário, têm desvendado organizações criminosas e levado ao
cárcere muitos réus de pele, olhos e cabelos claros e, além disso, ricos e
poderosos. Seriam tais ataques neste momento simples e mera coincidência?
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