Há um consenso, ao menos em
teoria, sobre a necessidade de se cultivar os bons valores na família, na
escola, nas empresas, no serviço público e na sociedade em geral. No entanto,
há uma forte resistência em se sustentar a necessidade de se formar as pessoas
nas virtudes. É como se essa palavra trouxesse um ranço de religiosidade que
deva ser evitada.
Nesse cenário, fala-se em valores
como uma espécie de eufemismo para as virtudes. Muitas vezes, porém, se evita
pura e simplesmente falar nessa última pelo comprometimento ou esforço que ela
exige. Mas será que as expressões têm o mesmo sentido? Mais ainda, a mulher e o
homem moderno poderão simplesmente abandonar a luta para adquirir virtude,
quiçá por não mais ser necessária no mundo em que vivemos?
Penso que os valores sempre foram
e sempre serão fundamentais em qualquer organismo social. Eles expressam aquilo
em que se acredita e dá sustentação às
instituições. Tomemos como exemplo o respeito numa família ou numa escola. Uma
vez definido como um bem, ele passa a orientar as decisões e a própria
convivência.
Porém, ainda que os valores sejam
de especial relevância, eles são externos aos indivíduos e não asseguram, por
si sós, que as pessoas ajam de maneira coerente com o que se prega. Tomemos
como exemplo uma escola ou uma família em que se cultiva a solidariedade.
Poderá, nesse caso, promover eventos que estimulem as ações solidárias. Poderá,
também, expor aos alunos ou aos filhos a importância disso na convivência. No
entanto, por muito que se fale e pregue, praticar ações práticas e concretas
pelo bem do outro sempre custará esforço, sendo necessário, muitas vezes,
superarmos a nossa tendência ao egoísmo e ao comodismo.
Assim, é perfeitamente possível
proferirmos belas palavras ou discursos sobre a solidariedade e, no entanto,
diante de uma necessidade concreta de um irmão ou de um colega, tratá-lo com
indiferença ou sequer notarmos que passa por uma dificuldade que o faz triste
ou abatido, necessitado de um pouco de atenção e carinho.
Diante disso, é fundamental
adquirirmos virtudes. Elas são necessariamente interiores e pessoais. A sua
aquisição pressupõe um esforço reiterado e constante. No nosso exemplo acima,
se os membros da família ou da escola se dedicarem a praticar a solidariedade
em ações bem concretas, como realizar pequenas tarefas que façam mais agradável
a vida dos demais, ceder o melhor lugar ao outro, cuidar dos doentes etc., essa
reiteração permitirá que se formem hábitos bons. Esses, por sua vez, predispõem
as pessoas a atuarem daquele modo. Vale dizer, forjam-se as virtudes. E então
elas estarão no coração das pessoas e não apenas na sua boca, no papel ou no
regimento escolar.
Lembro-me de uma discussão que
presenciei entre dois colegas na Universidade, que talvez ilustre o que estamos
a sustentar. Caminhavam nas imediações do Largo de São Francisco, em São Paulo,
quando um pedinte se aproximou. Um deles parou, escutou o que o outro pedia,
fitando-lhe com respeito nos olhos e ouvindo atentamente. O estudante, apesar
dos parcos recursos, foi a um restaurante e comprou um prato feito,
entregando-o ao mendigo. O outro, então com fortes convicções marxistas,
protestou: “Você está estimulando o capitalismo selvagem! O problema está nas
instituições. Enquanto a classe proletária não se levantar contra a
concentração da renda e contra essa burguesia que explora o trabalhador, não
resolveremos o problema desse homem!”.
Com muito senso de humor, mas
também com valentia, respondeu o primeiro: “Camarada, mas enquanto a revolução
não chega, a classe proletária precisa comer!”. E, depois, de uma descontraída
risada, prosseguiu: “Vamos tomar uma cerveja!”.
Os valores e as ideologias, por
si sós, não mudam as pessoas por dentro. E se elas não se transformam, tampouco
irão renovar a sociedade, que é formada por seres humanos. Por isso, é
fundamental que haja bons valores na escola, na sociedade e em qualquer grupo
social. Mas são as virtudes, arraigadas nos seus membros, que os sustentam e
fazem com que se traduzam em ações concretas, aptas a fazer esse mundo mais
humano.
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