Durante uma refeição pedi a minha
filha, de seis anos, que me passasse uma travessa, ao que ela me corrigiu
prontamente: “como se fala?”. De fato, esqueci-me de dizer-lhe “por favor”.
Esse episódio, aparentemente sem importância, talvez nos remeta a considerar a
qualidade dos nossos diálogos.
Entre os jovens e
adolescentes predomina uma maneira de se comunicar que choca muitos adultos. As
mensagens de celular e as conversas pela INTERNET são um verdadeiro assassinato
da língua portuguesa. E, mesmo pessoalmente, dão a algumas palavras um
significado bem peculiar, diferente do sentido tradicional. Tanto assim que o
adjetivo “suave” significa bom, ótimo, ou algo semelhante. “Demorou” quer dizer
concordo, combinado etc. Mas haverá algo de inconveniente nesse fenômeno?
Não pretendo analisar a questão
sob o aspecto puramente linguístico. Os especialistas no assunto bem o sabem
que a língua é dinâmica. A mudança na forma de se comunicar, ao menos sob o
enfoque do comportamento humano, interessa-nos na medida em que reflete o que
as pessoas que se comunicam trazem em seu interior. Afinal, a boca fala do que
está no coração. Assim, valores como a reverência à autoridade legítima, o
respeito ao próximo e a amizade verdadeira se tornam manifestos pela maneira de
se comunicar.
Não raras vezes, em audiência,
usando a toga de magistrado, deparo com jovens que se dirigem ao juiz como
“você”. Não é possível caracterizar isso, de plano, como uma falta de respeito.
Pode ser que o rapaz conviva em ambientes em que o pronome de tratamento
“senhor” é exclusivo das pessoas idosas, de modo que usá-lo fora desse contexto
seria chamar o seu interlocutor de velho, como se isso fosse depreciativo... No
entanto, essa mesma atitude, não raras vezes, denota mesmo uma clara irreverência,
uma atitude interior de falta de consideração com todo tipo de autoridade.
Talvez muitos de nós já
tenhamos assistido a algum desses programas de auditório em que alguma atriz
recebe como referência elogiosa frases do tipo: “a irreverência de Fulana de
Tal”, como se isso fosse uma virtude. Ainda que sutil, trata-se de uma inversão
de valores. A reverência e o tratamento cortês e respeitoso é que são
qualidades e não o contrário. Nesse contexto, é um grande desfio do educador,
em especial os pais e professores, formar nos filhos e alunos uma postura
respeitosa diante de toda autoridade legítima, a começar por eles próprios
(mestres e genitores).
Nesse assunto, convém não
esquecermos um desvirtuamento que estaria no extremo oposto. Refiro-me àqueles
diálogos aparentemente respeitosos, entre as mulheres com uso e abuso dos
diminutivos; entre os homens, carregados de referências elogiosas, que não
refletem o que se passa no interior de quem diz. São frutos da hipocrisia,
ditados pelo puro interesse. Nesse cenário, também muitas vezes presenciado por
nossos filhos e alunos, convém ensinar-lhes a viver a sinceridade, de maneira
que o modo de falar seja, tanto quanto possível, “sim” quando for “sim” e “não”
quando for “não”. Não se trata de estimular a grosseria, mas a veracidade, sem
rodeios nem falsidades.
Outro dia tomei um ônibus urbano
em Campinas. Era uma manhã fria. Logo que o motorista acelerou, sentia-se um
vento cortante que penetrava por uma janela aberta. Um homem, que aparentava um
sessenta anos, levantou-se e perguntou a uma mulher sentada no banco de traz:
“A senhora se incomoda que eu feche a janela?”. Ela ficou surpresa com a
delicadeza, um tanto incomum naquela situação, mas logo concordou com o pedido.
Atitudes como essa fomentam um bom ambiente. E, como o bem é difusivo, animam
os outros a fazer o mesmo. Imbuídos desse mesmo espírito, convém que nos
questionemos, vez por outra, sobre como têm sido os nossos diálogos, sobretudo
na família e com aqueles que nos são mais próximos.
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