Em uma viagem que fiz há poucos
anos com a família, após insistentes pedidos de um filho “Pai, posso comprar
isso”, “Pai compra aquilo”, já sem paciência, soltei uma bronca: “Você está
proibido de conjugar o verbo ‘comprar’ por hoje!”. Passados alguns minutos,
talvez percebendo que a cara de irritação do pai havia passado, voltou a
insistir: “Pai, posso trocar dinheiro por aquela lembrancinha?”.
Foi inútil o esforço por não rir.
E em breve todos caímos numa gargalhada. Alguns dias após, perguntei-lhe por
que motivo insistia tanto em comprar aquelas bugigangas. E então ele respondeu:
“É que quando estamos passeando, vejo as coisas e penso nos meus amigos, nos
meus irmãos, e fico imaginando que pudessem gostar daquele objeto”. Confesso
que fiquei desconsertado, principalmente porque já havíamos retornado e não
podia mais aceder aos seus pedidos, fortemente marcados pela generosidade
daquele coração de criança.
Esse fato me fez recordar outro,
que ainda que por via oposta, talvez nos remeta a um mesmo ponto de chegada. Eu
dizia a um grande amigo, desses que sempre tem um bom conselho para cada
situação, que não gosto de comprar presente, pois tenho uma dificuldade
terrível para escolher. Mais ainda, só de pensar que tenho de ir a uma loja
para essa finalidade, isso me dá nos nervos. A sua resposta, cheia de
sabedoria, merece ser transcrita. Disse ele mais ou menos o seguinte:
“É compreensível que umas pessoas
tenham mais facilidade que outras para dar presentes. Que uns se lembrem mais
que outros das datas especiais e comemorativas. Que uns se dediquem mais que
outros a telefonar para os pais, parentes, amigos e filhos. Que uns visitem
mais os doentes e os aflitos que os outros etc. Porém, por detrás de desculpas
do tipo ‘não levo jeito para presentear’, ‘não gosto de falar ao telefone’,
‘sou muito distraído ou esquecido’ ou ‘não me apetece fazer visitas’, pode se
esconder uma personalidade egoísta que, precisamente por não pensar nos outros
e ficar habitualmente pensando somente em si próprio, depara-se com uma
terrível dificuldade nesses momentos”.
Estou certo de que tinha toda
razão. De fato, por que não nos esquecemos do horário do esporte de que mais
gostamos, ou daquela confraternização com os amigos? E, por outro lado, quantas
vezes aquilo que a esposa (ou o marido) nos pede, muitas vezes fica para um
terceiro ou quarto plano, de modo que o máximo que lhe fazemos é repetir:
“Puxa, desculpe-me, esqueci!”.
É costume muito antigo
presentearmos aqueles a quem amamos no Natal. E penso ser uma prática muito
saudável. Não se trata de estimular um consumismo exagerado, nem de criar
aflições quando nos faltam os recursos para isso. Na verdade, uns dos
iniciadores desse costume, os pastores que primeiro receberam a grande notícia
do nascimento do Menino, na sua pobreza e simplicidade, teriam presenteado com
o que possuíam: queijo, manteiga, talvez uma pequena ovelhinha... E esse
pequeno gesto externo é o transbordamento de um coração enamorado.
Talvez muitos casais se lembrem
com muita ternura dos presentes que trocavam na época de namoro. Por vezes eram
objetos muito simples, mas que adquiriam um valor enorme precisamente pelo amor
encarnado nesse gesto. Oxalá não se perca, com os anos de vida em comum,
costumes como esses, aptos a manter cada vez mais jovial o amor conjugal.
É Natal! Que os presentes que
nesta noite trocamos sejam na verdade um ato exterior que aponte para um
propósito interior: de fazermos da nossa vida uma doação desinteressada aos
demais.
Quando damos algo a alguém,
perdemos aquele objeto que o outro recebe. Quando nos doamos a nós próprios,
notamos então o grande paradoxo do amor, pois não nos perdemos, mas nos
encontramos e recuperamos a nossa verdadeira identidade. E, com ela, também a
felicidade, tão intensa e sincera que nada nem ninguém nos poderá arrancá-la.
A todos um Feliz e Santo Natal!
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