Era
uma manhã chuvosa e fria de junho. Ana Maria deixou a filha na Universidade e
aproveitou para passar no supermercado. Enquanto retornava à casa veio à
memória o anúncio de um comercial que acabara de ler: “para os eternos
namorados...” e seguia a frase que sugeria o consumo de um determinado produto.
“Muitas vezes ouvi essa frase”, pensou ela consigo, “mas nunca parei para
pensar no seu sentido. O que quer dizer ser namorada de alguém para sempre?”.
Subitamente
veio a recordação dos tempos de seu namoro. Naquela época era impressionante o
esforço que o José Carlos fazia para estar com ela. Embora fossem da mesma
cidade, ele cursava engenharia numa cidade distante. Apesar disso,
encontravam-se quase todos os finais de semana. E isso sem contar os longos
telefonemas que tiravam seu pai do sério quando chegavam as contas...
Agora
estão casados há trinta e cinco anos. O filho mais velho já se casou e aguarda
ansioso o primeiro filho. Ela própria anda um pouco insegura sobre como exercer
o papel de avó. O filho do meio arrumou um trabalho no exterior e partiu há
seis meses. Resta apenas a Rita, a caçula, que se forma no final do ano, de
modo que Ana Maria já é assolada pelo medo da síndrome do ninho vazio.
“Mas
o que há no namoro que se perde no casamento a ponto de nos desejarem, com
certa nostalgia, que sejamos eternamente namorados?”, voltou ela às suas
considerações. “Será o casamento uma espécie de veneno que mata o amor a ponto
de nos desejarem a todo instante que sejamos apenas ... namorados?”.
Vez
por outra Ana Maria tinha esses “surtos filosóficos” que a move a buscar os
porquês das coisas. Dessa vez o tema é mais intrigante, pois toca diretamente
em suas escolhas e decisões. E eis que vem, então, aquela cruel indagação: “sou
feliz no meu casamento?”.
“É
claro que sou”, respondeu ela sem hesitar. E, com o sentido prático que lhe é
peculiar, passou a ponderar as vantagens do namoro e do casamento. “De fato, na
época do namoro ele era mais gentil, interessava-se mais por mim, esforçava-se
por dizer coisas que me agradavam, reparava de verdade em mim e frequentemente
me dizia que estava bonita”.
“Depois
que nos casamos”, prosseguiu ela em suas comparações, “de certo modo entrou a
rotina em nossas vidas. O nosso amor passou por muitas provas. Os nossos filhos
nos uniram, mas também trouxeram dificuldades na educação, que por vezes
acentuaram nossas divergências. Também tivemos os problemas profissionais, as dificuldades
econômicas... Mas há, também, uma vantagem na minha vida de agora. Quando
namorávamos, considerava que o nosso relacionamento poderia se romper a
qualquer momento. Mas se há uma coisa que aprendi a admirar nele é que é um
homem suficientemente honesto para honrar os compromissos que assume, de modo
que nós nunca tivermos a menor dúvida de que uníamos nossas vidas para sempre”.
Como
resultado dessas elucubrações matinais, Ana Maria pensa ter encontrado a causa
do insucesso de muitos relacionamentos: “Por um lado, não se pensa em agradar o
outro, mas apenas que o outro seja instrumento de prazer para si. E, por outro
lado, perde-se o sentido de compromisso que é fundamental nessa relação. É
verdadeiramente possível manter, após o casamento, a parte boa do namoro que é
a alegria de compartilhar as vidas, o afã de se sacrificar pelo outro. Mas há
que se acrescentar outro ingrediente que é o compromisso. Assim, não se trata
de uma relação edificada na instabilidade de um sentimento, mas na fortaleza de
uma vontade que sabe amar e querer amar cada dia mais e melhor”.
Mal
terminava essas considerações, tocou a campainha da casa. Era um entregador que
trazia um exuberante e belo buquê de rosas. Ainda que não fosse muito emotiva,
não conseguiu conter as lágrimas ao ler o cartão: “EU, JOSÉ CARLOS, TE RECEBO
ANA MARIA, COMO MINHA ESPOSA, E TE PROMETO SER FIEL, NA ALEGRIA E NA TRISTEZA,
NA SAÚDE E NA DOENÇA, AMANDO-TE E TE RESPEITANDO POR TODOS OS DIAS DA MINHA
VIDA. Eu te amo 350 vezes mais do que te amava há 35 anos, quando proferi essas
palavras! Feliz dia dos namorados! José Carlos”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário