Ouvi certa vez que o
Natal é um acontecimento alegre para as crianças. Para os adultos, porém,
somente aumenta a tristeza por fazê-los lembrar dos tempos felizes da infância.
Além disso, aquilo que para os menores era motivo de alegria, como a presença
dos primos, dos tios, a ceia e os presentes, para os maiores, não raras vezes,
acaba ensejando tensões e dissabores.
Indagando o motivo
disso, vem-me à memória a célebre frase de Caetano Veloso, em sua composição
Sampa: “É que Narciso acha feio o que não é espelho”. Talvez seja isso o que
acontece. As crianças observam o presépio e veem ali refletido claramente o que
se passa em seu interior. Os adultos, porém, não mais se espelham naquele
acontecimento que, com o passar dos anos, a eles se tornou incompreensível. Com
efeito, a cena reflete simplicidade, solidariedade, paz, anseio de vida, tudo
facilmente encontradiço nas crianças. Quase tudo, ao contrário, acaba ofuscado
nos homens e mulheres que deixaram de ser como as crianças.
Simplicidade. Aquela
gruta é magnificamente simples. Falta-lhe tudo, mas, se considerarmos bem, há
uma alegria tão intensa que se pode pensar que não falta nada.
Solidariedade. Os
personagens que contemplamos são solícitos uns com os outros. O esposo ocupa-se
da esposa e ela, dele e do menino que nasceu em um estábulo, junto com os
animais. E desse desvelo de uns para com os outros brota um ambiente de terna
serenidade.
Conta-se que a madre
Tereza de Calcutá, uma eterna criança, uma vez foi observada por uma pessoa (um
adulto, por certo), que contemplou o beijo e afago que fazia em um doente de
aspecto repugnante. Diante disso, esse homem comentou que “nem por todo
dinheiro do mundo faria isso”. E a bondosa religiosa respondeu: “nem eu”. Por
dinheiro, tampouco ela o faria.
As crianças veem no
presépio três personagens extremamente solidários uns com os outros, e se
alegram porque isso reflete o que elas são. Os que deixaram de ser crianças,
porém, imersos em seu egoísmo, em um afã desordenado de riqueza, de “status”,
de fama, de poder, não conseguem enxergar isso.
Paz. As crianças não se
preocupam se haverá peru, se o vinho será suficiente, se a cunhada chegará
direto para a ceia e não ajudará na preparação... Nada disso lhes preocupa. Afina,
é Natal! Talvez se preocupem um pouco em como quebrar as castanhas, mas não
hesitarão em deixar as cascas atrás da porta, agora usada como quebra-nozes.
Anseio de vida. O
Menino que se contempla no presépio nasceu para viver. Elas, as crianças,
também. Não se sabe se por uns instantes, ou por cem anos. Não importa, todos
vêm com uma missão e querem alcançá-la.
Se olhássemos para
aquele menino na manjedoura, sabendo de antemão o seu destino, qual seja, uma
vida de renúncias, sacrifícios e incompreensões e, ao final, a morte brutal
numa Cruz, talvez ocorresse pensar: não vale a pena nascer e viver para isso...
As crianças, porém, não
pensam assim. Elas dão a cada minuto um sabor de eternidade. Sabem que o que
vale é o instante presente, sem se importar com o anterior, que já passou, nem
com o seguinte, que não sabemos se chegará para qualquer um de nós.
A todos aqueles que
descobriram a maravilha de ser uma eterna criança, um Feliz Natal!
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